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GOT, Revista de Geografia e Ordenamento do Território

versão On-line ISSN 2182-1267

GOT  no.12 Porto dez. 2017

https://doi.org/10.17127/got/2017.12.011 

ARTIGO

 

A influência da Oscilação do Atlântico Norte nos caudais dos rios Vouga e Mondego – relevância na manifestação de cheias e inundações

Influence of the North Atlantic Oscillation on the Mondego and the Vouga rivers streamflow – relevance in the occurrence of floods and flooding processes

 

Oliveira, Washington1; Cunha, Lúcio1,2,; Paiva, Isabel1,2

1 Departamento de Geografia e Turismo, Universidade de Coimbra; Colégio de S. Jerónimo, 3004-530 Coimbra, Portugal; washington.oliveira.uc@gmail.com; luciogeo@fl.uc.pt; isabelrp@fl.uc.pt  

2 CEGOT

 

 

RESUMO

A Oscilação do Atlântico Norte (NAO – do inglês North Atlantic Oscillation) constitui o principal modo de variabilidade atmosférica do Atlântico Norte, mantendo uma estrutura dipolar visível ao longo de todo o ano. Embora não se conheçam rigorosamente os processos atmosféricos que governam esta oscilação, existe cada vez mais investigação acerca dos seus efeitos, mesmo não se conseguindo ainda prevê-la de forma eficaz. No entanto, o estudo das tendências tem vindo a contribuir para a consolidação de informação acerca da variabilidade apresentada pela NAO ao longo do tempo. Os estados de tempo na Península Ibérica e em Portugal bem como todos os elementos meteorológicos que os constituem estão relacionados de forma muito assinalável com a fase da NAO (positiva ou negativa). No entanto, a precipitação é de longe, dos elementos meteorológicos, o mais dependente da fase do dípolo atmosférico. Com efeito, sendo a precipitação sob a forma de chuva a principal fonte de alimentação do escoamento fluvial dos rios no clima mediterrâneo, os impactos da NAO são esperados. Tal facto é ainda mais relevante se tivermos em conta que a NAO explica grande parte da variabilidade atmosférica durante o quadrimestre dezembro-março, grosso modo, o inverno boreal, altura em que ocorrem as precipitações mais significativas na Península Ibérica[1] e em que se despoletam também a maior parte da manifestação de fenómenos hidrológicos extremos, ligados a cheias que causam inundações.

De formas distintas mas muito concordantes, as bacias hidrográficas do Vouga e do Mondego não constituem exceção aos condicionamentos impostos pela NAO, respondendo de forma muito significativa aos ritmos pluviométricos impostos por esta.

 

Palavras-chave: Oscilação do Atlântico Norte (NAO), Precipitação Atmosférica, Regimes Fluviais, Cheias e Inundações, Vouga, Mondego.

 

ABSTRACT

The North Atlantic Oscillation (NAO) is the main atmospheric circulation pattern in the North Atlantic sector. Its dipole structure remains visible throughout the entire year.

Although the atmospheric mechanisms that govern the NAO are beyond the scope of knowledge, the comprehension of its effects is widespread, even though forecasting it poses a great challenge. Providing important information to this challenge, at the present time, trends are contributing with vital data for a perception of the NAO variability over time.

The weather in the Iberian Peninsula and Portugal is strictly related to the NAO phase (positive or negative), and therefore to all its elements. However, precipitation, out of all-weather elements, is by far the most reliant on the phase of this atmospheric dipole. Hence, precipitation such as rain is the major source for river streamflow in the Mediterranean Climate. For that reason, NAO impacts are likely to occur. That fact becomes even more pertinent if we consider that the NAO explains more atmospheric variability during boreal winter (December to March) which is the period with the most significant rainfall across the Iberian Peninsula[2] and when extreme hydrological phenomena, namely flood and flooding processes, are more frequent.

Distinctively but in great agreement in their behaviour, Vouga and Mondego hydrographic basins are no exception in their linkage to the NAO with a significant response to rainfall patters imposed by this Oscillation.

 

Keywords: North Atlantic Oscillation (NAO), Atmospheric Precipitation, Rivers Streamflow, Flood and Flooding, Vouga river, Mondego river.

 

 

1. Introdução

A NAO constitui o principal modo de variabilidade da circulação atmosférica do Atlântico Norte (TRIGO et al., 2002b), definindo-se como um índice que mede a diferença de pressão à superfície entre os centros de altas pressões subtropicais e os centros de baixas pressões subpolares, observável geralmente através da diferença de pressão entre Ponta Delgada, nos Açores (Portugal) e Stykkishoulmur (Islândia).

O impacto da NAO é vasto e abrange uma multiplicidade de elementos climáticos, em especial a precipitação, a qual tem sido substancialmente condicionada pela NAO, a nível dos quantitativos mensais e particularmente no período invernal (novembro a março) na Península Ibérica (TRIGO et al., 2002b).

 Às duas fases da NAO (positiva ou negativa) associam-se importantes alterações na trajetória dos sistemas depressionários (ROGERS, 1990; HURRELL, 1995; ROGERS, 1997) e tal facto toma expressão nos padrões regionais de precipitação sobre grande parte da Europa, Norte de África e mesmo na costa Leste da América do Norte (HURRELL, 1995; HURRELL e VAN LOON, 1997; OSBORN et al. 1999). Na Península Ibérica essas alterações são bastante evidentes nas regiões Oeste (Portugal) e Sul (Andaluzia, Espanha) (TRIGO et al., 2002b).

A Oscilação do Atlântico descreve uma teleconexão, ou seja, uma relação estatística muito forte entre o estado do tempo em diferentes partes do globo, sendo o padrão de teleconexão mais proeminente em todas as estações do ano no Atlântico Norte (BARNSTON e LIVEZEY, 1987). Combina padrões de partes do Atlântico Norte oriental e ocidental e foi originalmente identificada por WALLACE e GUTZLER, em 1981, para o inverno boreal (National Oceanic and Atmospheric Administration, 2011).

Consistindo num dípolo norte-sul de anomalias, com um centro localizado sobre a Islândia e outro, de sinal oposto abrangendo as latitudes centrais do Norte Atlântico entre os 35ºN e os 40ºN, a fase positiva da NAO reflete alturas (geopotenciais) e pressões à superfície abaixo do normal ao longo das latitudes elevadas do Atlântico Norte e acima do normal sobre o centro do Atlântico Norte, Leste dos Estados Unidos da América e Oeste europeu. A fase negativa, por seu lado, reflete um padrão oposto de anomalias relativas a alturas (geopotenciais) e pressões à superfície sobre as mesmas regiões. Ambas as fases desta oscilação estão associadas intimamente com uma mudança em toda a bacia norte atlântica na intensidade e localização do jet stream do Atlântico Norte e o trajeto das tempestades, bem como com modulações de larga escala de padrões normais de transporte de calor e humidade zonal e meridional (HURREL, 1995b).

A inserção de Portugal continental neste contexto traz importantes implicações nos riscos climáticos (Mateus e Cunha, 2013) e, particularmente, nos regimes fluviais, tal como foi já constatado por TRIGO et al. (2002a,b) acerca da quantificação da influência real da NAO nos caudais dos rios Ibéricos Atlânticos (Douro, Tejo e Guadiana). Na fase positiva, ou seja, quando a diferença de pressão entre os dois centros é superior à média, com a passagem mais regular dos sistemas depressionários a norte da Península Ibérica ocorrem anomalias negativas na precipitação e, consequentemente, caudais menos volumosos nos rios. Na fase negativa, quando a diferença de pressão entre os dois centros é inferior à média, os sistemas depressionários têm trajetórias mais meridionais (sobre a Península Ibérica) e, numa inversão da situação anterior, ocorrem anomalias positivas na precipitação, responsáveis por caudais mais elevados nos rios e, consequentemente, por eventuais situações de cheias e inundações.

Com o presente trabalho pretende-se analisar as relações entre as flutuações do índice NAO, a precipitação e o caudal de dois dos principais rios da região Centro de Portugal, ajudando à explicação de algumas das cheias de referência, alargando o conhecimento sobre a dinâmica natural e os riscos de inundação nos rios Mondego e Vouga. Embora haja conhecimento sobre os impactes da NAO em determinados cursos de água portugueses e ibéricos (TRIGO et al., 2002ab; LOUREZO-LACRUZ et al., 2011), este estudo propõe uma abordagem direcionada à importância que estes impactes têm sobre algumas cheias, algo ainda pouco explorado para os principais cursos de água de Portugal continental.

 

 

2. Dados e metodologia

Os dados constituíram um dos principais constrangimentos neste estudo devido à não coincidência temporal das séries de dados meteorológicos e hidrológicos para as duas bacias e também devido à presença de hiatos consideráveis, pelo que tivemos de restringir o período de estudo à disponibilidade dos dados.

No caso do rio Vouga, os dados hidrométricos estendem-se desde o ano hidrológico 1917/18 ao de 2000/01, de acordo com os registos de caudais médios diários disponíveis para a estação hidrométrica utilizada (Ponte de Vouzela), que, embora se encontre num sector ainda bastante montante na bacia, é a estação mais a jusante no rio que apresenta uma série consistente e temporalmente significativa. Os dados pluviométricos foram recolhidos na estação meteorológica de São Pedro do Sul e distribuem-se relativamente à série hidrométrica, por dois períodos de dados contínuos, intercalados por um longo hiato (1932/33 a 1960/61 e 1977/78 a 1996/97), o que constitui uma importante limitação neste estudo.

Para o rio Mondego, o período de informação hidrométrica disponível estende-se do ano hidrológico de 1955/56 ao de 2011/12, segundo os registos dos caudais médios diários medidos, inicialmente, na estação Ponte de Santa Clara e, posteriormente, no Açude-Ponte, ambas na cidade de Coimbra. Os dados pluviométricos de referência são provenientes do antigo Instituto Geofísico da Universidade de Coimbra (IGUC) e, nos casos em que havia falhas, do European Climate Assessment & Dataset (ECA&D), cobrindo, de forma regular, todo o período de análise dos caudais.

Tanto para o rio Mondego como para o rio Vouga, os caudais médios diários provêm do Sistema Nacional de Informação de Recursos Hídricos (SNIRH).

Os dados dos índices mensais, sazonais e anuais da NAO estendem-se uniformemente ao longo de toda a série de dados dos caudais e da precipitação e são provenientes do National Center for Atmospheric Reserach Climate Data Guide (NCAR- CDG). No entanto, para as análises diárias recorreu-se aos dados calculados de forma semelhante, ou seja, através de análise de componentes principais de EOFs (Empirical Orthogonal Functions) da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA).

Por não existir uma forma única de definir espacialmente a NAO, uma das abordagens é através de mapas conceptualmente simples, referidos a um ponto de correlação (Figura 1), onde se identifica a NAO pelas regiões de correlação negativa máxima sobre o Atlântico Norte (WALLACE e GUTZLER, 1981; KUSHNIR e WALLACE, 1989; PORTIS et al., 2001 citados por HURRELL et al., 2003). Outra técnica é a análise de EOFs (Empirical Orthogonal Functions - ou componentes principais, Figura 2) que dá origem aos índices usados neste trabalho. Neste caso, a NAO é identificada pelos autovetores da matriz de covariância cruzada, calculada sobre as variações temporais dos valores do ponto da grelha, da pressão ao nível médio do mar ou outra variável climática (HURRELL et al., 2003). Os vetores diretores, que se restringem a ser espacialmente e temporalmente ortogonais em relação aos outros, são então escalonados de acordo com o total de variância que explicam (idem). Esta abordagem, que é linear, assume que estados de circulação atmosférica preferidos vêm em pares, onde as anomalias de polaridade opostas têm a mesma estrutura espacial (ibidem).

 

 

 

Na metodologia para a avaliação da influência da NAO, privilegiou-se a síntese dos dados em meses e destes em trimestres, focando especialmente a estação fria, uma vez que, nesta altura, o impacte da NAO é mais pronunciado e a ocorrência de episódios de cheias e inundações mais frequente. A estação fria pode ser definida apenas pelo período de dezembro a fevereiro ou, ser uma pouco mais prolongada, ao incluir também o mês de março (de acordo com o proposto por TRIGO et al., 2002a,b), sendo, este último, o intervalo temporal adotado neste estudo e que designaremos por ‘inverno’.

Para a análise do efeito real da NAO na precipitação e, consequentemente, nos caudais dos rios, procedeu-se à elaboração de: (i) gráficos com a evolução temporal do índice e das variáveis precipitação e caudal, a que se seguiu uma análise sumária das relações aí esboçadas; (ii) gráficos de dispersão e cálculo de coeficientes de correlação; (iii) gráficos com a evolução conjunta da precipitação acumulada e caudais médios durante o inverno (de dezembro a março) com os índices NAO positivos ou negativos (elevados ou baixos para o inverno) e cálculo da média geral e dos desvios em relação a esta nos volumes sazonais na sua evolução temporal, bem como em relação à média para a NAO positiva ou negativa (elevada ou baixa para os invernos). A avaliação da influência da NAO nos caudais máximos anuais, bem como nas cheias com inundações, baseou-se na análise de gráficos e quadros que relacionam as ocorrências hidrológicas com os índices estacionais da NAO, mas também com os índices mensais e mesmo com os índices diários.

Na compreensão da dependência dos caudais médios mensais dos rios em estudo relativamente à precipitação, sua fonte de alimentação (fortemente condicionada pela NAO) considera-se pertinente, antes de se proceder à ponderação do efeito desta sobre a precipitação e sobre os caudais, apresentar uma caracterização geral do regime fluvial destes rios e a sua relação com o ritmo pluviométrico. Para além da representação gráfica do caudal mensal médio e da precipitação mensal calculou-se o coeficiente de correlação de Pearson (R) para fundamentar, em termos numéricos, a inegável relação precipitação-caudal.

 

 

3. Áreas em estudo

As áreas em estudo localizam-se na região centro de Portugal Continental e correspondem ao conjunto das bacias hidrográficas dos rios Vouga e Mondego (Figura 3).

 

 

A bacia hidrográfica do rio Vouga, com uma área total de 3645 km2, localiza-se entre as bacias hidrográficas do rio Douro, a norte, e do rio Mondego, a sul, entre os paralelos 40º 15’ e 40º 57’ de latitude norte e os meridianos 7º 33’ e 8º 48’ de longitude oeste. Desenvolve-se desde os 930 m de altitude na Serra da Lapa, onde se encontra a nascente do rio Vouga, até à costa, próximo da cidade de Aveiro, percorrendo um total de 148 km numa direção aproximadamente leste-oeste (GUEDES, 2006; FBO et al.,2001). Divide-se em três unidades hidromorfológicas, atendendo a critérios de semelhança morfológica, climática, hidrológica e ainda de ocupação do solo: Alto Vouga, Médio Vouga e Baixo Vouga.

A bacia hidrográfica do rio Mondego ocupa parte substancial da região centro de Portugal e é definida pelos paralelos 39º 46’ e 40º 48’ de latitude norte e os meridianos 07º 14´e 08º 52’ de longitude oeste, tendo por limite a norte e nordeste as bacias hidrográficas do Vouga e do Douro, a sul a do Tejo e a sudoeste a do Lis. Apresenta uma área de 6670 Km2, desde a Serra da Estrela, onde nasce, a 1547 m de altitude, até à Figueira da Foz, onde desagua no Oceano Atlântico com um trajeto de 227 Km, percorrendo transversalmente quase todo o território nacional. A bacia do rio Mondego divide-se em três grandes secções, de acordo com as suas características morfológicas, climáticas, hidrológicas e do uso do solo: o Mondego Superior, o Médio Mondego e o Baixo Mondego (LOURENÇO, 1986 e LIMA e LIMA, 2002, citados por PAIVA, 2005).

Do ponto de vista hidrológico, os rios Vouga e Mondego caracterizam-se, à semelhança dos restantes cursos de água do continente português, por enormes variações sazonais no escoamento, num claro decalque dos ritmos pluviométricos, embora com um ligeiro atraso (cerca de um mês). O período de maior escoamento (águas altas) é, em regra, o que medeia novembro e março[3] (período de maior precipitação), sendo que os meses de escoamento mais reduzido (estiagem) correspondem ao período de menor precipitação, ou seja, aos meses mais secos (julho a setembro).

O rio Vouga, através dos registos de caudal mensal médio na totalidade da série ou nos períodos de simultaneidade de dados caudal-precipitação, espelha esta realidade hidroclimática contrastante, acompanhando, com grande fidelidade, o ritmo da precipitação mensal média, visível nos gráficos da Figura 4 e nos valores muito significativos dos coeficientes de correlação de - 0,86 para o período 1932/33 – 1960/67 e de 0,74 no intervalo 1977/78 – 1996/97. A redução da correlação neste último período pode ser, em parte, atribuída à construção de vários aproveitamentos mini-hídricos a montante da estação hidrométrica em estudo (Ribafeita e São Pedro do Sul, por exemplo).

 

 

O cálculo dos caudais médios mensais do rio Mondego (Figura 5) é proveniente de duas estações hidrométricas (Ponte de Santa Clara e Açude-Ponte) e refere-se ao período 1955/56 - 2011/12, sendo repartido em dois períodos (antes e depois de 1980/81) para a avaliação dos efeitos, no comportamento hidrológico do Mondego, da regularização introduzida pelas estruturas hidráulicas da Aguieira-Raiva (rio Mondego) e de Fronhas (rio Alva). 

 

 

 De forma semelhante à do Vouga, e como é característico dos rios portugueses, no rio Mondego o período anual com caudais mais volumosos ocorre durante o inverno estendido (dezembro-março) ao longo da totalidade da série. O caudal é particularmente elevado (superior a 150 m3/s mês) de janeiro a março, o que contrasta com os volumes médios bastante reduzidos (inferiores a 50 m3/s) de julho a outubro, diferenças que se acentuam ainda mais quando nos reportamos ao período não-regularizado (anterior a 1980/81).

No regime fluvial não regularizado, fevereiro era o mês com maior caudal médio, ultrapassando largamente os 200 m3/s, sendo que o mês com menor caudal era o de agosto, com pouco mais de 2,8 m3/s. Tais valores confirmam, mais uma vez, a grande variação sazonal dos caudais médios mensais nos cursos de água portugueses.

Com a entrada em funcionamento das infraestruturas hidráulicas que regularizaram os caudais do rio Mondego, nomeadamente a Barragem da Aguieira, regista-se uma atenuação do elevado escoamento fluvial dos meses de inverno (amortecimento dos picos de caudal) e a existência de um volume de manutenção nos meses de Verão (caudais ecológicos). Assim, os caudais máximos reduzem o seu valor entre janeiro e maio (devido ao efeito de retenção da albufeira da barragem da Aguieira), redução particularmente significativa em fevereiro e março, meses em que, tipicamente, ocorriam cheias com inundação no Baixo Mondego. Em contrapartida, os caudais médios entre julho e outubro aumentaram substancialmente, para valores cerca de noves vezes superiores ao caudal em regime natural (em agosto) ou cerca de sete vezes, em setembro. Embora tratando-se de caudais reduzidos (normais na estação estival), este acréscimo de caudal assegurou que o Mondego tivesse um curso bastante regular, ao contrário do período anterior a 1980/81, onde era frequente perceber o caudal reduzido a pequenos fios de água, visíveis, por exemplo, na passagem do Mondego pela cidade de Coimbra.

À semelhança do rio Vouga, os caudais médios mensais do Mondego refletem, duma forma muito significativa, a quantidade de precipitação que cai na bacia, tendo a maior parte dessa precipitação origem em sistemas depressionários de tipo frontal à escala sinótica (Paiva, 2006). Segundo a autora, a análise da curva resultante da precipitação que cai em diversas estações pluviométricas distribuídas pela bacia revela regimes com elevada similitude (ainda que com volumes acumulados diversos por efeito do relevo) em consequência de fenómenos sinópticos que operam à meso- escala.

Para uma melhor ilustração do comportamento mensal da precipitação recorreu-se aos dados pluviométricos registados na estação do Instituto Geofísico da Universidade de Coimbra (IGUC). Para a análise da dependência dos caudais médios do Mondego, registados em Coimbra, face à precipitação atmosférica procedeu-se, de modo idêntico ao anterior, à divisão da série em ‘regime natural’ e ‘regime regularizado’.

No primeiro período ressalta a elevada dependência dos caudais médios mensais face à precipitação média mensal, com a correspondência entre os meses de maior pluviosidade e os meses de maior caudal, havendo, porém, um atraso de cerca de um mês no valor mais elevado de caudal médio face ao mês de maior pluviosidade média, o que se justifica pela importância do escoamento indireto através dos solos e das reservas aquíferas. A redução da precipitação em março e abril traduz-se numa queda abrupta nos valores dos caudais médios mensais que atingiam o seu mínimo em agosto, um mês após o mês mais seco do ano (julho). A precipitação inicia então uma tendência de subida a partir deste mês, mas a elevada secura do solo, a elevada evapotranspiração e a quantidade ainda muito baixa de precipitação impedem que o caudal aumente na proporção da quantidade de precipitação ocorrida. A par deste quadro, mesmo a precipitação outonal de setembro não se repercute de forma significativa no caudal médio mensal, e nem mesmo em outubro o valor médio do caudal ultrapassava aos 50 m3/s. É necessário chegar a novembro para que isso aconteça.

Com a regularização do caudal, embora os valores continuem a refletir a distribuição da precipitação mensal, verifica-se a diminuição desta dependência. Assim, os valores mais elevados de caudal ocorrem ainda na mesma altura do ano, mas são laminados pelas estruturas hidráulicas (com o amortecimento dos picos de caudal) e durante o estio os valores de caudal não atingem valores tão reduzidos, levando a que a curva da variação anual dos caudais médios mensais não seja tão contrastada (Figura 5).

A redução da dependência dos caudais médios mensais em Coimbra face à precipitação média mensal pode ser expressa pelo coeficiente R de Pearson, que tomou o valor de 0,62 (correlação positiva moderada) em regime regularizado ao invés de 0,83 (correlação positiva forte) em regime natural.

 

 

4. Resultados

4.1. O impacte da NAO na estação pluviosa dezembro-março

Os regimes fluviais dos cursos de água em estudo apresentam, como foi dito, uma marcada sazonalidade. No registo interanual, os caudais médios respondem com um aumento quando a precipitação acumulada começa a aumentar e, de forma simétrica, com uma redução, quando a precipitação diminui claramente.

No que se refere à dependência dos ritmos pluviométricos face à NAO, esta aumenta de forma considerável durante o inverno, explicando 39,44 % da variabilidade atmosférica na bacia atlântica no trimestre que vai de dezembro a fevereiro, no período de 1899-2012 (HURRELL et al., 2016). Se alargarmos este período em mais 1 mês, a percentagem de explicação dada pela NAO aumenta para 42,22% (idem). O inverno boreal estendido parece, então, ser o período do ano em que a NAO melhor explica a variabilidade atmosférica, bem como a altura em que, nas bacias em estudo, ocorrem com maior frequência os caudais diários máximos anuais e se processam fenómenos de cheias que muitas vezes dão origem a inundações.

O enunciado no parágrafo anterior faz com que neste trabalho se dê particular atenção à desagregação sazonal (dezembro a março) do impacte da NAO nos ritmos pluviométricos e no comportamento hidrológico associado. A NAO exerce uma influência dominante no clima do Atlântico Norte durante o período de dezembro a março, condicionando, através das configurações sinóticas típicas que refletem índices positivos ou negativos, a precipitação, a temperatura, o regime de ventos e outros elementos meteorológicos (TRIGO et al., 2002a; TRIGO et al., 2004; HURRELL e DESER, 2009). Portugal, no W da Península Ibérica é um dos países da bacia mediterrânica mais afetados por este fenómeno, alcançando os máximos de anomalias relacionadas com os índices NAO nas regiões Centro-Sul e Sul, a par com o aumento de situações de abrigo aerológico, na fase positiva e, com o aumento de perturbações ondulatórias que alcançam latitudes mais meridionais na fase negativa (idem).

 

Rio Vouga

Apesar dos vários hiatos no registo da precipitação na estação meteorológica de São Pedro do Sul foi possível a individualização de dois períodos completos de duração considerável, suficiente para captar as variações dos impactes do índice NAO na precipitação atmosférica. No primeiro período de registos, que se estende entre 1932/33 a 1960/61, a precipitação acumulada média de dezembro a março foi de 614 mm enquanto, no segundo período, de 1977/78 a 1996/97 a precipitação acumulada média sofre um decréscimo para 553 mm, situação compatível com a ocorrência dum maior número de anos com índice NAO positivo no segundo período, em comparação com o primeiro, em que há um maior número de anos com índices NAO negativos (Figura 6).

 

 

Os gráficos de dispersão para os dois períodos (Figura 7ab) confirmam essa correspondência, sendo possível perceber que a inclinação negativa da reta que relaciona a NAO com a precipitação é ligeiramente mais pronunciada no segundo período, testemunhando, assim, a maior importância dos episódios negativos da NAO na precipitação acumulada durante o período mais recente. Duma forma geral, há uma melhor correlação entre o aumento do índice NAO DJFM e a redução da precipitação (R2 = 0,38 no primeiro período e R2 = 0,55 no segundo).

 

 

Se olharmos para a relação entre a NAO DJFM e o caudal médio DJFM (Figura 8) facilmente nos apercebemos que, de um modo geral, os invernos mais pluviosos e com NAO negativa correspondem àqueles em que houve maior escoamento fluvial. De forma simétrica, os anos com menor escoamento fluvial foram os anos meteorologicamente mais secos, na dependência de índices NAO positivos, realidade confirmada pelo gráfico de dispersão (Figura 9) onde se observa uma reta com inclinação negativa (atestando o sentido da correlação) e pelo valor do coeficiente de determinação (R2 = 0,42).

 

 

 

O comportamento quási-oscilatório da NAO não traduz a sua fase na ocorrência dum valor do índice NAO mas sim na magnitude e na reincidência de valores semelhantes durante um determinado período (HURRELL et al., 2003). Partindo deste pressuposto, para uma melhor avaliação da afetação das fases NAO durante o período DJFM escolheu-se a quantificação dos valores médios de ambas as variáveis em estudo (precipitação e caudais) em invernos em que o índice NAO foi elevado (>0,5) e baixo (<-0,5), demonstrando, assim, a persistência de índices mensais e, em último lugar, de índices diários relativamente semelhantes ao longo de um considerável intervalo de tempo.

Para a estação climatológica de São Pedro do Sul, a evolução da precipitação acumulada média no primeiro período sofre uma redução de 614 mm para 391 mm durante os invernos caracterizados por índices NAO elevados (Figura 10). De forma idêntica, no segundo período também se regista uma queda, mas agora de 553 mm para 393 mm. No que se refere ao caudal médio para o inverno boreal estendido na estação de Ponte de Vouzela no rio Vouga, este é de 22,83 m3/s para o conjunto da série de dados. No entanto, nos invernos caracterizados por índices NAO elevados este valor reduz para os 16,06 m3/s (Figura 11), o que é consequência do comportamento da precipitação. No caso dos invernos com índice NAO baixo, a precipitação média acumulada em São Pedro do Sul sofreu, no primeiro período um acréscimo para 811 mm e, no segundo, para 972 mm (Figura 12). O número de invernos com este tipo de comportamento do índice NAO, é francamente menor no segundo período (4 em 13 invernos com índices NAO, sendo que no primeiro período a proporção era de 10 em 16. No que se refere ao caudal médio para os invernos com índices NAO baixos, verifica-se, à semelhança da precipitação, um incremento, neste caso para 38,76 m3/s (Figura 13).

 

 

 

Salienta-se, porém, que a NAO não explica toda a variabilidade atmosférica no Atlântico Norte mesmo durante o inverno. Assim, existem anos em que a precipitação acumulada é superior à média com índices negativos e, duma forma simétrica, anos em que a precipitação acumulada é inferior à média dos períodos com índices positivos. O mesmo se passa para os caudais médios do período dezembro-março.

 

Rio Mondego

A estação meteorológica do IGUC, como estação de referência para o rio Mondego, cobre, ao contrário da estação de referência para o Vouga (São Pedro do Sul), todo o período em análise, permitindo uma leitura ainda mais completa do impacto da NAO na precipitação e nos caudais. A precipitação média acumulada no quadrimestre invernal de dezembro a março (DJFM) em Coimbra é de 455 mm e a relação entre a variabilidade do índice NAO ao longo do período em análise e os ritmos pluviométricos invernais (Figura 14) mostra uma elevada correspondência. Confirmando-a, o gráfico de dispersão entre a NAO DJFM e a precipitação acumulada análoga mostra uma reta negativa com uma inclinação considerável (Figura 15), sendo o coeficiente de determinação de 0,45.

 

 

 

No caso da relação entre a NAO e os caudais médios DJFM é bastante percetível a conformidade entre estes e a variabilidade da NAO, a par da consonância com os invernos mais pluviosos (Figura 16). É possível observar que, duma forma geral, os anos de menor escoamento fluvial se relacionam com índices NAO positivos e que, duma forma simétrica, os anos de maior escoamento estão relacionados com índices NAO negativos. No entanto, os caudais médios de inverno parecem ter perdido um pouco de sensibilidade ao índice NAO depois de 1980/81, face à regularização do rio, o que se percebe pela menor resposta destes à precipitação acumulada no mesmo período.

 

 

Graficamente, a reta dos gráficos de dispersão entre a NAO e os caudais para os dois períodos (Figura 17a,b) toma uma inclinação no sentido negativo, ainda que menos pronunciada quando do regime de caudais regularizados. Reiterando o afirmado, o coeficiente de determinação entre os caudais médios DJFM e a NAO nesse período é de 0,47 para o regime natural e de 0,35 após a regularização. Para o período total este coeficiente apresenta o valor de 0,44.

 

 

Para uma melhor avaliação do impacte das fases da NAO procedeu-se à quantificação dos valores médios em ambas as variáveis em análise para o Mondego para invernos com índices NAO elevados e baixos, bem como a representação gráfica dos invernos em que estes índices persistiram. A precipitação acumulada média em Coimbra sofreu uma queda para 308 mm nos invernos caracterizados por índices NAO elevados (Figura 18). Na mesma linha, esta redução também está patente nos caudais, sendo que, em regime natural, estes apresentavam uma média global de 183,15 m3/s, que reduzia para os 107,14 m3/s e que no caso dos caudais regularizados desce de 125,80 m3/s para 76,28 m3/s (Figura 19).

 

 

No caso dos índices NAO baixos, a precipitação acumulada média em Coimbra sobe para uma média de 617 mm (Figura 20). A par com esta subida, em regime natural, o Mondego nesta cidade registou no período em análise um caudal médio em invernos de índices NAO baixo igual a 237,24 m3/s. De forma semelhante, para o regime regularizado, este valor é igualmente elevado, nomeadamente de 215,41 m3/s, valor superior à média global em regime regularizado.

 

 

 

4.2. Caudais máximos anuais e ocorrência de cheia com consequente inundação. Ligações com a NAO

A ocorrência de cheias que causam inundações está, na maior parte das vezes, relacionada com valores de caudal bastante elevados, em alguns casos verdadeiramente excecionais. Ciente dos condicionalismos da NAO na abundância de precipitação demonstrada anteriormente, especialmente durante os meses que se estendem de dezembro a março, (período em que existe a maior frequência de caudais máximos anuais) procedeu-se a uma análise sumária da relação entre os caudais excecionalmente volumosos em termos médios diários (e instantâneos) com o índice NAO, tanto para o Vouga e como para o Mondego.

 

Rio Vouga

A ocorrência de cheias no rio Vouga é uma realidade que ocorre praticamente em todos os invernos, embora se devam destacar, pela sua importância em termos de volume de caudal instantâneo na Ponte de Vouzela, as cheias de novembro de 1997 (6237 m3/s), dezembro de 1995 (2208 m3/s), dezembro de 1936 (1538 m3/s), fevereiro de 1979 (1344 m3/s) e março de 1978 (1117 m3/s).

O Quadro I resume estas situações, procedendo-se à sua confrontação com o índice NAO estacional (DJFM para ocorrências neste período e trimensal para os outros), mensal e diária quando possível, bem como com a precipitação para o período em análise (quando existem dados). Adicionalmente aos caudais instantâneos provenientes do Plano de Bacia Hidrográfica do Rio Vouga(FBO et al., 2001) acrescentaram-se também os dados referentes aos caudais médios diários, mensais e estacionais disponíveis através do SNIRH.

 

 

Por outro lado, através do SNIRH, comparando os caudais instantâneos máximos diários anuais (quando constam e se referem ao mesmo dia) apercebemo-nos que os valores indicados são muito menores. Cite-se o dia 2 de março de 1978 em que o volume instantâneo máximo diário indicado no SNIRH é de 367,89 m3/s; o dia 5 de fevereiro de 1979, com 409,7 m3/s e o dia 25 de dezembro de 1995 com 553,67 m3/s. Estes últimos valores parecem mais reais e ultrapassam o percentil 75[4] dos caudais instantâneos máximos disponíveis através do SNIRH, adaptando-se assim, melhor aos outros parâmetros volumétricos médios diários, mensais e até estacionais.

A ocorrência de caudais instantâneos máximos diários de grande excecionalidade em Ponte de Vouzela está fortemente ligada com o índice NAO DJFM nessa altura e com o aumento da abundância média de precipitação ao longo destes meses. Em toda a série não existe um inverno em que os caudais em consideração excedam este limite em estações caracterizadas por índices NAO positivos (Figura 22).

 

 

No entanto, a correspondência não é perfeita, uma vez que, existem invernos caracterizados por índices NAO extremamente baixos (< -1,0), como o caso do ano hidrológico de 1939/40, em que os caudais instantâneos máximos anuais ficam por valores mais reduzidos[5]. Todavia estes caudais são bastante elevados (sempre superiores a 300 m3/s), sendo possível afirmar, com base na literatura existente (FBO et al., 2001; RODRIGUES, 2009), que alguns caudais instantâneos máximos anuais presentes na Figura 22 foram responsáveis por importantes cheias, resultando na inundação de extensas áreas ribeirinhas (OLIVEIRA, 2013).

 

Rio Mondego

Em regime natural, o extravasamento do leito ordinário do Mondego era um processo bastante frequente, tendo algumas cheias e inundações carácter excecional devido ao volume de água que afluía à planície aluvial e à altura que atingia nos campos inundados, provocando inúmeros prejuízos. PAIVA (2005) sublinha a frequência, em regime natural, com que se registavam valores de caudal máximo instantâneo anual superiores a 2000 m3/s em Ponte de Santa Clara (Quadro II). A autora frisa também que, em regime natural, por 18 vezes o caudal máximo instantâneo anual ultrapassou os 1000 m3/s na mesma estação hidrométrica, referindo que em 14 vezes (equivalente a 78% das ocorrências) houve uma cheia que resultou em inundações no Baixo Mondego.

 

 

No intuito de avaliar a influência da NAO invernal na ocorrência de caudais especialmente elevados, compatíveis com a cheia centenária (> 1200 m3/s), elaborou-se a Figura 23 onde se relacionam estes valores. A correspondência destes caudais com a NAO registada na mesma estação do ano é muito nítida, sendo que, como seria de se esperar, estas são ocorrências muito mais frequentes antes da regularização do rio Mondego. Sublinhe-se, todavia, que a tendência de subida dos índices NAO e a redução dos volumes de precipitação médios acumulados durante o inverno também parecem condicionar a ocorrência de situações hidrológicas extremas relacionadas com cheias que causam inundações nos finais do século XX.

 

 

A conformidade entre os valores da NAO e os caudais em consideração não é, porém, perfeita como se pode observar no Quadro II, uma vez que existem invernos caracterizados por índices NAO extremamente baixos (< -1,0) em que o caudal não ultrapassou os valores do período de retorno duma cheia centenária e outros em que a NAO foi superior (embora negativa) e estes caudais se registaram. Contudo, se considerarmos o valor de 1000 m3/s em Coimbra, vemos que casos como o do inverno de 1995/96, com um índice NAO extremamente baixo, as ocorrências surgem. Por outro lado, com este valor, invernos como o de 1973, por exemplo (com uma NAO especialmente alta), registam caudais suficientemente volumosos para serem incluídos como invernos caracterizados por caudais extremos elevados (Quadro II).

A ligação do fenómeno NAO à ocorrência de caudais médios diários elevados, ou a caudais instantâneos elevados, não é uma relação linear tão óbvia, necessitando de alguma reflexão para que se possa perceber cada episódio. Da mesma forma, a NAO não pode explicar sempre, à luz do conhecimento atual, os episódios pluviosos responsáveis por cheias, pelo que será necessário procurar e tentar encontrar outras justificações à escala sinótica.

 

 

5. Conclusões

As variações da NAO apresentam uma forte repercussão nos quantitativos de precipitação, em particular no período que se estende de dezembro a março, influenciando, por conseguinte, o escoamento superficial, visto que a sua fonte de alimentação é, sobretudo, a precipitação. Esta assinalável relação encontra-se já documentada por estudos em rios ibéricos (TRIGO et al., 2002ab; LORENZO-LACRUZ et al., 2011), o mesmo acontecendo, no presente estudo, com os rios Vouga e Mondego, em particular no período mais pluvioso do ano (de dezembro a março), em que este condicionamento é ainda maior, com correlações fortemente negativas e muito significativas em ambas as bacias.

De facto, o aumento do índice NAO para níveis elevados (>0,5) representa quase sempre um decréscimo muito significativo na precipitação invernal e, consequentemente, nos caudais médios nesta estação do ano. Excetua-se, neste estudo, o rio Mondego após a regularização do caudal por infraestruturas hidráulicas a partir da década de 80 do século passado, em que a relação precipitação-caudal diminuiu. Em contrapartida, a redução do índice NAO para valores baixos (<-0,5), em particular no período dezembro-março, significa um aumento substancial da precipitação e, consequentemente, do caudal, mesmo em regime regularizado, como no caso do Mondego depois de 1980/81. Deste modo, a maior parte das cheias que causaram inundações no Vouga e no Mondego nos setores analisados coincidiram com índices NAO baixos a muito baixos. No caso dos caudais máximos anuais excecionais, estes coincidiram sempre com índices NAO especialmente reduzidos no conjunto da estação invernal boreal estendida (dezembro-março).

A NAO assume, portanto, uma importância preponderante na manifestação de riscos hidroclimatológicos nas bacias em análise, com uma tendência para a concentração dos volumes de precipitação mais elevados em invernos com índices de NAO negativos. No entanto, algumas situações de cheias e inundações podem ocorrer com índices NAO positivos, uma vez que um valor elevado do índice NAO não significa a ausência de configurações sinóticas com sistemas capazes de provocar precipitação intensa a essa escala. Este carácter invulgar também se aplica para índices NAO negativos, próximos do normal.

Por outro lado, a ocorrência de cheias de grande magnitude, causadoras de inundações de elevada severidade em rios como o Vouga e o Mondego, não se explica apenas por um simples episódio pluvioso intenso. Nestes casos, em particular, o condicionamento da NAO é primordial, já que opera como contributo para uma precipitação abundante e persistente (várias semanas ou mesmo meses), que despoleta situações de importantes cheias capazes de provocar vastas inundações (OLIVEIRA, 2013).

Para finalizar, será correto afirmar que a NAO, de acordo com os resultados desta investigação, condiciona duma forma determinante a manifestação de riscos hidroclimatológicos nas bacias em estudo através dos quantitativos de precipitação, resultado da recorrência de configurações sinóticas perturbadas em Portugal, projetadas em índices NAO negativos. Esta projeção ocorre fundamentalmente a nível da estação pluviosa (dezembro-março), mas tem uma íntima ligação com os índices registados mensalmente e, em último lugar, diariamente, sendo que estes últimos parecem repercutir-se na precipitação com algum atraso, retratando uma dinâmica ondulatória, característica dum mês/estação com NAO negativa.

 

 

6. Referências bibliográficas

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OUTROS

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EUROPEAN CLIMATE ASSESMENT & DATASET (dados pluviométricos da estação meteorológica do IGUC entre 1955/56 e 1970/71) http://www.ecad.eu/

INSTITUTO GEOFÍSICO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA (dados de precipitação – normais 1960-1990 e 1970-2000 e valores de precipitação da estação clássica 1971/72-2011/2012) http://www1.ci.uc.pt/iguc/

NATIONAL CENTRE FOR ATMOSPHERIC RESEARCH – CLIMATE DATA GUIDE (NCAR – CDG: dados men-sais, sazonais e anuais do índice NAO baseados em componentes principais) https://www.climatedataguide.ucar.edu/climate-data

NATIONAL OCEANIC AND ATMOSPHERIC ADMINISTRATION (valores diários do índice NAO)  http://www.cpc.ncep.noaa.gov

SISTEMA NACIONAL DE INFORMAÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS (valores de caudal para ambos os rios e de precipitação para a estação de S.Pedro do Sul - bacia hidrográfica do rio Vouga) http://www.snirh.pt/

 

[1] Apesar de poderem ocorrer chuvas intensas nos meses de outono e de primavera, por vezes responsáveis por cheias rápidas nalguns cursos de água e, mesmo, nalgumas cidades (Coimbra, por exemplo), são as chuvas de inverno as responsáveis pelas principais cheias progressivas que afectam os principais rios, como é o caso dos rios Mondego e Vouga.

[2] Even though heavy rain which might be accountable for flash floods in some streams may occur during Autumn and Spring months, and even in some cities (Coimbra for example), the rain that occurs during Winter is the main responsible for progressive flooding that hit the main rivers, as in the case of Mondego and Vouga rivers.

[3] Embora as análises da NAO que se seguem digam respeito ao período de dezembro a março, de facto o mês de novembro (e mesmo, em alguns anos, o de outubro) são meses com elevadas quedas pluviométricas.

[4] Caudais Instantâneos Excecionais.

[5] Note-se também que existem falhas nestes dados, o que pode perturbar a correspondência esperada.

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