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GOT, Revista de Geografia e Ordenamento do Território

On-line version ISSN 2182-1267

GOT  no.24 Porto Dec. 2022  Epub Dec 31, 2022

https://doi.org/10.17127/got/2022.24.001 

Articles

A FORMAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE CONSELHEIRO LAFAIETE, MINAS GERAIS, BRASIL

THE FORMATION OF THE URBAN SPACE OF CONSELHEIRO LAFAIETE, MINAS GERAIS, BRAZIL

PEREIRA Ana Clara De Souza1 

STEPHAN Ítalo Itamar Caixeiro1 

1Universidade Federal de Viçosa. Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas, Departamento de Arquitetura e Urbanismo. 36570-0759, Viçosa, Brasil. ANA.PEREIRA4@UFV.BR; ITALOSTEPHAN@GMAIL.COM


RESUMO

Neste artigo analisa-se o espaço intraurbano do município brasileiro de Conselheiro Lafaiete, classificado como uma cidade média, no período entre os anos de 1970 a 2018. A pesquisa possui caráter descritivo-exploratório e foi dividida em cinco etapas: embasamento teórico, caso de estudo, análise documental, produção cartográfica e entrevistas. Constatou-se que o processo de expansão urbana em Conselheiro Lafaiete é marcado pela sua consolidação como polo de serviços e de comércio da região, com forte atuação dos setores do mercado imobiliário e da construção civil. Contudo, não há uma aplicação eficaz da legislação urbanística; o planeamento e a fiscalização da ocupação do espaço urbano se fazem ineficientes e dão margem para um crescimento espontâneo e desordenado. As consequências dessas transformações refletem diretamente no espaço intraurbano e nos fenômenos ligados à modificação desses espaços.

Palavras-chave: espaço intraurbano; cidades médias; produção do espaço; Conselheiro Lafaiete/Minas Gerais.

ABSTRACT

This paper analyzes the space of the Brazilian municipality of Conlheiro Lafaiete, as a medium-sized city, in the period between 1970 and 2018. The research has a descriptive-exploratory character and was divided into five stages: theoretical basis, case study, document analysis, cartographic production and interviews. We found that the process of urban expansion in Conselheiro Lafaiete is marked by its consolidation as a service and commerce center in the region, with a strong presence in the real estate and civil construction sectors. However, there is no effective application of urban legislation; planning and supervision of the occupation of urban space become inefficient and give rise to spontaneous and disorderly growth. The consequences of these transformations reflect directly on the intra-urban space and on the phenomena linked to the modification of these spaces.

Keywords: intra-urban space; medium-sized cities; space production; Conselheiro Lafaiete/Minas Gerais.

1. Introdução

As transformações impulsionadas pelo processo de globalização, pelas novas dinâmicas produtivas, pela abertura da economia e pela inserção de uma sociedade em rede destacaram a importância do território e da urbanização que, apesar de evidenciar o poder de polarização das grandes aglomerações urbanas, atingiu toda a rede urbana e colocou em evidência as cidades médias a partir de meados da década de 1990 (CASTELLO BRANCO, 2006).

Com isso, observou-se, no período entre os anos de 1970 e 2000, um aumento progressivo das cidades médias, tanto em número quanto em população (CASTELLO BRANCO, 2006). Com isso, esses centros urbanos passaram a exercer funções administrativas e a oferecer diversos serviços e atividades (SANTORO et al, 2010).

Segundo Amorim Filho (2007), as cidades médias não são definidas apenas pelo porte demográfico. Os aspectos relacionados às suas funções e à localização geográfica, aos papéis que desempenham nas redes urbanas regional, nacional e internacional, têm sido considerados tão importantes quanto o tamanho populacional na classificação das cidades médias.

Com o intuito de assimilar “as particularidades e singularidades da tendência geral de redefinição dos papéis das cidades médias brasileiras, a partir de uma nova divisão territorial do trabalho” (SPOSITO et al, 2007, p.59), caracteriza-se a cidade brasileira Conselheiro Lafaiete 1, localizada no estado de Minas Gerais, como cidade média. Essa caracterização acontece por meio de algumas particularidades presentes no município, como as atividades econômicas predominantes, seu papel influenciador na sua microrregião e pelos aumentos significativos da população nas últimas décadas superior às cidades de seu entorno.

Observada essa importância do estudo das cidades médias, o objetivo deste trabalho é analisar o espaço intraurbano de Conselheiro Lafaiete no período entre 1970 e 2018, e pretende contribuir para o entendimento da dinâmica da estrutura urbana de uma cidade média que polariza serviços e comércio em sua região, além de auxiliar estudos posteriores dentro dessa temática.

Esse manuscrito se justifica a partir do que Amorim Filho (2007) aborda em seu trabalho, que destaca a importância de estudar o espaço intraurbano de uma cidade média e conside como um dos atributos dessas cidades a diferenciação do espaço intraurbano em relação às demais cidades.

Metodologia

Para isso, a metodologia de trabalho deste manuscrito, que apresenta uma natureza descritivo-exploratória, foi dividida em 5 etapas: embasamento teórico, caso de estudo, análise documental, produção cartográfica e entrevistas.

O embasamento teórico foi realizado a partir do estudo dos agentes responsáveis pela produção do espaço urbano e dos conceitos de cidade média. Foram estudados autores como SANTOS, CORREA, CASTELLS, LEFEBVRE, LOJKINE, CARLOS, SPOSITO, entre outros.

O caso de estudo se deu pela caracterização do objeto de estudo, que é a cidade brasileira de Conselheiro Lafaiete, localizada no estado de Minas Gerais. Para isso, foi feita uma pesquisa sobre a história do desenvolvimento territorial do município e coletou-se dados populacionais (IBGE2), PIB (produto interno bruto), emprego e economia predominante.

As pesquisas documentais se deram por meio da análise de leis urbanísticas como o Plano Diretor de Conselheiro Lafaiete e sua Lei de Uso e Ocupação do Solo, assim como dos dados registrados pelo IBGE, CEDEPLAR e SEBRAE 3.

A produção de mapas foi desenvolvida pelos softwares Illustrator e ArcGis e foram utilizadas como base cartográfica imagens de satélites e mapas cadastrais disponibilizados pela prefeitura.

As entrevistas semiestruturadas foram escolhidas como técnica de coleta de dados em função de permitir abertura ao diálogo. Elas foram gravadas e transcritas ipsis litteris. Realizaram-se cinco entrevistas, aplicadas entre julho e agosto de 2018. Após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFV4, foram entrevistados 3 ex-prefeitos, o prefeito (com mandatos nos períodos de 2017-2020 e 2021-2024) e um incorporador imobiliário.

Dessa forma, este manuscrito foi organizado em 3 tópicos:

A produção do espaço urbano e seus agentes, que apresenta uma análise do referencial teórico acerca desta temática;

Conselheiro Lafaiete, MG: formação do município, em que apresenta uma breve história e evolução do caso de estudo;

Caracterização e análise do espaço urbano de Conselheiro Lafaiete, que fará uma análise do processo de expansão urbana do município no período de 1970 a 2018 e sua legislação urbanística.

2. A produção do espaço urbano e seus agentes

Um conceito básico é que o espaço constitui uma realidade objetiva, um produto social em permanente processo de transformação. O espaço impõe sua própria realidade; por isso a sociedade não pode operar fora dele (SANTOS, 2008, p. 67).

Conforme definiu Milton Santos (2006), o espaço é o conjunto de formas que demonstra as heranças que representam as sucessivas relações entre o ser humano e a natureza, a configuração territorial, a sociedade e a vida que as anima. Já o espaço urbano é o reflexo do acúmulo dos tempos, de ações presentes e pretéritas, que deixaram suas marcas sobrepostas nos aspectos espaciais atuais. Esses aspectos apresentam diferentes usos da terra, sendo esses: o centro da cidade; as áreas industriais, residenciais, comerciais e de serviços; os espaços de lazer e de convívio social, entre outros. Dessa forma, o espaço urbano é fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto de símbolos e campo de lutas (CORRÊA, 2001).

Existem duas análises do espaço urbano apontadas por Castells: a concentração espacial de uma população, a partir de certos limites de dimensão e de densidade, e a difusão do sistema de valores, atitudes e comportamentos denominado “cultura urbana”. Porém, ambos os sentidos articulam o urbano à estrutura de uma sociedade, marcada por um sistema de classes sociais, um sistema político, um sistema institucional de investimento e um sistema de troca com o exterior (CASTELLS, 2011).

Lefebvre (1993) afirma que o processo de industrialização impulsionou diversas transformações na sociedade, apesar de as cidades preexistirem a ela. Considerar o espaço urbano enquanto estrutura social demanda analisar sua formação pelos elementos do sistema econômico, político e ideológico, assim como pelas combinações e práticas sociais que derivam dele (CASTELLS, 2011).

No espaço urbano, existem relações que são estabelecidas entre agentes sociais, escala e produção do espaço. Corrêa (2000) enumera diferentes agentes sociais responsáveis pela produção do espaço urbano: os proprietários dos meios de produção, os proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais excluídos, os quais são compostos por interesses, estratégias e práticas espaciais que acarretam disputas entre eles e em outras parcelas da sociedade. De acordo com o referido autor:

- Os proprietários dos meios de produção são grandes consumidores do espaço, devido à proporção das suas atividades. Necessitam de terrenos baratos que atendam a requisitos locacionais apropriados às atividades de suas empresas e interferem diretamente na localização de outros usos da terra;

- Os proprietários fundiários buscam arrecadar a maior renda fundiária das suas propriedades, de maneira que tenham a maior arrecadação possível. Interessam-se mais pelo valor de troca da terra e não no seu valor de uso. Usualmente, incorporam novas áreas ao espaço urbano, por intermédio de modificações no zoneamento do solo;

- Os promotores imobiliários são os agentes responsáveis, total ou parcialmente, pela incorporação, financiamento, construção e comercialização do capital-mercadoria em capital-dinheiro acrescido de lucro;

- O Estado tem uma atuação complexa e variável na organização espacial da cidade. Essa atuação acontece por meio da produção de legislações de ordenamento territorial, controle do preço das terras, impostos fundiários e imobiliários, investimentos públicos, organização de mecanismos de créditos à habitação, produção industrial, entre outros;

- Os grupos sociais excluídos, aqueles que não possuem renda suficiente para adquirir um imóvel ou para pagar aluguel de uma habitação de qualidade. Esses se tornam agentes produtores do espaço, porque apenas lhes restam como opção de moradia as favelas, os cortiços, os sistemas de autoconstrução e os conjuntos habitacionais.

Uma característica comum aos proprietários dos meios de produção, aos promotores fundiários e aos promotores imobiliários é o acesso à renda da terra. Esses grupos agem com diferentes estratégias que representam seus interesses dominantes e que são compostos por uma retórica ambígua, permitindo infrações de acordo com os interesses individuais do agente preponderante (CORRÊA, 2000).

O mercado imobiliário abrange diversos atores que realizam financiamentos, incorporações, construções e transformação do capital-mercadoria em capital-dinheiro, acrescido de lucro. A estratégia dos promotores imobiliários é, majoritariamente, aumentar suas taxas de lucro, por meio de habitações, com alto preço de venda, o que resulta na intensificação da exclusão das classes populares (CORRÊA, 2001).

Para Lojkine (1981), o controle da propriedade do solo por intermédio do Estado e a desvalorização da renda da terra tendem a permitir ao capital produtivo que seja investido no setor imobiliário, sem se defrontar com o obstáculo fundiário. Em decorrência desse processo, vigora-se no espaço urbano a lógica do valor de troca sobre o valor de uso (CARLOS, 2011). Carlos (2011) afirma que a produção do espaço se incorpora à lógica da produção capitalista, que transforma toda produção em mercadoria.

O forte dinamismo do mercado imobiliário vem gerando transformações no espaço urbano das cidades. Crescem, exponencialmente, o número de novas construções e de lançamentos, a procura por novas áreas por parte dos construtores e incorporadores, assim como os preços atingidos. Esse processo estabelece novas dinâmicas e conformações socioespaciais, trazendo transformações significativas nas cidades, o que resulta em conflitos e em contradições (CARLOS, 2011). Dado esse processo, a renda da terra deixa de ser um obstáculo e se torna uma significativa fonte de lucro para o capital imobiliário, “cuja reprodução básica assentava-se apenas sobre a mais-valia extraída dos trabalhadores da construção civil” (CARLOS, 2011, p.21).

Dessa forma, a configuração socioespacial da cidade se forma, em grande parte, devido à atuação dos diferentes setores imobiliários, que demandam por terra para o desenvolvimento de suas atividades e para a valorização dos seus capitais, por meio da utilização e da transformação do solo.

Como se pode observar, existem diversos processos relacionados à produção do espaço urbano. A compreensão da bibliografia referente a esses processos e a atuação dos seus agentes - mercado imobiliário e Estado - servirá como base para análise do município de Conselheiro Lafaiete.

A cidade no sistema capitalista é o cenário do acontecimento de diversos processos sociais e econômicos. Estes processos relacionados à produção espaço constituem funções e formas espaciais, isto é, criam atividades e suas materializações, cuja distribuição espacial constitui a própria organização espacial urbana. A organização urbana refere-se à ordenação espacial do tecido urbano e o modo no qual ele é produzido (SPOSITO, 2001).

O espaço apresenta uma estrutura que estabelece o eixo sobre o qual a cidade se desenvolve, relacionando-se com o ambiente urbano. Para Corrêa (2000, p. 7), a configuração urbana consiste no “conjunto de diferentes usos da terra justapostos entre si”. Esses usos delimitam espaços na cidade tais como: “o centro da cidade, local de concentração de atividades comerciais, de serviço e de gestão; áreas industriais e áreas residenciais, distintas em termos de forma e conteúdo social; áreas de lazer; e, entre outras, aquelas de reserva para futura expansão”. De acordo com o autor, o conjunto de usos da terra caracteriza a organização espacial da cidade ou simplesmente o espaço urbano fragmentado.

Villaça (2001) explica que o espaço intraurbano é formado, sobretudo, pelas condições de deslocamento do ser humano, seja na forma de portador da mercadoria força de trabalho, seja enquanto consumidor. O autor afirma que é por meio desses deslocamentos que se forma o grande poder estruturador das áreas comerciais e de serviços, a começar pelo próprio centro urbano, visto que elas geram e atraem a maior parcela de deslocamentos, pois acumulam os deslocamentos da força de trabalho e consumo (VILLAÇA, 2001).

No espaço intraurbano, existem relações que são estabelecidas entre agentes sociais, escala e produção do espaço. A produção do espaço é “decorrente da ação de agentes sociais concretos, com papéis não rigidamente definidos, portadores de interesses, contradições e práticas espaciais” (CORRÊA, 2001, p.41).

Amorim Filho (2007) destaca a importância de estudar o espaço intraurbano de uma cidade média e considera como um dos atributos dessas cidades a diferenciação do espaço intraurbano em relação às demais cidades. Apesar das diferenças e das particularidades de cada uma, é importante constatar que há uma tendência observada nas cidades médias para um padrão morfológico-funcional.

Nota-se que diversas variáveis são consideradas para caracterização das cidades médias. As cidades médias apresentam particularidades, visto que o conceito não se vincula apenas à classificação por porte demográfico (CORRÊA, 2017). Sua especificidade está ligada a um conjunto de características relacionadas ao tamanho da sua população, às funções urbanas exercidas e à organização do seu espaço intraurbano, fazendo com que esses aspectos, juntos, evidenciem “a unidade da cidade como ponto funcional de uma dada rede urbana e como organização, em outra escala, do espaço interno” (CORRÊA, 2017, p. 25). Logo, as funções intermediárias desempenhadas pelas cidades e a posição geográfica são tão importantes quanto a demografia para caracterização das cidades médias (AMORIM FILHO, 2007).

Sposito (2007) ressalta que as cidades médias comandam uma região e a polarizam. Essas cidades, em função do tipo de atividades que possuem e das lideranças que representam, são capazes de se desenvolver e exercer um papel político, econômico e social de crescimento para toda uma região (SPOSITO, 2007).

Sposito (2001) destaca que as cidades médias passaram a ser também espaço de produção, no sentido literal do termo. Deste modo, nota-se que as transformações geradas pelo capitalismo contemporâneo, as mudanças dos fluxos demográficos, as demandas por novos espaços de produção e consumo, entre outros fatores, consumaram a transformação da rede urbana brasileira e, consequentemente, o espaço urbano das cidades (SPOSITO, 2001). Sposito destaca ainda que o avanço tecnológico, especialmente nas comunicações, ao permitir a desintegração entre os centros de tomada de decisão e os centros produtivos, abre novos panoramas locacionais para as cidades médias.

Observa-se, também, uma ampliação das articulações espaciais nas cidades médias, visto que recebem investimentos decorrentes da desconcentração da atividade produtiva e se transformam em pontos de consumo regional, centralizando a localização de empresas comerciais e de serviços de médio e grande porte, numa escala interurbana (SPOSITO et al, 2015).

Além disso, com a qualificação dos meios de transporte e das rodovias, os consumidores estão dispostos a percorrer distâncias maiores, consequentemente, aumentando as áreas de abrangências dessas cidades médias. Considera-se que nas últimas décadas as cidades médias passaram por importantes transformações ligadas à implantação de novos serviços,

“[...] sobretudo os logísticos, de informação, de comunicação, de transportes, de educação e de turismo. Assim sendo, apareceram como alternativa de moradia, por oferecerem melhores condições e qualidade de vida em relação às áreas metropolitanas” (SPOSITO et al, 2007, p. 52).

Essas diferenças e particularidades na classificação das cidades médias variam também de acordo com o país em que se está analisando. No Uruguai, por exemplo, uma cidade média é caracterizada como um aglomerado intermediário, em que são necessários dois critérios de de contiguidade e proximidade para sua classificação: cada aglomerado urbano se integra com os centros funcionais (especificados pelo INE 5 ) e que constituem operacionalmente uma unidade, agregando-se a ela para a cidade central qualquer outra localidade ou ocupações de áreas urbanas em um raio de 6 quilômetros da principal centralidade (MARTINÉZ; MACCHIO, 2018).

3. Conselheiro Lafaiete, MG: formação do município

Conselheiro Lafaiete é uma das cidades mais antigas de Minas Gerais e está localizada a 96 km da capital Belo Horizonte. Faz parte da Região Geográfica Intermediária de Barbacena 6, da Região Geográfica Imediata de Conselheiro Lafaiete 7 e está inserida no Arranjo Populacional de Conselheiro Lafaiete 8(Figura 1). Assim como algumas cidades mineiras, o município teve sua origem no final do século XVII, ligada ao início da exploração do ouro. O arraial foi fundado para se tornar ponto de apoio para os mineradores de Ouro Preto, Ouro Branco, Mariana, Sabará e outros locais (ALMEIDA, 2012).

Figura 1 - Localização de Conselheiro Lafaiete no Arranjo Populacional.  Fonte: elaborado pela autora (2020). 

Considera-se que, com o aumento dos fluxos populacionais ligados ao ciclo do ouro em Minas Gerais, Conselheiro Lafaiete tenha sido um dos mais importantes locais de pouso para viajantes e armazenamento de mercadorias. Diferente das localidades especializadas na extração de ouro, Conselheiro Lafaiete teve como base econômica, desde a primeira configuração da rede urbana do Alto Paraopeba, a atividade comercial. Ressalta-se que, mesmo com a vocação comercial do núcleo, também existia extração aurífera, ainda que em menor quantidade e relevância quando comparada a outros núcleos da época na região (CEDEPLAR, 2010).

A implantação da linha férrea, em 1883, e a construção de um ramal direcionado a Ouro Preto incentivaram a instalação de mineradoras (CEDEPLAR, 2010). Entende-se que a exploração de manganês, no entorno do núcleo urbano, ocorrida na transição entre os séculos XIX e XX, marcou um primeiro processo de inserção da mineração de ferro e de manganês em larga escala na região, visto que atraíram empresas estrangeiras para o local (SANTOS, 2008).

Além disso, pelo fato de ser a cidade mais bem equipada da região em termos de infraestrutura e pela intensificação do processo industrial no século XX, diversas mineradoras e siderúrgicas se instalaram no seu entorno. Desse modo Conselheiro Lafaiete se tornou, novamente, ponto de apoio para as cidades vizinhas. Atrelado a isso, a partir da década de 1970, iniciou-se a construção da siderúrgica Açominas (atualmente Gerdau), o que modificou o cenário econômico do município e da região. Nesse período, Conselheiro Lafaiete havia perdido posição na produção industrial, como reflexo do processo de desativação do transporte ferroviário, que dava suporte na produção e no transporte de equipamentos (CEDEPLAR, 2010).

A partir da década de 1980, Conselheiro Lafaiete se consolidou como polo voltado à prestação de serviços. Associado a essas atividades, foram instalados, de maneira progressiva, estabelecimentos comerciais e estabelecimentos ligados à educação de nível superior e à saúde. Com o desenvolvimento e com a consolidação desse polo, os principais municípios da região do Alto do Paraopeba - Conselheiro Lafaiete, Ouro Branco e Congonhas - passaram a integrar suas funções, sendo Congonhas um polo minerário; Ouro Branco um polo industrial e Conselheiro Lafaiete um polo comercial e de serviços (SOUZA, 2010).

Nota-se que esses são os três municípios que dispõem dos maiores indicadores socioeconômicos na região. Contudo, evidencia-se uma polarização de Conselheiro Lafaiete em relação aos outros municípios da região. Atribui-se isso a posição geográfica central do município, aos serviços oferecidos e ao seu sistema rodoviário, formado pelas rodovias BR 040, MG 129 e MG 482.

4. Caracterização e análise do espaço urbano de Conselheiro Lafaiete

Para Sposito (2001), na década de 1970, evidenciou-se a crise do modelo fordista de produção. A decadência desse modelo resultou em um longo processo de reestruturação dos setores econômicos e transformou os setores social e político, devido a mudanças no trabalho e nas formas de atuação dos Estados. Segundo o autor, governos e empresas adotaram medidas de adaptação ao contexto econômico do período, o que ocasionou um processo de reestruturação, reconhecido por alguns estudiosos como um regime de acumulação flexível.

Como reflexo desse regime de acumulação, Conselheiro Lafaiete atraiu, a partir da década de 1970, um considerável número de migrantes no âmbito microrregional (CEDEPLAR, 2010). Com o surgimento da indústria de alta tecnologia, houve a introdução de uma nova lógica de localização industrial (MENDES, 2011). Desse modo, o processo produtivo pode ser separado em diferentes espaços, uma vez que, por meio da melhoria nos fluxos das telecomunicações e da acessibilidade, tornaram-se possíveis a integração e a comunicação eficiente entre diversos setores da indústria.

A presença de empresas mineradoras e siderúrgicas, tais como Vale, MRS Logística, Gerdau, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e Vallourec Sumitomo Tubos do Brasil (VSB) nas cidades vizinhas de Ouro Branco, Congonhas e Jeceaba, representa a influência da atividade industrial na economia local. Apesar de essas empresas estarem estabelecidas em cidades próximas a Conselheiro Lafaiete, um grande número da mão de obra empregada nas mesmas reside no município.

De acordo com a Fundação João Pinheiro - FJP9(2018), no período entre os anos 2000 e 2010, em todos os municípios de Minas Gerais com taxas de crescimento populacional acima da média, verificaram-se também saldo líquido migratório positivos (SLM), excetuando-se Barbacena, Nazareno e Carandaí. Os maiores SLM foram observados para Conselheiro Lafaiete (3 mil pessoas) e Ouro Branco (2 mil pessoas). Respectivamente, as taxas de crescimento populacional desses municípios foram de 1,3% e 1,5% ao ano (FJP, 2010). No ano de 2010 a população de Conselheiro Lafaiete atingiu 116.512 habitantes.

Segundo censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), nesse mesmo período entre 2000 e 2010, 11.892 residentes de Conselheiro Lafaiete, equivalente a 10,2% da população da cidade, exerciam o trabalho principal em outros municípios, dos quais: 3.467 pessoas em indústrias de transformação e 2.344 pessoas em indústrias extrativas. Em contrapartida, ao analisar o número de residentes empregados no próprio município, 3.235 pessoas se encontravam vinculadas à indústria de transformação e 581 à indústria extrativa.

Dessa forma, observa-se que grande parcela dos funcionários de indústrias de transformação e de indústrias extrativas sediadas nas cidades vizinhas escolhe Conselheiro Lafaiete para residir, o que evidencia a presença de movimentos pendulares 10 entre as cidades da região. Essa preferência demonstra o papel do município de cidade dormitório, mas dotado de outros serviços de qualidade, como saúde, lazer, educação, bem como de um comércio diversificado, com grandes magazines e com franquias, característicos de cidades médias. Dessa forma, observou-se que, desde os anos 1980, o espaço urbano de Conselheiro Lafaiete vem se complexificando e se expandindo.

Para compreender esse processo, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com o prefeito e ex-prefeitos do município e um incorporador imobiliário. Essa escolha se deu de acordo com a teoria apresentada por Correa (2000) na primeira seção deste manuscrito, em que o autor elenca os principais agentes da produção do espaço urbano. Contudo, os principais agentes atuantes em Conselheiro Lafaiete são o mercado imobiliário e Estado, o que justifica a escolha para as entrevistas.

Todos os entrevistados afirmaram que a implantação da indústria Açominas foi o marco significativo para o aumento populacional, para o surgimento de novos bairros, para o desencadeamento de novas empresas de diversos portes na região, as quais ampliaram sua escala de produção. Eles declararam que os municípios Ouro Branco e Congonhas não apresentavam, à época, uma infraestrutura para recepcionar o intenso fluxo de pessoas, o que tornou Conselheiro Lafaiete o local mais procurado para habitação pelos funcionários das indústrias.

Nesse período, a gestão municipal fez novos investimentos em Conselheiro Lafaiete, o que incentivou o crescimento do município e seu papel de polo regional. Em entrevista, um dos ex-gestores declarou que, na década de 1980, foi implantada a Delegacia de Ensino Regional, a qual, abrange, atualmente, mais 18 municípios. Foi construído o Pronto Socorro Municipal, o qual se transformou, posteriormente, no espaço de atendimento do SUS 11; foi instalada a Delegacia de Polícia Regional, a qual atendia e ainda atende diversos municípios da região; entre outros.

Em meados da década de 1990, houve uma sequência de demissões nas indústrias e nas mineradoras da região, causadas por diversos fatores, sendo um deles a produção, em vários países, de minério mais barato do que as mineradoras da região. Aliado a isso, o município sofreu uma alta no preço dos aluguéis, devido à demanda por moradia, ocasionada por trabalhadores que vieram de outras cidades para Conselheiro Lafaiete. Uma outra consequência das demissões ocorridas no período foi o desenvolvimento do comércio na cidade, gerado por funcionários demitidos que ali abriram diversos estabelecimentos comerciais.

Desde esse período, Conselheiro Lafaiete acolhe instituições de ensino de níveis técnico e superior, tanto do setor público quanto privado, que estimulam o desenvolvimento do município, assim como as atividades industriais, comerciais, de lazer e de saúde. Esse fator intensificou a migração na região, uma vez que grande parte dos funcionários e dos estudantes dessas instituições residem em Conselheiro Lafaiete.

Com base nos estudos realizados por Lobo et al (2016) sobre mobilidade pendular nas microrregiões de Minas Gerais, as microrregiões que mostram maior intensidade nesses movimentos correspondem a um grupo reduzido de regiões mais urbanizadas e industrializadas, localizadas na área central do estado, que são o entorno de Belo Horizonte, as Microrregiões de Ipatinga e Conselheiro Lafaiete.

Conselheiro Lafaiete, analisada sob o modelo morfológico-funcional de Amorim Filho (2007), apresenta um centro complexo que ultrapassa os limites locais e cria uma relação com os centros urbanos de menor escala da região. Desde sua consolidação como um polo regional de serviços e de comércio, foram implantados na cidade, mais especificamente no centro, diversos pontos comerciais12; diversos bancos 13; a rodoviária está localizada no centro; o mesmo está equipado com inúmeros bares, restaurantes, lanchonetes, cafeterias e uma universidade; entre outros. É possível observar, na Figura 2, como esses serviços estão localizados no centro da cidade. Ainda sob a ótica morfológica-funcional de Amorim Filho (2007), Conselheiro Lafaiete apresenta diversos subcentros que atendem às necessidades da população local.

Figura 2 - Principais lojas e franquias no centro de Conselheiro Lafaiete.  Fonte: organizadopela autora (2019). 

Esses fatos corroboram as análises de Sposito et al (2007), as quais demonstram que Conselheiro Lafaiete é uma cidade média. Essa definição é confirmada devido à reestruturação produtiva, especialmente pelo processo de redistribuição espacial das atividades industriais (SPOSITO et al, 2007). Conselheiro Lafaiete foi beneficiada, visto que se tornou local de atração de indústrias e polo intermediário para o armazenamento de distribuição de produtos, ao gerar relações econômicas em escala que ultrapassam a regional, ao combinar “áreas e eixos, e continuidade com descontinuidade territorial” (SPOSITO et al, 2007, p.51).

Desse modo, observa-se que o município obteve aumentos em diversos setores, relacionados a processos de concentração espacial da população da região (mercado consumidor e força de trabalho), meios de produção e proximidade da matéria-prima. Conselheiro Lafaiete cresceu muito, com isso, complexificou-se a economia, de modo a mudar a divisão social do trabalho no município. Com isso, atualmente o setor terciário é o principal responsável pela economia de Conselheiro Lafaiete, que em 2017 apresentou um PIB de R$16.691,00, IDHM 14de 0,76 no ano de 2010 e salário médio mensal de 2 salários mínimos em 2018.

O que se pode observar é que para que determinada localidade seja interessante sob a ótica de investimentos de capitais em diversas atividades, especialmente as terciárias, há necessidade explícita de certa densidade de consumidores. Nessa perspectiva, Conselheiro Lafaiete apresenta-se como um espaço oportuno para alocação de investimentos, mediante seu papel no que diz respeito à oferta de bens e serviços aos habitantes de sua área de influência.

Esse processo intensifica o papel de Conselheiro Lafaiete enquanto espaço de consumo, tanto local quanto regional, reforçando a intermediação e a centralidade da cidade. Dessa forma, a rede urbana e os papéis desempenhados pelo município, como nós de intermediação das relações, devem ser analisados em todas as suas perspectivas empíricas e teóricas, devido às intensas mudanças no sistema de acumulação do modo capitalista de produção.

Nota-se, então, que a funcionalidade de Conselheiro Lafaiete, enquanto centro de serviços terciários a coloca num patamar de cidade média. A influência que essas funções exercem sob seu espaço microrregional são características que acentuam e atualizam o papel de Conselheiro Lafaiete na rede urbana.

O processo de expansão urbana

4.1.

Diante dos fatos apresentados no item anterior, observou-se em Conselheiro Lafaiete o aparecimento de fenômenos urbanos usualmente presentes em cidades maiores, mencionados no capítulo anterior, como a especulação imobiliária, a verticalização da área central, o surgimento de bairros e de loteamentos de diferenciação socioeconômica, além da intensificação do trânsito. Com isso, o município passou a apresentar diversos problemas que vêm se acentuando, devido às brechas encontradas nas leis municipais. Na Figura 3, pode-se observar o processo de verticalização presente na área central do município.

Figura 3 - Fotografia da área central de Conselheiro Lafaiete.  Fonte: Vertente das Gerais 15(2020). Autoria desconhecida. 

Com o aumento populacional, surgiram novos bairros em Conselheiro Lafaiete. De acordo com Silva (2011), a expansão urbana é controlada pelos interesses imobiliários, que exercem pressão sobre a gestão municipal, responsável pelo controle do parcelamento, pelo uso e pela ocupação do solo.

O processo de expansão urbana se efetivou sem uma legislação de parâmetros para a abertura de loteamentos. Isso configurou um espaço urbano marcado por descontinuidade territorial que, de acordo com Sposito (2007), é marcado por espaços vazios, assim como acontece no território de Conselheiro Lafaiete.

Por não possuir barreiras naturais significativas, Conselheiro Lafaiete se expande em todas as direções, além da da linha férrea que atravessa a área urbana de sul a norte, assim como a rodovia BR 040. Porém, algumas áreas são mais valorizadas, devido à instalação de alguns equipamentos urbanos. Como consequência, há o crescimento da especulação imobiliária e observa-se vazios urbanos e uma expansão ao sul, que ultrapassa os limites do perímetro urbano.

De acordo com os entrevistados, no período da década de 1980, não havia legislação urbanística para demarcação de zoneamentos e de parâmetros urbanísticos, somente uma legislação voltada à implantação de novos loteamentos; com isso, não se cobrava dos empreendedores uma infraestrutura mínima. Bastava entregar os loteamentos somente com esgoto e com pavimentação com cascalho, em troca da oferta de lotes.

Sposito (2006) afirma que a realização de loteamentos como principal forma de produção territorial urbana não trata de uma somatória de pequenas iniciativas de definição de usos de solo pelos proprietários fundiários das parcelas de terra, ou por seus arrendatários. Pelo contrário, sucede de iniciativas planejadas, compostas por várias ações que resultam em empreendimentos em curto espaço de tempo.

Como se pôde analisar, as transformações espaciais decorrentes do processo de crescimento de Conselheiro Lafaiete resultaram em uma urbanização marcada por impactos negativos sobre o espaço urbano e para o meio ambiente. Esse fato não foi acompanhado de políticas públicas e de legislações capazes de amenizar as consequências do processo de urbanização. Além disso, gerou a necessidade da instituição de instrumentos jurídicos de controle mais restritivos relacionados ao uso do solo, os quais foram criados somente mais tarde, com a elaboração do Plano Diretor (2010), a Lei de Uso e Ocupação do Solo (2011) e a Lei sobre Loteamentos Urbanos, Loteamentos Fechados, Desmembramentos e Arruamentos (2011).

Após Conselheiro Lafaiete passar por um boom populacional a partir da década de 1980 16, em seguida sofrer com as altas taxas de desemprego e com o elevado preço do aluguel, na década de 1990, a economia reaqueceu no final da primeira década do século XXI. Os empregos nas indústrias e nas mineradoras voltaram à tona, e o mercado imobiliário necessitou atender a demanda.

De acordo com a única entrevista alcançada com um incorporador imobiliário do município, que está há 20 anos no mercado, o que gerou esse reaquecimento do mercado imobiliário foi o aumento dos empregos na região. De acordo com o entrevistado, Conselheiro Lafaiete passava por um processo de estagnação do mercado imobiliário e com maior demanda do município por habitações de interesse social.

Legislação urbanística de Conselheiro Lafaiete

4.2.

A única lei de ordenamento territorial antes da aprovação do Plano Diretor era o Código de Obras, criado em de 1957, o qual teve a revisão de alguns artigos em 2004. Desse modo, observa-se que persiste uma lei obsoleta, escrita em uma época em que a população do município era muito menor que a atual e que apresenta parâmetros generalizados, sem zoneamento ou outra especificação.

Dessa forma, o município expandiu-se com um mínimo arcabouço técnico e legislativo e sem um planeamento urbano adequado. Embora a aprovação do Plano Diretor fosse obrigatória desde a Constituição Federal de 1988 e exigida pelo Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001), o plano só foi aprovado em 2010, quando a população já havia ultrapassado os 110 mil habitantes.

A primeira versão do Plano Diretor de Conselheiro Lafaiete foi elaborada no ano de 1999, contudo nunca saiu da “gaveta”. Foi somente no ano de 2010 que se instaurou sua nova versão, porém elaborada na Câmara Municipal a portas fechadas, de acordo com entrevista cedida por um ex-gestor do município.

O setor encarregado para cuidar de assuntos relacionados ao Plano Diretor é a Secretaria de Planejamento, cujo secretário acumula a Secretaria de Obras e Meio Ambiente, prejudicando o acompanhamento e fiscalização relacionados às questões urbanas do município. Além dessas funções, é de responsabilidade da Secretaria de Planejamento lidar com a aplicação das normas de zoneamento, parcelamento e, em especial, o Plano Diretor (e de sua revisão).

O Plano Diretor de Conselheiro Lafaiete apresenta um pequeno percentual de dispositivos autoaplicáveis, visto que é composto por 165 artigos, do quais 27 são considerados autoaplicáveis e, destes, somente 13 foram aplicados, sendo eles: os Planos de Circulação Viária e de Limpeza Urbana, a criação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano, a exigência do Estudo de Impacto de Vizinhança, a regularização fundiária e os demais relacionados ao ordenamento territorial. Dessa forma, constatou-se que o Plano apresenta dispositivos que não tiveram prazos cumpridos e nem suas determinações requeridas, além de depender de regulamentações posteriores não efetivadas.

Dentre outros aspectos, o Plano prevê sua revisão a cada 5 anos, e somente em 2021 que se iniciaram as reuniões para sua revisão. Além disso, um dos princípios fundamentais citados no Plano é a participação popular como instrumento de construção da cidadania, contudo, não aconteceu participação popular na sua elaboração, mostrando uma divergência antes mesmo da sua criação.

O Plano trata, em diversos artigos, de assuntos relacionados à Lei de Uso e Ocupação do Solo, que tem como objetivos principais orientar o crescimento da cidade e garantir uma densidade equilibrada entre população, equipamentos urbanos e comunitários, infraestrutura e serviços urbanos. O Plano não estabeleceu prazo para a criação da Lei de Uso e Ocupação do Solo, todavia a mesma foi implementada no ano de 2011 e revisada em 2015, com a realização de diversas reuniões públicas. Sua revisão resultou na alteração de alguns parâmetros construtivos, como taxas de ocupação, afastamentos, coeficientes de aproveitamento, gabarito, entre outros.

Nota-se que a gestão do espaço urbano se reduziu a um processo controlado pela classe empresarial, ocasionando muitas vezes o atropelamento das regras urbanísticas em prol da geração de riquezas e atração de investimentos para a iniciativa privada. Além disso, a maior parte do Plano Diretor institui políticas públicas e diretrizes que na prática não foram cumpridas ou aplicadas pelo poder público. Dessa forma, compromete-se o desenvolvimento de Conselheiro Lafaiete, visto que o ordenamento territorial se fundamenta em legislações defasadas em relação ao panorama atual ou não foram criadas. Com isso, o planejamento e a fiscalização do espaço urbano tornam-se ineficientes e criam margem para o desenvolvimento de um crescimento espontâneo, que prejudica o desenvolvimento sustentável do município.

Esse é o retrato da realidade do planeamento urbano de Conselheiro Lafaiete, que se repete em diversos municípios brasileiros (STEPHAN et al, 2012). Para que haja uma mudança no quadro atual é preciso uma gestão eficiente, uma revisão do Plano Diretor com dispositivos e instrumentos autoaplicáveis e com uma política específica sobre planejamento regional, política que também deve estar presente na legislação dos outros municípios.

5.Considerações finais

Diante da análise aqui desenvolvida, verificou-se que o processo de expansão urbana e de consolidação enquanto cidade média de Conselheiro Lafaiete, desde os anos 1970, foi marcada pela atuação dos agentes do mercado imobiliário e da construção civil, orientado por interesses privados, sem que houvesse um ordenamento territorial planeado pelo Estado, o que acarretou em problemas como densidade demográfica incompatível com a infraestrutura do município e fragmentação do tecido urbano, em consequência da supervalorização do solo urbano.

Constatou-se que o espaço intraurbano de Conselheiro Lafaiete passa por alterações que não são acompanhadas pela legislação urbanística, que ainda não foi revista para adequar ao processo de ocupação em curso. O planeamento e a fiscalização da ocupação do espaço urbano se fazem ineficientes e dão margem para um crescimento espontâneo e desordenado, tornando-se prejudicial à cidade. As consequências dessas transformações refletem diretamente no espaço intraurbano e nos fenômenos ligados à modificação desses espaços.

Trata-se de uma cidade com expressividade regional, resultado das dinâmicas espaciais da economia e dos deslocamentos populacionais. Embora apresente similaridades com outras cidades médias brasileiras, demonstra peculiaridades em função da alta concentração de serviços e comércio.

Tendo em vista a complexidade dos temas aqui estudados, esta pesquisa não encerra o debate, visto que constatou-se a necessidade de estudos futuros da articulação entre os municípios da região. Esses estudos podem contribuir para um desenvolvimento econômico e socioespacial nos níveis intra e interurbano.

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1Conselheiro Lafaiete está localizada a 96km de Belo Horizonte, inserida na Mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte e na Microrregião de Conselheiro Lafaiete.

2Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

3CEDEPLAR (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional) e SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas).

4Universidade Federal de Viçosa.

5Instituto Nacional de Estatística - Uruguay.

6“As Regiões Geográficas Intermediárias organizam o território, articulando as Regiões Geográficas Imediatas por meio de um polo de hierarquia superior diferenciado a partir dos fluxos de gestão privado e público e da existência de funções urbanas de maior complexidade” (IBGE, 2017).

7“As Regiões Geográficas Imediatas têm na rede urbana o seu principal elemento de referência. Essas regiões são estruturadas a partir de centros urbanos próximos para a satisfação das necessidades imediatas das populações, tais como: compras de bens de consumo duráveis e não duráveis; busca de trabalho; procura por serviços de saúde e educação; e prestação de serviços públicos [...]” (IBGE, 2017). A Região Geográfica Imediata de Conselheiro Lafaiete abrange 21 cidades.

8De acordo com o IBGE (2016), um arranjo populacional é o agrupamento de dois ou mais municípios onde há uma forte integração populacional devido aos movimentos pendulares para trabalho ou estudo, ou devido à contiguidade entre as manchas urbanizadas principais. O arranjo populacional de Conselheiro Lafaiete abrange as cidades de Congonhas, Conselheiro Lafaiete, Jeceaba, Ouro Branco, Queluzito e São Brás do Suaçuí (IBGE, 2016).

9Instituição de pesquisa e ensino do Governo do Estado de Minas Gerais.

10Atribui-se como movimento pendular, genericamente, o movimento realizado por um conjunto de indivíduos que se desloca entre um núcleo urbano em que se localiza seu domicílio e outro onde trabalha ou estuda, determinado conforme quesito dos Censos Demográficos brasileiro. Essas unidades espaciais normalmente são municípios relativamente próximos e envolvem, na sua maioria, deslocamentos curtos (LOBO et al, 2016).

11SUS: Sistema Único de Saúde - denominação do sistema público de saúde brasileiro.

12Como Casas Bahia, Magazine Luiza, Ponto Frio, Ricardo Eletro, Rede Eletroson; diversas franquias como Cacau Show, Subway, Bob’s, Carmen Steffens, O Boticário, Pernambucanas, Arezzo, Itapuã Calçados, Drogaria Araújo, entre outras.

13Como Banco do Brasil, Bradesco, Itaú, Sicoob e Santander.

14Índice de Desenvolvimento Humano Municipal. O IDHM é uma medida composta de indicadores de três dimensões do desenvolvimento humano: longevidade, educação e renda. O índice varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1, maior o desenvolvimento humano.

15Disponível em: http://www.vertentesdasgerais.com.br.

16Conselheiro Lafaiete tinha uma população de 72.438 habitantes em 1980 e atingiu 102.836 habitantes no ano 2000 (IBGE, 2010).

Recebido: 29 de Janeiro de 2021; Aceito: 14 de Outubro de 2022

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