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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.8 no.18 Lisboa jun. 2017

 

Artigos originais

Original articles

A transnacionalidade de artistas no Museu Afro Brasil: Yonamine e José Pedro Croft

The transnationality of artists in the Afro-Brazilian Museum:Yonamine and José Pedro Croft

 

Neide Marcondes* & Nara Martins**

*Brasil, artista visual, professora titular. Desenho e Plástica FAAC-UNESP; Mestrado em Artes-Universidade de São Paulo-USP; Doutora em Artes – Universidade de São Paulo-USP; Livre Docência em História e Teoria da Arte –UNESP.

AFILIAÇÃO: Universidade Estadual Paulista-UNESP, Professora convidada PROLAM – Programa de Pós-Graduação da América Latina-USP. Praça da Sé, 108 – Sé, São Paulo – SP, 01001-001, Brasil.

 

**Brasil, artista visual, professora pesquisadora adjunto. Habilitação em Artes Plásticas, Licenciatura em Educação Artística (Belas Artes SP); Bacharel em Comunicação Social (FAAP-SP), Mestrado em Artes Visuais (IA UNESP-SP), Doutora em Arquitetura e Urbanismo (FAUUSP).

AFILIAÇÃO: Universidade Presbiteriana Mackenzie; Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Curso de Design. Edifício Cristiano Stockler das Neves. Rua Itambé, 143 – Prédio 9. Higienópolis . São Paulo . SP. CEP: 01302-907.

 

Endereço para correspondência

 

Resumo:

No mundo atual artistas narram história/obra nos vários modos de expressão. A proposta de interpretação/leitura das poéticas dos artistas contemporâneos, Yonamine e José Pedro Croft, que participaram da mostra Portugal Portugueses no Museu Afro em São Paulo. O foco da pesquisa foi analisar se o universo estético de instalações são produtos da mundialização, verificar se a transnacionalidade está presente no produto artístico.

Palavras-chave: arte contemporânea / instalações / transnacionalidade / Yonamine / José Pedro Croft.

 

Abstract:

In today's world artists narrate history / work in the various modes of expression. The interpretation / reading proposal of the poetics of contemporary artists, Yonamine and José Pedro Croft, who participated in the Portugal Portugueses exhibition at the Afro Museum in São Paulo. The focus of the research was to analyze if the aesthetic universe of installation arts are products of globalization, to verify if the transnationality is present in the artistic product.

Keywords: contemporary art / installations / transnationality / Yonamine / José Pedro Croft

 

Introdução

Neste mundo contemporâneo enfrentamos situações de pluralidade com diversidade das relações de sentido, cruzamentos, imbricações e rupturas realizam as complexidades. Estamos em meio de giro transdisciplinar, de intermédias e globalização. Estamos ligados pelas incertezas com o desmoronamento da metafísica e das críticas ao eurocentrismo, longe daquelas preocupações metafísicas do fato econômico, político. O intérprete é o fisiólogo ou médico, considera os fenômenos como sintomas. Há difusão dos aportes teóricos e de debates envolvendo os pensamentos pós e descolonial (Quijano, 2005). O pensamento descolonial exige esforço de desconstrução, desnaturalização do caráter universal que pressupõe a história da humanidade como linear universal sempre para o programa direcionado; entramos em novos conceitos, sem o desenho imperial global monológico e monotópico imposto em nome da civilização. Passa-se então de estudos de culturas locais e nacionais a processos de interculturalidade e transnacional, sem esquecer a inventividade glocal (Martins, 2011). Há uma nova cartografia da percepção e sensibilidade na arte na contemporaneidade, desprovida de relações totalizadas que permite o desvelar as incertezas e os lugares da iminência, segundo Canclini (2012). No capítulo El mundo entero como lugar extraño, Nestor Canclini (2015, p.26) ressalta que não se indaga "De donde es usted?sino De donde viene y a donde va?". Para o autor (2015) multiplicar os pontos de vista, é uma visão da arte expandida sem obrigá-la a representar violências simbólicas ou denunciar a dominação dos legítimos.

 

Exposição Portugal Portugueses – Arte Contemporânea no Museu Afro

Assim presenciamos na exposição em São Paulo, Museu Afro Brasil, a mostra temporária "Portugal Portugueses – Arte Contemporânea" exposta entre 08 de setembro de 2016 a 8 de janeiro de 2017. A preocupação da curadoria de Emanoel Araújo foi reunir artistas contemporâneos expoentes desta nova geração transnacional. Dois artistas se destacaram: o africano Yonamine e o português José Pedro Croft.

Yonamine nasceu em Angola, viveu no Brasil e Reino Unido. Atualmente reside e trabalha entre Lisboa, Luanda e Berlim. Sua obra está presente nas coleções do Banco BIC (Portugal); Centre Georges Pompidou (França); Colecção BPA – Banco Privado de Angola (Angola); Colecção Norlinda e José Lima (São João da Madeira, Portugal); Fundação Ellipse Colecção de Arte Contemporânea (Luanda, Angola); The Frank – Suss Collection (Londres, Reino Unido); Peter Nobel, (Zurique, Suíça) e Museu Afro Brasil (São Paulo).

Seu repertório é, ao mesmo tempo, político e autobiográfico, além de ter forte carga pictórica, na pintura predomina a descolagem. O artista cria poemas e perspectivas, maneja conceitos e organiza intelectualmente suas representações do real (Figura 1). Nos inquieta o estrangeiro, o inabitual, o desconhecido assim como o espaço e a alteridade (Augé, 1996).

A instalação O Pão Nosso de Cada Dia (Figura 2) foi apresentada anteriormente na Galeria Cristina Guerra, em Lisboa, em março de 2016. A obra é uma instalação de parede com cerca de 300 torradas de pão alinhadas, horizontal e verticalmente. Em algumas (consequência do uso de máscaras na torradeira) vem o rosto de Eduardo dos Santos presidente de Angola, há muitos anos no poder. Outras torradas, contem números, que são sinais de poder e autoridade. O artista trabalha com experiências sociais, identidades diferenciadas, nacionais, mas é um artista viajante, porém glocalizado. A desconstrução dos estereótipos africanos dialoga com a arte em obra inquieta e impactante.

 

 

 

 

Nesta instalação, o evento (ereignis) assinala temporalidade epocal (Marcondes, 2002), a espacialização inaugura mundos históricos, incorpora lugares, reúne o entorno e permite o habitar o mundo (Marcondes, 2014). O repertório do artista está contido no conceito epocal, em sentido histórico não significa mais do que um corte gerador de distância, que tem como efeito que acontecimentos posteriores já não possam ser vistos como a direta continuação dos anteriores (Sloterdijk, 2012). Técnicas e motivos são muito vastos: da descolagem ao vídeo, de logótipos de detergentes faz uso de símbolos étnicos, desconstruindo-os em transculturação. Menos como blasfêmia do que provocação e até identificação.

A forma de trabalhar de Yonamine é baseada em conceitos: pensa imagens ou objetos, fotografias velhas, maços de cigarros, texturas curiosas e segue-lhes o rasto para criar e subverter ações e dar-lhes novas leituras semióticas; o mundo como um jogo cósmico de forças e energias contrapostas. Trabalha com a antropotécnica, perfeiçoando as faculdades do homem às necessidades da vida (Sloterdijk, 2012). O artista africano demonstra a distopia em suas obras, do culto do autêntico da remobilização das memórias identitárias. Intui a iminência em suas obras que relatam aproximação urgente como ameaça do que está por acontecer, em relato sutil. Seu mundo é antropológico.

O artista português, pintor e escultor, José Pedro Croft, nasceu em 1957 no Porto, tendo efetuado os estudos na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa, terminando o curso de pintura em 1981. Suas obras são encontradas em diversos acervos europeus como: o Centro de Arte Moderna de Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação de Serralves, Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía na Espanha. Em Portugal na Fundação Berardo e Fundação Elipse além de Sammlung Albertina na Áustria. Tem exposto no Brasil nos últimos anos no Rio de Janeiro no Museu de Arte Moderna e na Galeria Múltiplo, em São Paulo na Capela da Fazenda e na Feira de Arte SP-Arte.

No Museu Afro apresentou obras que estiveram em exposições no Rio de Janeiro e em São Paulo. É representado pela Galeria Filomena Soares de Lisboa. Croft transita em diversas linguagens desde desenhos até instalações. No espaço do Museu Afro o artista português apresenta duas grandes esculturas em aço, vidro e espelhos, que interagem umas com as outras formando uma única peça junto a mais três desenhos. A pintura e escultura se misturam e rompem o quadro para o espaço arquitetônico. A instalação (Figura 3, Figura 4) possibilita a exibição de visões deformadas, que dinamizam forma e espaço, promovem a desordem, lapsos e interrupções de imagens. Os planos apresentam a apropriação do espaço a partir de elementos construtivos. A poética de José Pedro Croft transmite sensações de movimentos assimétricos. O artista discute situação de memória com a superposição de imagens que se expandem e atravessam o espaço da composição.

 

 

 

 

O sentido do espelho não é a devolução correta da imagem. Apresenta mobilidade barroca como operação infinita. Todo o elemento natural se esfuma na atmosfera criando mundo mutante (Martins, 2015). A incerteza está presente no repertório do artista que une arte e arquitetura.

Os desenhos estão dispostos frente aos objetos escultóricos. Como os espelhos são como autênticos palíndromos visuais gerando zonas enigmáticas e fissuras perceptivas. O imaginário também se estabelece a partir da ideia da perspectiva, que dirige o olhar através do espelho e o espelho passa a ser o virtual.

Os três desenhos que compõem a instalação, apresentam técnica mista, trabalhados com gravura, guache, colagem e caneta esferográfica estabelecem relações que mantem a pictoriedade entre os planos. As imagens projetam-se e oferecem o desvelamento de matizes, os desenhos apresentam inquietudes de planos sobrepostos sob paletas cromáticas diferentes. Ao interpretar segundo a gestalt é comum visualizar ideias de contração e expansão dos limites; utiliza planos no espaço que integram com o espectador muitas vezes o desenho aparece como última pele; sua imagética proporciona exercícios de equilíbrios perceptivos. As obras revelam citações de artistas vanguardistas russos Malevich e Rodchenko, assim como o pintor norte-americano Donald Judd (Martins, 2003). Os desenhos organizam em ordens e desordens, constrói ritmos e contra ritmos, cria desequilíbrios na imagem.

Croft utiliza repertório visual a partir de planos, estruturas e ângulos tratados por meio de processos de sobreposição e fragmentação. Quebra os sentidos contemplativos e suspendem o tempo na experiência do incerto. As imagens apresentam realidade vibrante da luz. Assim como na escultura, o entorno se converte em reflexos que contrariam a perspectiva, os desenhos tem alcançado dimensão física que chega a alcançar o tamanho das esculturas (Lopes; D' Eça, 2015).

 

Considerações Finais

Na leitura dos materiais/objetos foram, antes de tudo, instrumentos trabalhados na essência da técnica e são estabelecidos no sentido de construção, ereção e consagração da ideia e imagética. O artista africano Yonamine desorganiza relatos. Pratica a estética da iminência, consciente que a arte não é autônoma, desfataliza as estruturas convencionais da linguagem, dos hábitos dos ofícios, mas não os suprime magicamente. Não faz relato da sociedade, valoriza sim a iminência onde o dissenso é possível, o relato é sutil. Suas obras relatam aproximação urgente como ameaça do que está por acontecer.

As obras conotam a memória de trajetos e momentos que se destilam como paisagens em descontínuo nômade. José Pedro Croft aplica a teoria desconstrutiva, de Jacques Derrida (1980) em sua própria escritura, espelhos descontroem a visão; as obras ativam-se quando delas se aproximam como distintas fachadas de arquitetura. Trabalha com a memória, com o passado, mas também com o presente em espelhos múltiplos que se ligam ao nebuloso (Martins, 2015). Os planos e espaços dos vazios próprios do repertório minimalista são transformados e deformados.

A transnacionalidade é a dissociação entre cultura e território, na arte possibilita encontros de exibição de procedimentos artístico muitas vezes com a presença de artistas multiculturais. Na imagética dos artistas estão sempre elaborados conceitos que sugerem leituras propondo conflito de interpretações situando a ideia atual da estética da iminência e algumas vezes distópica.

 

Referências

Augé, Marc (1996). El Sentido de los otros. Barcelona: Paidos,1996. ISBN: 94493-0226-9        [ Links ]

Canclini, Nestor (2012) Sociedade sem Relato: Antropologia e Estética da Iminência. São Paulo: EDUSP, ISBN 13: 978-85-314-1369-8        [ Links ]

Canclini, Nestor (2015) El mundo entero como lugar extraño. Barcelona: Editorial Gedisa. Colección: Serie Culturas ISNN 978-84-9784-842-8,         [ Links ]

Derrida, Jacques (1980) La carte postale. Paris: Flamarion, ISBN 2082125165.         [ Links ]

Lopes, Susana Sena Lopes; D' Eça, Luís Almeida (2015). Objectos imediatos. Disponível URL: http://www.agendalx.pt/artigo/entrevista-jose-pedro-croft#.V03VWfkrJD8 Acesso: 15 Jan. 2017        [ Links ]

Marcondes, Neide. (2002) (DES) velar a arte. São Paulo: Editora Arte e Cultura, ISBN: 8500000937        [ Links ]

Marcondes, Neide (2014) Arte Contemporânea: Utopia e Distopia em Obras de Artistas Latinoamericanos. p103 a115. In Arte e cultura da América Latina, vol XXXI-2/2014. São Paulo: Sociedade Científica de Estudos da Arte ISBN 9815253-0        [ Links ]

Martins, Nara Sílvia M. (2003) A re-invenção do imaginal moderno na era da globalização. In: MEDEIROS, Maria Beatriz de (Org.). A arte pesquisa. Brasília: Mestrado em Artes-UNB, 2003, v. 2, p. 249-254. ISBN 978-85-61136-02-04        [ Links ]

Martins, Nara Sílvia M. (2011) "Arte e design: projeto poético na contemporaneidade" Revista Estúdio 3. ISSN: 1647-6158 ISSN: 1647-6158 e ISSN 1647-7318. Vol. 2: p 356-363. Disponível em URL: http://issuu.com/fbaul/docs/estudio3/8. Acesso: 13 Jan. 2017        [ Links ]

Martins, Nara Sílvia. M. (2015) Reflexões sobre a produção artística de André Komatsu e José Pedro Croft. Porto Alegre, RS, 2016. A arte: seus espaços e/em nosso tempo Anais [recurso eletrônico] do 25o Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, setembro de 2016, Porto Alegre, RS: ANPAP : UFSM, PPGART : UFRGS, PPGAV, 2016. 1 e-book ISSN 2175-8212. Disponível em URL: http://anpap.org.br/anais/2016/comites/chtca/nara_silva_martins.pdf Acesso:16 Jan. 2017        [ Links ]

Quijano, Aníbal (2005) Colononialidade, poder, eurocentrismo e América Latina. Buenos Aires: Clacso, ISBN 987-1183-24-0         [ Links ]

Sloterdijk, Peter (2012) Ira e Tempo. São Paulo: Estação Liberdade. ISBN: 978-857-449-195-1        [ Links ]

 

Artigo completo submetido a 24 de janeiro de 2017 e aprovado a 5 de fevereiro 2017

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: neidea.marcondes@gmail.com (Neide Marcondes)

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