SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 número16Modelagem da densidade espacial de eventos potencialmente perigosos: uma proposta para análise do risco de deslizamentos de terra no município de Belo Horizonte, BrasilImpactos do geoturismo na caverna Terra Ronca, Goiás, Brasil índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


GOT, Revista de Geografia e Ordenamento do Território

versão On-line ISSN 2182-1267

GOT  no.16 Porto mar. 2019

https://doi.org/10.17127/got/2019.16.016 

ARTIGO

 

Espaço fluído: ecologia política da água mineral no sul de Minas Gerais, Brasil

Fluid space: political ecology of mineral water in southern Minas Gerais, Brazil

 

Vianna, Raphael1; Penna-Firme, Rodrigo2

1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro / Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente. Rua São Francisco Xavier, número 524, bloco F, sala 12.005, Maracanã, CEP: 20.550-900, Rio de Janeiro, Brasil. raphaelvmb@gmail.com

2 Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro / Departamento de Geografia e Meio Ambiente. CEP: 22451-900, Rio de Janeiro, Brasil. rodrigopennafirme@puc-rio.br

 

 

RESUMO

Parte-se da proposta de que o espaço geográfico é hibridizado e dinâmico. Nesse sentido, busca-se descrever os momentos em que as águas minerais passaram a atuar na formação geo-histórica da região do sul de Minas Gerais. Para tal, foram enfatizados três momentos distintos, porém interconectados: (1) o interesse medicinal sobre as águas minerais; (2) o interesse industrial sobre as águas, ancorado no cientificismo emergente e mais tarde favorecido por uma legislação que passou a considerar as águas minerais como recursos minerais; e (3) a atual “guerra das águas” no sul de Minas Gerais, momento caracterizado pelo conflito de interesses entre empresas e de grupos de cidadãos. Esses últimos reivindicam maior participação na gestão das águas, entendidas como um bem de domínio público, o que é preconizado pela Política Nacional de Recursos Hídricos. Por fim, sublinhamos que pensar outro presente, com as águas, parece uma maneira responsável de não interromper a aliança geo-histórica entre as cidades e as águas minerais do sul de Minas Gerais.

 

Palavras-Chave: Água Mineral; Minas Gerais; Ecologia Política; Geo-História; Geografia.

 

ABSTRACT

The article proposes a geo-historical description of the southern Minas Gerais formation, by focusing on the influence which varying uses and perceptions of mineral waters have had over three distinct but interconnected moments: (1) the medicinal interest in the waters; (2) the origin of the ongoing controversy over the current definition of mineral waters as being a ‘mineral’ rather than a water resource, and therefore regulated by the Mining Code under the National Mining Agency; and (3) the current "water war" in southern Minas Gerais, characterized by conflict economic and social interests. Social groups have advocated community-oriented participation on mineral waters management, for it is perceived as a public good, and, therefore, should be subjected to the National Water Resources Policy regulations. The multiplicity of interests and perspectives over mineral waters fosters unique spacial formations, which geo-historical and territorial analytical perspectives are suited for as a means to describe its dynamics. Finally, we contend that thinking of another present with the mineral waters seems a responsible way not to interrupt the geo-historic alliance between the cities and the mineral water of the south of Minas Gerais.

 

Keywords: Mineral Water; Minas Gerais; Political Ecology; Geo-History; Geography.

 

 

  1. Introdução

Já se comentava, desde o século XVIII, sobre a presença de águas com capacidades curativas que brotavam em locais específicos no caminho do ouro. Não seria exagero dizer que se o ouro está na origem de Minas Gerais, as águas minerais estão na origem de muitas cidades do Sul deste estado. É o caso de atentarmos à assertiva proferida pelo bem reputado doutor Henrique Monat, um dos fundadores da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, que em seu relato, intitulado "Caxambú" (1894, p. 19), escreveu: "acquae condunt urbes". Conforme será discutido ao longo desse artigo, e indicado por essa relevante passagem histórica, não nos parece possível negligenciar o papel das águas minerais na formação espacial de algumas cidades do sul de Minas Gerais. Tal formação, em nossa proposta analítica, consiste em um processo de hibridação. Uma porção espacial animada pela relação entre as águas minerais e os humanos. É precisamente daí que nasce a noção de espaço fluído.

Mas sozinha, essa noção tão ampla não explica muito. É preciso oferecer um caminho para trafegar com alguma segurança na paisagem variegada que pretendemos percorrer (cf. Latour, 2012, p. 109). O geógrafo Milton Santos, alinhavado com as reflexões de Bruno Latour (cf. Santos, 1995, p. 698; 2006, pp. 61; 65; 66), sublinhou que a ação não ocorre sem a presença de um objeto. Nesse sentido, a partir de sua inserção histórica em uma série de eventos (cf. Santos, 2006, p. 66), o objeto passa também a ser considerado como um elemento social[1]. Daí, portanto, o espaço, no entendimento de Milton Santos, ser um híbrido. Contudo, cumpre observar que a materialidade de um determinado objeto pode até permanecer a mesma, mas uma vez atravessada por um feixe de relações (estabelecidas por "instituições, processos econômicos e sociais", para falar como Michel Foucault, 2016, p. 55), passa a adquirir, tal objeto, uma nova feição. Estabelece-se, portanto, um processo de diferenciação, de metamorfose, i.e., estabelece-se a criação permanente, diria Milton Santos (2006, p. 62), de "uma nova geografia". Não se pretende aqui desenvolver uma dedicada reflexão teórica acerca da concepção do geógrafo brasileiro sobre o espaço, mas nota-se que tal proposta de Milton Santos serve como uma justificativa acerca da importância geográfica do presente registro. Partindo dessa reflexão, adotamos a estratégia de identificar os momentos em que as águas minerais se confundiram como elementos sociais, i.e., passaram a agir junto com os humanos (cf. Latour, 2012, p. 99) na formação e no arranjo espacial de algumas cidades do sul de Minas Gerais, conferindo a essa porção do espaço tanto uma característica hibridizada, quanto, segundo a nossa proposta, uma fluidez.

Em um primeiro momento, será analisada a ascensão do discurso médico sobre as águas minerais, assim como a sua influência na organização espacial da região sul-mineira. No segundo momento, nos dedicaremos a descrever uma confluência, onde o momento médico das águas se encontrou com um momento industrial emergente, favorecendo o aparecimento das primeiras fábricas de engarrafamento de águas minerais no sul de Minas Gerais e, posteriormente, de uma legislação correlata que, especialmente no caso brasileiro, privilegiou este setor industrial. O terceiro momento é dedicado à descrição das controvérsias entre as empresas de engarrafamento de águas minerais e alguns grupos de cidadãos em três cidades do sul de Minas Gerais, a saber: São Lourenço, Caxambu e Cambuquira.

 

 

  1. As águas medicinais e a formação espacial do sul de Minas Gerais

Sobre o primeiro momento, é preciso resgatar, ainda que brevemente, a relação do sul de Minas Gerais com a história da Vila de Campanha da Princesa. Para Andrade (2004, p. 33), “a cidade de Campanha é o berço do Sul de Minas”. Marras (2004, p. 25) observa que, desde meados do século XVIII se tem notícia de que a circulação das pessoas pela região não estava condicionada apenas à promessa de riqueza do ouro e das pedras preciosas, mas também à busca de cura para as suas enfermidades nas águas. Foi, portanto, a partir da descoberta do que outrora se denominou como lugares de “Águas Virtuosas” que se passou a conhecer melhor, por toda a Corte, os povoados do sul da Província de Minas.

As vilas de águas virtuosas tiveram uma importante contribuição na ocupação de áreas antes evitadas por conta da presença de salteadores que atuavam na região. Os viajantes que buscavam a cura para os seus males vinham de diferentes lugares, desde as províncias do Rio de Janeiro e São Paulo, assim como das vilas e distritos vizinhos. As viagens realizadas por muitas famílias em busca de tratamento com as águas minerais pareciam compensar a possibilidade de investidas dos bandoleiros e demais dificuldades no caminho, como a topografia acidentada e as intempéries climáticas[2] (Andrade, 2004). Sabe-se que as famílias permaneciam nesses sítios de águas virtuosas por períodos estendidos, em decorrência do tempo de tratamento com as águas prescrito aos doentes (são comuns as referências aos 21 dias das temporadas de cura). Logo, pode-se imaginar a importância que tiveram essas águas para o desenvolvimento da região. 

De acordo com Foucault (2010, p. 173), com a “decolagem da medicina”, as prescrições médicas não pareciam se restringir apenas às demandas dos doentes, mas também se ocupavam com a organização dos bairros e das cidades. Com isso, a medicina deixava de ser clínica para se tornar social. Na região de Campanha, as águas tiveram um papel preponderante nesse extravasamento para a medicina social. Em 1848, o aspirante ao título de Doutor em medicina, o médico José Xavier Lopes de Araújo[3], apresentou uma tese à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro sobre as capacidades terapêuticas das águas de Campanha. No documento,  o médico levantou uma questão:

por que as mais das vezes certos doentes atacados de moléstias, ás quaes o uso das Águas parece contraindicado, procurão o seu emprego inconsideradamente sem a determinação de medico algum, e conseguem o fim desejado, voltando restabelecidos para suas casas. A que é devido este phenomeno? (Araújo, 1848, p.23)

Ao que rapidamente respondeu: “sem duvida ao clima do lugar”. Um lugar que galgou a sua fama nas virtuosas águas que, “até o anno de 1838” tinham as suas propriedades vagamente conhecidas, já que as observações, até então, não tinham sido realizadas por “pessoas competentes”. Apenas depois da visita de um “illustrado medico compatriota” que se pode comprovar a “proficua acção therapeutica da Agua Gasosa da Campanha” no combate a uma série de males. Males que seriam combatidos se acompanhados do uso das águas orientado por um “regimen”; isto é, por uma conduta:

É com o auxilio do regimen que se chega a curar as moléstias as mais rebeldes, e as Águas Mineraes não tem poder algum se se não observa ao mesmo tempo as regras, que prescreve a  hygiene (Araujo, 1848, p. 24).

O médico deveria, então, escutar e registrar os progressos obtidos pelos doentes, e orientá-los para uma conduta, sob a tutela de preceitos gerais, que permitiria o progresso da cura. O poder terapêutico das substâncias presentes nas águas minerais possibilitou a sugestão de Araújo (ibid., p. 10-11) de que “melhor seria a denominação de Aguas Medicinaes”, já que esta seria a razão de seu uso prioritário. E como se poderia duvidar de sua eficácia se “acredita-se que ellas offerecem ao mesmo tempo um meio, medicamentoso e hygienico?” (ibid., p. 11).

As águas minerais eram recomendadas para o caso de moléstias crônicas específicas, uma vez que as experiências haviam mostrado que “nas molestias agudas [...] as aguas mineraes não convem”. Isto se devia a evolução rápida destas moléstias, que exigia a intervenção por “meios activos”. No caso das moléstias crônicas, não podia “obter-se sua cura senão pelo concurso dos socorros, que nos offerecem a pharmacia, e sobretudo a hygiene”. Portanto, para lidar com as condições agudas, recorria-se aos métodos da medicina interventiva, enquanto a medicina social em ascensão ocupava-se mais com a utilização das águas nas moléstias crônicas. Partindo dessa perspectiva, Vianna e Branquinho (2018) observaram que no primeiro caso a intervenção se dava diretamente no ambiente do corpo; e no caso das moléstias crônicas, o corpo estaria condicionado a um conjunto de regras postas em prática para a construção de ambientes dotados de condições idealizadas de prevenção e cura:

Quantos indivíduos esgotados por violentas enfermidades tem recobrado, por uma  viagem ás Águas Mineraes, o tom, a mobilidade, a  energia, que se teria talvez tentado de lhes dar de uma outra maneira com sucessos menos  assegurados ![…] é preciso confessal-o, quanto esta acção medicamentosa das Águas é favorecida  pela viagem, o apartamento dos  lugares testemunhas dos males, que tem-se soffrido, o abandono momentâneo de todos os negócios, e de tudo que  pode pôr em jogo uma sensibilidade muito activa, a esperança de uma cura próxima, um ar puro, um  regimen salutar, a regularidade no emprego methodico do tempo das Águas, nas horas da comida, o levantar, o deitar; muitas vezes mesmo nos prazeres, os divertimentos? A vida activa, que os doentes passão nas Águas, inverte bem depressa a ordem de suas idéas, e os arranca ás affecçõens tristes, que os ameação occultamente [sic] (Araujo, 1849, p. 12).

Aquelas virtudes teriam, portanto, maiores chances de proporcionar o efeito desejado sobre o corpo do doente se observada a climatização e o estabelecimento de um código comportamental. O governo da província tinha, nesse aspecto, um importante papel a desempenhar; e assim, o doutor Araújo (ibid., p. 28 –29) finalizou a sua tese com algumas recomendações (desde a construção de estabelecimentos para abrigar as águas, passando por alterações nos leitos de rios, até a edificação de locais de banhos com dimensões precisas) que sugeriam preocupações com algo mais do que apenas a relação com o doente, mas também com a estruturação do espaço para a gestão dos corpos (Vianna e Branquinho, 2018). Ali também estava o esboço de um modo de pensar que influenciaria a construção dos Parques das Águas, que abrigariam fontanários e balneários fortemente inspirados no modelo europeu; ou seja, espaços que foram “transformando-se para adequar-se aos anseios da modernidade” (Miranda e Mundim, 2014, p. 142). E ao redor daqueles lugares cresceriam também as cidades, desde então imersas numa relação indissociável com as águas minerais. 

Já mencionado na introdução do presente artigo, o Dr. Monat (1894, p. 20), em seu registro sobre a cidade sul-mineira de Caxambu, falou sobre o aparecimento de um "período científico", que havia suplantado o período anterior, pois rudimentar, daquela cidade. E este período científico ascendeu ancorado nas águas minerais, notadamente quando o Conselheiro João Alfredo Correia de Oliveira, que "tinha visto curas prodigiosas, obtidas em Caxambú, e movido pelo espírito de progresso [...] quiz dar áquellas aguas o seu valor therapeutico, sem o qual só empiricamente póde ser manejado um agente medicamentoso" [sic] (Monat, 1894, p. 20). Tal espírito de progresso fomentou a necessidade da criação de uma empresa para explorar o potencial das águas, atentando para a necessidade da construção de um estabelecimento balneário. Monat (1894, p. 20) observou que depois da criação da "Empreza Caxambú", a cidade "entrou n'um periodo de verdadeira prosperidade". Mas o investimento despendido na empresa deveria rapidamente oferecer o seu retorno, algo que estava irremediavelmente condicionado ao sucesso das águas minerais de Caxambu. Quão melhor divulgadas fossem as águas, sob a tutela do selo científico que comprovasse a sua eficácia medicamentosa, maiores seriam as suas chances de rivalizar com as águas presentes em outros estabelecimentos balneários. Por isso, o doutor Monat anunciava que

dentro em breve Caxambú terá attingido o lugar que deve occupar entre as cidades de aguas mais celebres; rivalisará com Vichy, Carlsbad, Spa, Eaux Bonnes, attrahindo frequentadores de todo o Brazil e do estrangeiro [sic] (Monat, 1894, p. 23).

 A estratégia parecia ser modernizar a cidade, buscando inspiração no modelo estrangeiro, para então estar à altura de rivalizar com os balneários nacionais e europeus na disputa pelos doentes. E assim, naquele período, em Caxambu, e também em outras cidades do sul de Minas Gerais com a ocorrência de águas minerais com capacidades curativas (cf. Marras, 2004), ergueram-se hotéis para abrigar os doentes em busca de tratamento nas fontes de águas, e cassinos para entreter tanto os entediados em processo de cura como os sadios na busca por divertimentos (cf. Marras, 2004, p.; Mourão, 1997, p. 237; Vianna, 2018, p. 61). Concomitantemente, a indústria das águas minerais encontrou no sul de Minas uma região profícua para a sua ascensão, e os métodos de engarrafamento cientificamente orientados eram encorajados para que as águas pudessem ser enviadas em grandes distâncias sem que isto viesse a comprometer as suas propriedades curativas (cf. Monat, 1894, pp. 244 - 245). E isto era feito na proximidade das fontes. Hoje, no sul de Minas Gerais, essas fontes estão abrigadas nos Parques das Águas, e as fábricas de engarrafamento, por sua vez, quando não estão localizadas no interior desses Parques, se encontram em seus arredores.

As águas minerais participaram ativamente da formação espacial de algumas cidades do sul de Minas Gerais. Cidades que se transformaram sob a influência de um positivismo que prometia civilizar o que se entendia como uma porção atrasada do país. O mesmo positivismo, mais tarde, estimulou o avanço da alopatia que, pelo seu crescente reconhecimento divulgado nos medicamentos sintéticos, lançou as virtudes daquelas águas a uma condição de crendice (Marras, 2004; Vianna, 2018; Vianna e Branquinho, 2018). Conforme a hidroterapia foi perdendo o seu prestígio, as águas minerais foram lentamente se afastando do saber médico e se tornando progressivamente um assunto de interesse industrial (cf. Vianna e Branquinho, 2018). Mas isto não se deu sem o aparecimento de um enquadramento legal que, até hoje, considera as águas minerais como um recurso mineral. Será sobre essa questão que nos dedicaremos a seguir.

 

 

  1. Recurso mineral ou recurso hídrico?

Se a medicina das águas foi cedendo lugar àquela dos medicamentos sintéticos, isto não ocorreu sem que um proveito fosse obtido pela indústria de engarrafamento de águas. Durante a primeira Constituição Republicana, o Estado de Minas Gerais concedeu a outorga para o aproveitamento das aguas minerais em Lambari e Cambuquira (cf. Esteves, 2012, p. 69), por meio do Decreto 1.038, de 20 de maio de 1897, que regulamentou as estações das águas minerais e destacou a importância da  proteção dessas águas:

Art. 1o. As aguas mineraes deverão ser perfeitamente captadas, de maneira a ficarem isoladas completamente das aguas communs [...] Art. 9o. Onde já houver parques arborizados em torno das fontes, deverão ser feitos de modo a protegel-as [sic]. Esse parques são considerados zonas de proteção [...] Art. 71o. Esse relatório [anual] trará com detalhes as observações meteorologicas, hydrologicas e geologicas; o consumo das aguas, uso internos e externos, venda e exportação, frequência; a estatistica medica; os melhoramentos introduzidos; obras projectadas e executadas; o balancete da receita e despesa, venda [sic].

Em 1921, foi criado o primeiro Código de Minas aplicado no Brasil, através da Lei 4.265, de 6 de janeiro. No Artigo 2o, essa lei aponta o que se considerava como mina:

[...] as jazidas ou concentrações naturaes, existentes na superficie ou no interior da terra, de substancias valiosas para a industria, exploraveis com vantagem economica, contendo elementos metallicos, semi-metallicos, ou não metallicos, e os respectivos minereos, os combustiveis fosseis, as gemmas ou pedras preciosas, e outras substancias de aito valor industrial [sic].

No Artigo 3o dessa Lei há uma menção sobre as águas minerais: “Tambem não se consideram minas as fontes de aguas thermaes, gozosas, mineraes e minero-medicinaes [sic]”. Se até aí as águas minerais ainda não eram consideradas minas, outro caminho passou a ser pavimentado após o ano de 1934, quando a nova Constituição[4] estendeu as suas intenções às minas. As minas, cumpre lembrar, não eram apenas dotadas de potencial econômico-industrial, mas eram também estratégicas naqueles tempos de Guerra:

Art. 119 - O aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, bem como das águas e da energia hidráulica, ainda que de propriedade privada, depende de autorização ou concessão federal, na forma da lei. [...]§ 4º - A lei regulará a nacionalização progressiva das minas, jazidas minerais e quedas d'água ou outras fontes de energia hidráulica, julgadas básicas ou essenciais à defesa econômica ou militar do País. 

 

Se o Estado deveria autorizar ou reconhecer a concessão das minas, de modo a conferir certa exclusividade às empresas nacionais, caberia, portanto, à União auxiliar os estados na modernização das estâncias hidrominerais. Isto porque também em 1934 foi publicado o Código de Minas, cujo texto, em seu Parágrafo 2o,  classificou (classe XI) as fontes de águas minerais, termais e gasosas como jazidas: “Art. 2o – As jazidas que constituem objeto deste código se classificam como segue: [...] Classe XI, da fonte de águas minerais, termaes e gazosas [sic]”.

No ano de 1937, durante a fase autoritária do governo Vargas, uma nova Constituição foi promulgada e provocou algumas alterações no regime sobre as jazidas minerais – incluídas as águas minerais: “[...] Art. 16 – Compete privativamente à União legislar sobre as seguintes matérias: [...] XIV – Os bens do domínio Federal, minas, metalurgia, energia hidráulica, águas, florestas, caça e pesca e sua exploração.”

Em 1940 foi publicado o Código de Minas do Brasil, sob o Decreto-Lei no 1.985, que manteve as águas minerais na condição de jazidas: “Art. 3o As jazidas classificam-se da seguinte maneira: [...] Classe XI – águas minerais, termais e gasosas”. No texto desta Lei há também um capítulo sobre as Estâncias Hidrominerais, onde se atentou para o papel do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) na fiscalização das estâncias brasileiras, por intermédio de estudos geológicos, físico-químicos e crenológicos, assim como o seu papel na realização de trabalhos e projetos relativos à captação das águas. É de se notar que o Ministério da Agricultura ficou incumbido da tarefa de estabelecer um perímetro de proteção, com o objetivo de assegurar as propriedades das águas. Atenta-se, também, que a autorização de lavra de uma fonte ou estância hidromineral estivesse vinculada ao comércio dessas águas, cujas condições de higiene as autoridades de saúde pública, no nome do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNPS), deveriam fiscalizar:

Capítulo IV – Das Estâncias Hidrominerais: Art. 44. É da competência do D. N. P. M. a fiscalização técnico-industrial de todas as estâncias hidrominerais, existentes no país. Art. 45. Sempre que necessário, o D. N. P. M., realizará nas fontes minerais, termais e gasosas os seguintes trabalhos:

a) estudo geológico local; b) estudo químico, físico e físico-químico das águas e emanações gasosas ; c) estudos crenológicos; d) trabalhos preliminares de captação (sondagens, poços e galerias) ; c) projeto de captação e utilização. Parágrafo único. A pedido do concessionário de uma fonte, e a sua custa, o D. N. P. M. prestar-lhe-á assistência técnica. Art. 46. O Ministério da Agricultura marcará, quando necessário, para as fontes de águas minerais, termais ou gasosas, autorizadas nos termos deste Código, um perímetro de proteção na superfície, no qual, sem autorização prévia do Ministro, não poderão ser executados trabalhos ou exercidas atividades que possam alterá-las ou prejudicá-las. Parágrafo único. Este perímetro de proteção poderá ser modificado posteriormente, se as circunstâncias o exigirem. Art. 47. Os tributos lançados pela União, pelos Estados e pelos Municípios sobre as fontes de águas minerais, termais ou gasosas não poderão, em seu conjunto, exceder de cinco por cento do produto da exploração, sob qualquer forma, das mesmas fontes. Art. 48. A autorização de lavra de uma fonte ou estância hidromineral importa a do comércio de suas águas. § 1º A fiscalização desse comércio compete ao Ministério da Fazenda. § 2º Cabe às autoridades da Saúde Pública fiscalizar as condições higiênicas das águas minerais, termais e gasosas dadas ao consumo [sic].

Em 1945 foi criado o Código de Águas Minerais, sob o Decreto-Lei no 7.841. Este Código definiu as águas minerais como provenientes de fontes naturais ou artificialmente captadas, na condição de que apresentassem composição química e propriedades físicas ou físico-químicas que referenciassem as suas qualidades minerais, termais, gasosas e medicamentosas , o que as diferenciavam das “águas comuns”:

[...] Capítulo I. Disposições preliminares. Art. 1º Águas minerais são aquelas provenientes de fontes naturais ou de fontes artificialmente captadas que possuam composição química ou propriedades físicas ou físico-químicas distintas das águas comuns, com características que lhes confiram uma ação medicamentosa. 

Criou-se, na ocasião desta Lei, uma Comissão Permanente de Crenologia[5] para auxiliar na fiscalização da ação medicamentosa das águas. Aqui, uma curiosidade: como observam Ninis e Drumond (2008), a Comissão de Crenologia se encontrou sob certo estado de latência entre a década de 1980 e o início do século XXI, quando, em decorrência do conflito ocorrido em São Lourenço (o veremos adiante), as atividades da Comissão foram retomadas.    

Durante a Constituição de 1967, no período do Governo Militar, nota-se a criação do Código Brasileiro de Mineração, sob o Decreto-Lei no 227, de fevereiro de 1967, e, através do Decreto-Lei no 764, de agosto de 1969, a criação da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM). Uma vez mantidas como jazidas minerais nesse Código Brasileiro de Mineração[6], o uso das águas minerais foi a ele condicionado. Fala-se, portanto, de águas na condição de recursos minerais: “classificam-se as jazidas para efeito dêste Código [...] Classe VIII – jazidas de águas minerais”.

Eis  a controvérsia: na medida em que esteja considerada como um recurso mineral, pois jazida, está a água mineral subserviente ao Código de Águas Minerais e ao Código de Mineração. Uma possibilidade, como aqui se sugere, é a sua apreciação como um recurso hídrico: a água mineral passaria a ser integrada à Política Nacional de Recursos Hídricos[7], mais descentralizada e participativa se comparada com o Código de Mineração. Ou seja, trata-se de atentar para a possibilidade de migração das águas minerais de um enquadramento legal datado de um período marcado pela crescente industrialização, forte centralização e tímida participação popular na gestão dos recursos, para uma legislação mais condizente com as questões ambientais e disputas territoriais de nossa época, e portanto, mais restritiva ao avanço econômico e mais participativa no que diz respeito à consideração dos múltiplos interesses dos atores envolvidos nas disputas[8].

Cabe ressaltar que essa controvérsia motivou a realização do I Fórum Alternativo das Águas Minerais (I FAMA). O fórum ocorreu na cidade de Cambuquira, sul de Minas Gerais, em março de 2018, precisamente em decorrência do escasso debate acerca da situação legal das águas minerais durante o Fórum Mundial da Água, que aconteceu na cidade de Brasília, em março de 2018. No I FAMA, membros da sociedade civil, do poder público, do Ministério Público e pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento debateram diversos temas, dentre os quais, o “limbo institucional” das águas minerais no Brasil (Portugal Júnior, 2018)[9], uma situação que não apenas favorece a ocorrência de conflitos, como abre precedentes que podem ameaçar a conservação e o uso comum dessas águas, notadamente pela possibilidade de superexplotação pelas empresas de engarrafamento.

 

 

  1. A Guerra das Águas no sul de Minas Gerais

Nessa seção apresentaremos os principais eventos que caracterizam o momento atual de conflitos em torno da questão das águas minerais envolvendo a atividade industrial de engarrafamento e alguns grupos de cidadãos organizados no sul de Minas Gerais. São dois estudos de caso que ilustram sobremaneira a situação. O primeiro trata de um conflito ocorrido entre uma multinacional e grupos de cidadãos no município de São Lourenço. O segundo caso, que apresentaremos com menos detalhes por se tratar de situação em andamento, versa sobre um conflito tornado conhecido após a publicação de um edital, através do qual uma empresa estatal, detentora da concessão das fontes de águas mineral, anunciou as suas intenções de atrair um parceiro privado para a exploração do negócio de águas minerais nas cidades de Caxambu e Cambuquira.  

Sobre o primeiro conflito, destacamos que, em 1996, uma empresa multinacional perfurou, em São Lourenço, um poço denominado Primavera (em alusão à fonte homônima, cujas águas têm elevado teor de ferro). Em 1999, esta empresa começou a engarrafar a água desse mesmo poço, e deu início à produção de uma água mineral intitulada, em tradução direta nossa, “Vida Pura”. Durante esse mesmo período, alguns moradores da cidade começaram a perceber alterações no sabor das águas de algumas fontes, redução nas vazões espontâneas e rachaduras no solo dentro do Parque das Águas. Essa percepção levou à mobilização dos cidadãos, que reclamaram a necessidade de proteger as águas sem desconsiderar as suas propriedades curativas, inerentes à idiossincrasia geológica da região.

Com base nesses argumentos, foi aberta uma Ação Civil Pública para questionar a empresa sobre a possível superexploração das águas, em decorrência de uma motivação privilegiadamente econômica dedicada à atividade de engarrafamento. Com o avanço das investigações, descobriu-se que a empresa realizava uma desmineralização artificial das águas minerais, com o objetivo de retirar o excesso de ferro naturalmente ali presente, e que ao depositar-se no fundo dos recipientes impossibilitaria a venda das águas engarrafadas, algo que se tornava especialmente prejudicial para a empresa, por se tratar de uma água que evocava, em seu codinome, o aspecto “puro” que a divulgava. Por se tratar de uma atividade sem precedente legal que previsse a sua execução, e considerada a atenção que o caso atraiu na época de sua divulgação, em 2004, a empresa interrompeu a produção da água “Pura Vida” na região.

Naquele momento crítico da contenda, as fronteiras entre pessoas e águas minerais não pareciam lá tão bem definidas: se para a empresa a água natural se tornava tão pura na medida em que artificialmente transformada - e posteriormente engarrafada; para os cidadãos, a virtude medicinal das águas naturais, como o excesso de ferro, era (e continua sendo) tomada nas fontes.

Ancorados na noção de hibridação, podemos vislumbrar outras associações que separaremos aqui, retrospectivamente, em cinco eventos. Em um primeiro evento, a empresa, amparada pela legislação, deteve a concessão para a exploração e envasamento das águas minerais; em seguida, em decorrência da aliança entre as águas e os corpos daqueles cidadãos que as reconheciam pelos sentidos, saltaram as suspeitas acerca da possível ocorrência de superexploração[10]; já no terceiro evento, questionou-se a sobreposição da motivação econômica que estimulou o primeiro evento (o envasamento das águas), em detrimento das motivações que participaram do segundo evento, i.e., as visitas recorrentes dos cidadãos às fontes de água do Parque. O quarto evento é caracterizado pela negociação entre cidadãos e a empresa, na medida em que ambos buscavam aliados para alcançar os seus objetivos: os cidadãos ganharam o apoio de movimentos por justiça socioambiental e de segmentos do setor público; e a empresa recebeu apoio de setores com relevante poder decisivo e interesse econômico (Cf. Ninis, 2006). Por fim, o quinto evento foi a flagrante retirada artificial do ferro contido nas águas minerais, algo que gerou um movimento inesperado, uma transformação na relação de forças, já que o peso econômico foi deslocado conforme outras vozes passaram a falar junto com os cidadãos de São Lourenço. Esse fato, por sua vez, levou à interrupção da produção daquela água engarrafada (considerando-se, também, o trabalho intensivo que tal “guerra” provavelmente implicou ao setor de propaganda da multinacional).

Em última análise, trata-se de “uma aliança inusitada”, para falar como Donna Haraway (2014)[11], que, completamos, fora forjada entre ambientalistas e o ferro, e auxiliou na interrupção de uma atividade de uma das mais importantes empresas do setor de engarrafamento mundial de águas; o que foi resumido por Vianna (2018, p. 71), a partir de uma torsão aplicada em um conhecido provérbio brasileiro, que aqui ajustamos: quem sem ferro feriu, com ferro fora ferido.

Mas enfatizamos que se trata de uma porção espacial dinâmica, e novos movimentos em favor da proteção das águas minerais, da realização de estudos que forneçam uma atualização da situação dessas águas e da participação coletiva na sua gestão têm sido realizados na região do sul de Minas Gerais. E isto vem sendo reivindicado com vigor por muitos cidadãos das municipalidades vizinhas à São Lourenço, principalmente em Caxambu e Cambuquira. No dia 07 de fevereiro de 2017, a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (CODEMIG) publicou, em seu site oficial, um comunicado que expôs a abertura de licitação para o projeto de exploração de águas minerais[12] nos municípios de Cambuquira e Caxambu. No comunicado consta o seguinte fragmento:

Indutora do desenvolvimento econômico e alinhada com seu planejamento estratégico, a CODEMIG objetiva selecionar parceiro privado com expertise no ramo de alimentos e/ou bebidas, para assumir e exercer a exploração da atividade econômica, desde a extração das águas minerais até a venda ao consumidor final.

Em resumo, conforme consta no comunicado da CODEMIG, a licitação teve por objetivo selecionar um parceiro privado para a constituição de sociedade em conta de participação destinada à exploração do negócio de águas minerais e seus correlatos, por um período de 15 anos, prorrogável, uma vez, por igual período, a critério da própria CODEMIG.

Após uma série de audiências públicas para tratar do tema, a empresa estatal, contrariando os desejos de algumas organizações da sociedade civil, marcou o pregão para o dia 20 de dezembro de 2017: um martelo havia sido batido e, ao que parece, fez mais barulho do que se pretendia, já que, no dia previsto para o leilão, um comunicado foi emitido pela empresa:

às 16:00 horas, do dia 20 de dezembro de 2017, reuniram-se, na sede da CODEMIG [...] o Pregoeiro Oficial desta empresa pública e respectivos membros da Equipe de Apoio [...] com a finalidade de realizar todos os procedimentos relativos ao referido pregão para Seleção de parceiro privado para constituição de Sociedade em Conta de Participação destinada à exploração do negócio de águas minerais nas unidades de Caxambu-MG e Cambuquira-MG. O pregoeiro comunicou a suspensão do certame em virtude de decisão liminar [...] 

Contudo, como costuma ocorrer em batalhas judiciais, a decisão que resultou no comunicado acima transcrito fora revogada, e no dia 27 de dezembro de 2017 o pregão foi realizado. Nessa ocasião, uma das empresas, dentre as duas que disputavam a sua entrada na história das águas minerais do sul de Minas Gerais, saiu vencedora.

Mas não se trata de uma controvérsia já dirimida. Naquelas cidades já se fala, inclusive, em outro capítulo da “Guerra das Águas”, esclarecida quando do episódio de São Lourenço. E novas alianças estão sendo formadas no cenário beligerante. Diante do qual emergem os “Guardiões das Águas”, i.e., um coletivo estruturado por vínculos de identificação em torno do campo das águas envasadas (ALCÂNTARA et. al., 2018). Nesse campo de batalha, entretanto, alguma composição política está sendo ensaiada entre guardiões e mercadores, ao que apenas a realização de trabalhos futuros poderá oferecer alguma atualização.

 

 

  1. Considerações finais

 A análise revelou o quão imbricado é o processo de transformação espacial dessa região com as águas minerais. Procuramos demonstrar como interesses científicos, industriais, jurídicos e ambientais foram progressivamente se amalgamando como questões de interesse político. Falamos de um processo de hibridação de interesses reunidos em um feixe de relações que conferiu ao espaço uma dinâmica, ou, para acompanhar o título deste artigo, certa fluidez. Nesse ponto, já não parece mais ser possível, com segurança, traçar com nitidez uma linha fronteiriça entre todas essas dimensões e interesses - ou, para retomar uma velha expressão, não parece mais ser possível operar uma clara separação entre sociedade e natureza. É aqui que a Geografia se fez necessária, uma vez que – e isto pode ser lido como uma simplificação tão provisória quanto frágil, pois passível de ajustes - trata-se de uma disciplina dedicada ao enigma da reunião das assembleias de humanos e não-humanos[13] através da espacialização; algo que tentamos praticar nessa descrição.

 Assim, por meio de uma análise excessivamente humana, as águas perderiam a sua rica história geológica; e se demasiadamente natural, i.e., não-humana, essas águas deixariam de fazer parte da história da região e das cidades fundadas e reconhecidas pela fama de suas águas virtuosas. Não é à toa que o movimento que chamou a atenção mundial para o problema das águas em São Lourenço, e que influenciou as reivindicações subsequentes na região, foi denominado “Cidadania pelas Águas”, e seria imprudente, seja pela manutenção das águas na incerteza institucional que fomenta a atual negligência pelas suas capacidades terapêuticas (desafio a ser retomado sem que haja um retorno aos ditames da medicina social), seja pela sua possível exaustão proporcionada por um irresponsável aprisionamento das águas minerais em garrafas (LEMES de SOUZA, 2018), seja em nossa presente descrição, interromper essa aliança geo-histórica.

 

 

  1. Referências bibliográficas

ALCÂNTARA, V., SANT’ANNA, L. T., PEREIRA, J. R. Os Guardiões das águas no circuito das águas de Minas Gerais: a estruturação da ação coletiva. In: VALADÃO, José de Arimatéia Dias et al. (Coord.); SOUZA, Ana Paula Lemes de et al. (Org.). Clamor das águas: a busca por nova identidade para as águas minerais no Brasil. Florianópolis: CAXIF/UFSC, 2018.  

ANDRADE, M. F. Elites regionais e a formação do estado imperial brasileiro. Minas Gerais – Campanha da Princesa (1799 – 1850). 2. Ed. Belo Horizonte: Fino Traço, 2014. 

ARAUJO. J. X.L. de. Dissertação acerca da analyse e propriedades therapeuticas das aguas acidulas gasosas da cidade de Campanha. Tese apresentada à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, 1848.         [ Links ]

BRASIL. Decreto no 4.265, de 15 de janeiro de 1921. Regula a propriedade e a exploração das minas. Disponível em: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-4265-15-janeiro-1921-568703-publicacaooriginal-92061-pl.html > Acesso em: fev. 2017.         [ Links ]

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de Julho de 1934. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm > Acesso em: fev. 2017.         [ Links ]

BRASIL. Decreto-Lei no 24.642, de 10 de julho de 1934. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1930-1949/d24642.htm Acesso em: ago. 2017.         [ Links ]

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de 1937. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao37.htm Acesso em: fev. 2017.         [ Links ]

BRASIL. Decreto-Lei no 1.985, de 29 de Janeiro de 1940. Código de Minas. Disponível em: http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=23654&norma=39031 Acesso em: fev. 2017.         [ Links ]

BRASIL. Decreto-Lei no 7.841, de 8 de agosto de 1945. Código de Águas Minerais. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del7841.htm > Acesso em: fev. 2017.         [ Links ]         [ Links ]

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm > Acesso em: mar. 2017. 

BRASIL. Decreto-Lei no 227, de 28 de fevereiro de 1967. Dá nova redação ao Decreto-Lei no 1985, de 29 de janeiro de 1940 (código de minas). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0227.htm Acesso em: mar. 2017.         [ Links ]

BRASIL. Decreto-Lei no 764, de agosto de 1969.
Autoriza a constituição da sociedade por ações Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais - C.P.R.M. dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0764.htm Acesso em: abr. 2017.

BRASIL. Decreto-Lei no 9.433, de 08 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1o da Lei no 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei no 7.990, de 28 de dezembro de 1989.         [ Links ]

CNRH. Resolução no  09, de 21 de junho 2000.         [ Links ]

CNRH, Resolução no 15, de 11 de janeiro 2001.         [ Links ]

CNRH, Resolução no 76, de 16 de outubro de 2007. Estabelece diretrizes gerais para a integração entre a gestão de recursos hídricos e a gestão de águas minerais, termais, gasosas, potáveis de mesa ou destinada a fins balneários.         [ Links ]

CNRH, Resolução n0 92, de 2008. Estabelece critérios e procedimentos gerais para proteção e conservação das águas subterrâneas no território brasileiro.         [ Links ]

CPRM. Projeto circuito das águas do estado de Minas Gerais. Estudos geoambientais das fontes hidrominerais de Cambuquira, Caxambú, Conceição do Rio Verde, Lambari e São Lourenço. Serviço Geológico do Brasil. Superintendência Regional de Belo Horizonte. Belo Horizonte, 1998. Disponível em: < http://rigeo.cprm.gov.br/xmlui/bitstream/handle/doc/8558/Estudo_geoambiental_Cambuquira.pdf?sequence=1> Acesso em: mar. 2017.         [ Links ]

ESTEVES, C. C. O regime Jurídico das águas minerais na constituição de 1968. Tese ( Doutorado). Instituto de Geociências da UNICAMP, São Paulo, 2012.         [ Links ]

FOUCAULT. M. Crise da medicina ou crise da antimedicina. Primeira conferência proferida, em outubro de 1974, no Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado da Guanabara (UEG), atual UERJ. Tradução do Espanhol por Eliana Conde. 2010. Disponível em:

< http://revistas.pucsp.br/index.php/verve/article/viewFile/8646/6432 >. Acesso em: mar. 2017.

FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Trad. Luiz Felipe Baeta Neves. 8a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016.         [ Links ]

HARAWAY, D. Entrevista concedida à Julianas Fausto, Eduardo Viveiros de Castro e Deborah Danowsky. In: Os mil nomes de Gaia. 2014. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1x0oxUHOlA8 Acesso em: dez. 2017.         [ Links ]

LATOUR, B. Reagregando o social. Uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Salvador: Edufba, 2012; São Paulo: Edusc, 2012.         [ Links ]

LATOUR, B. Cogitamus: seis cartas sobre as humanidades científicas. São Paulo: Editora 34, 2016.         [ Links ]

LEMES de SOUZA, A. P. A diáspora da Água. In: VALADÃO, José de Arimatéia Dias et al. (Coord.); SOUZA, Ana Paula Lemes de et al. (Org.). Clamor das águas: a busca por nova identidade para as águas minerais no Brasil. Florianópolis: CAXIF/UFSC, 2018.         [ Links ]

MARRAS, S. A propósito de águas virtuosas: formação e ocorrências de uma estação balneária no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.         [ Links ]

MINAS GERAIS. Decreto no 1038 - de 20 de maio de 1897. Promulga o regulamento das estações de águas mineraes.         [ Links ]

MIRANDA, A. S., MUNDIM, L. G. M. Parque das Águas de Caxambu. In: INSTITUTO ESTADUAL do PATRIMÔNIO HISTÓRICO e ARTÍSTICO de MINAS GERAIS (IEPHA). Guia de bens tombados IEPHA/MG. 2a Ed., volume 2. Belo Horizonte: IEPHA, 2014, pp. 139 – 144.

MONAT, H. Caxambú. Rio de Janeiro: Luiz Macedo, 1894.         [ Links ]

MOURÃO, B. M. A água mineral e as termas. Uma história milenar. São Paulo: ABINAM, 1997.         [ Links ] 

NINIS, A. A ecologia política e a exploração da água mineral de São Lourenço. Dissertação (mestrado). Programa de pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, 2006.         [ Links ]

NINIS, A. ; DRUMMOND, J. A. Áreas (des)protegidas do Brasil: as estâncias hidrominerais. Rev. Ambiente e Sociedade. Vol. 11, no. 1, Campinas, jun./jul. 2008. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-753X2008000100011        [ Links ]

PORTUGAL JÚNIOR, P. S. Rompendo a controvérsia das águas. In: VALADÃO, José de Arimatéia Dias et al. (Coord.); SOUZA, Ana Paula Lemes de et al. (Org.). Clamor das águas: a busca por nova identidade para as águas minerais no Brasil. Florianópolis: CAXIF/UFSC, 2018.         [ Links ]

SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. 4a ed. São Paulo: EDUSP, 2006.         [ Links ]

SANTOS, M. A questão do meio ambiente: desafios para a construção de uma perspectiva transdisciplinar. In: Anales de la Universidad Complutense, no 15, Madrid: Servicio de Publicaciones Universidad Complutense, 1995, pp. 695 - 705.         [ Links ]

VIANNA, R. Quem controla a água? Mapeamento de controvérsias na Guerra das Águas em São Lourenço, Minas Gerais. In: Pedra, planta, bicho, gente... coisas: encontros da teoria ator-rede com as ciências ambientais. Rio de Janeiro: Mauad, 2018, pp. 59 - 76.         [ Links ]

VIANNA, R., BRANQUINHO, F. Recursos Híbridos? Sobre a proliferação das águas minerais. Revta. Fronteiras, v.7, n.2, 2018. DOI: https://doi.org/10.21664/2238-8869.2018v7i2.p165-185        [ Links ]

 

[1] Note-se que não se trata aqui de uma proposta inédita. Não tão distantes da perspectiva de uma hibridação, porém em uma análise menos geográfica do que histórica, Vianna e Branquinho (2018), inspirados na proposta de Michel Serres, propuseram um enfoque das águas minerais como "quase-objetos, quase-sujeitos". 

[2]  Andrade (2004, p. 191) observa uma ocasião na qual a esposa de Evaristo Ferreira da Veiga - que estava à caminho de realizar uma visita aos seus irmãos em Campanha, em dezembro de 1836 – teve que abandonar a liteira em que viajava por conta da descida íngreme em tempo de chuva.    

[3] Os fragmentos extraídos da obra de José Xavier Lopes de Araújo serão aqui reproduzidos sem que haja alteração na grafia original. Subtende-se, então, o acompanhamento do advérbio latino “sic” após todas as citações diretas do referido trabalho. 

[4] Cf., Brasil. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de Julho de 1934. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm > Acesso em: fev. 2017.

[5] Consta no Código de Águas Minerais (Decreto-Lei no 7.841/45): “Art. 2º Para colaborar no fiel cumprimento desta lei, fica criada a Comissão Permanente de Crenologia, diretamente subordinada ao Ministro da Agricultura. § 1º A Comissão Permanente de Crenologia terá a Presidência do Diretor Geral do Departamento Nacional da Produção Mineral e se comporá de quatro especialistas no assunto, de livre escolha do Presidente da República; um dos membros será escolhido entre o pessoal do órgão técnico especializado do D.N.P.M. § 2º O regimento da Comissão Permanente de Crenologia, as atribuições e direitos de seus membros serão fixados posteriormente por portaria do Ministro da Agricultura e leis subsequentes. ”

[6] “Art. 4º Considera-se jazida toda massa individualizada de substância mineral ou fóssil, aflorando à superfície ou existente no interior da terra, e que tenha valor econômico; e mina, a jazida em lavra, ainda que suspensa” (Lei no 227/67).

[7] A Lei das Águas (Lei no 9433/97) cria a Política Nacional de Recursos Hídricos, balizada em sete princípios (Título I; Cap. I; Art. 1o): i – a água é um bem de domínio público; ii – a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; iii – em situações de escassez, o uso prioritário de recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; iv – a gestão de recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas; v – a bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; vi – a gestão de recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades.      

[8] Cumpre observar que as águas minerais também são águas subterrâneas, e parte integrante e indissociável do ciclo hidrológico, e que a sua exploração pode afetar tanto os aquíferos quanto os corpos de água superficiais. Por isso, a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) requer a consideração da interdependência das águas superficiais, subterrâneas e meteóricas (cf. Resolução no 15, de 2001, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos - CNRH). Assim, há uma possibilidade não apenas de integrar as águas minerais à PNRH, mas também de propor ações que vislumbrem a compatibilização das legislações que regem a exploração e a utilização desses recursos, notadamente pela criação e pela integração de mecanismos institucionais que regem a gestão das águas superficiais e subterrâneas, de modo a contemplar possibilidades na minimização ou solução de eventuais conflitos (cf. Resolução CNRH no 09, de 2000). No caso específico das águas minerais, cabe sublinhar que para facilitar tal integração, o órgão gestor de recursos hídricos e o órgão gestor de recursos minerais devem se ater ao compartilhamento de informações e à compatibilização de procedimentos, de modo a definir os estudos técnicos necessários para fornecer um diagnóstico da situação hídrica nos diferentes locais. Nesse sentido, trata-se de compatibilizar duas fases cruciais na exploração e usos das águas minerais e superficiais: nos procedimentos de pesquisa para exploração das águas minerais, que consiste na etapa que inaugura o canal de diálogo de entre o requerente e a autoridade outorgante de recursos minerais; e, no caso dos recursos hídricos, a outorga, que consiste no ato administrativo no qual o outorgado se encontra autorizado ao uso pela autoridade outorgante de recursos hídricos. Nesse caso específico, o Órgão Gestor de Recursos Minerais dará conhecimento ao Órgão Gestor de Recursos Hídricos competente, que poderá manifestar possíveis impedimentos à pesquisa que inaugura o diálogo entre o requerente e a autoridade de recursos minerais, o que será feito com base nas outorgas de direito ao uso dos recursos hídricos (cf. Resolução CNRH no 76, de 2007). Trata-se, em última instância, de estender as redes de exigência tanto para a pesquisa para a exploração das águas minerais, quanto para a outorga dos recursos hídricos, já considerada a integração das águas minerais ao ciclo hidrológico e, portanto, à PNRH. Trata-se de algo que, por sua vez, demandará medidas de proteção e conservação das águas em conjunto, a realização de estudos regionais para delimitar áreas de recarga dos aquíferos, assim como as zonas de proteção, e, em consequência, identificar as áreas de vulnerabilidade à superexplotação, poluição ou contaminação. Isto poderá ser contemplado pelo Plano de Recursos Hídricos ou, em sua ausência, pelo órgão gestor de recursos hídricos competente, incluídas as aprovações dos Comitês de Bacias Hidrográficas, e do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (cf. Resolução CNRH no 92, de 2008). Note-se que tal integração aumenta o número de mediadores que serão considerados na integração das águas minerais à PNRH, e, consequentemente, em nosso entendimento, a participação dos grupos interessados, dentre os quais, aqueles que mantêm relações outras, que não apenas mercadológica, com as águas minerais.   

[9] Portugal Júnior (2018) caracteriza essa situação pela ausência de debates acerca do arranjo legal das águas minerais no Brasil, seja no âmbito dos debates sobre o código de mineração, seja nas esferas de debates sobre os recursos hídricos, assim como no Fórum Mundial da Água, e no Fórum Alternativo Mundial, ocorridos em 2018. Ou, se quisermos colocar tal situação de outra maneira: são águas e minerais e subterrâneas e medicamentosas: eis uma apropriada descrição do “limbo institucional”. 

[10]Possibilidade, cabe destacar, já levantada em estudo prévio realizado pela Companhia de Produção Mineral (CPRM, 1998, p. 115): “Os estudos comparativos de qualidade química e vazão das medidas realizadas no início do século com as executadas para esse estudo indicaram que houve uma diminuição da mineralização das águas e, localmente, reduções da vazão, às vezes acentuadas (fontes Vichy e Alcalina em São Lourenço). Possivelmente esse fenômeno esteja associado a ações antrópicas como desmatamento em áreas de recarga e à superexploração dos aquíferos através de poços em exploração e dos novos poços perfurados [grifo nosso]”.

[11] Donna Haraway emprega o termo quando em entrevista concedida à Juliana Fausto, Eduardo Viveiros de Castro e Deborah Danowski, sobre o tema do Antropoceno, mais precisamente sobre a noção de “Guerra dos Mundos” desenvolvida por Bruno Latour, e a sua aplicabilidade em algumas lutas locais. Aqui transcrevemos, já utilizando a tradução prévia, para a língua portuguesa, realizada pelos autores citados acima: “mas se também levarmos em conta o alinhamento e o assentimento tentacular e a esperteza da lula que secreta tinta no mar escuro para esconder a si mesma e as suas trajetórias [...] buscamos aliados em lugares inusitados”.  

[12]  Disponível em: http://www.codemig.com.br/codemig-realiza-consulta-publica-sobre-gestao-das-aguas-minerais/. Acesso em fev. 2017.

[13] Os não-humanos considerados em sentido amplo, desde os pixels nas representações cartográficas até, como propõe Latour (2016, p. 116): “deuses, os espíritos, os astros, tanto quanto as plantas, os animais, a parentela, os utensílios ou os rituais”.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons