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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.8 no.18 Lisboa jun. 2017

 

Artigos originais

Original articles

O ambiente amazônico nas obras de Hélio Melo

The Amazonian environment in the works of Hélio Melo

 

Norberto Stori* & Rossini de Araújo Castro**

*Brasil, artista visual. Licenciatura em Desenho e Plástica – Faculdade de Artes Plásticas e Comunicações da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP)/SP. Mestre e Doutor pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Livre Docente em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho (IA-UNESP)/SP.

AFILIAÇÃO: Universidade Presbiteriana Mackenzie, Centro de Educação, Filosofia e Teologia, Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura Rua da Consolação, 930. Bairro Consolação, São Paulo – SP. CEP 01302-907 Brasil. Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM).

**Brasil, escritor. Graduação em Licenciatura em Educação Artística pela Universidade de São Paulo – USP. Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

AFILIAÇÃO: Escola Estadual Parque Anhanguera, Rua São Marcos, 79. Bairro Sol Nascente – Sao Paulo, SP, CEP.: 05283-010 Brasil.

 

Endereço para correspondência

 

Resumo:

O objetivo deste texto é apresentar as obras visuais do artista amazonense Hélio Holanda Melo (1926-2001), contextualizadas em sua vivência como seringueiro e ativista político na Floresta Amazônica, numa época de fortes mudanças de paradigma no manejo da floresta e sua vocação econômica e devido a isso, a produção artística de Hélio Melo apresentou três fases distintas: Sociologia do Trabalho, Crítica Social e Preocupação como Meio Ambiente.

Palavras-chave: Hélio Melo / Amazônia e vivência.

 

Abstract:

The objective of this text is to present the visual works of the Amazonian artist Hélio Holanda Melo (1926-2001), contextualized in his experience as rubber tappers and political activist in the Amazon Forest, at a time of strong paradigm changes in three management of the forest and its economic vocation. And due to this, the artistic production of HélioMelo presented three distinct phases: Sociology of Work, Social Critic and Concern with the Environment.

Keywords: Hélio Melo / Amazonian and experience.

 

Introdução

Hélio Holanda Melo (1926 -2001), que, a despeito de ter nascido na vila amazonense Floriano Peixoto, é considerado um artista acreano. Conhecido também como seu "Seo" Hélio, assim como milhares de seringueiros, foi obrigado a se deslocar para a cidade, aonde, ao chegar, ocupou a periferia social. Já no campo simbólico o artista transitou pelos vários territórios da arte, apropriando-se da linguagem da música, das artes visuais, da literatura e do teatro, que se deu na cidade de Rio Branco (AC). Quando se mudou para Rio Branco, levou a selva consigo e costumava dizer que as imagens o perseguiam e tinha a urgência de retratar a mata.

Nas décadas de setenta e oitenta do século XX, a pecuária e a agricultura extensivas devastavam a floresta amazônica num ritmo alucinado. Como resposta a esta insensatez, o seringueiro-artista Hélio Melo produzia freneticamente paisagens da floresta para advertir que a floresta era finita e deveria ser preservada para o bem comum da humanidade. Para se contrapor à devastação, "Seo" Hélio propunha a vastidão das matas, a diversidade da fauna, à propagação dos valores que aprendera com os índios. Sua obra revela a preocupação de registrar a grandeza da floresta e a noção de convivência harmoniosa com a natureza

A associação de tintas industriais como a tinta nanquim e corantes naturais, dá uma aparência singular às obras de Hélio Melo. Em alguns casos utiliza a textura das folhas para carimbar as nervuras, reproduzindo aspectos de ramagens, arbustos e a própria floresta. Registrou uma Amazônia mística, com animais peculiares e seres fabulosos,entremeados de fenômenos naturais e telúricos. A obra do artista está marcada por denúncias sociais, sem deixar demonstrar uma beleza simples e grandiosa.

 

1. O seringueiro

O artista, que teve como poética o ambiente amazônico a partir de sua vivência, teve três fases distintas. A primeira fase trata de um inventário da vida do seringueiro na floresta. Esta fase compreende o período de 1978 até 1984, onde "Seo" Hélio através de suas obras faz uma sociologia do Trabalho na Amazônia. A floresta com toda sua grandiosidade aufere dignidade ao trabalhador florestal e neste espaço da mata representado por "Seo" Hélio, o ambiente é tranquilo, acolhedor, paradisíaco. Esta maneira de representação cria um paradoxo, embora seu trabalho seja penoso, o seringueiro encontra na floresta a razão de viver. Sua pintura é composta por tonalidades de verde, pois para o artista "existe um verde vivo e outras cores que ninguém consegue definir" (Melo, 2000:144).

A visão de mundo florestal do artista, foi decorrente de sua vivência como seringueiro. O termo "vivência" tem uma conotação filosófica introduzida por Gadamer, em que "algo se transforma em vivência na medida em que não somente foi vivenciado, mas que o seu ser-vivenciado teve uma ênfase especial,que lhe empresta um significado duradouro" (Gadamer, 1997:119).

Hélio Melo representa o seringueiro na sua lida diária de recolher o látex, que, usualmente, os seringueiros chamam leite da seringa. Ele trabalha com seus instrumentos e utensílios de trabalho. Na obra (Figura 1), o artista retratou à direita de quem olha, o seringueiro fazendo o corte na seringueira, isto é, com a lâmina faz o corte na madeira, a estes cortes ele chama de bandeira. Encostada na árvore percebe-se a espingarda para se proteger das feras e ou eventualmente caçar algum animal silvestre para sua sobrevivência e da sua família. Á esquerda de quem olha a obra o artista representou os utensílios básicos para o trabalho do seringueiro, de cima para baixo, são eles: machadinho; raspadeira, bornal; Poronga; tigelinha; balde; capanga ou bosoroca: faca de proteção; saco; espingarda; tubida; sapato de látex e estopa.

 

 

Na obra a seguir (Figura 2), o artista representa dois aspectos da árvore da borracha: "Vista de frente é a Hevea brasiliensis, vista em planta é a estrada de seringa" (Marchese, 2005:100). Na sua pesquisa sobre espaço, representação e identidade do seringueiro no Acre, Daniela Marchese constata, através de experiência de campo, que o desenho misto é o que melhor representa as relações espaciais que os seringueiros estabelecem com os elementos daquele lugar de vida e trabalho.

 

 

Pode-se observar a casa e o seringueiro desenhados frontalmente, enquanto a árvore da seringueira desempenha um duplo papel: se vista de frente, o seu tronco e seus ramos são os da Hevea brasiliensis, mas os mesmos elementos, vistos em planta, são o espigão e as estradas que o seringueiro percorre em giro.

A produção artística de Hélio Melo foi contextualizada numa época de fortes mudanças de paradigma no manejo da floresta amazônica e sua vocação econômica. O próprio artista sofreu na pele a conseqüência de uma política de trabalho baseada na exploração e escravização dos seringueiros pelos coronéis seringalistas. Essa expulsão do seringueiro do seu território decorreu da crise e queda mundial do preço da borracha, resultando na falência dos seringais, o que acarretou numa mudança de modelo econômico para a Amazônia, baseado na substituição da floresta por pasto para práticadapecuáriaextensivaedaderrubadadeárvoresparaconstruiráreasde pastagem em larga escala.

 

2. Surrealismo metafórico

Na segunda fase, embora a obra de "Seo" Hélio retrate as lembranças da mata e a vida do seringueiro, ao sair da floresta para morar na cidade ele se apropriou da modernidade da vida citadina. O artista traz para a sua construção poética o distanciamento entre povo e a classe dominante. Tenta, através de metáforas, associar a classe dos mandatários ao animal burro. De acordo com a Figura 3, o artista apresenta uma árvore de tronco forte, alta, acha-se quase no centro da obra, suportando em um de seus galhos o burro, representando o peso da hierarquia financeira, um sujeito patrão, que utilizou da simplicidade dos seringueiros, como degraus para chegar ao topo e desfrutar da condição de dono para desconstruir uma região transformando-a em algo extremamente nocivo para as futuras gerações. O trabalhador está representado bem abaixo da classe social, no chão.

 

 

Além destas questões a representação do burro no galho de uma árvore e o trabalhador cabisbaixo e de costas para a árvore nos remete ao processo de expropriação do capitalismo nesses últimos 106 anos na Amazônia, resultando em grande massacre de indígenas de várias etnias desde a fronteira entre o Acre e o Peru, na fronteira entre o Acre e a Bolívia e na fronteira entre o Acre e o Amazonas. No tempo áureo da borracha o financiamento para as matanças dos índios conhecidos como correrias dizimou comunidades inteiras de índios.

Na obra "Expulsão dos seringueiros" (Figura 4), de forma metafórica e contundente, o artista denuncia que o gado na década de 1970 expulsou os seringueiros, substituindo assim a velha economia baseada nos seringais para a pecuária extensiva. A resistência dos seringueiros, que passaram de inimigos dos índios a parceiros contribuiu para o declínio da política contra a floresta. Esta luta que resultou na união de inimigos tradicionais – índios e seringueiros – possibilitou a criação da Aliança dos Povos da Floresta, composta por três redes sociais da Amazônia: Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Coordenação das organizações indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), que foram fundamentais na resistência a uma política de desflorestamento para implementação da Agropecuária.

 

 

 

3. A questão ambiental na obra de Hélio Melo

Nas obras da terceira fase, Hélio Melo, utiliza uma didática baseada na experiência. "Seo" Hélio com sua história peculiar, demonstra que, quanto mais circunscrito o repertório do artista, mas chance terá de se tornar universal, de maneira que, ao retratar a floresta, ele registra em sua obra o seringueiro, o Acre, a Amazônia, a questão ambiental e a sustentabilidade. Com isso, relaciona dialeticamente, questões locais com processos universais, globais. Para "Seo"Hélio a Educação Ambiental está relacionada com os conceitos internalizados de ética. Esta ética é aprendida através de contos e histórias fantásticas, em que seres sobrenaturais castigam quem maltrata a floresta.

"Seo" Hélio explica que a Mãe Da Mata castiga o caçador que desobedecer ao código mítico de regulação de acesso aos recursos naturais e acrescenta que quando isso acontece o caçador pode voltar para casa porque o cachorro não quer mais nada com a caçada. Neste universo mítico, seres como a Mãe d'água, o Caboclinho, o Mapinguari, dentre outros seres do universo simbólico do homem da floresta funciona como poderoso código de regulação de acesso aos recursos naturais.

"Seo" Hélio procurou fazer a sua parte na tarefa de criar uma cidadania ambiental, promovia palestras em escolas desde a pré-escola até as universidades, hospitais e asilos, contando sua experiência e de outros seringueiros na convivência com a floresta. Discursava sobre as práticas sustentáveis oriundas de uma relação responsável com a natureza, questões como diminuição da pobreza, justiça social e ambiental, qualidade de vida para os trabalhadores extrativistas, mudança no modelo de desenvolvimento econômico-social da Amazônia e da utilização do conceito de construir sem destruir, baseado nos princípios de convivência sadia entre homem e natureza.

 

Conclusão

Questões histórico-sociais levaram o artista Hélio Melo a expressar uma cultura visual baseada na resistência à política de desflorestamento, contextualizada numa época de fortes mudanças de paradigma no manejo da floresta amazônica.

Além disso, a produção do artista revela um inventário das relações de trabalho do homem que vive na floresta e seu modo de vida tradicional, decorrente de um processo de acomodação e adaptação ao meio que resultou numa sociologia do trabalho.

A produção crítica de Hélio Melo foi proporcionada por sua militância política e religiosa e, de forma muito pessoal, produziu imagens originais, condizentes com a conjuntura histórica. Desenhou e escreveu sobre as matas, os animais, os mitos e os povos da floresta, sempre tendo a consciência da sustentabilidade econômica dos recursos da selva, e o tema de sua obra é o ambiente amazônico.

 

Referências

Gadamer, Hans-Georg. Verdade e Método. Petrópolis: Vozes, 1997.         [ Links ]

Melo, Hélio. O Caucho e a Seringueira, Histórias da Amazônia, Os Mistérios da Mata, Os Mistérios dos Répteis e dos Peixes, A Experiência do Caçador, Os Mistérios dos Pássaros e Via Sacra na Amazônia. Rio Branco: Fundação Elias Mansour, 2000.         [ Links ]

Marchese, Daniela. Eu entro pela perna direita: Espaço, representação e identidade do seringueiro no Acre. Rio Branco: EDUFAC, 2005.         [ Links ]

 

Artigo completo submetido a 19 de janeiro de 2017 e aprovado a 5 de fevereiro 2017

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: nstori@mackenzie.br (Norberto Stori)

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