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Revista :Estúdio

versão impressa ISSN 1647-6158

Estúdio vol.12 no.34 Lisboa jun. 2021  Epub 30-Jun-2021

 

Artigos originais

As paisagens cariocas de Augusto Herkenhoff: entre a reinvenção e a incongruência

Augusto Herkenhoff's landscapes cariocas: between the reinvention and the incongruity

Almerinda da Silva Lopes1 
http://orcid.org/0000-0001-5075-7843

1Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Av. Fernando Ferrari, 514 Goiabeiras-Vitória - ES -Brasil CEP 29075-910


Resumo

Este texto reflete sobre a série de pinturas denominada Paisagens Cariocas, obras essas aqui entendidas como representações poéticas, culturais e atemporais. A série foi produzida pelo artista capixaba radicado no Rio de Janeiro, Augusto Herkenhoff (1965), ao longo da última década, mas a paisagem e a preocupação ecológica têm sido temas frequentes em sua obra pictórica desde que iniciou a trajetória na década de 1980, quando ele e outros jovens da geração que então emergia, resgataram o prazer de pintar sobre grandes suportes, recorrendo a pinceladas vigorosas e a cores orquestrais.

Palavras-chave: Paisagem; Augusto Herkenhoff; Anacronismo; Atemporalidade

Abstract

This text reflects on the series of paintings called Landscapes Cariocas, works here understood as poetic, cultural and timeless representations. The series was produced by the artist from Espírito Santo based in Rio de Janeiro, Augusto Herkenhoff (1965), over the last decade, but landscape and ecological concern have been present in his pictorial work since he started his creative career in the 1980s, when he and other young people of the generation that then emerged, recovered the pleasure of painting on large supports, using vigorous brushstrokes and orchestral colors.

Keywords: Landscape; Augusto Herkenhoff; Anachronism; Timelessness

Introdução

A paisagem é um dos mais antigos meios de expressão artística, mas foi a partir do século XIX, que adquiriu autonomia e deixou a ser pensada como “equivalente ou análogon da natureza” (Cauquelin, 2000:7). Relevantes artistas modernos ocidentais, a exemplo de Cézanne, reconfiguraram e desmontaram os preceitos do passado, ampliaram as possibilidades expressivas da paisagem e a elevaram a gênero artístico de primeira grandeza. Na arte contemporânea, a paisagem natural e a construída mantêm destacada posição, sendo interpretadas, capturadas e tensionadas de diferentes maneiras pelos artistas, tanto por meio das praxes artesanais quanto elaboradas com o auxílio de dispositivos tecnológicos. Surge, assim, grande diversidade de imagens, resultante de concepções criativas polissêmicas e de inusitadas ações e intervenções artísticas, não raramente realizadas em contato direto com a natureza, imagens essas que modificam a percepção da realidade, e tornam visíveis locais pouco conhecidos ou mesmo inacessíveis. Como observa Cauquelin (Id. Ib: 8), “a mescla de territórios e a ausência de fronteiras” artísticas, somadas à ampliação do “cortejo de práticas e de novas tecnologias audiovisuais”, possibilitaram o surgimento de “versões perceptuais inéditas de paisagens outras”, sem relegar “a paisagem a um segundo plano ou recobrir sua imagem”, confirmando que “essas extensões dão a ver com muita precisão o quanto a paisagem é fruto de um longo aprendizado, complexo, e o quanto ela depende de diversos setores de atividades".

Nessa esteira de novas possibilidades e liberdades poéticas transitam as paisagens de autoria de Augusto Herkenhoff, aqui abordadas. Mas, antes de enfocarmos as Paisagens Cariocas, pintadas ao longo da última década, convém esclarecer alguns aspectos. Esse conjunto de telas foi pensado pelo artista como uma grande instalação, mosaico ou palimpsesto, envolvendo diferentes tempos e ressonâncias da memória do passado; a temática ecológica tem sido abordada, intermitentemente, por ele ao longo da carreira; a série citada não foi produzida isoladamente, mas em paralelo a outras duas séries pictóricas: Super Flowers e Natureza e Cultura. Todas as pinturas possuem linguagem figural (termo emprestado da semiótica), sendo cada uma delas parte de um “discurso que ajuda a contar uma história (...)”, por meio de seus elementos iconográficos e “cores fulgurantes” (Didi-Huberman, 1990:298).

Essa visada conceitual, experimental e poética do artista, embora revele aspectos inusitados não deixa de mostrar afinidade, tanto nas formas de matriz expressionista quanto nas cores explosivas, com a pintura dos anos de 1980, época em que o artista iniciava sua trajetória criativa. Esse fenômeno da volta à pintura ocorria depois de longo período de refluxo, causado pela soberania das práticas conceitualistas.

Nascido em Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Espírito Santo, Augusto Herkenhoff (1965) revelou talento precoce para a arte, desenhando sobre todo e qualquer suporte ao seu alcance. Foi nos livros que acessava nas bibliotecas familiar e escolar que ele descobriu a obra de muitos artistas, mas era a pintura moderna que o fascinava. Na adolescência optou, porém, por cursar Direito no Rio de Janeiro, seguindo a trilha aberta pelo pai, e por seus irmãos mais velhos. Simultaneamente, frequentava as aulas de pintura na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde recebeu orientação de ilustres artistas e teve contato com a novíssima geração de pintores que emergia na mesma década (1980). Essa vivência e experiência levariam o jovem a desistir da carreira jurídica, para dedicar-se total e obsessivamente à arte (como desenhista, pintor e gravador). Embora não tivesse participado da exposição Como vai você Geração 80 (1984), realizada nas dependências da referida Escola do Parque Lage - pois se tornou aluno da instituição apenas algum tempo depois -, a nova pintura impactou o jovem capixaba.

Essa nova pintura animou o mercado que a assimilou de imediato, mesmo que seus autores fossem, em sua maioria iniciantes, que expunham os primeiros trabalhos, elaborados com formas situadas na fronteira entre abstração e figuração, esboçadas sobre grandes suportes, com gestos impulsivos e cores orquestrais. Esse cenário modificou o conceito de arte de Herkenhoff e o estimulou a iniciar a carreira profissional, tornando-se um dos signatários da segunda leva dessa nova geração, chegando a pintar em parceria com Jorge Guinle, entre outros ícones.

A natureza tropical brasileira tornou-se, desde então, tema frequente das pinturas executadas pelo artista, recorrendo ora a formas quase realistas e cores pouco diversificadas, em que predominam as gradações de verde - como na homenagem prestada ao naturalista brasileiro Augusto Ruschi (1915-1986) -, ora a estruturas sintéticas, construídas com gestos amplos e cores puras.

Na supracitada série Super Flowers (Figura 1) Herkenhoff homenageia o fluminense Alberto da Veiga Guignard (1896-1962), pintor emblemático do modernismo brasileiro, que além de autor de paisagens oníricas ou imaginárias, em

Figura 1 Augusto Herkenhoff, Vaso de flores, 2014. Acrílica s/tela, 61 x 61 cm. Fonte: Imagem cedida à autora pelo artista. 

que enormes balões sobrevoam as igrejas de Ouro Preto - cidade onde ele atuou nos últimos anos de vida -, também criou cenas intimistas, e inúmeros vasos de flores.

Entretanto, as composições herkenhoffianas não se mostram partidárias das minúcias e do preciosismo de Guignard, pois o objetivo não é imitá-lo ou superá-lo. Inspira-se no antecessor para reeditar e retirar do esquecimento um dos temas prediletos de Guignard, mas o faz recorrendo a formas sintéticas ou econômicas, elaboradas com pinceladas rápidas, vigorosas e carregadas de matéria e cores puras e chapadas, em composições que parecem geradas a partir de um mesmo arcabouço construtivo.

Na série Natureza e Cultura, o artista faz referência às fábulas, em que animais selvagens e domésticos - tucanos, perus, gatos, cães, coelhos, onças, raposas, lobos, asnos, macacos, ursos, entre outros - são personificados e agem como racionais. Representados em três quartos, têm a cabeça e as mãos dos animais segurando um livro aberto à altura do peito em cuja leitura eles parecem concentrar-se, parodiando os “homens civilizados”. Alguns animais fixam o interlocutor, como se o interrogassem sobre o que leva os homens a praticarem ações insensatas, ameaçadoras, agressivas, gananciosas ou destruidoras do meio ambiente e da vida das espécies. Por meio dessa discrepância ou paradoxo, Herkenhoff se refere às atuais políticas perversas e devastadoras da exuberante e dadivosa natureza brasileira.

2. Tempo, Memória e Anacronismo.

Nas composições das Paisagens Cariocas a linha do horizonte é rebaixada, abrindo, assim, maior espaço para o céu, que ocupa na maioria das telas cerca de três quartos do campo pictórico, e na parte inferior o autor representa a Baía da Guanabara. Nessas paisagens inventadas, o olhar do interlocutor adentra o cenário, fisgado pelo reconhecimento de alguns ícones da natureza do Rio de Janeiro: os morros do Pão de Açúcar e o da Urca. Estes transitam de uma cena a outra, o que os torna referências iterativas. Posicionados à altura da linha do horizonte, esses morros conectam o céu e o mar formando um continuum, e se colocam como referências temporais, pois sempre estiveram ali. Essas pedras são muito anteriores à existência do artista e dos interlocutores das pinturas e “provavelmente sobrevirão a todos nós”, o que tanto nos coloca como “seres frágeis”, como atesta que nesses morros “estão depositados séculos de memória” (Didi-Huberman, 2000: 12). Não há nas composições vestígios de devastação ou de poluição do mar, significando que a maioria das composições remete a um tempo pretérito. Barcos antigos zingram as águas calmas e límpidas da Baía da Guanabara e o dirigível alemão Graf Zeppelin (Figura 2), flana pelo céu brilhante e intenso como um gigantesco pássaro, acima dos citados morros do Pão de Açúcar e da Urca (numa referência à primeira viagem experimental do dirigível ao Rio de Janeiro, em 24 de maio de 1930).

Figura 2 Augusto Herkenhoff, Rio Zeppelin, 2014. Acrílica sobre tela, 115 x 130 cm. Fonte: Catálogo, Diversas, Galeria Zagut, Rio de Janeiro, 2019. 

A passagem do Zeppelin pela cidade ocorreu, também, em um tempo cronológico muito anterior ao próprio artista, não fazendo parte, portanto, de sua vivência, referências de memória e experiência visual. Leitor compulsivo desde a infância, e fascinado por histórias de ficção e por inventos científicos e tecnológicos, Herkenhoff revitalizou a passagem do Zepellin pelo Rio de Janeiro em periódicos antigos, alertando o espectador que o tempo é circular, no sentido de que o presente não deixa de ter algum vínculo com o passado. Os registros fotográficos do gigantesco dirigível, capturados pelo fotógrafo Jorge Kfouri (1893-1965) a bordo de um avião da aeronáutica brasileira (Wanderley, 2018), hoje no acervo do Instituto Moreira Salles, foram usadas para atribuir à representação icônica do dirigível veracidade histórica, e à construção pictórica alguma coerência estética. O artista elabora, assim, um processo dialético, enunciador não de um tempo linear, mas um tempo-memória, em que o “passado retorna como anacronismo” (Didi-Huberman, 2005: 339).

Se as ressonâncias do passado atribuem às Paisagens Cariocas algo de paradoxal, é por meio dessas reminiscências o autor reordena o espaço, realocando e entrelaçando diferentes tempos. Esses e outros atributos reafirmam a liberdade adquirida pelos artistas atuais, de refutar ou de se apropriar de “todos os modelos de tempo adotados pela modernidade, incluindo o anacronismo desenvolvido pela pós-modernidade” (Grenier, 2008:28). No processo de pesquisa desenvolvido pelo artista, desvelou no teor das matérias e nos depoimentos publicados no inicio do século passado, o deslumbramento que o Zeppellin causou na população carioca, ao sobrevoar, como gigantesco pássaro, vários bairros e praias cariocas, antes de aterrissar no Campo dos Afonsos, em Santa Cruz. Vale destacar, no entanto, que enquanto os barcos marcam presença em grande parte das telas da série, o aparecimento do Zepellin é evento único, o que não deixa de apontar para a ideia de ruptura “com o evolucionismo e com a filosofia ou a utopia do progresso” (Didi-Huberman, 2000: 53). Mas não se descarta no posicionamento do artista a intenção velada de remeter ao contrato milionário firmado, na época, entre o governo brasileiro e a empresa alemã, para a realização de viagens entre os dois países, o que fracassou após a explosão do Zepellin Hindenburg (1937).

A recorrência aos acidentes geográficos nas Paisagens Cariocas, não deixa de remeter, de alguma maneira, à perseverante experimentação que Cézanne desenvolveu no início do século XX, diante da montanha Sainte-Victoire. Nas pinturas de Herkenhoff as rochas lembram gigantes emergindo das profundezas do oceano, sendo que no topo arredondado dos morros não se veem as estações do teleférico, inauguradas em duas etapas, 1912 e 1913, ligando o Pão de Açúcar à Urca, na Praia Vermelha. Os morros aparecem duplicados em algumas das telas da série (Figura 3), numa espécie de projeção topográfica ou espelhamento, que reforça o primado simbólico da cidade do Rio de Janeiro. Aos elementos da paisagem natural, o artista associa paradoxos e motivos ficcionais extraídos de diferentes camadas da memória, ou do entrelaçamento de tempos geradores de palimpsestos.

Figura 3 Augusto Herkenhoff, Double Sugar Loaf, 2012-2013. Acrílica s/tela, 130 x 193 cm. Fonte: Catálogo, Diversas, Galeria Zagut, RJ, 2019. 

Os morros e outras referências da paisagem natural são transfigurados visualmente, para gerar cenários fantásticos, incoerências ou incongruências estéticas, a exemplo do sol de dimensões exageradas. A esses elementos topográficos contrapõem-se cardumes de peixes coloridos, que tanto parecem nadar calmamente no mar, como empreender fuga sobrevoando o espaço pictórico, como se fossem pássaros, em meio a uma chuva de rosas de cores vivas, caules eretos e folhas verdes, como se colhidas há pouco, em um universo onírico (Figura 4). Mas há também telas, em que todo o campo visual é ocupado somente pelos morros e pela profusão de rosas. Estas caem do céu e se precipitam nas águas da Baía da Guanabara, remetendo às oferendas que os devotos fazem a Iemanjá, a mãe d´água ou rainha das águas. Ou seria essa uma referência ao quadro do pintor paulista Benedito Calixto (1853-1927), O Milagre da seca (1927)? Essa pintura se encontra na capela do Convento da Penha, em Vila Velha, no Espírito Santo, e certamente foi vista pelo artista reiteradas vezes, desde a infância. Nela a chuva cai do céu de Vitória em forma de rosas, para simbolizar o milagre da Virgem, que logo após ser retirada da capela e levada em procissão, acabaria com o longo período de estiagem ocorrido em 1769, que teria gerado muito sofrimento e miséria, segundo reza a história do convento (Figura 5).

Figura 4 Augusto Herkenhoff, Sugar Loaf, 2015. Acrílica s/tela, 190 x 250 cm. Fonte: Fotografia enviada à autora pelo artista. 

Figura 5 Augusto Herkenhoff, O sol dos cariocas, 2019. Acrílica s/tela, 130 x 195 cm. Fonte: Catálogo, Diversas, Galeria Zagut, RJ, 2019. 

Em outras telas da série em análise, Herkenhoff cria um universo tanto lírico quanto onírico, ao contrapor ao campo pictórico plano e monocromático somente uma chuva de rosas multicoloridas, que parecem dançar e rodopiar no espaço ao ritmo de uma valsa, até caírem exauridas umas sobre as outras, acumulando-se na base inferior da composição. Tal praxe, além de tornar o espaço pictórico incomensurável e contínuo, exige um movimento incessante do olhar percorrendo o campo visual, e coloca os observadores, espectadores ou atores-cúmplices, diante do inusitado, “incitando-os a se confrontarem com inéditas configurações visuais e mentais” (Lachaud, 2009:97). Isso significa que, tanto a profusão de rosas e de peixinhos coloridos, elaborados como esboços ou sínteses e o espelhamento ou repetição dos entes da natureza, quanto o enredamento de tempos, através dos barcos antigos e o citado dirigível, articulam uma nova percepção visual que esgarça a ideia de representação e de tempo cronológico. Geram enunciados poéticos e imagens de sonhos, que não se explicam pela lógica ou pela sua configuração iconográfica, mas ganham sentido no contexto e no tempo da própria pintura.

O artista cria, assim, imagens pictóricas que tanto se referem ao visível quanto ao invisível, oferecendo ao interlocutor não um sentido definido ou acabado, mas propõe que ele busque e decifre outros significados nesse “excesso e repetição de um mesmo elemento e de indiferenciação visual”. Ao desestruturar o olhar do observador, demove-o da acomodação e da previsibilidade visual, como condição de “reconfigurar o sensível” e a se posicionar de “maneira diferente no espaço-tempo” (Amey, 2009: 19).

Nesse processo de inversão e de sobreposição presente/passado/presente, ou de referência ao tempo circular, enredam-se diferentes possibilidades semânticas, entre elas a de alertar simbolicamente para a poluição e a impiedosa destruição da natureza brasileira, por ganância, ignorância e insensibilidade dos administradores públicos, a quem compete a responsabilidade de preservá-la. Se não se pode afirmar que a intenção de Herkenhoff de atribuir à série pictórica um viés político, o conjunto de sua vasta produção criativa e o olhar crítico que ele lança sobre determinados acontecimentos, atestam que ele “não se sente completamente desconectado dos problemas de seu tempo”, o que significa que não dissocia a “esfera artística de suas convicções políticas” (Gucht, 2014:73).

Conclusão

Na série Paisagens Cariocas desvela-se imagens articuladoras de paradoxos ou ambiguidades visuais, na associação de elementos de diferentes tempos e naturezas, que formalizam uma espécie de ponte entre passado e presente, sem qualquer índice de saudosismo ou melancolia. Nessa profusão de elementos exuberantes, contraditórios, sensuais, fulgurantes, incandescentes, irônicos e oníricos se confirma que a “ambiguidade é essencial à estrutura de toda imagem dialética” (Benjamin, apud Didi-Huberman, 2005:340). A recorrência do artista a elementos visuais coerentes e incoerentes, reais e ficcionais, congruentes e incongruentes, tanto se coloca como instigadora do olhar, como articula uma espécie de tensão ou de “conflito de formas e contra formas, de experiências ópticas, de espaços inventados, e de figurações sempre reconfiguradas” (Didi-Huberman, 2000: 167). O transitar por certos elementos da paisagem natural do Rio de Janeiro, se por um lado não deixa de atestar a identificação do artista pelo lugar (topofilia), por outro facilmente se depreende que é por meio deles que o olhar do interlocutor adentra as obras e constata que Herkenhoff repete sem se repetir, recurso que lhe permite manter a unidade e a continuidade das obras, sem perder de vista a coerência e o compromisso ético. Assim, talvez se possa afirmar que o artista busca construir, não uma série de obras, mas uma grandiosa tela/instalação em que cada pintura se coloca como fragmento desse mosaico. Por meio de imagens-esquemas, mais do referir-se à harmonia e à beleza da paisagem carioca, “quer representar a coisa e seu contrário (...) fazer a conexão entre acontecimento e estrutura”, sintoma e referência do visível, ou talvez instituir-se como “processo dialético de redefinição conceitual e sensível do mundo” (Didi-Huberman, 1990: 310).

Agradecimento

Agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pela concessão de Bolsa de Produtividade em Pesquisa, que tornou possível o desenvolvimento do trabalho de investigação.

Referências

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Wanderley, Andrea C.T. Zeppelin Brasiliana Fotográfica. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2018. Disponível em: Disponível em: https://brasilianafotográfica.bn.br/?tag -graf-zeppelin . Acesso em 12 dez. 2020. [ Links ]

Recebido: 15 de Fevereiro de 2021; Aceito: 01 de Março de 2021

1 Almerinda da Silva Lopes é Professora e pesquisadora da Universidade Federal do Espírito Santo (Brasil), e Pesquisadora de Produtividade do CNPq. Doutora em Comunicação e Semiótica, subárea de Artes Visuais, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP) e Universidade de Paris I. Coordena o Grupo de Pesquisas em Arte e Arquitetura. Principais linhas de Investigação: Artes Visuais, História da Arte, Fotografia, Crítica de Arte, Ensino de Arte. Endereço institucional: Programa de Pós-Graduação em ArtesCentro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, Av. Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras - Vitória- Espírito Santo- Brasil, CEP 29075-910. E-mail: almerindalopes579@gmail.com

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