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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.9 no.21 Lisboa mar. 2018

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

Carlos Pasquetti: os desenhos entre 1977 e 1981

Carlos Pasquetti: the drawings between 1977 and 1981

 

Alfredo Nicolaiewsky*

*Brasil, artista visual e professor.

AFILIAÇÃO: Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Instituto de Artes, Departamento de Artes Visuais. Rua Senhor dos Passos, 246, CEP 90000-000, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:

Carlos Pasquetti (Bento Gonçalves/ RS — 1948) é considerado um dos mais significativos e instigantes artistas do sul do Brasil desde os anos 1960. Neste artigo analisarei um período relativamente curto da sua produção, que vai de 1977 a 1981, tempo de grandes mudanças em seu trabalho. Pensar como se deram estas mudanças formais e entender este processo é o meu objetivo. Para tanto vou utilizar da descrição detalhada de algumas obras para identificar e salientar as semelhanças e as diferenças nos diversos momentos e, assim, compreender como se deu plasticamente tal transformação.

Palavras chave: Carlos Pasquetti / desenho / arte contemporânea.

 

ABSTRACT:

Carlos Pasquetti (Bento Gonçalves / RS, 1948) is considered one of the most significant and thought — provoking artists of the south of Brazil since the 1960s. In this article I will analyze a relatively short period of his production from 1977 to 1981, in your work. Thinking about how these formal changes occurred and understanding this process is my goal. For this I will use the detailed description of some works to identify and highlight the similarities and differences in the various moments and thus understand how this transformation has occurred plastically.

Keywords: Carlos Pasquetti / drawing / contemporary art.

 

Carlos Pasquetti (Bento Gonçalves/RS — 1948) é um artista em plena atividade, contando com mais de cinquenta anos de carreira. Considerado um dos mais significativos e instigantes artistas do sul do Brasil, desde os anos 1960, quando ainda era bastante jovem, já trabalhava com as questões mais contemporâneas, utilizando novíssimas mídias, como super-oito, fotografia como registro, objetos e desenho, sempre o desenho.

Atualmente sua produção está focada na fotografia, objetos têxteis e ainda o desenho — sua grande marca. Desta longa e profícua produção me deterei, neste artigo, num período relativamente curto da sua produção como desenhista, aproximadamente de 1977 a 1981.

Foi um período de acontecimentos significativos na sua carreira: contratado desde 1971 como professor de cenografia no Departamento de Arte Dramática do Instituto de Artes (UFRGS), em 1977 recebe o Grande Prêmio do Salão de Artes Visuais da UFRGS com três obras

[…] importantes porque valorizam a prática do desenho dentro de uma concepção contemporânea, que se aproxima de uma escrita íntima, verdadeira anotação, através daqual o espectador pode acompanhar o processo criativo do artista. Nãohámais a clássica separação entre esboço preparatório e a obra acabada" (Bulhões & Cattani, 2012:134)

Ele conquista, na mesma época, a Bolsa Fullbright, para realizar, entre 1978 e 1980, o MFA (Master of Fine Arts) no Art Institut of Chicago. Após o retorno dos Estados Unidos se transfere para o Departamento de Artes Visuais, do mesmo Instituto, onde passa a lecionar as disciplinas de desenho.

A série de trabalhos de 1977, com a qual é premiado no Salão de Artes Visuais da UFRGS, tem forte caráter conceitual trazendo referências da situação política — a ditadura — vivida no Brasil. Esses desenhos também se caracterizam pelo uso extremamente reduzido da gama de cores, valorização do branco do papel e utilização de elementos gráficos e de escritos. Os trabalhos de 1980/81, diferentemente dos anteriores: utilizam uma profusão de cores, não há mais escritos ou elementos gráficos, ocorre a cobertura total do papel e observa-se a presença da figuração na qual o humor e a forte ironia substituem o caráter político. Entre as duas séries há uma fase intermediária, de 1979, pouco conhecida e de difícil acesso, que tem características comuns a ambos os conjuntos já citados. Partirei da análise de alguns exemplares destas séries para tentar compreender as motivações e transformações que seu trabalho apresenta ao longo do tempo. Enfatizo que são suposições, fundadas somente na leitura das imagens, pois faltam os depoimentos do artista e também escritos de sua autoria, práticas para as quais ele tem se mostrado bastante arredio. Analisar seus trabalhos é um exercício no qual podem-se ver as mudanças acontecendo e como seu pensamento vai se alterando através do tempo.

Nas décadas de 1960 (quando ainda era estudante), e ainda nos anos 1970, Pasquetti tinha uma visão extremamente crítica quanto ao ensino da arte e quanto à produção artística local. É fácil compreender sua inconformidade com o ensino tradicional do Instituto de Artes da UFRGS, onde estudou na década de 1960. O jovem artista já era bastante atualizado, devido ao ambiente familiar e tinha uma ideia bastante clara do que queria. Conforme Icléia Cattani (2017, inédito), "Sua família era informada e culturalmente atuante: pais fotógrafos, irmã pintora. O pai participava de grupo teatral e assinava a revista do TBC, essencial na formação do artista." Em 1976, juntamente com outros jovens artistas (Carlos Asp, Clóvis Dariano, Jesus Escobar, Mara Alvares, Romanita Martins, Telmo Lanes e Vera Chaves Barcellos) lançam um Manifesto, onde criticam a ingerência do mercado de arte sobre a produção artística, propondo:

— Criação de uma nova mentalidade e de um contexto e clima abertos a manifestações que não procurem contentar partes mas sejam o documento vivo de uma criação embasada em novos caminhos e ideias.

— Um trabalho que antes de ter como suporte qualquer veículo material e sua hábil manipulação, seja produto de uma consciência crítica atuante.

— Operações artísticas que sejam verdadeiros centros transformadores da consciência e não manifestações coniventes com um dirigismo mercadológico deformador de valores.

— Uma visão lúcida do papel do artista no seu contexto social e de sua participação construtiva dentro deste contexto. (Apud Brites, 2015:523)

Penso que o fato de ter sido premiado, e ter seu trabalho plenamente reconhecido pelo sistema no qual estava inserido, possivelmente influenciaram sua produção, que diga-se, não deixa, até hoje, de ser contestadora. Tentar compreender como se deram as mudanças formais em seu trabalho e entender o processo de transformação é o meu objetivo neste artigo. Para tanto vou me utilizar da descrição detalhada de algumas obras para identificar e salientar as semelhanças e as diferenças nos diversos momentos e, assim, tentar compreender como se deu plasticamente esta transformação.

 

Os desenhos de 1977

Este conjunto de desenhos tem algumas características que chamam a atenção num primeiro olhar: há uma clara estruturação do espaço do papel em áreas ortogonais, há a presença de textos manuscritos e há os elementos gráficos (linhas, setas, x), que remetem à ideia de desenhos técnicos ou projetos feitos — falsamente — às pressas. Estes trabalhos, executados com pastel e lápis de cor, são estruturados por linhas verticais e horizontais e em alguns deles surgem "montes de feno", que já haviam aparecido em séries fotográficas anteriormente feitas pelo artista e que são comuns na região serrana do Rio Grande do Sul onde o artista nasceu.

Vou me deter em um trabalho que intitulo "Estudo de espaço p/ esconderijo — deslocamento" [Figura 1]. Este título que utilizo está manuscrito no desenho e localiza-se na estreita faixa na base da obra. É um dos trabalhos de conformação mais simples do conjunto. Excluindo-se a estreita faixa na base, acima citada, grande parte do desenho, até os limites laterais do papel, está coberto com grafismos pretos que nos fazem lembrar grama. A parte superior desta área negra é irregular, deixando bem visível os grafismos, o que reforça a ideia de vegetação ou de um corte no terreno. Porém há como se fosse a indicação de um recorte retangular na parte superior deste "terreno", que está "deslocada" para a parte inferior da obra, também definida por linhas retas. Fica-se assim com um "escavado" na parte superior da grama — talvez uma trincheira –, e com um vazio na parte inferior — um esconderijo –, havendo então um "deslocamento subterrâneo", expressão que também está manuscrita, na parte superior do desenho. Esta parte "deslocada", na metade inferior da obra, está levemente inclinada, o que gera um certo desequilíbrio na composição. Vários dos desenhos deste período, e este em especial, sugerem, conforme a descrição acima, projetos para construções, pela ênfase no uso de linhas retilíneas, contínuas ou tracejadas, facilmente relacionáveis a desenhos técnicos, muitas sugerindo medidas, aparecendo a letra L (utilizada para indicar uma largura). Há também pequenos xis, que sugerem interrupção ou marcação de um ponto e setas indicando direções e movimentos, no espaço do desenho.

 

 

Uma leitura bastante política pode ser feita desse conjunto de desenhos, pois se vivia uma ditadura no Brasil e Pasquetti inclusive já havia sido preso, em 1968 "denunciado por pertencer ao PC do B, […] interrogado e ficou um ano respondendo a processo, até ser inocentado. Experiência traumática." (CATTANI, 2017, texto inédito) Daí, talvez a insistente repetição de escritos nos desenhos se referindo a "projetos de esconderijos" e "deslocamentos".

 

Os desenhos de 1980/81

Este conjunto de desenhos é extremamente diferente dos trabalhos de 1977. As obras foram produzidas, na sua maioria, durante o mestrado em Chicago, sendo algumas feitas após seu retorno. São explicitamente figurativas, mas não realistas, representando objetos domésticos e outros elementos. Os escritos, que antes apareciam em diversos pontos do papel, principalmente em uma faixa na parte inferior, desaparecem totalmente, assim como todas as linhas contínuas e tracejadas, as setas e os x, que remetiam a projetos. Além da figuração, o que surge de novo de forma enfática são as padronagens (ou estampas) que cobrem toda a superfície dos desenhos. O branco do papel desapareceu e o preto foi reduzido em grande parte dos trabalhos. As texturas, que tinham um tratamento gráfico e que cobriam grande parte dos desenhos desapareceram, substituídas por um tratamento homogêneo do pastel, trabalhado de modo mais pictórico, eventualmente fazendo uso de luz e sombra.

Pode-se demonstrar isso com o desenho que nomeio de "Frango assado" (deixando claro que este nome não foi dado pelo artista) [Figura 2]. Vê-se as imagens de um prato, com um diminuto frango e uma minúscula coxa de frango assados ou, melhor dizendo, carbonizados, pois são totalmente pretos, inclusive parecendo que deles sai fumaça. Além deste prato há, agora em grande escala, um garfo e uma faca, um copo "de papel", um guardanapo, um palito e um "vidro para azeite", todos objetos profusamente decorados com diferentes estampas. Todos estão dispostos sobre uma toalha, também estampada de xadrez, com representações de pequenas frutas dentro de cada quadriculado. Há aqui o uso de uma extensa gama de cores, podendo mesmo se falar em excesso, não deixando nenhum espaço que não esteja profusamente trabalhado: a toalha, em dois tons de vermelho, tem estampas de frutas — figos azuis, bananas verdes, cerejas lilases e uma outra não identificável em ocre; os talheres são em dois tons de verde com elementos ocre, estampa que se repete na parte interna do prato, mas que, por sua vez, tem a borda com outra estampa — um quadriculado em verde, preto e branco… O guardanapo é azul, com linhas rosa formando um quadriculado, com figos de diferentes tons de azul dentro dos quadrados. O recipiente para azeite tem estampa rosa com linhas azuis e brancas e bananas em verde e preto e o copo é rosa, com quadriculado em outra tonalidade de rosa, com as cerejas lilases. Como se pode perceber pela descrição, são quase infinitas as cores e as padronagens espalhadas sobre a superfície do papel, em aparente desordem. Porém o resultado geral é belíssimo, extremamente alegre e também muito debochado.

 

 

Pode-se supor referências a objetos familiares — a padronagem da toalha lembra muito tolhas de plástico, que eram populares nos anos 1950/60 — como também poder-se-iam ver referências à determinadas obras de Matisse, também carregadas de estampas em inúmeras cores. Em última instância é uma natureza-morta, podendo se imaginar como referência irônica às "vanitas com comida", pois mesmo não tendo uma caveira, ainda tem-se um frango carbonizado…

Todos os desenhos desta série seguem esta mesma lógica construtiva, diferindo entre si pelo motivo central, que varia muito: uma pia de banheiro, um babeiro de criança, um par de sapatos. Porém são todos muito coloridos, irônicos e cobertos de estampas o que unifica totalmente o conjunto.

Conforme enunciei no início, me pergunto como um artista passa de uma série para a outra tão díspar, já que, aparentemente, o único aspecto que se mantêm em ambas é o material utilizado? Para dar sequência a procura por respostas, analiso a seguir dois trabalhos, ambos de 1979, que podem ajudar a entender como se deu esta transformação.

 

Os desenhos de 1979 — O Monte Fuji

Como estes desenhos não têm título, para facilitar a comunicação, apresento-os com nomes que não foram definidos pelo artista. Ao primeiro chamarei de "Monte Fuji" [Figura 3]. Sua antiga proprietária assim o intitulava, pois percebia semelhanças de um detalhe do desenho com as representações tradicionais japonesas do Monte Fuji. Tem-se aqui um trabalho híbrido das duas séries anteriormente citadas, ou seja, com algumas características da série de 1977 e outras da série de 1980/81. Este trabalho tem como características da primeira série o uso extensivo do branco do papel, as referências a projetos de construções e a presença dos elementos gráficos — linhas e setas –, além das áreas cobertas com grafismos que remetem à grama. Desapareceram, entretanto, as estruturas ortogonais, os escritos e os "montes de feno". Da série que virá tem-se as representações figurativas, os elementos em perspectiva e uma certa desordem na estruturação do espaço.

 

 

O desenho "Monte Fuji" tem na metade inferior uma predominância de texturas em marrons e pretos, que associo com terra ou grama e na metade superior uma predominância de azuis, que percebo como a representação de água. Pode-se dizer que é uma paisagem. Na metade inferior, tem-se o elemento que mais chama a atenção: um extintor de incêndio, representado de modo realista, caído sobre uma área com textura em marrom óxido, a mesma cor e textura presentes nos desenhos de 1977. Tem-se ainda à sua esquerda um "copo de papel", estampado, como o que aparecerá posteriormente no "frango assado". Ambos estão sobre as áreas em tonalidades de amarelo óxido, marrom e preto, que pode-se inferir como uma superfície de terra firme. Ocupando toda parte inferior do desenho, próximo ao limite do papel, temos cinco figuras, que parecem goleiras sobre manchas azuis, que estabelecem uma ligação visual com os azuis que dominam a metade superior da obra. Estas goleiras parecem "projetos", como na série anterior, anulados por riscos vermelhos.

Na metade superior da folha, têm-se os azuis, imagino uma representação de mar, com pequenas ondas pontiagudas e uma grande onda, tudo em tons azuis, que nos fazem lembrar "A Grande Onda de Kanagawa" do artista japonês Katsushika Hokusai (1760 — 1849). Unindo visualmente as duas metades do desenho têm-se uma série de elementos, verticais ou inclinados, que saem da metade inferior, indo até a parte superior do papel: são três torres, ou seria mais correto dizer que são três esquemas de torres, uma na extrema esquerda e duas à direita, encimadas por cubos, definidos apenas por suas linhas limites, sugerindo perspectiva. Além destas torres há outros cinco elementos que parecem "sarrafos", longilíneos, trabalhados com luz e sombra. Temos também riscos vermelhos, semelhantes aos que estão sobre as goleiras, próximos à parte superior das torres. Veem-se ainda dois elementos, difíceis de definir: um horizontal, à esquerda da metade inferior, e outro idêntico, porém em posição vertical, no lado direito superior. Eles sugerem uma estrutura transparente, dentro da qual há pequenas manchas amarelas e vermelhas e setas indicando um movimento de rotação. Em todo desenho, nas duas metades, veem-se pequenas manchas pretas que ajudam a unificar o trabalho.

Um último detalhe: na série de 1977 havia pequenas manchas em laranja e ocre. Neste trabalho de 1978 há também pequenas manchas, porém aqui têm suas formas definidas, sendo claramente pequenas tochas de fogo, que aparecem como uma marca no extintor e pairando dentro dos três cubos que encimam as torres. Como prenuncio da série posterior, há aqui uma certa desordem, os diversos elementos parecem estar soltos. Porém, o todo do trabalho funciona muito bem, pois, apesar da diversidade de tratamentos e soluções o artista consegue uma perfeita unidade obtida com as cores, que pontuam todo espaço, e com os diversos elementos que se entrecruzam, criando uma agitada e animada composição.

 

A Santa

Este trabalho, também sem título, nomeio de "A Santa" [Figura 4], pois há uma forma que lembra uma imagem de Nossa Senhora. O desenho também apresenta características da série que a antecede e da que a precede. Lembrando os desenhos de 1977 têm-se a persistência dos brancos do papel, uma certa estruturação ortogonal, a faixa inferior com tratamento diferenciado, os grafismos (linhas e setas) e uma certa ênfase nos pretos, eventualmente com a mesma textura anteriormente registrada. Da série posterior, a partir de 1980, aparecem os elementos figurativos e uma forte sugestão de estampa. O desenho tem uma estreita faixa preta horizontal que o corta um pouco acima da metade, da qual descem muitas linhas finas, com diferentes comprimentos e espaçamentos entre elas, todas terminando em pequenas manchas pretas. Há também uma faixa na base, com um tratamento diferente do restante: é um quadriculado, feito a régua, que pode ser um gráfico ou também representar uma série de montanhas. Além destes elementos gráficos que seccionam o trabalho, temos como formas principais uma figura azul e algo que lembra uma estrutura metálica, ambas verticais. A figura azul lembra a forma de uma santa, por causa do manto, mesmo esvaziado de forma humana. Esta sugestão é reforçada por ela ter sobre a parte superior, onde estaria a cabeça, uma coroa amarela e laranja, sugerindo ser dourada. A ideia do desenho como projeto, como os de 1977, aqui está sugerida na coroa: nos lugares onde deveriam haver pedras preciosas saem setas, que chegam a pequenas manchas em azul, vermelho, laranja e verde, sugerindo serem estas as cores das pedras não representadas da coroa. A outra forma, que tem a mesma altura da "santa", lembra uma estrutura metálica, um suporte portátil para telas de projeção ou um equipamento antigo para medir a altura das pessoas. É importante frisar que estes elementos desconsideram totalmente a faixa preta que corta o desenho horizontalmente, integrando a parte superior e inferior do desenho. Existem também outros elementos figurativos, espalhados em todo o espaço do papel: partindo da parte superior esquerda, em direção à parte inferior direita há um pequeno galho com folhas, uma "caixa" de fósforos, um bote de madeira, um filme fotográfico, um castiçal com uma vela, uma chave de fenda, uma maleta executiva, um vidro de tinta de caneta, um garfo e um prato com um peixe dentro.

 

 

Como se vê, é difícil imaginar relações de significado entre estas figuras. Mas pelas cores é possível, uma vez que todas, com exceção da santa, são executadas em variações de siena e de preto. Para completar a obra aparecem ainda três diferentes elementos que se repetem: 1. Pequenos retângulos quadriculados, dentro de manchas pretas sobre as quais há grafismos em branco, sendo seis na parte superior e quatro na metade inferior, com "montanhas" semelhantes à faixa da base; 2. Manchas em siena, vermelho e preto, que remetem às manchas dos desenhos de 1977, porém aqui sugerindo tochas de fogo, mais concentradas na metade superior do desenho e, 3. Pequenas flores, também em siena e preto, ladeadas por setas curvas, que sugerem movimento.

 

Conclusão

Não conheço qualquer texto escrito por Carlos Pasquetti sobre seus trabalhos. Ele sempre se mostrou arredio à escrita ou mesmo a falar sobre sua obra. Sendo assim, não há como saber as motivações para a criação de seus trabalhos. Se tentássemos encontrar justificativas para as transformações que seu trabalho apresenta ao longo do tempo, seriam apenas suposições, sem nenhuma base concreta. Sobre o desenho de Carlos Pasquetti, escreveu Flávio Gonçalves (2013) que,

Os desenhos de Pasquetti são marcados pela investigação das possibilidades construtivas e perceptivas geradas por esse meio. São, portanto, desenhos que tratam de desenhos, de como estes são construídos e quais elementos os constituem. O campo do desenho tem sido seu terreno de jogo privilegiado, uma esfera inaugural onde algumas ideias são testadas e replicadas de diferentes modos.

O que se tem, e sobre isto tentei escrever, são seus trabalhos, onde podem-se ver as mudanças acontecendo. Seus trabalhos são concretos e mostram como seu pensamento vai se alterando através do tempo, sem questões filosóficas ou conceituais abertamente declaradas, mas plasticamente visíveis e, no fundo, é isto que importa.

 

Referências

Brites, Blanca Luz. (2015). "Pinacoteca Barão de Santo Ângelo em sintonia com seu tempo" in "Pinacoteca Barão de Santo Ângelo: Catálogo Geral — 1910–2014" / Organização Paulo Gomes. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2º v.         [ Links ]

Cattani, Icleia Borsa & Bulhões, Maria Amélia. (2012) "Experiências de Ruptura nas Artes Visuais" in "100 Anos de Artes Plásticas no Instituto de Artes da UFRGS". Porto Alegre: Editora da UFRGS.         [ Links ]

Cattani, Icleia (2017) "Formas e Espaços "Imigrantes" nos desenhos de Carlos Pasquetti". No prelo        [ Links ]

Gonçalves, Flávio (2013). "Um todo e o corpo". In Paralelo 31, Edição 1. Pelotas, Universidade Federal de Pelotas. Disponível em: https://wp.ufpel.edu.br/paralelo31/files/2014/02/08_artigo07_flavio.pdf        [ Links ]

 

 

Enviado a 28 de dezembro de 2017 e aprovado a 17 de janeiro de 2018

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: alfredo.nicolaiewsky@gmail.com (Alfredo Nicolaiewsky)

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