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GOT, Revista de Geografia e Ordenamento do Território

versão On-line ISSN 2182-1267

GOT  no.7 Porto jun. 2015

https://doi.org/10.17127/got/2015.7.009 

ARTIGO ORIGINAL

 

O verde produtivo na AMP no horizonte 2020

 

 

Marques, Hélder1

1Universidade do Porto, Faculdade de Letras, Departamento de Geografia / CEGOT; Via Panorâmica, s/n, 4150-564 Porto; htrigo@letras.up.pt 

 

 

RESUMO

Pensar a forma como se estruturará o verde produtivo na Área Metropolitana do Porto, num corte temporal que se fecha no horizonte 2020, implica não só um diagnóstico do que ele é, mas também, e sobretudo, a capacidade de compreender as principais alterações em curso, procurando distinguir as que são, ou parecem ser, meramente conjunturais, daquelas que, uma vez instaladas, têm capacidade suficiente para serem determinantes no curto e médio prazo. Depois é necessário estabelecer, em conformidade, os principais objetivos a atingir a partir dos desígnios das políticas públicas consensualizadas, ou seja, quais são os valores de largo espectro a atingir, neste caso a sustentabilidade dos sistemas produtivos, a adequação ambiental e paisagística, a que acresce a criação de valor. São também observadas as condicionantes, até porque o complexo agroflorestal é talvez aquele que, no domínio dos sistemas produtivos de criação de valor, está mais condicionado por decisões que são estranhas à nossa soberania, quer se trate da administração central ou local, quanto mais não fosse porque as políticas de incentivos e preços são essencialmente determinadas pela PAC. Passa-se, depois, a uma caracterização de síntese, recorrendo a um conjunto de indicadores, os quais, uma vez agregados em diferentes variáveis, permitem  um maior poder heurístico.  Fecha-se com um esboço e tipificação do modelo territorial expectável no curto prazo, assim como dos principais sistemas produtivos que lhe estão associados. Nesse sentido, foram definidos quatro macro territórios, a saber: i -Territórios de “interdição”; ii - Territórios de “renaturalização”; iii - Novos territórios de amenidade e dominância do verde produtivo; iv - Territórios de dominância das fileiras produtivas intensivas.

Palavras-chave: Área Metropolitana do Porto, espaços verdes produtivos, tipologia de territórios

 

ABSTRACT

Thinking about how the productive green in the Porto metropolitan area will be structured, within a temporal gap that closes on the Horizon 2020, implies not only a diagnosis, but also, and above all, the ability to understand the major changes under way, seeking to distinguish those which are, or appear to be, merely circumstantial, of those which, once installed, have sufficient capacity to be decisive in the short and medium term. Then it is necessary to establish, in accordance, the main objectives to be achieved from the design of public policies, i.e. what are the broad spectrum values to be achieved, in this case the sustainability of production systems, environmental and landscape suitability and the creation of economic value. Once we analyze the constraints, we understand that the agroforestry sistems is perhaps the one that, in the field of productive systems that create economic value, is more influenced by decisions that are foreign to our sovereignty, whether by central or local administration, because the incentives and pricing policies are essentially determined by the CAP.

Then, we present a synthesis characterization, analyzing the behavior of the variables that experience has shown to have a greater heuristic power. We finish with a stub and typification of the territorial model expected in the short term, as well as of the main associated production systems. In this sense, four macro territories were defined. They are simultaneously diachronically resistant and synchronously malleable, although to a lesser extent, namely: i-Territories of "prohibition"; ii-the territories of "renaturation"; iii - new soft territories, with dominance of the productive green; iv – territories dominated by the intensive production sectors.

Keywords: Porto metropolitan area, productive green spaces, territories’ typology

 

 

1. Nota Introdutória[1]

Valorizar a importância dos espaços verdes - produtivos ou não - nas áreas metropolitanas, parece hoje consensual. No entanto, quando em 1990, Bernard kaiser (1926 - 2001) publicou o livro La renaissance rurale, ou ainda quando, por exemplo, Pierre Donadieu e André Fleury, em 1997[2], descolam dos antigos conceitos que consignavam e remetiam a prática agrícola em territórios de matriz urbana para os espaços periurbanos, excluindo-a das malhas mais densas e consolidadas, reservadas a parque e jardins separando, portanto, os parâmetros estéticos e ambientais dos produtivos, para colocar o acento tónico no carater multifuncional e integrador da pratica agrícola, estava-se longe de antever a panóplia de artigos científicos, de revistas da especialidade que se publicam regularmente, de seminários ou congressos que discutem o tema, ou da existência de planos “urbanos” que recentemente convergem na assunção da importância do verde agrícola em territórios de elevada densidade populacional.

Qualquer sinopse bibliográfica releva não só a multiplicidade de escalas de análise, indo da articulação e coerência da estrutura verde da grande metrópole, à casuística das experiencias de implementação de hortas urbanas, mas também as diversificadas perspetivas no tratamento do tema e que nem sempre se vinculam ou encerram na estrita formação disciplinar dos autores. Em todo o caso, parece não ser já mais possível a disjunção entre a proteção e conservação ambiental, as cambiantes estéticas e paisagistas e o contributo para a produção alimentar. Ainda que para Donadieu (2012) a concretização da “agropolia”, nos seus múltiplos enlaces enquanto fusão territorial que descola da cidade e do campo tradicional, criando uma nova textura territorial mais fragmentada, complexa e plástica do território,  pouco mais seja ainda que uma utopia.

 

 

2. As condicionantes

O complexo agroflorestal é talvez aquele que, no domínio dos sistemas produtivos de criação de valor, está mais condicionado por decisões que são estranhas à nossa soberania. As políticas de incentivos e preços são essencialmente determinadas pela PAC. E é a ela que temos que recorrer para entender o sector nas duas últimas décadas, como é a ela que nos temos que reportar, para tentar vislumbrar as tendências de curto e médio prazo.

Em 2011, foi apresentada a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo ao apoio ao Desenvolvimento Rural pelo FEADER. Nela se destacavam, enquanto fins, promover uma produção alimentar viável, uma gestão sustentável dos recursos naturais e ações climáticas e um desenvolvimento territorial equilibrado. O acordo político sobre a reforma da PAC (Comissão, Conselho e Parlamento Europeu) foi conseguido em Setembro de 2013, nele se consagrando dois pilares fundamentais, o primeiro relativo aos pagamentos diretos e medidas de mercado e, o segundo, relativo ao desenvolvimento rural. É, então, também crucial escrutinar ainda o Programa de desenvolvimento rural 2014 – 2020, documento de orientação (GPP / Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do território), o qual pretende explicitar, em consonância, os parâmetros fundamentais de sistematização de políticas públicas.

Na parte III do documento, relativa à visão estratégica, salientam-se como objetivos a atingir a autossuficiência, em valor, do sector agroalimentar em 2020 promovendo a sustentabilidade de todo o território nacional, valorizando a produção de bens transacionáveis e bens públicos. Depois, remetendo para o regulamento de desenvolvimento rural, pretende-se:

1 - Promover a transferência de conhecimentos e a inovação nos sectores agrícola e florestal e nas zonas rurais;

2 - Melhorar a competitividade de todos os tipos de agricultura e reforçar a viabilidade das explorações agrícolas;

3 - Promover as cadeias alimentares e a gestão do risco na agricultura;

4 - Restaurar, preservar e melhorar os ecossistemas que dependem da agricultura e das florestas;

5- Promover a utilização eficiente dos recursos e apoiar a passagem para uma economia debaixo teor de carbono e resistente às alterações climáticas nos sectores agrícola, alimentar e florestal;

6 - Inclusão social, a redução da pobreza e o desenvolvimento económico das zonas rurais.

 

Acresce ainda a elevada espessura jurídica que regula o sector, fileira a fileira, mesmo no quadro da legislação portuguesa decorrente ou não dos imperativos da aplicação da PAC. Recorde-se, exemplificando para o caso das fileiras competitivas de matriz produtivista, o decreto-lei nº 96 /2013 que regula as arborizações e rearborizações de cariz florestal - a acrescentar aos planos específicos como são os casos dos planos regionais de ordenamento florestal ou dos planos de gestão florestal - a prolixa regulação jurídica que formata a fileira vitícola, neste caso e neste aspeto, num território inteiramente sob tutela do organismo interprofissional que é a Comissão de Viticultura da Região Demarcada dos Vinhos Verdes, as medidas e programas que condicionam a fileira do leite, nomeadamente o sistema de licenciamento ou ainda, para os casos dos sistemas produtivos tradicionais ou mais extensivos, a regulação ambiental e o conglomerado de políticas direcionadas para os territórios com debilidades produtivas específicas, nomeadamente onde dominam os sistemas mais frágeis de socalcagem, por regra a cotas intermédias, ou de pecuária extensiva, em áreas serranas.

O sector depende também muito de conjunturas económicas ou financeiras que, no essencial, lhe são estranhas e reage mimeticamente, com algum atraso, relativamente a outros onde a mudança é bem mais rápida. A dependência dos preços internacionais, sobretudo nos consumos intermédios, é elevada nalgumas fileiras, a exemplo da do leite, suinicultura e avicultura intensiva e, mesmo as que operam essencialmente no mercado interno, estão também muito dependentes da fraca elasticidade da procura. No entanto, as regras excessivamente restritivas na esferas da comercialização e consumo, que incidiam sobretudo sobre as pequenas e muito pequenas explorações agrícolas, tendem a ser mitigadas, o que favorecerá a produção familiar e os mercados de proximidade, além das diversas modalidades de turismo em espaço rural. Primeiro foi, em 2009, a maior maleabilidade na calibragem de hortofrutícolas e, em 2013, a possibilidade de abate de animais para autoconsumo, estendendo-se também ao respeito pelas formas tradicionais, desde que associadas a conteúdos imateriais (festa da matança do porco, etc.).

O quadro territorial na AMP e respetivas dinâmicas são específicos e não decorrem de tendências gerais que se possam verificar ao nível do país. Não será nela que vão surgir os milhares de hectares de regadio intensivo, nem se podem esperar mudanças de fundo num território onde é diminuta a população agrícola familiar, ou pouco significativo o valor da produção no produto bruto agrícola nacional, o que não lhe retira a dilatada importância que tem - e terá - na qualificação da paisagem, na conservação do património biofísico ou na preservação dos recursos naturais.

  

 

3. Caracterização de síntese

Pese embora a sua progressiva redução recente, ainda que não muito significativa, comparativamente com territórios pouco urbanizados e de matriz essencialmente rural, como sucede na metade interior do país, os sistemas agro-silvo-pastoris, suportados em espaços florestais e agroflorestais, continuam a ter na AMP uma dimensão espacial elevada (cerca de 1500 Km ²), o que transparece quer na taxa de cobertura florestal (Fig. 1), quer na dimensão da SAU (cerca de 30 mil hectares) das explorações agrícolas. As florestas e os meios naturais e seminaturais representavam, em 2007, mais de metade da ocupação do solo (54,1 %), enquanto as áreas agrícolas e agroflorestais e matos abrangem cerca de 1/5 (21,7%).

 

 

A redução do número total de explorações agrícolas, assim como da dimensão da população agrícola familiar, marcam não só um processo de desruralização, que se intensificou a partir do último quartel do século passado, mas também uma alteração com significado no perfil produtivo, dado que se conjugaram, ou decorrerem de forma simultânea, diversos fatores. Talvez o de maior impacte tenha sido o processo de urbanização extensiva que se consubstanciou em morfologias predadoras / consumidoras de solo agrícola ou florestal e que acelerou nos últimos 20 anos, sendo particularmente intenso quer nos territórios adjacentes à urbanização já anteriormente consolidada, quer nas áreas de urbanização difusa, territorialmente mais excêntricas. Aparentemente esta ‘voracidade’ está já a diminuir, particularmente desde a crise financeira e especulativa internacional de 2008 e, tenderá a diminuir no futuro próximo (Fig.2).

 

 

 A redução do número total de explorações agrícolas na AMP (RA,1999/2009) acompanhou a tendência genérica que se registou para o Continente, respetivamente menos 31 % e 27%, o mesmo tendo ocorrido em relação às superfícies totais de SAU, no primeiro caso com uma perda de 5 % e, no segundo, de 6%. No entanto, se se considerar a dimensão da superfície total das explorações agrícolas evidencia-se claramente um comportamento distinto. É que, enquanto no Continente a diminuição foi apenas de 9 %, já na AMP esta perda sobe para os 24 %, sendo particularmente significativa, aproximando-se da metade do total, nos municípios de Oliveira de Azeméis (41 %), Valongo (44%) e Gondomar (44%).

Correlativamente, o peso relativo da população agrícola familiar (RA, 1999/2009) na população total residente (Censos 2001/2011) reduziu-se de 2,6 % para apenas 1,5%, tendência semelhante à que ocorreu nas áreas mais densamente urbanizadas do Continente. Atualmente, tem ainda alguma expressão nos territórios mais excêntricos situados a Sul da AMP, onde o processo de desruralização foi mais tardio, a exemplo de Arouca (15,5 %), a que se segue Vale de Cambra com 10,3%, ainda assim, valores a creditar essencialmente às freguesias mais interiores e de características serranas destes municípios, onde se ultrapassam os 20 %. Ao invés e, sintomaticamente, já não se atinge sequer 1% em todos os municípios coalescentes com a cidade do Porto. Em termos absolutos, a população agrícola familiar passou de 44847 para 26 145 pessoas, o que significa uma quebra de 41,7 %, tendo sido particularmente considerável nos municípios de Oliveira de Azeméis (57,1 %), St Maria da Feira (51,8 %) e Vale de Cambra (49,8 %), onde caiu para cerca de metade (Fig.3).

 

 

Os sistemas produtivos agroflorestais de raiz camponesa foram-se esbatendo, sendo agora tendencialmente menos importantes, sendo eles que explicam a redução da SAU, ao mesmo tempo que as explorações agrícolas ‘produtivistas’ se foram destacando, nomeadamente nas fileiras do leite, da horticultura, da viticultura e da floresta de produção. A estrutura de pluriatividade e plurirrendimento de dominância camponesa, até agora preponderante, tenderá também a diminuir em termos de peso relativo, não só pela extinção das explorações, como também pela chegada de um novo paradigma demográfico, também aos “campos”, e que se traduz já por uma forte redução da natalidade.

Conjugando a dimensão da redução do número total das explorações agrícolas e da respetiva SAU, resulta um aumento claro das áreas médias de SAU, dado que a extinção incidiu sobretudo nas pequenas ou muito pequenas explorações. No entanto, o padrão territorial não se alterou (Fig. 2). As áreas médias de SAU mais elevadas creditam-se aos territórios da bacia leiteira primária do Noroeste (Póvoa de Varzim na “terra preta”, Maia, Matosinhos, Trofa e, particularmente, Vila do Conde que passou de 6,9 para 8,9 ha) e, as mais baixas, aos restantes, por regra entre 2 e 3 ha, exceção feita ao de Arouca onde a SAU média por exploração quase duplicou (passou de 2,4 para 4 ha) em virtude da forma de contabilização das pastagens pobres de montanha (a superfície de prados e pastagens permanentes passou de 1331 ha, em 1999, para 2602 ha, em 2009, representando agora mais de metade da SAU).

Ainda que a pluriatividade, e sobretudo o plurirrendimento, expliquem a sobrevivência de uma boa parte das pequenas e muito pequenas explorações agrícolas não especializadas e com forte componente de autoconsumo, por regra com trabalho a tempo parcial face à sua reduzida dimensão e, embora continue a dominar o trabalho de origem familiar, mesmo nas de maior dimensão física, o que parece ser estrutural, a composição do plurirrendimento tende a bifurcar-se aumentando o seu peso relativo nas situações extremas. Deve relevar-se neste caso (RA, 1999/2009) não só o aumento em números absolutos da forma jurídica “sociedades agrícolas”, que passou de 174 para 208, ao contrário do que ocorreu nos produtores singulares, mas também o facto de nestes últimos o peso relativo da fonte de rendimento dos respetivos agregados domésticos proveniente exclusivamente da exploração agrícola ter diminuído ligeiramente em termos absolutos, mas crescido em termos relativos, passando de 7,2% para 8,8%. Territorialmente, o plurirrendimento mantém-se estável na maior parte dos municípios, à exceção dos incluídos na bacia leiteira primária do Noroeste, a que se acrescenta a faixa hortícola litoral da Póvoa de Varzim, onde o número de explorações em que a fonte de rendimento do agregado doméstico do produtor singular proveniente exclusivamente da exploração é mais significativo (Fig.4).

 

 

Em síntese, o essencial do VAB na agricultura, mas também o peso relativo no produto bruto agrícola está a transferir-se para empresas a operar no sector. Apesar da redução total do número de explorações entre os momentos censitários de 1999 e 2009, aumentou em valores absolutos o número de empresas e também as que têm contabilidade organizada, o que indica a tendência para a mercantilização das explorações, agora com maiores enlaces financeiros a montante e a jusante, incluindo os serviços de apoio à produção e onde a inovação, nomeadamente no domínio da biotecnologia, é fundamental.

No entanto, tal não significa que não despontem claramente no sector, nomeadamente na horticultura intraurbana, ou nas periferias de montanha, sistemas produtivos mais brandos com algum significado e que devem ser estrategicamente potenciados.

A multifuncionalidade na exploração tem uma importância praticamente despicienda na AMP, existindo apenas pouco mais de uma centena com atividades lucrativas não agrícolas, mais de metade no domínio da prestação de serviços, e somente os municípios de Arouca (25) e St Maria da Feira (25) merecem registo. Ainda assim, é provável que se assista a um aumento, num futuro próximo, assumindo provavelmente pelo menos quatro modalidades distintas. A primeira, quando se trata de territórios de matriz camponesa com formas de organização de trabalho tradicional (calendário agrícola) e uma estética rural marcante (campo prado, sistemas de condução e armação da vinha mais antigos, a exemplo do enforcado, bouças, etc.) ou confinem valores de memória (azenhas, trabalho do linho, etc.), a segunda, essencialmente nos territórios de renaturalização, mais próximos dos valores inerentes ao “ícone” natureza, menos densos e onde prevalecem os sistemas agro -silvo -pastoris de transição para ou mesmo de montanha, o terceiro associado ao enoturismo nas explorações com alguma dimensão e onde domina a monocultura da vinha associada a “vinhos de quinta” pela ‘liturgia organolética’ que lhe está associada e, por fim, nos territórios intercalares em malhas urbanas mais densas, a fruição de “bosques” requalificados por intervenções de desenho e impacte biofísico minimalistas, ainda que organizadas com dimensão suficiente de suporte à biodiversidade, o que poderá contribuir para esbater a tendência de criação de grandes parques urbanos de feição oitocentista.

 

 

4. Esboço e tipificação do modelo territorial no curto prazo e dos principais sistemas produtivos que lhes estão associados

Deve-se, em primeiro lugar, assumir que a gradação da intensidade dos diferentes sistemas produtivos, nomeadamente no que respeita à maior ou menor pressão sobre os solos, ou de um modo geral, aos níveis de consumo de recursos não renováveis continuará a ser diversificada, embora diferente da atual. Assim, caminhando dos valores mais suaves para os mais acentuados:

 

i -Territórios de “interdição”

São essencialmente as áreas vulneráveis e de maior risco ambiental, a exemplo dos cordões dunares da costa atlântica, lagoas e áreas húmidas de interesse biofísico evidente, leitos de inundação dos rios, ou também a prática eco -condicionada da agricultura, a fim de proteger os sistemas frágeis de montanha (nascentes, manutenção dos fluxos de biodiversidade, etc.), sendo ainda necessário promover a compatibilização com a Estrutura Ecológica do Arco Metropolitano do Noroeste, definida no PROT Norte.

 

ii - Territórios de “renaturalização”

Circunscrevem as áreas de características mais rurais, com baixas densidades populacionais, mais excêntricas e com uma morfologia serrana, onde a ocupação do solo remete, em grande medida, para a gestão de matos e florestas e para a manutenção de práticas agropecuárias de baixa intensidade. A elevada espessura temporal do “isolamento” permitiu marcas de identidade paisagística a relevar de forma qualitativa e que remetem para uma substância não quantificável porque radicadas em valores de assunção coletiva de base imaterial, de memórias e de representações idiossincráticas, mais ou menos locais, ou seja, de elementos de identidade, até porque experiências recentes têm demonstrado que uma boa parte delas são facilmente rendibilizáveis. As “marcas” diferenciadoras implicam a orientação do VAB não só para a produção florestal, como também para a valorização de saberes e sabores tradicionais, em parte através das IGP (indicação geográfica protegida), das DOP (denominação de origem protegida) ou ETG (especialidade tradicional garantida). Importa a manutenção da estabilidade formal e estética da paisagem, fundindo a componente produtiva agroflorestal com as questões ambientais.

 

iii -  Novos territórios de amenidade e dominância do verde produtivo

Parece já evidente, a revitalização da agrícola, antes com configuração territorial periurbana, através de fomento de práticas de agricultura de proximidade, densificando um verde urbano produtivo. As explorações serão sempre de pequena dimensão, empresariais ou de “lazer”, essencialmente centradas na horticultura, mercantilizadas e interiorizando sistemas de distribuição diferentes conforme a dimensão. Tal possibilitará recuperar parte da atual superfície agrícola, estatisticamente definida como não utilizada, mas também espaços anteriormente expectantes da urbanização. Enquanto as hortas urbanas adquirem uma configuração mais pontualizada (muitas são de iniciativa municipal) esta prática agrícola de proximidade (biológica ou tradicional) tenderá a se mais pulverizada.

 

iv - Territórios de dominância das fileiras produtivas intensivas

 Ao contrário dos sistemas anteriores, apresentam uma acentuada concentração produtiva e um confinamento e compartimentação espacial mais evidente. Com uma maior produtividade do trabalho e um elevado rendimento por ha, possuem índices de motorização que atingiram já os patamares adequados de economias de escala. Estas explorações especializadas são cada vez mais de cariz empresarial, embora de estrutura familiar na distribuição do trabalho. Tendo crescido formatadas no período da ‘filosofia produtivista’ da PAC, inseriram-se em mercado aberto e competitivo, a exemplo das fileiras do leite, do vinho verde e da horticultura. Embora distintas na sua configuração económica ou até na respetiva dominância territorial, estão estabilizadas, a primeira com saída dos pequenos produtores do sector, a segunda com a decadência do modo de produção camponês que destinava o vinho principalmente ao autoconsumo, e a terceira, pela dimensão que adquiriu, permitindo-lhe capturar as relações na esfera da distribuição e do consumo com as grandes superfícies de retalho que funcionam num sistema de quase oligopólio.

Especificando, mesmo que terminem as quotas leiteiras, na bacia primária que abrange, a Norte da AMP, os municípios de Matosinhos, Maia, Póvoa de Varzim, Trofa e Vila do Conde e, em menor medida, a Sul, o município de Oliveira de Azeméis, as duas questões essenciais não se prendem com a dimensão do efetivo ou da produtividade por animal, ambas bastante elevadas, bastando para o comprovar o exemplo de Vila do Conde, onde o número médio de bovinos por exploração passou de 51,9 em 1999 para 77,5 em 2009, mas sim com a necessidade de aumentar a superfície forrageira, no caso do interesse empresarial e de reduzir, no caso do interesse público, os impactes ambientais resultantes dos elevados encabeçamentos (CN / SAU) sobre água e solos, pela produção de chorume.

A fileira hortícola tem forte expressão territorial na faixa arenosa litoral do município de Póvoa de Varzim, nas chamadas terras de areia, tendo-se expandido por finais do século XIX em campos em forma de “masseira”. Uma boa parte do processo produtivo é endógeno (viveiros, logística, etc.). Assente numa estrutura de trabalho familiar, esta prática hortícola intensiva tem sistemas de distribuição diversificados; nuns casos a exploração interioriza inclusive a distribuição, noutros existem estruturas associativas que permitem ganhar escala. Fora deste território que se individualiza na paisagem, a produção hortofrutícola, além das hortas familiares, apresenta um carácter disperso e pulverizado, com múltiplos enlaces a jusante (dos mercados locais ao regional) dependendo do respetivo volume da produção.

Na fileira vitícola ocorreu também, considerando apenas os últimos dez anos, um processo de reordenamento da estrutura produtiva, embora menos significativa se comparada com a configuração que resulta de uma maior concentração territorial, tendências que se devem manter na próxima década. Assim sendo, a produção nos territórios de menor aptidão vitícola é agora residual e de base camponesa, portanto despicienda para o conjunto da Região Demarcada dos vinhos verdes. Embora o decréscimo do número total de produtores vinícolas que declararam os volumes das suas colheitas (DCPs) tenha sido generalizada, caindo  para cerca de metade, evidenciam-se dois territórios onde a fileira vitícola permanece relevante: a mancha a Nordeste que inclui os municípios de Valongo, Paredes e Santo Tirso e, uma outra, a Sul, que abrange o município de Vale de Cambra, sendo a concentração produtiva (volume /exploração agrícola) mais relevante em Valongo e Santo Tirso e mais pulverizada em Paredes e Vale de Cambra.

A fileira florestal reparte-se entre a “mata camponesa” as chamadas bouças dispersas pela área das colinas e alvéolos, portanto a cotas entre os 50 e os 300 metros, enquanto a floresta de produção depende essencialmente da indústria transformadora que opera na fileira.

 

 

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[1] Este artigo, agora com alguns ajustamentos, resulta de um texto que foi inicialmente escrito como contributo para o debate, em torno desta temática, no âmbito da formulação da “Estratégia 2020 para a Área Metropolitana do Porto”. Uma pequena síntese, com cerca de uma página, foi recentemente publicada, em Dezembro de 2014, no documento “ AMP 2020 estratégia de base territorial”.

[2] … l `agriculture péri-urbaine devenue urbaine peut promettre, en accord avec les outres formes de l´espace, de nouveaux territoirres agri-urbains métissés, campagnes urbaines ou villes campagnes  (FLEURY, André ; DONADIEU, Pierre)

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