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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.7 no.16 Lisboa dez. 2016

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

Sob o céu de Veneza : o português João Louro e o brasileiro André Komatsu

Under the sky of Venice: the Portuguese João Louro and Brazilian Andre Komatsu

 

Neide Marcondes* & Nara Silvia Marcondes Martins**

*Brasil, artista visual. Membro do Conselho Editorial. Licenciatura e bacharel em Desenho e Plástica. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes Bauru (IAUNESP), mestrado e doutorado em Artes, Universidade de São Paulo, Escola de Comunicação e Artes (ECA, USP).

AFILIAÇÃO: Universidade Estadual Paulista, UNESP, Instituto de Artes e Universidade de São Paulo (IAUSP), Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina- PROLAM. Rua Quirino de Andrade, 215 CEP 01049-010, São Paulo, Brasil.

**Brasil: artista visual. Licenciatura em Artes Plásticas, Escola de Belas Artes de São Paulo (FBASP), bacharel em Comunicação Social, Faculdade Armando Alvares Penteado (FAAP), mestrado em Artes Visuais, Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes (IAUNESP), doutorado em Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo.

AFILIAÇÃO: Universidade Presbiteriana Mackenzie, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU-UPM), Rua Itambé, 143 Prédio 9 – Edifício Cristiano Stockler das Neves, Bairro Higienópolis – CEP: 01302-907 São Paulo, Brasil.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:

O mundo atual afigura-se a uma complicada teia de eventos; artistas narram história/obra nos vários modos de expressão. Fazemos proposta de interpretação/leitura das poéticas de João Louro e André Komatsu, artistas contemporâneos, que participaram da 56ª Bienal de Veneza em 2015, o primeiro português, o outro brasileiro. Louro apresentou-se no Palazzo Loredan e Komatsu no Pavilhão do Brasil. Desordens sociais e urbanas fazem parte da preocupação das obra de artes compõem a ideia atual de uma estética da iminência e algumas vezes distópica.

Palavras chave: arte contemporânea, Bienal de Veneza, instalações, interpretações

 

Abstract

Today's world seems a complicated web of events; artists narrate in various modes of expression. We propose an interpretation / reading of João Louro and André Komatsu, contemporary artists, who participated in the 56th Venice Biennale, in 2015 being the first Portuguese, the latter Brazilian. Louro stood in the Palazzo Loredan and Komatsu in the Brazil Pavilion. Social and urban disorders are part of the concern of artworks and build the current idea of an aesthetic of immediacy, and sometimes dystopian.

Keywords: contemporary art, Venice Biennale, installations, interpretations

 

Introdução

O mundo atual e a sociedade contemporânea afiguram-se a uma complicada teia, a de eventos, nos quais conexões de diferentes tipos se alternam, ou se sobrepõem, ou se combinam, determinando assim a textura do todo. Vivendo em um mundo que nos parece incerto, confuso, caótico, mundo líquido (Bauman, 2005) não devemos contribuir para esta, então, chamada obscuridade, tentando criar verdades absolutas, claridades impossíveis. As obras são claramente epocais; o caráter época da obra de arte está na ideia de ser capaz de sempre fundar uma época/tempo/espaço, em torno dos quais se desenrolam, se organizam os acontecimentos e movimentos histórico-artísticos (Marcondes, 2002).

Se o artista narra sua história/obra nos vários modos de exibi-la, a proposta de interpretação/leitura é um trabalho ativo de ver o ser-aí-obra; abre-se assim uma sequência ilimitada de leituras o que permite uma descontextualização para uma outra situação.

Eleger uma interpretação/crítica esbarra-se em uma individual e subjetiva, a segunda uma objetiva que varia conforme o crítico estudioso e a terceira interpretar o mundo histórico da obra (Llosa, 2015). São perspectivas contemporâneas, de uma leitura que Gianni Vattimo (1991) também propõe em Ética e Interpretação e Nestor Canclini em Sociedade Sem Relato (2012).

A obra elege seus próprios heróis, sua própria invenção e inaugura mundos históricos. As obras e seus artistas estão condicionados não pelo todo social, mas por conjunto de relações que se interagem. Foi dado um giro transdisciplinar, intermedial e global. Estamos no mundo contemporâneo ligados pelas incertezas e a arte ficou desmoldurada (Canclini, 2012).

Não faz sentido buscar a essência da arte, da cultura, da sociedade porque arte é iminência, contingência, sem eficiência pragmática e os fatos artísticos são como a iminência de algo que muitas vezes nem chega a acontecer.

 

Sob o céu de Veneza

A arte contemporânea, nesta atualidade hipermoderna, manifesta-se nos mais variados estilos, procedimentos, formas, atitudes e possibilita o conflito de interpretações. A 56ª Bienal de Veneza 2015, intitulada por All the World's Future exibiu espetáculo artístico exibiu nos Pavilhões do Giardini, no Pavilhão do Arsenale e em vários Palacios uma chamada arte desamoldurada. Os artistas João Louro e André Komatsu, artistas contemporâneos, o primeiro português e o segundo jovem brasileiro, foram escolhidos, convidados para a Bienal de Veneza 2015.

João Louro cursou arquitetura e pintura na Universidade de Lisboa e apresenta seus trabalhos desde a década de 1990. Seu repertório é um conjunto complexo que engloba pintura, escultura, fotografia, instalações, infográficos e vídeos. Suas obras constituem uma plataforma de leituras cujo sentido está além do horizonte cultural, e sócio-político. Sua visão de artista ultrapassa o minimalismo, a cultura pop, o estruturalismo e pós-estruturalismo. Nas suas ideias dos receptores termina sempre a obra que está incompleta até a chegada dos fruidores/espectadores. No seu percurso individual, Louro trabalha com citações; suas obras são plataformas de leitura, cujo sentido está além da mesma. Realiza uma revisão da história da imagem na cultura contemporânea e resolveu que suas referências atuam como sistemas auto referenciais.

Na Bienal de Veneza 2015 a exposição de João Louro ocupa seis salas do palácio renascentista, o Palazzo Loredan, em Campo Santo Stefano. As salas são revestidas por estantes de livros de uma biblioteca oitocentista com candelabros barrocos em vidro de Murano. O conjunto de 14 obras intitulada I Will your Mirror com subtítulo Poems and Problems (Figura 1), inspirando-se na canção dos Velvet Underground da banda americana da década de 1960. Não é Louro o espelho, mas sim o seu trabalho: uma obra aberta que varia de pessoa para pessoa. O que um vê não é necessariamente o que o outro vê. Uma obra que ganha dimensão no espectador.Basseou-se em fotos, plantas arquitetônicas, maquetes e citações de escritores filósofos entre eles: Walter Benjamin, Samuel Beckett, Gustave Flaubert e Dylan Thomas. O espectador mergulha no seu repertório de temas diferentes, atravessa pelo construído/desconstruído. A imagem conceitual que recepciona os espectadores é intitulada Waiting for someone, e apresenta a área de chegada do aeroporto de Miami. Grupo de homens e mulheres vestidos formalmente empunham cartazes com nomes de passageiros. Atrás deles, João Louro segura o cartaz escrito: Mr. Walter Benjamin.

 

 

Louro comenta que a sua proposta é o contrário daquilo que seria suposto. Em vez de fazer tudo para se evidenciar no evento de arte mais importante do mundo, a sua exposição prefere a rasura, o apagamento. Percorrer as salas do Palazzo Loredan é atravessar as instalações Blind Images e Dead Ends. Blind Images (Figura 2) uma obra ao negro, essencialmente, é um ambiente escuro, sombrio e cinzento. São telas negras acompanhadas de legenda descritiva ou evocativa, o artista Louro retira a imagem fotográfica e revela a legenda. Uma ação não destinada a reenviar a imagem para a invisibilidade, mas mostrar a complexidade da sua leitura.

 

 

A curadora María de Corral coloca que ao mesmo tempo que Louro referencia filósofos e escritores também apropria-se de elementos banais, facilmente reconhecíveis; utiliza elementos como a sinalização das estradas, as fotografias, imagens de capas de discos e livros (Carvalho, 2015). Os Dead Ends (Figura 3), são painéis de autoestrada com referências literárias ou eruditas; e as Covers, pinturas de capas de livros reforçam a ideia e interpretação diante da complexidade da exposição (Gomes, 2015) (Figura 4).

 

 

 

 

O espectador mergulha no seu repertório de temas diferentes, atravessa pelo construído/desconstruído. A imagem conceitual que recepciona os espectadores. Não é preciso arranjar nenhum discurso muito especial para explicar.

Sob o céu de Veneza outro artista, o brasileiro André Komatsu, natural de São Paulo, participou do Pavilhão do Brasil construído em 1964 no espaço mais prestigiado do evento italiano, o Giardini. Nesse espaço em 2015 foi elaborada a instalação intitulada 'É tanto que não cabe aqui' com os artistas André Komatsu, Berna Reale e Antonio Manuel, convidados pelo curador Luiz Camillo Osorio. O Pavilhão do Brasil discute a temática do aprisionamento, tempos que precisamos estar trancafiados num espaço cirurgicamente limpo e falso.

André nasceu em 1978, cursou artes plásticas e design, há dez anos expõe no Brasil e no exterior. Suas obras atuam no universo estético de interferências artísticas pertencentes ao cenário da sociedade mutante glocalizada (Martins, 2011) no século XXI.

O artista trabalha com a representação de processos construtivos e que contém sempre ruínas e a ideia de desconstrução. Um dos procedimentos usuais do artista é recolher entulho das ruas, caçambas e lixos, e atribuir nova função ao que era dejeto, seja para empregá-lo na produção de tridimensionais e instalações, seja para tomá-lo como suporte de desenhos de arquitetura (Ribeiro, 2015) (Figura 5). Hoje é artista exclusivo da Galeria Vermelho em São Paulo (Brasil) com treze anos de existência, a Vermelho estabeleceu-se como uma alternativa à rigidez dos espaços comerciais dedicados à arte, ao incentivar novas ideias e discursos desenvolvidos por artistas emergentes e já estabelecidos. O artista revela uma jornada pessoal inovadora, articulada em sua composição escultural, arquitetônica e artística.

 

 

As obras sugerem impacto visual, são trabalhadas a partir do conhecimento do cotidiano, que se cruzam na trajetória da arquitetura. Foi detentor de prêmios internacionais e nacionais como PIPA – Brasil; participou de residências artísticas em Nova Iorque e no Brasil.

Além de instalações também elabora outras linguagens como fotografia, vídeos, esculturas, mas sempre em narrativa / conceitual em sutil relato. Trabalha com núcleos temáticos que revelam conflitos de um país e mundo fragmentado. A obra na 56ª Bienal intitulada Status Quo aborda o tema do aprisionamento como crítica a uma falsa liberdade em que transita o indivíduo contemporâneo (Figura 6).

 

 

O artista discute a estética do condomínio, teoria do psicanalista brasileiro Christian Dunker (Martí, 2015). A poética e imaginário do artista proporciona interpretações da atual conjuntura, as manifestações de insatisfação e ódio, que vivemos mundialmente. Komatsu criou no espaço do Pavilhão Brasil uma grande gaiola metálica com arames coberta com plástico branco onde questiona a utilização do espaço público. Pode ser o aprisionamento de si ou do outro, na pobreza econômica, na violência física, social e cultural, que é uma maneira de garantir nossa própria e sobrevivência. Na visão do artista a instalação O Estado das Coisas 2 (Três Poderes) os tênis velhos estão pendurados em uma haste como se fosse uma bandeira, símbolo do trabalhador comum, destacando o destemor no uso do corpo e da materialidade, mas que revela os conflitos de um país e de um mundo fragmentado.

 

Conclusão

Podemos concluir que cada ser/artista participa da caogênese (na inventividade da obra), na efervescência anárquica da zona de intersecção entre o micronível (indivíduo – grupo) e o macronível (grupo – sociedade). Conflitos e desordens sociais e urbanos fazem parte da preocupação dos artistas, que estão sempre conceitualmente presentes nas imagéticas; os repertórios se abrem para uma leitura/interpretativa sutil compondo a ideia contemporânea atual de uma estética memorável, da iminência e algumas vezes distópica.

Cada ser/artista participa da caogênese (a inventividade da obra) na efervescência anárquica da zona de intersecção entre o micronível (indivíduo – grupo) e o macronível (grupo sociedade).

 

Referências

Bauman, Zygmunt (2005) Vida líquida. Rio de Janeiro: Zahar, ISBN 978-85-7110-969-8        [ Links ]

Canclini, Nestor (2012) Sociedade sem Relato: Antropologia e Estética da Iminência. São Paulo: EDUSP, ISBN 13: 978-85-314-1369-8        [ Links ]

Cauquelin, Anne (2011) No ângulo dos mundo possíveis. São Paulo: Martins Fontes, ISBN 978-858063-031-2        [ Links ]

Carvalho, Cláudia Lima (2015) O espelho de João Louro na Bienal de Veneza. São Paulo [Consult. 2015-12-18] Disponível em URL : http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/joao-louro-1689579        [ Links ]

Gomes, Kathlen (2015) Sob o sol de Veneza, a obra ao negro de João Louro. [Consult. 2015-12-18] Disponível em URL http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/sob-o-sol-de-veneza-a-obra-ao-negro-de-joao-louro-1695087        [ Links ]

Llosa, Mario Vargas (2015) A orgia perpétua: Flaubert e Madame Bovary. Rio de Janeiro: Objetiva, ISBN 978-85-7962-431-5        [ Links ]

Marcondes, Neide (2002) (DES) velar a arte. São Paulo: Editora Arte e Cultura.         [ Links ]

Martí, Silas. (2015, 8 de maio) "Obras brasileiras na Bienal de Veneza corroem imagem de Brasil potência." Folha de São Paulo, São Paulo. [Consult. 2015-12-18] Disponível em URL: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/05/1626013-obras-brasileiras-na-bienal-de-veneza-corroem-imagem-de-brasil-potencia.shtml        [ Links ]

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Vattimo, Gianni (1991) Etica de la interpretación. Barcelona: Ediciones Paidós, 1991. ISBN 972-708-155-X        [ Links ]

 

Artigo completo recebido a 30 de dezembro de 2015 e aprovado a 10 de janeiro de 2016

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: narasilvia.martins@mackenzie.br (Nara Martins)

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