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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.9 no.21 Lisboa mar. 2018

 

EDITORIAL

EDITORIAL

Habitats, casas e seus objetos: para uma reatualização da Natureza-Morta

Habitats, homes and their objects: updating the still-life

 

João Paulo Queiroz*

*Portugal. Editor da Revista Estúdio.

AFILIAÇÃO: Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas Artes, Centro de Investigação e Estudos em Belas Artes (CIEBA). Largo da Academia Nacional de Belas Artes 14, 1200-005 Lisboa, Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:

Mais numerosas, as imagens são hoje menos valiosas. Qual o valor de uma imagem no ecrã? Qual a sua comparação com o valor de uma imagem no tempo das catedrais, ou na época dos rituais pré-históricos? É desta inflação das imagens, que se agudiza dia após dia, e que, por defeito vem influenciar as manifestações artísticas contemporâneas. A arte ocupa novos espaços porque os anteriores estão agora saturados por uma inflação difusa e generalizada.

Palavras chave: Arte / inflação / imagem / consumo / Revista Estúdio.

 

ABSTRACT:

More numerous, the images are less valuable today. What is the value of an image on the screen? How does it compare with the value of an image from the time of the cathedrals, orfrom the time of prehistoric rituals? It is this inflation of the images, which grows day by day, and which comes to influence all contemporary artistic manifestations. Art occupies new spaces because the former are now saturated by widespread inflation.

Keywords: Art / inflation / image / consumption / Estudio Journal.

 

1. Interfaces urbanos

O espaço urbano evolui e adensa-se em complexidade. A ligação entre os objetos e as pessoas torna-se cada vez mais dependente de dispositivos tecnológicos. O tecido urbano mostra-se utópico e multicultural, com camadas de população migrante em constante movimento. Todos se deslocam, quer ao longo do dia, quer ao longo do ano, ou da vida. A arte também se movimenta, adota novos suportes, adere aos corpos e às paredes, torna-se vestível, efémera, múltipla, enquanto perde o seu valor ritual original. A multiplicação dos suportes e das instâncias coincide com a inflação das imagens da indústria cultural.

 

2. Inflação das imagens

A inflação das imagens é contextual e corresponde ao aumento de objetos, mercadorias, e respectiva difusão publicitária. Os suportes passam a barreira material, o papel é cada vez mais substituído por ecrãs cada vez mais portáteis e disseminados.

Neste contexto o espaço da arte também é acossado pelas imagens migrantes e vagas da indústria. Sempre aderentes, sempre funcionais, sempre efetivas. São imagens que não requerem atenção, pelo contrário: exigem distração, no contexto do entretenimento, do divertimento, do passatempo e do consumo. O campo de intervenção da arte foi ocupado pela eficácia do mercado e das suas imagens apelativas.

Mais numerosas, as imagens são hoje menos valiosas. Qual o valor de uma imagem no ecrã? Qual a sua comparação com o valor de uma imagem de outros tempos, do tempo das catedrais, ou da época dos rituais pré-históricos? Trata-se da inflação das imagens, que se agudiza quotidianamente, que, por defeito, vem influenciar as manifestações artísticas contemporâneas.

 

3. A pintura e a vontade da ideia: propostas

Para se libertarem da grande inflação, os intervenientes artísticos utilizam outros meios expressivos, novos suportes, procurando alternativas ao sentido perdido de uma grande tempestade icónica. E quem sabe: abandonam as imagens, ou misturam a sua substância com componentes relacionais, educacionais, interventivos, conceptuais. Talvez seja esta uma ocasião de se refletir sobre a origem da arte, a "vontade da ideia" ou outras formas de pensar a pintura e a arte (Ferreira, 2017:53). Este é um campo onde os artistas podem ser outros, repensando a arte, como sucede no conjunto de artigos selecionados neste volume.

O artigo de Isabel de Albuquerque (Lisboa, Portugal), "Escultura para o corpo: Maria José Oliveira" debruça-se sobre a ourivesaria têxtil desta artista pnderando os conceitos de "(não) joias," ou de "anti joalharia" no contexto da pós-modernidade e da hibridação de gêneros. As peças apresentadas carecem de um corpo, como os títulos "escultura habitada" permitem interrogar. É uma obra complexa com diversos níveis de intensidade onde as questões políticas não estão ausentes, através da problematização do género.

Em "Interfaces tecnológicos corporales en la práctica artística de María Castellanos" María Jesús Cueto (Bilbau, Espanha) debate a obra de hibridação corporal e tecnológica daquela artista. São As membranas tecnológicas exploradas em interfaces corporais através da experimentação com materiais que integram a computação, os sensores hápticos, impressão tridimensional de grandes dimensões. Os vestuários tecno sensoriais interrogam a pós humanidade através de dispositivos vestíveis e correspondem a uma linhagem de propostas biónicas (Haraway, 1995).

Alfredo Nicolaiewsky (Porto Alegre, RS, Brasil), em "Carlos Pasquetti: os desenhos entre 1977 e 1981", apresenta ao debate os desenhos de final dos anos 70 deste artista de Rio Grande do Sul, ainda em atividade. O período coincide com a sua formação no Art Institut of Chicago (MFA) e neles podemos observar a investigação na interligação entre significantes materiais e convocações simbólicas.

Por seu lado, Iratxe Hernández (Bilbau, Espanha) em "El Espacio Poético en las Epifanías Urbanas de Garaicoa" estuda as peças do artista cubano Carlos Garaicoa presentes na exposição "Epifanías urbanas," de 2017, integrando as tecnologias digitais com a recuperação de imagens da paisagem urbana de Havana dos anos 50 e 60.

O artigo "Antonio García López: Colagem e Politica como processo de Pintura" de Ilídio Salteiro (Lisboa, Portugal) debruça-se sobre a obra do artista Antonio García, natural de Valência e radicado em Múrcia, Espanha. Estse autor integra processos de colagem recorrendo ao pensamento computacional e interativo para produzir um imaginário de recortes justapostos e de intencionalidade crítica sobre o poder e os estilos de vida.

Hugo Moreno (Colômbia, e São Paulo, Brasil), no artigo "Los Carpinteros: diálogos entre arte e design contemporâneos", apresenta o coletivo los carpinteros, composto por três artistas de origem cubana, Dagoberto Rodríguez, Marco Castillo e Alexandre Arrechea, Que sintetizam o anti materialismo forçado pela carência de objetos de consumo através de instalações em que os sentidos e funcionalidades dos objetos são subvertidos pela repetição, exagero, absurdo, destruição, modificação das escalas, e pela alteração funcional. São instalações desconcertantes que mobilizam um olhar crítico sobre a sociedade tão preenchida de objetos e ao mesmo tempo desprovida de intensidade pessoal.

Em "A experiência da Cor em Paulo Pasta," de Ariane Cole (São Paulo, SP, Brasil) apresenta a obra do brasileiro Paulo Pasta que, desde os anos 80, vem explorando as capacidades plásticas da tinta de óleo misturada com cera de abelha, com uma atividade experimental constante em busca das tonalidades mais subtis da cor. A aproximação à paisagem é uma característica de fundo que se concretiza, nos seus últimos trabalhos, de um modo mais denotado.

Julen Agirre (Bilbau, Espanha) no artigo "Un encuentro donde se generan tensiones y se abren posibilidades de trabajo: 'Dar Encuentro' de Iranzu Antona" debate-se a múltipla convocação presente na exposição de 2014 na Sala Rekalde e na Alhóndiga de Bilbau, do artista Iranzu Antona (n. em Pamplona, Espanha, 1979): convocam-se matérias, formas e conceitos em proposta complexa de remissões intertextuais constantes.

Em "O Mundo Invertido na obra de Gabriel e Gilberto Colaço," de Diana Costa (Lisboa, Portugal), aborda-se a exposição "territorial," na Galeria Mute (Lisboa), deste coletivo composto por irmãos gémeos (n. Alcobaça, Portugal 1975). As suas propostas discutem o espaço, o território, a decadência, a fronteira, o imaginário, a tensão entre o homem e a natureza.

Teresa Matos Pereira (Lisboa, Portugal) em "Cultura material, memória e identidade na obra de Josefina Guilisasti" introduz a obra desta artista chilena, que se caracteriza por cruzar meios expressivos em torno dos lugares da arte, e das suas convenções: a natureza morta, o museu, a coleção, a salvaguarda.

O artigo "El erotismo en el universo simbólico de Tilsa Tsuchiya" de Mihaela Barrio de Mendoza (Lima, Peru, e Roménia) apresenta a obra da artista peruana Tilsa Tsuchiya (1936-1984), com atividade na gravura, aguarela e desenho propondo associações orgânicas entre o feminino e o imaginário fantástico.

Por seu turno Margarida P. Prieto (Lisboa, Portugal) no artigo "Teresa Palma Rodrigues: 'A espera de um Vazio'" toma a obra dos últimos 5 anos de Teresa Palma Rodrigues que tomou como ponto de partida um terreno esquecido entre vias rápidas e lotes habitacionais da periferia de Lisboa, que batizou de "zona V". É quase um pretexto para um olhar arqueológico, antropólogico, geológico mas sobre tudo inquiridor quanto as sucessivas apropriações passadas e presentes que um terreno esquecido pode incluir.

Em "Campo e contracampo em 'A Casa': ruínas e fragmentos de uma experiência visual na estratégia da ausência" de Eduardo Vieira da Cunha (Porto Alegre, RS, Brasil) aborda-se o trabalho de Camila Mello (n. 1985, Brasil) e especialmente a sua instalação fotográfica de 2016 intitulada " a casa." As sombras, ausências, vazios tornam-se polos de tensão para os filmes e composições fotográficas da artista.

Òscar Padilla (Barcelona, Espanha), no artigo «Objectes banals de Quim Cantalozella: una arqueologia al·legòrica de la memòria involuntària,» apresenta as séries pictóricas de Quim Cantalozella (n. 1972, Girona, Espanha) onde as sombras, brilhos, reflexos e formas amplificam um imaginário de vivências que fazem do espectador um prisioneiro dos objetos banais.

No artigo "Lara Almarcegui: las posibilidades que habitan lo intersticial" de Zuhar Iruretagoiena & Concepción Elorza (Bilbau, Espanha) interrogam-se as obras apresentado na Bienal de Veneza de 2013, por Lara Almarcegui, que problematizam a deslocação provocada pelo impulso enciclopédico, quer junto dos fragmentos sempre infinitos, quer junto de territórios sempre por identificar.

Ricardo Guixà (Barcelona, Espanha), no artigo "La poética del vuelo: "Ornitographies" de Xavi Bou" apresenta a série fotográfica deste fotógrafo, Xavi Bou, "Ornitographies", de 2016, estabelecendo ligações plásticas com as pesquisas crono fotográficas de Etienne-Jules Marey.

Em "Procedimientos fotomecánicos aplicados al grabado en la obra de Ramón J. Freire," de Javier Ariza (Cuenca, Espanha), são abordadas as pesquisas criativas de Ramón J. Freire Santa Cruz (n. 1980, Écija, Sevilha, Espanha), especialmente os projetos Suomenlinna 11 e Arquitectura urbana. A sua pesquisa explora múltiplos meios de registo, nomeadamente a gravura em fotopolímeros, tomando como referentes fortalezas, linhas defensivas, tanto existentes (Finlândia) como imaginárias ("cidades invisíveis" de Italo Calvino).

 

4. Ideias: antes ou depois da proposta artística

Propuseram-se diferentes instâncias artísticas assentes no problema dos interfaces, relação com os corpos, da justaposição de formas e de materiais, da exploração de territórios existentes ou ficcionados, observando-se uma ancoragem persistente na matriz da imagem. Esta ancoragem descentra-se da relação tradicional entre a expressão e o referente. A relação, hoje, é amplificada integrando níveis de questionamento auto-referencial sobre o que constitui o humano em contexto de hiper codificação e ubíqua superficialidade.

Combate-se a distração generalizada, ou a emoção superficial conectada (Queiroz, 2015). Do lado de cá, do lado do estúdio, os artistas. É talvez este, o estúdio, um ponto de observação possível sobre uma movimentação generalizada, difusa e informe.

 

Referências

Ferreira, António Quadros (2017) A Pintura Antes da Pintura". In Laranjo, Francisco, Loureiro, Domingos, Torres, Sofia, Almeida, Teresa (2017) Painting and research: Reflexions beyond Thinking and Practice. Porto: Research Institute in Art, Design, and Society - i2ADS University of Oporto, Faculty of Fine Ats. p. 53-76. ISBN 978-989-746-144-6 URL: https://drive. google.com/open?id=1yWE_Bvyhw1-jPcRyFrobFDK_DnhnvPFf        [ Links ]

Haraway, Dona J. (1995) Ciencia, cyborgs y mujeres: la reinvención de la naturaleza. Madrid: Cátedra. ISBN: 84-376-1392-2        [ Links ]

Queiroz, João Paulo (2016) "Educação artística e a 'infirmitati,' ou a fraqueza analógica." Revista Matéria-Prima. ISSN 2182-9756, e-ISSN 2182-9829. Vol. 4 (2) maio-agosto: 12-17. URL: https://drive.google.com/open?id=131F9ZBSZr4VotjfNMIaT4iNeOuEigK2s        [ Links ]

Queiroz. João Paulo (2016) "Educação artística, casos e realidades: 'infirmitati,' ou a fraqueza analógica". In Novos Lugares para a Educação Artística. Lisboa: Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa & Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes. pp. 379-86. ISBN: 978-989-8771-44-5. URL: https://drive.google.com/file/d/1o6QYwBLi_uNlGMqYO-LZfIVa8NSkmtRx/view?usp=sharing        [ Links ]

 

 

Enviado a 11 de março de 2017 e aprovado a 16 de março de 2017

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: j.queiroz@belasartes.ulisboa.pt (João Paulo Queiroz)

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