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Revista :Estúdio

Print version ISSN 1647-6158

Estúdio vol.10 no.28 Lisboa Dec. 2019  Epub Dec 31, 2019

 

Artigos Originais

Nuno Branco, um padre jesuíta que desenha

Nuno Branco, a draughtsman Jesuit priest

Mário Linhares1  , professor

1artista visual, ilustrador, professor e estudante de doutoramento Urban Sketchers Portugal e Universidade de Lisboa Faculdade de Belas-Artes, Centro de Investigação e Estudos em Belas Artes (CIEBA), Largo da Academia Nacional de Belas Artes 14, 1249-058 Lisboa, Portugal.


Resumo

Não sendo inédito um jesuíta desenhar, o trabalho de Nuno Branco, arquiteto e padre jesuíta que o faz desde sempre com desenhos de observação, tem um foco temático desde 2014. Irá apresentar-se os desenhos realizados durante três dias na zona de Ourém levantado-se o véu sobre como o trabalho artístico a partir de textos bíblicos e outros, pode ir mais longe do que a ilustração, não ficando à superfície do seu significado, mas procurando um conteúdo mais denso, pisando territórios inexplorados e relacionando-os com o quotidiano.

Palavras chave: jesuíta; desenho; religião

Abstract

It's not unprecedented having a draughtsman Jesuit priest and this article will present the work of Nuno Branco, architect, and Jesuit, on-location sketcher since ever but with a thematic focus since 2014. Branco's work made during three days in Ourém region will help reveal how the artistic process based in texts (biblical and others) can go further than illustration, going deeper in its meaning, trying to link daily and on location drawing with new and unexplored territories.

Keywords: jesuit; drawing; religion

Introdução

O presente artigo resulta da investigação em Desenho sobre o tema que cruza textos bíblicos com o trabalho de artistas plásticos, realizadores ou escritores, originando exercícios de desenho de observação do quotidiano. Os exemplos que se apresentam são de Nuno Branco, nascido em 1977, licenciado em Arquitetura, mas abandonando-a pouco depois de a concluir para entrar na Companhia de Jesus em 2002, estudando depois em Coimbra, Madrid e Paris e ordenado sacerdote em 2012. A opção pela arquitectura "caiu", mas o desenho permaneceu e acompanhou a transição para a Teologia, ao ponto de ser, hoje, a característica principal que distingue o seu trabalho entre os jesuítas. Neste momento trabalha como diretor do Centro Universitário Manuel da Nóbrega, em Coimbra.

Tendo em conta as possibilidades que o trabalho de Nuno Branco abre, optou-se por escolher os desenhos realizados entre 14 e 16 de outubro de 2016, em retiro, a partir de exercícios criados propositadamente para esses dias.

As transcrições são, por vezes, difíceis de realizar pelo que se optou por colocar (…) no lugar das palavras manuscritas em que a leitura é dúbia ou indecifrável.

1. Programa

Refere-se o contexto em que o trabalho de Nuno Branco foi produzido, não se tratando de um acontecimento pessoal, mas partilhado com um grupo que estava em retiro orientado. Participaram dezoito pessoas vindas de cidades portuguesas diferentes.

Tratava-se de um retiro de diários gráficos sob o tema "mistérios" em que o programa para os três dias implicava chegar na sexta feira à noite a Ourém, passar todo o sábado a desenhar, terminando no terceiro dia depois de almoço (Quadro 1). Os exercícios criados foram cinco, o primeiro para a apresentação do grupo; o segundo, terceiro e quarto, especificamente para a zona de Fátima, ficando o quinto para o momento conclusivo do retiro.

Quadro 1 Programa do retiro de diários gráficos. 

Fonte: própria.

2. Primeiro exercício - 1.º mistério

O primeiro exercício cruza um exemplo do trabalho de Sonia Delaunay, com uma passagem do primeiro capítulo do evangelho de São Mateus:

(…) «Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo.» (…) «Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus. Hás-de conceber no teu seio e dar à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus. Será grande e vai chamar-se Filho do Altíssimo. O Senhor Deus vai dar-lhe o trono de seu pai David, reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim.» (…) «Como será isso, se eu não conheço homem?» (…) «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a sua sombra. Por isso, aquele que vai nascer é Santo e será chamado Filho de Deus.» (…) «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.» (Mt 1, 26-38).

Algumas palavras estavam destacadas para conferirem pistas ao exercício de apresentação: realizar círculos inspirados pela obra de Delaunay (preferencialmente dez), utilizando copos, chávenas ou outros objetos redondos, para depois pintar ou escrever tendo por base as palavras-chave do texto. Com isto pretendia-se evitar uma apresentação tradicional, onde existe a tendência para se dizer que se é a profissão que se estudou (arquitecto, médico, engenheiro, …) e, em alternativa, promover um discurso fora das convenções académicas: não temo…; hei-de conceber…; a minha força…; etc.

Com o texto bíblico do evangelho de São Mateus e a obra de Sonia Delaunay, a apresentação de Nuno Branco foi, inevitavelmente, muito diferente da que se referiu na introdução. O processo de construção dos círculos e escolha de palavras levou a uma reflexão escrita que, curiosamente, distingue o processo de escrever do de desenhar letras e frases mas, sobretudo, vai mais longe no que ao exercício diz respeito e sua relação enquanto sacerdote (Figura 1). Passa-se a transcrever:

1º mistério É impressionante como este exercício abre portas, abre o espírito, potencia a criatividade, abre e expande. Enquanto fazia este exercício ocorria-me como primeira ideia este reler que o desenho nos sugere enquanto Exame de consciência ao final do dia. Rever o dia não tem de forçosamente ser através de exame, pode ser perfeitamente através do desenho. Ia-me lembrando também que abre com indicações. Noto agora uma grande diferença: estou com o caderno sempre aberto pois a tinta precisa de secar. Fui ficando com uma ideia geral, uma composição gráfica geral que, agora ao fechar as folhas, recolhe também um significado. Exercício que esconde e se revela ao mesmo tempo. É mistério! Ver o fim, ver o todo! Cheia de graça é curioso desenhar letras e não escrever letras. Enquanto desenho letras, este trabalho paciente, lento e demorado, pouco comum, pouco habitual, fico-me logo nesta palavra cheia. O que me faz falta?

3. Segundo exercício - 2.º mistério

No segundo exercício, já realizado no santuário de Fátima, a base de partida para desenhar eram dois textos: um bíblico e outro de Enzo Bianchi. O primeiro, retirado do evangelho de São Lucas, fala da visita de Maria à sua prima Isabel, quando ambas estão grávidas:

Naqueles dias, Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se apressadamente para a montanha, em direção a uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino exultou-lhe no seio. Isabel ficou cheia do Espírito Santoeexclamou emaltavoz: «Bendita és tu entreas mulheres ebendito éo fruto do teu ventre. Donde me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor? (Lc 1, 39-43)

O segundo, do prior do Mosteiro de Bose, Itália, refere-se ao mistério que é ter um Deus escondido no ventre, ainda anónimo à humanidade, mas que gera um encontro entre duas mulheres que se alegram: "Aqui o mistério é grande: mistério do Deus escondido, escondido num bebé ainda anónimo, isto é, ainda sem a imposição humana do nome, mas com um nome que agrada a Deus: Jesus, «o Senhor salva»." (Bianchi, 2015)

Estava, portanto, lançado um tópico que cruzava a divindade e a humanidade. A mulher virgem (Maria) e a mulher estéril (Isabel). A profecia e a revelação. O fruto da árvore (Eva, no Antigo Testamento) e o fruto do ventre (Maria, Novo Testamento). Uma mesma e única realidade: duas mulheres grávidas que se saúdam em alegria.

Estando no recinto de Fátima, na zona da capelinha das aparições, seria possível desenhar o encontro e entrelaçar de duas realidades, dois acontecimentos ou dois lugares em que se poderia ter a tendência para anular um em detrimento de outro? Como desenhar estas duas realidades aparentemente contrárias mas que se saúdam ou se acenam uma à outra neste lugar de fé?

A proposta é desenhar esse encontro e depois escrever por cima dez palavras ou expressões que possam ser indicativas que se está em Fátima deixando, ao mesmo tempo, lugar à hesitação relativamente ao lugar de onde provêm essas palavras: "terá ele estado em Fátima?"

Por se tratar de um caderno em harmónio com folhas desdobráveis que possibilita a realização de desenhos que se estendem de umas páginas para as outras (Figura 2), opta-se pode apresentar de seguida cada uma dessas páginas em detalhe (Figura 3, Figura 4 e Figura 5), transcrevendo as notas escritas, títulos e subtítulos.

2.º mistério Como será isso. A palavra "como" desperta-me muita curiosidade e acho graça que Maria faça a mesma pergunta: como? Estou sempre no como vai ser, insisto a repensar as coisas, desafio ou (…) A Reitoria. A luta entre o profano e o sagrado. Onde estás? Recuperar o segredo, a suspeita que estou em Fátima. Voltar a desviar o observador para datas não reconhecidas. De 28 de novembro de 2015 a 31 de outubro de 2016 Boze Swiety É impressionante as voltas que Fátima já levou desde os anos 90 até agora. Aprender a despedir-me dos desenhos. (carateres asiáticos indecifráveis) 15 de fevereiro de 1926 André disse a Simão. Horários Schedules

Coleção pessoal de Nuno Branco. Fonte: própria

Figura 1 Nuno Branco, 1.º Mistério, 2016. Caneta preta e aguarela sobre caderno. 

Coleção pessoal de Nuno Branco. Fonte: própria

Figura 2 

Coleção pessoal de Nuno Branco. Fonte: própria

Figura 3 Nuno Branco, 2.º Mistério (detalhe), 2016. Caneta preta, sépia e aguarela sobre caderno 

Coleção pessoal de Nuno Branco. Fonte: própria

Figura 4 Nuno Branco, 2.º Mistério (detalhe), 2016. Caneta preta, sépia e aguarela sobre caderno 

Coleção pessoal de Nuno Branco. Fonte: própria

Figura 5 Nuno Branco, 2.º Mistério (detalhe), 2016. Caneta preta, sépia e aguarela sobre caderno 

A resposta ao exercício por parte de Nuno Branco é tão enigmática quanto o enunciado. Dois mundos convivem na mesma página. Aparentemente, o espaço territorial desenhado, ou seja, a geografia de Fátima, não combina com carateres asiáticos ou datas que remetem para séculos diferentes. Até as notas escritas são um pouco vagabundas no desenho. Desencadeiam pensamentos próprios que partem dos textos, mas também da realidade observada. Na Figura 3 encontramos desenhos e textos sobrepostos. Reminiscências dos círculos do primeiro exercício também são visíveis. Uma aparente impossibilidade de arrumação parece coexistir dando à composição final (Figura 2), um sentido de conjunto que dificilmente seria este sem o enunciado inicial.

4. Terceiro exercício - 3.º mistério

O terceiro exercício, correspondente ao terceiro mistério, baseava-se somente na leitura bíblica retirada do segundo capítulo do evangelho de São Lucas onde se refere que César Augusto manda recensear toda a terra. Sabemos que Lucas, autor grego do texto bíblico, está também a fazer referências históricas, nomeando também Quirino, o governador da Síria. Recensear toda a terra parece ser uma tarefa impossível, sem concretização realística, contudo, sabemos que a fasquia alta no cumprimento de determinado serviço pode levar a feitos inimagináveis. Implica uma desinstalação do quotidiano e deslocação para territórios inexplorados, aceitando possíveis mudanças consequentes. Cita-se o texto bíblico:

Por aqueles dias, saiu um édito da parte de César Augusto para ser recenseada toda a terra. Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirino governador da Síria. Todos iam recensear-se, cada qual à sua própria cidade. Também José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que se encontrava grávida. E, quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria. Na mesma região encontravam-se uns pastores que pernoitavam nos campos, guardando os seus rebanhos durante a noite. Um anjo do Senhor apareceu-lhes, e a glória do Senhor refulgiu em volta deles; e tiveram muito medo. O anjo disse-lhes: «Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo: Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor.» (Lc 2, 1-11)

Algumas palavras estão destacadas do texto com o objetivo de orientar a leitura. É interessante a ideia de que se completaram os dias. Quando uma tarefa está completa, o sentimento é de alívio mas, neste caso, o tempo completou-se e Maria e José ficaram numa situação de fragilidade: o filho primogénito, o primeiro filho, sinal maior de riqueza e alegria para toda a família, a novidade, tinha nascido numa manjedoura, num local simples, longe de casa, sem condições. Perante isto, tiveram muito medo, claro.

O exercício deste terceiro mistério era fazer todo o percurso dos Valinhos, ainda em Fátima, seguindo as pistas e mensagens dos pastorinhos. Nesse percurso, qual caminho de José e Maria de Nazaré até Belém, o tempo gasto até se "completarem os dias" seria um mistério. Havia que entrar nos campos de oliveiras, deixar-se apanhar pelo medo do desconhecido e desenhar tudo o que fosse primogénito, novidade, imprevisibilidade, mesmo nos locais mais simples ou de difícil acesso. No final, deveriam colocar-se dez pinceladas de cor e um frase retirada do evangelho, para que o desenho e o texto se articulassem.

Apresentam-se, de seguida, ampliações da composição final (Figura 6) de Nuno Branco (Figura 7 e Figura 8), bem como as transcrições das suas notas escritas e títulos.

Uns pastores que pernoitavam nos campos Parece que à medida que crescemos na fé, nos afastamos dos Pastorinhos, da mesma maneira que aos adultos não se dá a ler a "Bíblia ilustrada para crianças." Pergunto o que é que um pastorinho tem para ensinar a mim, pastor da Igreja? Padre. 3.º mistério Cada qual à sua própria cidade Este caminho não é de silêncio, nem se pode esperar isso das pessoas, mas dá pena que nem aqui haja silêncio. Falta Silêncio. A palavra noite que se repete várias (vezes): "pernoitaram" e "durante a noite". Porque será que me tocou a palavra noite? Está agora praticamente a anoitecer. São 18h26 e é a altura indicada para desenhar, rezar, estar em silêncio, deixar-me tocar por este espaço. Guardando os seus rebanhos durante a noite. E tu? Sofres muito? Não desanimes. Nossa Senhora 13.06.1917. Casa dos pastorinhas Francisco e Jacinta Marto. Não me tinha dado conta que (…) da ir. Lúcia. Não se (…) na casa dos pastorinhas a razão, fé, (…) os medos de fé (…) e estar lá sozinho. O desenho é o que me dá licença para entrar no mistério, quando poderia parecer o contrário: ficar à superfície, na epiderme. Francisco e Jacinta

Coleção pessoal de Nuno Branco. Fonte: própria

Figura 6  Nuno Branco, 3.º Mistério, 2016. Caneta preta, sépia e aguarela sobre caderno 

Coleção pessoal de Nuno Branco. Fonte: própria

Figura 7 Nuno Branco, 3.º Mistério (detalhe), 2016. Caneta preta, sépia e aguarela sobre caderno 

Coleção pessoal de Nuno Branco. Fonte: própria

Figura 8  Nuno Branco, 3.º Mistério (detalhe), 2016. Caneta preta, sépia e aguarela sobre caderno 

Analisando a composição final deste exercício (Figura 8), assinala-se a conciliação entre desenhos de espaços exteriores e interiores, assim como referências a frases escritas no caminho dos Valinhos, articulados com textos de reflexão pessoal e íntima. Com este exemplo, torna-se evidente o referido na introdução deste artigo, ou seja, que o desenho feito a partir de observação tendo por base os textos bíblicos (e outros) ganha um sentido ímpar de profundidade e intimidade.

5. Quarto exercício - 4.º mistério

Sendo a procissão das velas uma das cerimónias mais conhecidas das celebrações em Fátima, este exercício procurava explorar o desafio de desenhar à noite, mas também a incorporação de um material característico da procissão: a cera das velas das promessas dos fiéis.

Utilizaram-se dois textos bíblicos de base para a proposta de exercício: a apresentação de Jesus menino no templo de Jerusalém, do segundo capítulo do evangelho de São Lucas; e o versículo oito do capítulo oitavo do evangelho de São João, que fala de uma luz que não ilumina apenas o mundo, mas também a vida: "Eu sou a luz do mundo, quem me segue não anda nas trevas, mas terá a luz da vida." (Jo 8, 12)

Quando se completaram os oito dias, para a circuncisão do menino, deram-lhe o nome de Jesus indicado pelo anjo antes de ter sido concebido no seio materno. Quando se cumpriu o tempo da sua purificação, segundo a Lei de Moisés, levaram-no a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor, conforme está escrito na Lei do Senhor: «Todo o primogénito varão será consagrado ao Senhor». (Lc 2, 21-23)

A utilização da vela através dos pingos de cera iluminou o resultado final, destacando o objetivo do exercício: que desenho pode mostrar a apresentação ou iluminação de Jesus na vida dos crentes?

A resposta de Nuno Branco (Figura 9, Figura 10) é, mais uma vez, abrangente: o Cristo na cruz convive na mesma página que a multidão de fiéis. O desenho interliga-se através dos títulos e dos pingos de cera. Entender um messias que morre na cruz é um mistério tão grande que pode levar a um virar as costas, algo que só a fé pode unir.

Coleção pessoal de Nuno Branco. Fonte: própria

Figura 9  Nuno Branco, 4.º Mistério, 2016. Caneta preta, sépia, aguarela e cera de vela sobre caderno 

Fonte: própria

Figura 10 Nuno Branco, Contra-capa de caderno, 2016. Caneta preta e sépia sobre caderno. Coleção pessoal de Nuno Branco 

6. Quinto exercício - 5.º mistério

O quinto exercício, por ter sido realizado durante a Eucaristia, não tem exemplos do Nuno Branco, contudo, apresenta-se a contra capa do seu caderno, pois é possível encontrar uma síntese escrita de todos os exercícios.

Conclusão

Desvenda-se o sentido dos mistérios e dos exercícios que insistentemente referiam a tarefa de incluir dez elementos: estando em Fátima, os cinco exercícios de desenho representavam os cinco mistérios do terço católico. As leituras referenciadas são as dos mistérios gozosos, as da alegria. As dez tarefas simbolizam as dez ave-marias que se rezam no terço. O objetivo deste retiro era mostrar que se pode rezar através do desenho, durante a sua construção e como ponte de reflexão.

Dois anos depois da realização destes desenhos, foi solicitado ao Nuno Branco uma breve análise ao trabalho realizado, que se transcreve de seguida:

Passados estes anos, algumas notas sobressaem quando volto a pegar nos desenhos e a ler as notas (Às vezes, elas próprias indecifráveis) que os acompanham:

- Foi um exercício genuíno e verdadeiro que decorreu de um encontro com Deus, em ambiente de oração, recolhimento e algum silêncio e que ganhou visibilidade e expressão através do desenho. Como se o desenho fosse a palavra mais ajustada para falar de um encontro. - Os meus desenhos não são um património que me pertença. Fui que os gerei e criei, acompanhei, dei-lhes forma, mas ao publicarem-se deixam de me pertencer. Mostrar um desenho, torna-me pobre. Porque o que, eventualmente, tocará as pessoas através do desenho já não sou eu. - Esta pobreza liberta-me de um certo pudor entre o revelar-se e o esconder-se, entre o mostrar-se e o resguardar-se. O desenho vem lembrar este paradoxo da vida cristã em que duas coisas contrárias coabitam simultaneamente fazendo uma realidade ser e não ser ao mesmo tempo: eu sou o autor dos desenhos, mas eles não me pertencem; revelo-me escondendo-me; digo sem dizer. Desenhando. Talvez por isso, a imagem e o desenho estejam autorizados a falar de um Deus também Ele dado a conhecer no seu paradoxo: Deus uno e trino; Jesus Deus e Homem, Maria Virgem e Mãe.

Sabendo que a história da arte está repleta de exemplos de obras que ilustram os textos bíblicos, acredita-se que a sua esmagadora maioria é "apenas" isso mesmo, uma ilustração mimética do que a narrativa sugere. Com este artigo pretende-se mostrar como o conteúdo dos textos bíblicos pode gerar um novo modo de criação, alicerçado no quotidiano, no desenho de observação e articulado com a cultura e história pessoal de cada autor.

Referências

Bianchi, Enzo (2015) Il grande misterio della Visitazione [Consult. 2018-01-03] Disponível em URL: Disponível em URL: https://www.monasterodibose.it/preghiera/vangelo/10081-il-grande-mistero-della-visitazioneLinks ]

Recebido: 03 de Janeiro de 2019; Aceito: 21 de Janeiro de 2019

Correio eletrónico: linhares.mr@gmail.com (Mário Linhares)

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