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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.7 no.13 Lisboa mar. 2016

 

EDITORIAL

EDITORIAL

Uma segunda identidade

A second identity

 

João Paulo Queiroz*

*Portugal, par académico interno e editor da Revista Estúdio.

AFILIAÇÃO: Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas-Artes, Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes (CIEBA). Largo da Academia Nacional de Belas-Artes, 1249-058, Lisboa, Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:

Partindo do tema da identidade interroga-se a duplicidade disfórica entre o idêntico e o diferente, recorrendo a outras áreas do conhecimento. Para haver diferença é necessário um idêntico referencial. Um oposto ao que é diferenciado, relembrando a oposição estabelecida por Darwin entre "caracteres genéricos" e "caracteres específicos". Tomando os discursos como um paralelo para as espécies, discutem-se semelhanças. Apontam-se os temas em debate em cada um dos artigos publicados na "Estúdio 13." Termina-se com a suspeita que o sentido de um se encontra naquilo que se não é, nos outros.

Palavras-chave: identidade, caracteres genéricos, caracteres específicos.

 

ABSTRACT:

This text is based on the theme of identity, and it puts into question the dysphoric duplicity between the identical and the different, in several areas of knowledge. To have a difference one needs an identical as a reference. That is an opposite to what is different, recalling the established opposition between Darwin's "generic characters" and "specific characters." Taking discourses as a parallel to species, the text discusses similarities. The topics for discussion are pointed out in each of the articles published in "Estúdio 13." This ends up with the suspicion that the sense of oneself is to be found in what oneself is not: in the other.

Keywords: identity, generic characters, special characters.

 

A revista Estúdio inaugura neste começo do seu sétimo ano de existência uma periodicidade mais exigente: publica-se agora com um ritmo trimestral. Subjacente a esta alteração está o fluxo constante de artigos cuja qualidade nos parece merecedora de publicação neta plataforma, mantendo-se o desafio inicial: cada artigo é escrito por um artista que se debruça sobre a obra de outro artista.

No número 12 da Estúdio tinha-se lançado o tema "Identidade". A muito boa resposta que o tema suscitou levou-nos a desdobrar a publicação dos artigos selecionados em dois números consecutivos da revista. Assim tem-se no presente uma segunda identidade.

Se há uma suspeita da proximidade entre o tema geral da Estúdio – com o seu âmbito geográfico – e a questão da identidade, pois após a coleção destes artigos fica-se com uma certeza: a identidade está no estúdio, nos Estúdios, espalhados nos seus locais. Cada local traz a sua diferença que reclama a sua identidade funda, a sua riqueza insubstituível.

Fala-se de variabilidade e de identidade, sendo uma condição da outra. Neste ponto é pertinente recorrer a Darwin, que lança este olhar dividido, no capítulo 5 de a origem das espécies:

Ponhamos a questão noutros termos: chamam-se caracteres genéricos os pontos pelos quais todas as espécies de um gênero se assemelham e diferem dos gêneros vizinhos; podem atribuir-se estes caracteres a um antepassado comum que os transmitiu por hereditariedade aos descendentes, porque deve ter sucedido muito raramente que a seleção natural tenha modificado, exatamente da mesma maneira, muitas espécies distintas adaptadas a hábitos mais ou menos diferentes; ora, como estes pretendidos caracteres genéricos foram transmitidos por hereditariedade antes da época em que as diferentes espécies se tinham separado do antepassado comum e que posteriormente estes caracteres não tenham variado, ou que, se diferem, o façam apenas em grau extremamente diminuto, não é provável que variam atualmente (Darwin, 2003: 171).

Este capítulo intitula-se precisamente "Leis da variação." Darwin interroga-se sobre a duplicidade disfórica entre um antepassado comum – sinal do idêntico – e os dois tipos de diferenciação: as diferenças antigas e tornadas mais ou menos permanentes, que ocorreram antes de mudanças climáticas ou ambientais, e as diferenças que florescem nas partes mais recentes dos corpos – os caracteres específicos:

Por outro lado, chamam-se caracteres específicos os pontos pelos quais as espécies diferem das outras espécies do mesmo gênero; ora, como estes caracteres específicos têm variado e se diferenciaram desde a época em que as espécies se afastaram do ancestral comum, é provável que sejam ainda variáveis num certo grau; pelo menos, são mais variáveis que as partes do organismo que ficaram constantes desde um longo período (Darwin, 2003: 171).

Na Estúdio não estudamos propriamente seres vivos, mas sim discursos. Como as espécies, há troços do discurso que antecedem as mudanças ambientais (por exemplo, idiomas, algumas regras gerais comportamento) e outros, específicos, que sucedem às mudanças ambientais e contextuais. Por exemplo, as mudanças que abrangem a passagem da modernidade à pós-modernidade serão deste último tipo.

Assim os artigos aqui reunidos dão testemunho de uma referencialidade comum, profunda, antiga, e ao mesmo tempo de uma diversidade discursiva, que corresponde às suas diferenças contextuais.

Orlando Maneschy (Pará, Brasil), no artigo "Artista Viajante: alguns casos na Amazônia" introduz o tema do artista viajante no contexto da Amazónia, desde os exemplos iluministas, expedicionários, aos artistas contemporâneos que se apropriam de uma nova viagem, esta auto-referente e identitária: Luciana Magno e Keyla Tikka Sobral. Os corpos transitam e registam, procurando-se em mapas a traçar de novo.

Já de Keyla Tikka Sobral (Pará, Brasil), desta vez autora do artigo "A construção de uma cartografia poética de determinada produção de artistas visuais na Amazônia" toma como ponto de partida uma itinerância entre as cidades da Amazónia Legal, como Porto Velho, Belém, Boa Vista, São Luís, Palmas, Cuiabá, Manaus, Macapá e Rio Branco. São visitados e estabelecidas articulações entre artistas contemporâneos, como Danielle Fonseca (Pará), Orlando Maneschy (Pará), Sávio Stoco (Amazonas), JJ Nunes (Amapá), Joeser Alvarez (Rondónia), Thiago Martins de Melo (Maranhão), e também Marina Boaventura (Tocantins).

Marcos Rizolli (São Paulo, Brasil) em "Lucia Castanho e o mito do coração como lugar dos sentimentos" apresenta esta artista de Sorocaba (SP) debruçando-se em particular sobre a serie de objetos e pinturas "Coração de Ofélia" de 2014-5, onde a personagem de Shakespeare (Hamlet) é visitada na materialidade do coração, dos espinhos, do sofrimento e da morte, atualizando a discussão e trazendo-a para o âmago da identidade discutida nas polaridades feministas.

A discussão sobre o feminismo pode ser atualizada por um olhar sobre a sua expressão corporal, presente no artigo "A Identidade da Mão e as Anatomias do Nu no Desenho e no Desenhar de João Cutileiro" de Shakil Rahim & Ana Leonor Madeira Rodrigues (Lisboa, Portugal) onde o "desenho desbastado" de corpos de mulheres, executados por um escultor, é analisado.

Mar Garrido (Granada, Espanha), no texto "Flexibilidad de las formas," aborda os chapéus, ou melhor, as "esculturas de usar na cabeça" de Javier Arteta, artista e designer.

O artigo "Frans Krajcberg: a identidade brasileira revelada através do olhar para a natureza" por Márcia Piva (São Paulo, Brasil) apresenta a obra do escultor, que, depois de ter lutado pelo exército soviético na segunda guerra mundial e visto toda a família desaparecer no holocausto nazi, e a seguir viver expatriado no Brasil, encarna na madeira a estrutura funda que se interroga até ao mínimo espaço vazio, estabelecendo sempre novas ligações entre os corpos, suportando-as.

Sofia Ré Palmela (Lisboa, Portugal) introduz o tema do estilismo de moda, em "Nuno Gama e a identidade que se veste", discutindo as influências sociopolíticas na obra deste autor: os seus corpos querem ser felizes, mas exibem máscaras que tapam a apenas a boca e forçam a tristeza desenhada.

Em "Deconstruyendo la identidad masculina: Manuel Antonio Domínguez y el hombre sin cabeza" de José Manuel García (Sevilha, Espanha) apresenta, através das aguarelas e colagens de Domínguez, o debate da masculinidade, renovando os temas dos grupos de rapazes e do poder dos homens, atualizando a discussão sobre o género e a sua codificação em direção ao poder mais abstrato, sem cabeça.

Tatiana Lee & Rafael Schultz Myczkowski (Santa Catarina, Brasil), no artigo "Identidade tecida: Rosana Paulino costurando os sentidos da mulher negra" apresentam através da obra desta autora o seu confronto com o passado esclavagista e a contradição entre a intimidade dos corpos (a ama de leite) e a condição feminina escrava, reafectando as discussões sobre o género através das funcionalidades orgânicas e culturais.

O texto "Identidades de naufrágio: derivas entre lo local y lo global en las instalaciones de Alexis Leiva Machado (Kcho)" María Silvina Valesini (La Plata, Argentina) reflete sobre a obra do artista cubano Kcho, que incorpora nas suas instalações, com os seus barcos, ora autênticos, ora de brincar, uma condição humana que ultrapassa a insularidade, e ao mesmo tempo visita a condição política da existência entre os homens que se movimentam pelos seus meios: os barcos parecem encarnar a condição de "heterotopia" (Foucault, 1984) que, agora em 2015, os trouxe aos olhares como novas linhas de fronteira, desta vez mais mortíferas que os muros de Berlim.

Omar Khouri (São Paulo, Brasil), no texto "As incursões gráficas e pictóricas de Tadeu Jungle (ou, o elogio do ruído)" introduz a poesia visual brasileira, na obra deste autor "inter-semiótico" que interroga o seu local, a sua identidade, através de constantes ironias gráficas autorreferenciais: você está aqui.

O artigo "Um desvio para o imaterial: Sandro Novaes" João Wesley de Souza (Vitória, Espírito Santo, Brasil) introduz as pesquisas sobre a materialidade do desenho, e a sua relação com a emancipação da representação.

Eugenia Romero (Vigo, Espanha) em "La Ribot: Corpo Cero na Escena Expandida" apresenta a dança contemporânea expandida através do corpo da espanhola La Ribot, visitando-se aqui a identidade de género e o corpo articulado, ou confrontado, pelo male gaze (Mulvey, 1975).

No artigo "Figura Antropomorfa e Identidad Cuestionada en la obra de Juan Muñoz," Iratxe Hernández (País Basco, Espanha) mostra a exploração das máscaras e feita pelo escultor Juan Muñoz, visitando algumas das suas peças que nos interrogam por nos mostrar quem somos.

Mauricius Farina (São Paulo, Brasil), em "O lugar como acontecimento nas imagens de Luiz Braga," apresenta este fotógrafo brasileiro que desde os anos 80 resgata personagens com os seus contextos, construindo novas totalidades: os ambientes incorporam os seres de modo visual e quase orgânica.

A capa deste número da Revista Estúdio foi-nos sugerida pelo artigo "Obsesión y oscuridad en la obra de José Carlos Naranjo," de David Serrano (Sevilha, Espanha). A obra do pintor José Carlos Naranjo tem vindo a suscitar crescente interesse entre outros artistas, como este artigo testemunha. O seu "realismo sujo" confronta pessoas que fogem da sombra, corpos consumidos pela carnalidade, que parecem ignorar que se encontram em fuga permanente.

Cristiane Terraza (Brasília, Brasil) no artigo "A composição urbana em Corpos Informáticos" apresenta a atividade do grupo de artistas de Brasília "Corpos Informáticos" que, ao contrário da sua denominação, se dedicam a intervenções de "fuleragem", com realce para o parque "kombeiro" entre outros dispositivos de interação pública.

O artigo "Historias de vida: la memoria biográfica-narrativa en la obra de Miguel Romero" de Yolanda Spínola & Emilia Obradó (Sevilha, Brasil) apresenta a obra fotográfica de Miguel Romero, mais precisamente a série "mostra-me os teus negativos." Nestas imagens (em negativo), adivinha-se a irrealidade de corpos que nos mostram os seus negativos – agora vistos como as únicas realidades positivas. A fotografia como uma forma de olhar através do invisível negativo do quotidiano.

Eduardo Vieira da Cunha (Rio Grande do Sul, Brasil) no artigo "Ruby e a autorrepresentação: encenações de questões de identificação e de identidade em imagens codificadas" aborda um filme de média-metragem (HD, 17') de Luciano Sherer, que, num alter ego Ruby, expande os limites da ficção em direção à materialidade das referências, tocando a superficção.

A identidade engana os incautos: o que ela mostra é o que ela esconde. Escondido atrás de ti, estão os que te chamam, os que te interpelam, os que te preenchem o sentido. Este, pleno, parece formar-se no outro. Afinal, os indivíduos podem ser como as palavras: o seu significado depende de todas as outras palavras ausentes.

 

Referências

Darwin, Charles (2003) A Origem das Espécies, no meio da seleção natural ou a luta pela existência na natureza. Tradução do doutor Mesquita Paul. Porto: Lello & Irmão. [Consult. 2016-02-09] Disponível em URL: http://ecologia.ib.usp.br/ffa/arquivos/abril/darwin1.pdf        [ Links ]

Foucault, Michel (1984) "Of Other Spaces, Heterotopias." Architecture, Mouvement, Continuité 5 (1984): 46-49. [Consult. 2016-02-09] Disponível em URL: https://aufklarungsofia.files.wordpress.com/2011/06/outros_espacos.pdf        [ Links ]

Mulvey, Laura (1975) "Visual Pleasure and Narrative Cinema." Screen, 16 (3): 6-18. doi: 10.1093/screen/16.3.6        [ Links ]

 

Recebido a 10 de janeiro de 2016 e aprovado a 11 de janeiro de 2016.

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: joao.queiroz@fba.ul.pt (João Paulo Queiroz)

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