SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.12 número33Caminhos da escuta e da plasticidade no repertório artístico de Floriano Romano e Gersony Silva índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.12 no.33 Lisboa mar. 2021  Epub 31-Mar-2021

 

Editorial

Imaginários sem tempo: há novidades na arte

Timeless imaginaries: new things in art

João Paulo Queiroz1 

1 Universidade de Lisboa, Faculdade de Belas Artes, Centro de Investigação e Estudos em Belas Artes. Largo da Academia Nacional de Belas Artes, 1249-058 Lisboa, Portugal.


Resumo

A proposta desta edição nº 33 da revista Estúdio, de todos os seus 15 artigos, poderá resumir-se no desafio de um resgate num contexto generalizado de desconfiança, de abandono, ou de distanciamento humano. A crise é uma carência demorada, arrastada, fundada na crise do amor. É como uma epidemia, uma falta de relação, e de pulsão. Lá atrás, o mal-estar da vida urbana e moderna, para o que urge um projeto global estético. É o “imaginário de resgate” concretizado nas propostas arrojadas que aproximam: a beleza e a arte.

Palavras-chave: Estúdio nº 33; crise; amor; imaginário de resgate

Abstract

The proposal of this issue no. 33 of Estúdio journal, of all its 15 articles, can be summarized as the challenge of a rescue in a generalized social context of distrust, abandonment, or human distancing. The crisis is a time-consuming need, founded on the crisis of love. It's like an epidemic, a lack of relationship, and also a drive. There, the malaise of urban and modern life, for which is urgent a global aesthetic design. This is the "imaginary of rescue" concretized in the bold proposals that come close: beauty and art.

Keywords: Studio no. 33; crisis; love; imaginary rescue

Dentro do imaginário, movido de dentro, pelos artistas, sente-se uma falta emergente de conteúdo artístico. Arrisca-se uma leitura de acordo com os tempos: a pandemia impôs o distanciamento (Silva & Melim, 2020), a desconfiança enraizou-se desde a crise das dívidas soberanas, de 2010, e afastou nacionalidades, entretanto acantonadas nos fluxos financeiros matizados em moralismos populistas (Rekalde, 2018). A arte torna-se ressonância de desamor, encerra um vazio interior, esvaziado o humanismo e a vontade de partilha (Cirilo, 2012). O amor evadiu-se, trocado por acertos de contas mais ou menos insignificantes.

As propostas de um imaginário passam a poder ser reconhecidas em algumas formulações, como que uma dissidência dentro da máquina de consumidores, onde o individuo é um membro utilizador. Impõe-se um rasgar de imaginários, pois existe uma fome de imaginação, uma carência generalizada de arte, devido talvez a uma profunda ausência de amor. É uma crise epidémica, quase ausência generalizada de saúde, falta de relação, de calor, e de pulsão. Em fundo, a profunda solidão, a frieza e o mal-estar da vida urbana e moderna.

Podem-se apontar momentos de questionamento interior, quer no campo dos artistas, quer no campo dos educadores (Prieto, 2014; 2018). O desafio é manter a comunicação, chegar ao outro, amar (Fariña & Cid, 2020). Será uma proposta a colocar aos artistas, esta proposição de um imaginário de resgate (Huerta, 2020).

Afinal de que se trata, este “imaginário de resgate”? Trata-se de um desejo pela criação, uma vontade de comunicar, uma pulsão de partilha, uma verdade a colocar em comum. É um verdadeiro caminho, trilhado pelos homens desde que há pensamento, e desde que há pensamento artístico (Grando, 2016). Em comum, uma inclinação para uma beleza, para um valor em comum, para uma descoberta das formas, para uma concretização plástica, material, do que é sonhado e pensado como mais belo (Huerta, 2004).

Para este número 33 da Revista Estúdio foram selecionados 15 artigos que tomam coo escopo o olhar de artistas sobre outros artistas, num olhar de resgate entre criadores.

Neide Marcondes & Nara Silvia M. Martins, no artigo “Caminhos da escuta e da plasticidade no repertório artístico de Floriano Romano e Gersony Silva” debruça-se sobre a obra destes dois artistas. Floriano Romano (n. Rio de Janeiro, 1969) apresenta instalações com dispositivos sonoros que enfatizam uma interação urbana, entre sapatos ou guarda-chuvas sonoros, numa superação da metafísica através de uma indagação em torno da ‘patafísica.’ Gersony Silva é uma artista de São Paulo ativa desde os anos 80, apresenta instalações penetráveis e performances, que interrogam a dobra do corpo e do feminino, entre sinestesias de tacto e de música. Entre ambos uma apropriação sensorial e epidérmica.

No artigo “Alchimia Nova d’AnneMarie Maes: La necessitat de cultivar el nostre Jardí” Àngels Viladomiu Canela debruça-se sobre as propostas de AnneMarie Maes (n. Bruxelas, 1955). Esta é uma das artistas que se dedicaram com mais persistência ao estudo de colónias de abelhas. O Hortus experimentalis, instalado no jardim do seu atelier de Bruxelas desde 2009, ou o Transparent beehive, um cortiço visível e visitável (2003), ou ainda o ElbBienen Project, Intelligent Guerrilla Beehave, de 2020. A proposta é política e ambiental dentro de uma abordagem totalizante, decerto também metafórica da relação da arte com a sociedade.

Inês Maria Andrade Marques, no artigo “O Mapa das Ilhas Flutuantes, de Ema M. (2015): Cartografias imaginadas num espaço” apresenta o projeto de 2015 de Margarida M. Prieto (n. 1976, Torres Vedras) (aliás, Ema M.). Em resposta a uma proposta de Emília Ferreira, para a Casa da Cerca, a artista concebe uma correspondência entre antigos cartógrafos em busca de ilhas que se evadem de um dia para o outro, como que flutuantes. Os painéis em madeira disfaraçam-se de mapas, de nós de madeira, de caixas, de gabinetes, de armários, de desenhos.

Joaquim Cantalozella, no artigo “Carlos Velilla, la transparencia del gesto,” apresenta a obra de Carlos Velilla (Zaragoza, 1950). Entre a abstração e a representação, as séries Verso intercalar (1999), Una casa de conversación (2003) y Pla seqüència (2019) tornam intrigantes as relações com os referentes, que parecem tanto omitidos, como eficazmente traduzidos pela cor e pela representação plástica deste artista.

Cecília Andrade Corujo, no artigo “Eduardo Berliner: a pintura como processo para a (re)construção de um imaginário” apresenta a obra deste artista brasileiro (n. 1978, Rio de Janeiro). A apropriação híbrida de corpos, objetos e animais apodera-se de uma narrativa infantil e quase assustadora que confronta os medos e os amores, numa poética de contemplação introspetiva.

No artigo “Mimetismos e encobrimentos como modo de resistência contra a mesmidade do ‘eu,’ na série ‘Paisajes,’ de Cecilia Paredes,” Karine Perez apresenta a série “Paisajes”, da peruana Cecilia Paredes (Lima, 1950) hoje radicada em Filadélfia, EUA. Miméticas, as suas autorepresentações em camuflagem feminina e doméstica, reposicionam a plasticidade artística do lado do contexto, da camuflagem, do migrante, do feminino, do lar, dos papeis interpretados, das minorias, dos disfarces.

Diego del Río Comesaña, no artigo “Viajando com Carla Andrade, critica de lo sublime, la utopia y el paisaje: eurocentrismo e identidades fragiles” apresenta a obra de Carla Andrade (n. 1983, Vigo, Espanha). “Nenhum rio me protege de mim” é uma peça vídeo que aponta a deriva e a viagem como um sintimento de um mal-estar contemporâneo de busca de amor, ou de resgate permanente, numa tensão entre as margens de distâncias, desde a República Centro Africana, ou no antigo Congo, numa proposta de fuga permanente.

Paula Santiago Martín de Madrid, no artigo “Ciudad y silencio en las imágenes de Sergio Belinchón” apresenta a obra do fotografo Sergio Belinchon (Valencia, 1971), especialmente as séries a partir de 1997, como Metrópolis (1997 e 2009), Roma (2000), Ciudades efímeras (2001), Some space (2004), Público (2005), Pure (2006) ou Natural history (2006). São cidades genéricas, desamparadas, desligadas, solitárias e complexas, com uma proximidade paradoxal, feita de materiais e espaços, interrogando os novos desertos urbanos.

Leonardo Charréu, no artigo “A (des)figuração animalista na pintura de Sofia Torres: estranhamento e repetição” aborda e contextualiza a proposta desta pintora nascida em 1984 no Porto, Portugal. Partindo de redes de figuradores que exploram, de uma forma ou de outra, o uncanny, o estranho, o insólito, o desconfortável, o incómodo, podendo traçar-se uma origem referencial na “psicologia do estranho” de Ernest Jentsch, ou nos estudos de Freud. A proposta é de uma atualização pós surrealista, chamando à frente a figuração canina. A proposta é de um brilho interpelador em torno de uma possível decoração absurda e passiva, em torno de troféus de taxidermia de parede, convocando os valores plásticos da fotografia e do flash com as materialidades ostensivas da pintura e do escorrimento.

No artigo “O Gallus Sapiens de Victor de La Rocque e o contemporâneo” Orlando Franco Maneschy apresenta o artista Victor de La Rocque (n. Belém, Pará, Brasil, 1985) e suas performances e sua convocação da micropolítica do corpo, e das suas apropriações, tatuagens, marcas e gravações a fogo, gestos. O projeto Gallus Sapiens Parte aparece no 13º Salão Unama de Pequenos

Formatos (2007) e depois no 27º Salão Arte Pará (2008) onde se exibiu na abertura um galo e uma galinha vestidos de gala, e depois, o próprio artista, com a performance, “Come, Ainda Tens Tempo”, com um impetuoso convite à desterritorialização e ao desejo.

No artigo “Desenho, corpo e espaço: reflexões sobre experiências e atravessamentos na produção artística de Andréia Dulianel” Thayfani Eduarda dos Santos & Paula Cristina Somenzari Almozara é debatida a proposta da artista brasileira Andreia Dulianel (n. Vinhedo, São Paulo, 1982) de instaurar o desenho e a sua relação com o corpo e com o espaço, através de três ações artísticas em desenho, “Apagamentos I” (2014), “Evanescências” (2016) e “Reminiscências” (2019). Dulianel recorre a carvão em pó sobre o chão, ou também a água sobre o asfalto quente, em esboços amplos e efémeros, que desaparecem por evaporação ou dissipação, interrogando a perenidade do corpo e da própria arte.

No artigo “Espaço sem Tempo: Lia do Rio e a poética da Terra” Isabela Frade aborda a interrogação plástica de Lia do Rio (n. São Paulo, 1938). As instalações com folhas e materiais naturais, incidem sobre a natureza e o tempo, numa inquietação ontológica profunda de interpelação dos sujeitos.

No artigo “A criação de Romy Pocztaruk: Transversalidades entre memória, nostalgia e crítica” Mônica Zielinsky apresenta as propostas de Romy Pocztaruk (n. 1983, Brasil). Esta artista através de imagens quase invisíveis, desvanecidas, séries de fotos e vídeos, as Traumberg, imagens quase apagadas, um trabalho sobre a memória dos lugares de tensão histórica.

No artigo “Paisagem traumatizada: a inscrição de eventos humanos traumáticos no território, na obra de Bleda y Rosa,” Domingos Loureiro debruça-se sobre as propostas da dupla de fotógrafos Bleda y Rosa, ou seja, María Bleda (Castellón, 1969) y José María Rosa (Albacete, 1970). Os territórios onde decorreram eventos traumáticos, hoje quietos e insondáveis, ontem campos de lutas encarniçadas, são revisitados pelos fotógrafos, nas as séries “Campos de Batalla” (1994-2016) e “Notas en torno de la Guerra y la Revolucion” (2011-2013).

No artigo “Perceção Visual em Realidade Virtual nas obras de Vier Nev” Diana David reflete-se sobre a narrativa animada em Realidade Virtual. Observando as peças “A Mãe de Sangue,” ”Dar Cria,” e“Lucido” do artista Vier Nev (Portugal). Articulando e sugerindo sucessivas as apofenias, o artista sugere novas formas e associações a partir das relações figura-fundo, no contexto dimensional sofisticado da Realidade Virtual.

Como contraponto final a todas os artigos apresentados, há para relembrar, ou melhor, reatualizar a proposta de resgate do amor pela arte, num envolvimento humanista totalizante (Marques, 2017). O desafio é de ser-se vivo, mortal, e frágil, em procura de uma beleza última.

Referências

Cirilo, Aparecido José. (2012) "Pela Fresta (1998): o papel do espaço e da memória no processo de criaçao da obra de Shirley Paes Leme a partir de seus cadernos de anotações." Estúdio: artistas sobre outras obras 5: 269-276. [ Links ]

Fariña, A. F., & CID, M. L. F. (2020). El cuerpo pincel en el arte feminista. Tsantsa. Revista de Investigaciones artísticas, (9), 27-37. [ Links ]

Grando, A. (2016). Cildo Meireles: como na tradição oral e além. Revista Estudio, artistas sobre outras obras . ISSN, 1647-6158, 7, 145-152. [ Links ]

Huerta, R. (2004). Sangre o tinta. La tipografía como argumento liminar para una educación artística. In Ponencias Primer Congreso de Tipografia, Valencia, ADCV (pp. 178-186). [ Links ]

Huerta, Ricard. (2020, mar) “Letras de Cine: Tipografía Queer para Formar a Docentes en Diversidad y Cultura Visual.” Athenea Digital: Revista de Pensamiento e Investigación Social. Vol. 20 Issue 1, p 1-23. 23p. [ Links ]

Marques, Inês Andrade. "Da tela à parede da fábrica: Edgard Pillet, a arte abstrata integrada e os equívocos na sua aceitação." Gama 5 (2017): 110-118. [ Links ]

Prieto, Margarida P. (2014, july)"From heaven to heavens: Rui Macedo/Do céu aos ceus: Rui Macedo." Revista Estudio, artistas sobre outras obras . ISSN, 1647-6158. n. 10, pp. 164+. [ Links ]

Prieto, Margarida P. (2018). João Paulo Queiroz: a imagem de uma imagem. Revista Estudio, artistas sobre outras obras N. 23 . ISSN, 1647-6158. [ Links ]

Rekalde, Josu (2018). Esther Ferrer. Espacios Entrelazados. BRAC: Barcelona, Recerca, Art, Creació, 6(3), 355-359. [ Links ]

Silva, Daniela Torres Gelly de Castro E., & Melim, Regina (2020, july). "Experimentações político-formais no corpo linguístico performativo: a escrita em artes visuais/Political-formal experiments in the performative linguistic body: writing in visual arts." Estúdio, no. 31, pp. 134 [ Links ]

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons