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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.9 no.21 Lisboa mar. 2018

 

ARTIGOS ORIGINAIS

ORIGINAL ARTICLES

Teresa Palma Rodrigues: 'A espera de um Vazio'

Teresa Palma Rodrigues: 'Waiting for an Emptiness'

 

Margarida Penetra Prieto*

*Portugal artista visual e professora.

AFILIAÇÃO: Universidade de Lisboa; Faculdade de Belas-Artes (FBAUL); Centro de Investigação e Estudos em Belas-Artes (CIEBA). Largo da Academia Nacional de Belas Artes 14, 1200-005 Lisboa, Portugal. Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT); Escola de Comunicação, Arquitectura, Artes e Tecnologias da Informação (ECAATI). Campo Grande 376, 1749-024 Lisboa, Portugal

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO:

Este artigo é sobre o trabalho desenvolvido nos últimos 5 anos pela artista portuguesa Teresa Palma Rodrigues e que tem como ponto de partida um terreno que baptizou de Zona V (de Vago). A sua obra diversificada é como um jogo de relações entre o que conhece sobre e o que encontra nesse território: as obras geram outras obras, sempre em referência umas às outras, multiplicando as imagens do seu olhar sobre a Zona V (de Vago) e mostrando como o encanto revém da banalidade, na espuma dos dias.

Palavras chave: Territóri / site-specific / object trouve / observação.

 

ABSTRACT:

This article is about the work developed in the last five years by the Portuguese artist Teresa Palma Rodrigues. It has as a starting point a property that she baptized Zone V ( from Vague). Her work is diverse and creates a game of relations between what she knows about the observed territory and what she finds in it: each work generates other works, always in reference to each other, multiplying the images of her gaze towards the Zone V (of Vague) and showing how the its charm is areminiscence of banality, in the foam of days.

Keywords: Territory / site-specific / object trouve / observation.

 

Introdução

O objetivo deste artigo é dar a conhecer o trabalho artístico de Teresa Palma Rodrigues (Lisboa, 1978), uma artista portuguesa cujo trabalho se situa no âmbito das artes visuais. O título deste artigo, "A espera de um Vazio", recupera o nome de um vasto projecto que agrega as suas últimas criações. O trabalho actual desta artista exemplifica como a curiosidade, aliada ao olhar artístico sobre um determinado lugar no mundo, que denominou como Zona V (de Vago) (Rodrigues: 2017), em Lisboa, pode despoletar a criatividade e fazer produzir um leque diferenciado de obras recorrendo tanto a informações de outros (pesquisas geográficas, arqueológicas, projectos urbanísticos) como a informações próprias (levantamentos vivenciais e experimentais) que derivam do contacto quotidiano com o lugar eleito.

A multidisciplinaridade da sua pesquisa teórica e plástica e a pluralidade dos meios e das linguagens visuais que sustentam e dão corpo à obra de Teresa Palma Rodrigues, permitem compreender como a coerência conceptual pode assumir formas e formatos diversos, permitem compreender que a heterogeneidade desta obra é um todo coeso e permitem, ainda, compreender que todo o seu trabalho artístico se estilhaça de modo caleidoscópico em variações, séries, ideias e projectos, num encadeamento de associações livres e sempre bem informadas, próprio a quem pensa com e por imagens.

 

1. Um passeio por Marvila, Chelas e Xabregas

A obra de Teresa Palma Rodrigues conduz-nos pela mão num passeio por três áreas de Lisboa denominadas Marvila, Chelas e Xabregas. Neste passeio, a artista dá-nos a conhecer esta região de Lisboa através do seu olhar que se funda na arqueologia, na geografia, nos aspectos sociais e laborais destes lugares, na sua cultura, e na experiência pessoal como habitante local, uma experiência de ordem vivencial (Lynch:1960, 11). É por isso que este lugar parece caleidoscópico e tão interessante, porque o seu olhar é diverso, curioso e incansável.

A metodologia do trabalho criativo de Teresa Palma Rodrigues não separa a prática da teoria, o fazer criativo e um pensamento analítico. Pelo contrário. É evidente, na aproximação metodológica que, à medida que a curiosidade da artista é desperta pelo contexto e pelo lugar sobre o qual se debruça, também as ideias para a criação artística se manifestam e concretizam. O rigor da sua obra funda-se no rigor das informações que a originam e mistura-se com uma ética pessoal que se manifesta no apurado humor com que actualiza, por exemplo, os desenhos dos "cavalinhos" das loiças de Sacavém (Figura 1, Figura 2, Figura 3, Figura 4, Figura 5, Figura 6, Figura 7 e Figura 8, Figura 9, Figura 10).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O sentido ético de Teresa Palma Rodrigues transparece, com grande subtileza e diplomacia, como crítica política e social às estratégias da Câmara Municipal de Lisboa e do Governo Português relativamente às zonas de Marvila, Chelas e Xabregas, lugares a partir dos quais as suas obras se engendram.

A narrativa histórica sobre Marvila, Xabregas e Chelas que perpassa nos diferentes trabalhos artísticos de Teresa Palma Rodrigues revela-nos um projecto urbanístico continuamente frustrado nos seus objetivos, continuamente refeito e novamente interrompido, com gentes a quem as expectativas de qualidade de vida e de trabalho foram logradas repetidamente, e onde o atual abandono do património industrial caracteriza uma identidade operária em falência. Mas é justamente este cenário urbano intermitentemente esquecido onde, por isso, muito continua por fazer, que, paradoxalmente, torna possível concretizar um projecto artístico com este rigor, sensibilidade e pertinência.

 

2. Zona V (de Vago): um espaço vacante

A obra de Teresa Palma Rodrigues funda-se numa experiência em primeira mão onde a artista faz por compreender de que modo um lugar afecta a construção da identidade de quem lá vive e de quem lá trabalha, e questiona como o trabalho artístico em geral e o seu trabalho artístico em particular podem interferir e colaborar na construção dessa identidade (Lippard:2005). Neste sentido, a artista assume-se como um caso de estudo para trabalhar a sua própria questão ao testar-se enquanto artista, quer através da aturada investigação que faz sobre o território que lhe interessa — e que, através da sua obra, passa a interessar-nos a todos –, quer através do seu trabalho artístico que se diversifica com a experiência do lugar onde vive e trabalha, lugar que observa no quotidiano de modo directo (Figura 4) através de desenhos, e de modo indirecto, através do registo fotográfico, lugar onde se passeia e, ainda, onde colabora, através das actividades que propõe fazer com a Junta de Freguesia de Marvila, integrando-se no seu programa criativo e cultural.

Mas, porque o território de Marvila, Chelas e Xabregas é imenso, a artista debruça-se particularmente numa zona que baptiza como Zona V (de Vago) (Solà-Morales: 2002). Trata-se de um espaço vacante que se situa no seu horizonte paisagístico, mesmo à frente da janela da sua casa. A denominação Zona V (de Vago), inventada pela artista, revela de imediato a apropriação das lógicas de identificação dos bairros de Marvila onde, cada bairro vizinho tem uma letra que lhe dá nome e permite que todos se distingam entre si. A criativa apropriação da letra "V" é usada igualmente como letra inicial de termos cujo campo semântico e imagético é determinante no contexto da obra de Teresa Palma Rodrigues. Por contaminação, esta letra espraia-se aos títulos das suas obras, a saber, "V" de Vago ou A esperade um Vazio onde nos é apresentada como uma letra em potência para nomear um determinado lugar e o caracterizar como nostálgico e melancólico. Assim, o "V" de "vago" e de "vazio" implica ainda a noção de "abandono" e estas afinidades semânticas são reafirmadas em expressões como "capital do nada", "zona não vigiada", "espaço urbano de ninguém" ou "oficialmente bera" (Folgado: 2004, 358). Por outro lado, há uma vertente paradoxal na obra de Teresa Palma Rodrigues onde a letra "V" representa o "Verde", o "Vivo" e o "Visto" e/ou a "Vista" , nomeadamente através de associações directas à paisagem e ao modo como, ao longo dos últimos cinco anos, a Zona V (de Vago) tem vindo a acolher hortas urbanas ilegais e a transformar-se num campo de cultivo. O "V" está, deste modo, afecto ao verbo ver, àquela observação da natureza que a transfigura em paisagem através de um olhar transformador e esteticizado.

Porém, o território denominado Zona V (de Vago) a partir do qual nascem as obras desta artista, se começa por nos mergulhar num campo semântico onde o tom do "V" de Vago remete para o "vazio" produzido por projectos frustrados, inacabados, arruinados, ou que nunca sequer saíram do plano das ideias vai, gradualmente, assumir conotações positivas e passa a caracterizar um terreno expectante, onde se abre o campo das possibilidades.

Esta transformação gradual do território chamado Zona V (de Vago) tem sido aferida pela artista desde há cerca de cinco anos até ao presente (com perspectiva de continuação) e tem sido espelhada nos seus projectos artísticos. Primeiro, a artista começa por documentar e informar-se exaustivamente sobre território que lhe interessa e que batizou de Zona V (de Vago). Sabe que está reservado para o futuro Hospital de Lisboa Oriental (Veloso:2007), e é por isso que permanece vago, ou seja, sem construção, sem qualquer traço urbanizado, sem as marcas próprias a um território integrado na cidade, à espera.

 

3. Do lugar à obra. Da observação à concretização

O seu interesse por esta paisagem inicia-se com o clic imediato e diário proporcionado pela fotografia que, por sua vez, dá origem a um vasto arquivo documental sobre aquele terreno (Figura 6). Depois, dentro do seu espólio fotográfico, seleciona pequenos conjuntos. O critério desta seleção é o inusitado — aquilo que a surpreende na espuma dos dias. Trabalha sobre estas fotografias e acrescenta-lhes ou apaga-lhes elementos para que o seu olhar de fotógrafa coincida com o seu olhar de pintora e mostra-nos este território — a nós que olhamos de fora, que lhe somos estrangeiros –, mostra-nos o que os seus olhos veem: a sua beleza e a sua força, a sua estranheza e a sua banalidade. Os projectos desdobram-se, multiplicam-se, derivam. Mas não são só os seus olhos que se passeiam sobre a paisagem. A artista caminha pela Zona V (de Vago) num exercício de trabalho de campo e encontra naquele terreno o que necessita para alimentar a sua imaginação e produzir as mais diversas obras. Assim, através de registos científicos realizados a aguarela sobre papel e cuja delicadeza, qualidade e rigor de representação são incomuns na arte contemporânea, Teresa Palma Rodrigues ilustra rigorosamente os vestígios e os artefactos que encontra no terreno e que guarda como relíquias (Figura 5 e Figura 7). Estes objet trouvé são, também, a matéria prima para outros projectos onde a representação ficcional (porque inventada) de brinquedos, peças de jogos de cartas, fosseis, porcelanas e de faianças é por eles sugeridas (Figura 1, Figura 2, Figura 3, e Figura 8, Figura 9, Figura 10).

Fragmentos partidos de loiças que já serviram as casas agora arruinadas e que antes foram propriedade de famílias aristocráticas são referenciais àquele passado vivencial e distante daquela que é hoje a realidade deste lugar (Figura 7).

O trabalho de recoleção continua com matérias naturais vivas e fósseis, recupera práticas científicas setecentistas e origina herbários, quer pela conservação das plantas ali encontradas (através da secagem), quer através de representações a aguarela dessas flores secas provenientes do território em observação (Figura 4).

O caderno de campo é apresentado como um livro de artista, aglutinando a pertinência de ambos na atualidade e o artista como um mediador das diversas áreas do saber. Há ainda a criação de mapas e neles estão implícitos métodos e saberes ligados ao mapeamento, à cartografia, à topografia e à geometria. A observação directa é mostrada com a representação de paisagens — esse olhar contemplativo e muito inteligente que esteticiza o real transformando-o num panorama. Este é o olhar da artista — um olhar que ela nos empresta de um modo extremamente generoso e informado.

 

4. A espera de um vazio: série Estátua ou Cavalinho

Como foi dito antes, o conjunto dos objectos encontrados no terreno vai originar não só uma série de trabalhos que funcionam directamente como arquivo, como, depois, são referenciais para um trabalho de representação minuciosa e meta-científica (constituindo os cadernos de campo) e, ainda, no caso dos cacos de faiança, sustentam a proposta para um desenho decorativo dos famosos pratos Cavalinho. O humor e inteligência visual de Teresa Palma Rodrigues é determinante na elaboração destas aguarelas porque, em vez de serem pratos inteiros, estão, cada um, em falta de um pedaço específico que corresponde, formal e decorativamente (na cor e na representação) a um dos cacos encontrados no terreno. Pode ainda verificar-se que as cenas no centro e nos bordos do prato remetem para fotografias tiradas pela artista no terreno ou para as vistas que assumem pontos de observação diferentes e que actualizam — porque são vistas hoje — uma visão paisagística e panorâmica sobre aquele território especificamente, do mesmo modo, tornam actual o desenho da loiça Cavalinho. Na Figura 4, o desenho central está referenciado num brinquedo de plástico encontrado no meio das terras. A posição deste brinquedo — um homem que caminha de mochila às costas — é identificada numa das fotografias aos agricultores que cultivam as hortas ilegais na Zona V (de Vago). Também este agricultor, com uma mochila às costas, caminha sobre a sua horta.

Nas Figura 5 e Figura 6, os desenhos decorativos para o prato de loiça estão referenciados nos fósseis e nas plantas encontradas na Zona V (de Vago). É ainda de notar que estes desenhos, embora pareçam estudos prévios para novos motivos decorativos, vão ficcionar o antigo através da representação de fissuras e de efeitos próprios a uma cerâmica estalada pelo uso e do verniz em craquelê. Nestes desenhos há ainda o cuidado de representar sombras próprias e projectadas de modo a criar a ilusão de tridimensionalidade do prato. Na verdade, o grau de mestria técnica de Teresa Palma Rodrigues na execução deste trabalho coloca-o na ordem de uma ilustração científica de carácter documental, remetendo para a imagem fotográfica pela surpreendente verosimilhança que a imagem criada tem com os objectos concretos.

 

Conclusão

A necessidade de pertença e o sentido de comunidade são essenciais para o ser humano, na medida em que permitem que cada um esteja integrado e se sinta, por isso, em relação com os outros e com os lugares (em vez de sozinho e desabrigado). A criação deste sentido — de pertença e comunidade — é lenta e, no caso de Teresa Palma Rodrigues, deriva de uma experiência na primeira pessoa. Mudar de casa e, neste movimento, habitar um novo território, desconhecido à partida, levou-a à descoberta, a dar passeios e a olhar sobre o (seu novo) mundo. Este movimento alimentou uma crescente curiosidade sobre o território onde se implanta a sua casa e o seu atelier, sobre um terreno específico batizado, por ela, de Zona V (de Vago) a partir do qual deriva a sua obra plástica actual.

O trabalho é prolífero: desde fotografias do quotidiano, aos diferentes artefactos transformados pelo gesto criativo em object trouve, dos minuciosos e detalhados desenhos a aguarela e tinta-da-china, que tanto se autonomizam como surgem aglutinados por livros-de-artista intitulados Cadernos de campo, a tantos outros projectos sedimentados no seu conhecimento e investigação sobre o lugar onde mora e trabalha hoje, Teresa Palma Rodrigues, mostra-nos o seu domínio técnico na qualidade de execução de cada projecto, mostra-nos a sua inteligência apurada e cheia de humor, e o seu sentido ético e moral numa crítica fina que perpassa no seu raciocínio e método de trabalho, nas lógicas de encadeamento das referências ao lugar, em cada desenho, em cada fotografia, em cada objecto encontrado e, particularmente, no modo como os articula e os transforma.

 

Referências

Folgado, D. (2004), "Património Industrial. Que memória?" in Oliveira Jorge V. (coord.) Conservar para quê? 8ª Mesa redonda de Primavera. Porto, Coimbra: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, DCTP, CEAUCP, pp.355-366.         [ Links ]

Lynch, K. (1960), A imagem da cidade, Lisboa, ed. 70.         [ Links ]

Lippard, Lucy (1995), "Looking Around: Where we are, where we could be" in Lacy, S. (ed.) Mapping the Terrain: New Genre Public Art, Seatle, Bay press, pp.114-130        [ Links ]

Rodrigues, Teresa Palma (2017), Zona V (de Vago), tese de doutoramento em Belas-Artes /Pintura apresentada à Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa.         [ Links ]

Solà-Morales, Ignasi de (2002), Territórios, 1ª ed. Barcelona. Gustavo Gili, pp 180-193.         [ Links ]

Veloso, A. B. (2007), O novo Hospital de Todos-os-Santos. Palestra proferida na cerimónia de assinatura do protocolo do Hospital de Todos-os –Santos no dia 26-12-2007. Disponível em PDF: http://cfcul.fc.ul.pt/biblioteca/online/pdf/antoniobveloso/onovohospital.pdf        [ Links ]

 

 

Enviado a 01 de janeiro de 2018 e aprovado a 17 de janeiro de 2018

 

Endereço para correspondência

 

Correio eletrónico: emam.margaridaprieto@gmail.com (Margarida Penetra Prieto)

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