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Da Investigação às Práticas

versão On-line ISSN 2182-1372

Invest. Práticas vol.5 no.2 Lisboa set. 2015

 

ARTIGOS

Adequações curriculares e estratégias de ensino em turmas inclusivas: um estudo exploratório no 1º Ciclo

 

Alexandra Frias da Silva I; Teresa S. Leite II

I A.E. D. João II / UIDEF-UL xana_frias@hotmail.com

II ESELx – IPL / UIDEF-UL teresal@eselx.ipl.pt  

Contacto

 


Resumo

A inclusão de alunos com necessidades educativas especiais (NEE) no sistema educativo não tem sido fácil para as escolas nem para os professores, uma vez que exige mudanças na organização escolar e nas práticas curriculares. Este estudo centra-se nas decisões de planeamento curricular e estratégias de ensino protagonizadas por professores que lecionam em turmas inclusivas e tem como objetivo identificar conceções e práticas de diferenciação curricular para alunos com NEE. O estudo incide sobre 4 professores e respetivas turmas do 1º ciclo do Ensino Básico do mesmo Agrupamento de Escolas. Como processo de recolha dos dados utilizámos a entrevista e a observação direta. Concluímos que os professores assumem a necessidade de implementar adequações curriculares como resposta às diferenças e particularidades de cada aluno. No entanto, revelaram dificuldades ao nível da gestão curricular em turmas inclusivas e as práticas que desenvolvem nem sempre facilitam a implementação das adequações que reconhecem ser necessárias.

Palavras-Chave: Educação Inclusiva; Necessidades Educativas Especiais, Adequações Curriculares; Estratégias de Ensino.

 

Abstract

The inclusion of children with special needs in the education system has not been easy for schools nor teachers because it requires changes in school organization, curricular practices and conceptions of teaching and learning. This study focuses on the decisions of curriculum planning and teaching strategies used by teachers in inclusive classrooms of primary schools. The study aims to identify concepts and practices of curriculum differentiation for students with special needs and it focuses on four teachers and their classes with special needs students included. The methodologies of data collection that we used were interview and direct observation.

We conclude that teachers explicitly express the need to implement curricular adjustments for the students with special needs. However, in practice, the teachers revealed difficulties in the curriculum management in inclusive classrooms and the practices that they develop do not always facilitate the implementation of the adjustments that they know are needed.

Keywords: Inclusive Education, Special Educational Needs, Curriculum Modifications; Teaching Strategies.

 

Résumé

L'inclusion des élèves en situation de handicap dans le système éducatif n'a pas été facile pour les écoles et les enseignants, car elle implique des changements dans l'organisation scolaire et les pratiques pédagogiques. Cette étude porte essentiellement sur les décisions de planification et  les stratégies pédagogiques mises en place par des professeurs qui enseignent dans des classes inclusives et a pour objectif l’identification de conceptions et pratiques de différenciation curriculaire avec des élèves en situation de handicap. L'étude se centre sur quatre enseignants et leurs classes respectives dans le 1er cycle de l'enseignement de base dans le même établissement scolaire. Comme méthodologie de recueil de données, nous avons utilisé l'entretien et l'observation directe.

Nous concluons que les enseignants assument la nécessité de mettre en œuvre des adaptations du programme en réponse aux différences et particularités de chaque élève. Cependant, ils révèlent des difficultés dans la gestion des programmes dans les classes inclusives et les pratiques qu’ils mettent en place ne facilitent pas toujours la mise en œuvre des adaptations qu’ils reconnaissent comme nécessaires.

Mots-clés: inclusion, élèves en situation de handicap; adaptations curriculaires

 

INTRODUÇÃO

Um dos maiores desafios atuais no nosso sistema de ensino é a necessidade de construir uma escola inclusiva, uma escola que respeite a diversidade dos alunos e procure garantir o seu sucesso educativo, através de traçados curriculares diferenciados e adequados. Este desafio exige mudanças quer nas atitudes e práticas dos agentes educativos, quer nas estruturas do sistema de ensino ao nível organizacional e da gestão curricular e ganha especial relevância quando incide sobre a inclusão de alunos com necessidades educativas especiais (NEE).

Neste contexto, a diferenciação curricular torna-se um aspeto-chave para a conceção e desenvolvimento de percursos de aprendizagem individualizados, que possam garantir o acesso de todos os alunos ao currículo. O conceito e as práticas de diferenciação curricular, porém, nem sempre têm sido pensados e planeados para garantir esta finalidade. Com efeito, as opções tomadas parecem muitas vezes corresponder à aceitação tácita de expetativas baixas para grupos de alunos que mostram problemas e dificuldades (sociais, culturais, económicas, linguísticas, cognitivas, físicas), criando vias curriculares com objetivos próprios e distintos daqueles que compõem o currículo comum, configurando processos de diferenciação que Sousa (2010) designa como estratificada. Este tipo de opção tem por base uma perspetiva deficitária da diferença e dá origem à criação de novos tipos de currículo, na maior parte das vezes constituídos como simplificações e reduções do currículo comum, os quais não asseguram aos alunos oportunidades profissionais e sociais futuras, perpetuando desigualdades pré-existentes.

Uma outra perspetiva de diferenciação curricular defende, pelo contrário, que esta não se constrói pela redução ou simplificação do currículo, mas pela definição estratégica de percursos de aprendizagem diferenciados, que permitam a cada aluno, com os apoios necessários, progredir no currículo comum (Roldão, 1999; 2003; 2005; Sousa, 2010; Leite, 2012). Esta perspetiva de diferenciação curricular inclusiva (Sousa, 2010) é assegurada essencialmente a nível das escolas e das salas de aula, exigindo porém novos processos de organização do ensino que invertam o circuito da uniformidade curricular. A equidade educativa não se garante através da uniformidade dos percursos curriculares, mas através de percursos diferenciados que permitam atingir as mesmas metas finais, configurando formas de adequação curricular.

Por adequação curricular entende-se “o conjunto articulado de procedimentos pedagógico-didáticos que visam tornar acessíveis e significativos, para os alunos em situações e contextos diferentes, os conteúdos de aprendizagem propostos num dado plano curricular” (Roldão, 1999, p.58) e a sua elaboração é um processo complexo que requer a colaboração entre docentes (do mesmo nível educativo, da mesma área disciplinar, do mesmo conselho de turma, da Educação Especial).

O planeamento e implementação de adequações curriculares exigem que os professores assumam a sua margem de decisão a nível curricular e que desenvolvam processos de gestão ajustados ao real e refletidos. Gerir o currículo requer planeamento e preparação, a criação de um ambiente favorável à aprendizagem e respeito mútuo e a conceção de ações de ensino e avaliação coerentes e eficazes (Danielson, 2010). Gerir turmas inclusivas não é um processo fácil, mas só se poderá falar verdadeiramente em inclusão quando esta não se restrinja a uma mera socialização e abranja formas de adequação curricular que procurem assegurar o acesso de cada um dos alunos ao currículo comum.

O estudo que aqui apresentamos tem como objetivo geral identificar conceções e práticas de diferenciação curricular para alunos com NEE no 1º Ciclo, procurando conhecer: i) a conceção dos professores sobre inclusão de alunos com NEE; ii) a conceção dos professores sobre o seu papel na decisão das medidas educativas a adotar com alunos com NEE; iii) as formas de elaboração das adequações curriculares para os alunos com NEE; iv) os processos de ensino desenvolvidos em sala de aula inclusivas.

 

1. Diferenciação Curricular na Escola Inclusiva

Roldão (2003) considera que o currículo deve ser entendido como um constructo social, em permanente situação de desconstrução, negociação e reconstrução pelo conjunto de instâncias e atores envolvidos, nos seus diversos campos e níveis de poder. Para esta autora, o currículo toma a forma de um projeto para responder às questões fundamentais: o que ensinar, a quem, para quê e como. Com efeito, já em 1999, a autora afirmava que o currículo se referia “ao conjunto de aprendizagens consideradas necessárias num dado contexto e tempo e à organização e sequência adotadas para o concretizar ou desenvolver” (Roldão, 1999, p.43). Numa perspetiva aberta e flexível, o currículo é reorganizado em cada contexto, partindo das características e necessidades deste e requerendo a definição de opções e prioridades que constituam respostas efetivas a essas necessidades. Neste sentido, a noção de currículo contém uma dimensão de projeto, corporizando-se num projeto curricular nacional e em projetos curriculares contextualizados, configurando um processo contínuo de decisões que ocorrem em diferentes contextos e passam por diversas etapas. Assim, Pacheco (2001) considera três níveis de decisão curricular: contexto político-administrativo (administração central), contexto de gestão (administração regional e local) e contexto de realização (sala de aula).

Gerir o currículo implica, antes de mais, planeamento e preparação, os quais requerem conhecimento dos conteúdos, dos processos pedagógico-didáticos e dos alunos a ensinar, para além da definição clara de resultados e da conceção de ações de ensino coerentes para atingir esses resultados e de critérios e formas de avaliação congruentes (Danielson, 2010). Implica ainda, segundo a mesma autora, a criação e manutenção de um ambiente de sala de aula com uma cultura de aprendizagem, de respeito e de harmonia e a capacidade de gerir procedimentos e comportamentos. O desenvolvimento do ensino propriamente dito, isto é, a ação de ensinar, exige, por sua vez, a capacidade de comunicação, o conhecimento de mobilização adequada de técnicas de questionamento e discussão e de formas de envolvimento dos alunos na aprendizagem e a utilização dos resultados da avaliação para a monitorização e ajuste dos processos de ensino (Danielson, 2010).

Na atualidade, devido ao alargamento da escolaridade e à massificação do ensino, muitas das questões e discussões educativas incidem na diversidade dos alunos. Esta diversidade veio lançar um desafio maior às escolas: contribuir para um desenvolvimento integral e igualitário dos indivíduos num ambiente inclusivo e justo. Torna-se assim necessário reequacionar as respostas à clássica problemática curricular “ensinar o quê a quem, para quê e como” à luz da diversidade atual da população escolar.

Na tentativa de criar formas de diferenciação que não sejam social e individualmente discriminatórias, procura-se hoje que a diversidade passe a ser entendida como norma, uma vez que é o resultado da heterogeneidade de qualquer grupo/turma em termos sociais, étnicos, culturais, linguísticos, económicos. Para uma resposta adequada à diversidade dos alunos, a escola procura processos de diferenciação curricular que, ao contrário daqueles que foram experimentados em épocas anteriores, garantam o acesso de todos os alunos ao currículo comum, procurando assegurar que as competências de saída sejam adquiridas por todos, qualquer que seja a sua situação à entrada (Roldão, 2003; Sousa, 2010). Neste sentido, a diferenciação curricular pode configurar-se como um meio de promoção da equidade:

“Garantir maior equidade social exige que se diferencie o currículo para aproximar todos os resultados de aprendizagem pretendidos, já que o contrário – manter a igualdade de tratamentos uniformes para públicos diversos – mais não tem feito que acentuar perigosa e injustamente as mais graves assimetrias sociais” (Roldão, 1999, p.39).

É importante estabelecer a diferença entre diferenciação curricular e diferenciação pedagógica pois, frequentemente, estes conceitos são usados como sinónimos. De forma muito sucinta, a diferenciação curricular está relacionada com todos os elementos do currículo, enquanto a diferenciação pedagógica incide sobretudo nas estratégias, atividades e recursos de ensino. Sousa (2010, p. 21) estabelece esta diferença referindo que em Portugal (como em todos os países com sistemas educativos tendencialmente centralizados) se considera que as alterações curriculares devem ser realizadas, sobretudo, ao nível macro-curricular; por este motivo, não se atribui “muito significado curricular às decisões tomadas ao nível da sala de aula – nível em relação ao qual por vezes se evita falar em diferenciação curricular, falando-se mais em instrução diferenciada ou diferenciação pedagógica” (p.21). De facto, a diferenciação pedagógica é “uma forma de diferenciação curricular (…) desde que não se limite a uma simples diferenciação de estratégias de ensino” (Sousa, 2010, p. 21) e o professor assuma um papel ativo na seleção de alguns conteúdos e na gestão crítica do currículo.

É evidente que este processo traz aos professores inúmeras dificuldades, bem como alguns efeitos perversos da retórica da diferenciação (Roldão, 2003). A autora aponta o escasso nível de enquadramento e capacidade de gestão pedagógica dos professores perante o confronto com casos específicos de alguns alunos; uma perceção errada da diferença, que é vista enquanto défice; práticas diferenciadas desadequadas e uma grande tendência para serem utilizadas práticas ditas diferenciadoras, mas que são, no fundo, segregadoras ou estratificadoras.

Se a diferenciação curricular é um processo essencial para responder à diversidade dos alunos, ela torna-se indispensável quando procuramos responder às necessidades educativas especiais (NEE) de alguns alunos em particular.

A definição mais consistente de NEE parece-nos ser, ainda hoje, aquela que surge no Warnock Report (1978). Este documento definia as necessidades educativas especiais como aquelas que requerem: “ i) a disponibilização de meios especiais de acesso ao currículo; ii) a elaboração de currículos especiais ou adaptados; iii) a análise crítica da estrutura social e do clima emocional nos quais se processa a educação” (Warnock Report, 1978).

Esta definição veio alterar as conceções de atendimento aos alunos com NEE, uma vez que incide na descrição daquilo de que o aluno necessita, descentrando-se do défice da criança/jovem e das categorias tipológicas de deficiências; se organiza a partir das formas de acesso do aluno ao currículo e das condições que a escola e a sala de aula devem garantir para que a aprendizagem tenha lugar; e inclui problemáticas permanentes e dificuldades temporárias. Com a disseminação dos princípios da Escola Inclusiva/Escola para Todos, defendidos pela Declaração de Salamanca em 1994, o conceito ganhou nova atualidade. Nesta Declaração, assume-se que deverá ser o currículo a adaptar-se às necessidades das crianças/jovens e não as crianças/jovens a adaptarem-se ao currículo e às formas tradicionais de organização da escola e do ensino.

No entanto, as práticas escolares e pedagógicas nem sempre têm correspondido aos princípios subjacentes a estes conceitos. O conceito de NEE, que pretendia acabar com a rotulagem dos alunos com base em categorias de deficiência, acabou por se tornar ele próprio uma categoria. Como refere Sousa (2010, p.79), “em vez da adoção de uma visão não categorial, o que se verifica (…) é apenas a passagem de um quadro multicategorial a um quadro bicategorial de referência”, i. é, a classificação dos alunos em “com ou sem NEE”.

Por outro lado, as decisões curriculares que estes alunos exigem são muitas vezes colocadas em segundo plano, garantindo-se a sua inserção nas escolas e nas turmas, mas não dando o devido relevo às adequações curriculares necessárias para que a sua aprendizagem se efetue. Em muitas situações, a inclusão é entendida, essencialmente, como socialização e não são acauteladas formas de acesso do aluno ao currículo comum ou, se tal se mostrar necessário, a elaboração de um currículo especial consistente e coerente com os resultados da avaliação diagnóstica (Leite, 2011). A situação mais comum parece ser a de simplificar o currículo comum, efetuando cortes nos objetivos e conteúdos que se mostrem de mais difícil acesso e dando realce ao desenvolvimento de “um currículo social” para estes alunos (Rodrigues, 2006). No entanto, como afirma este autor,

“Estas duas componentes curriculares devem ser consideradas de modo a que, não só a interação com os outros e o desenvolvimento de competências sociais seja realizado, mas também que o conhecimento que dispomos sobre a aprendizagem em certos tipos de dificuldades seja usado a favor de processos de aprendizagem bem-sucedidos” (Rodrigues, 2006, p. 84)

Em grande parte, esta incidência no currículo social (Rodrigues, 2006), em detrimento do currículo nuclear (Sousa, 2010), decorre da não assunção pelos professores e pelas escolas do seu poder deliberativo face ao currículo e da sua resistência em operar como verdadeiros gestores curriculares, continuando a confundir currículo com programa e considerando o manual como meio privilegiado de acesso ao currículo, situação que não contribui para um atendimento adequado e diferenciado das necessidades dos alunos, com ou sem NEE.

O desafio do professor consiste na constante procura de estratégias para turmas inclusivas, uma vez que não existe uma metodologia única que responda eficazmente a todos os problemas. O essencial é encontrar estratégias que constituam formas particulares de estabelecer a interação do aluno com o conhecimento, atendendo às suas necessidades e à melhoria nas suas aprendizagens. Justifica-se sempre uma estratégia…

“(…) no plano da conceção, pela resposta às questões: como vou organizar a ação e porquê, tendo em conta o para quê e o para quem? A um segundo nível, instrumental, operacionaliza-se respondendo à questão - Com que meios, atividades, tarefas, em que ordem e porquê?” (Roldão, 2009, p. 29)

No desenvolvimento estratégico da ação de ensinar, é necessário que o professor realize diferentes operações (Roldão, 2009): i) análise dos objetivos, relacionando-os com as caraterísticas, dificuldades e interesses dos alunos; ii) integração das aprendizagens novas nas aprendizagens já realizadas e nas experiências anteriores dos alunos; iii) colocação de hipóteses sobre as formas de organizar as estratégias; iv) seleção das estratégias e atividades didáticas, tendo em vista o sucesso dos alunos; v) organização das atividades e tarefas no tempo e no espaço, tendo em conta os intervenientes e os recursos; vi) decisão sobre o desenvolvimento das estratégias gerais e específicas mais adequadas.

Para Heacox (2006), a situação de inclusão exige que se converse com os alunos sobre o facto de todos aprenderem de forma diferente, preparando-os para atividades diferenciadas, encarando esta situação com normalidade e promovendo a autonomia dos alunos nas diversas modalidades de trabalho. O professor deve, acima de tudo, prever diferentes percursos de aprendizagem na sua planificação e prepará-los adequadamente.

Por sua vez, Tomlinson (2008) refere que as inseguranças na gestão de turmas inclusivas impedem os professores de oferecerem aos seus alunos um ensino diferenciado, “muitos professores não se apercebem quão capazes são de lidarem com múltiplos sinais, gerindo diversos papéis” (p. 59).

A diferenciação curricular passa, pois, pela capacidade de os agentes educativos e as próprias organizações escolares assumirem a responsabilidade da adequação e gestão do currículo localmente, isto é, diferenciando percursos curriculares de acordo com o ponto de partida da população que servem, mas visando um ponto de chegada tanto quanto possível igual para todos – garantindo, assim, a equidade no ensino. A diferenciação pedagógica em sala de aula implica a análise e seleção cuidada, rigorosa e refletida de estratégias de ensino e de organização dos grupos e das atividades, diferenciando percursos de aprendizagem sem inibir os processos coletivos e sem bloquear o acesso aos objetivos comuns.

 

2. METODOLOGIA

Os objetivos definidos para este estudo levaram-nos a realizar um trabalho empírico fundamentalmente qualitativo, pois procura compreender as ações, comportamentos e atitudes através dos próprios intervenientes, numa perspetiva muito próxima da realidade e com recolha de dados no ambiente natural (Coutinho, 2011).

A opção por uma abordagem qualitativa implica ainda a adequação dos processos metodológicos ao objeto de estudo, a captação das perspetivas dos sujeitos na sua diversidade e a reflexão do investigador sobre o estudo desenvolvido (Flick, 2005). Neste sentido, procurámos definir um processo de investigação flexível e atento ao contexto e aos sujeitos, recolhendo dados relativos a ações e comportamentos, mas também ouvindo os sujeitos de forma a compreender o sentido que dão a essas ações.

O estudo tem um caráter exploratório, permitindo “familiarizar o investigador com o assunto a estudar e com as situações em que o fenómeno se produz” (De Ketele e Roegiers, 1999: 117).

Foram definidos os seguintes critérios para a escolha dos participantes:

- turmas/professores de mais do que uma escola do 1º ciclo do mesmo Agrupamento;

- turmas com pelo menos 1 aluno com NEE;

- turmas/professores do mesmo ano de escolaridade (3º ano).

O grupo de participantes pertencia a um Agrupamento de Escolas do Concelho de Sintra e foi constituído por quatro professores do 3º ano de escolaridade e respetivas turmas, nas quais existia pelo menos um aluno com NEE.

O grupo de professores era heterogéneo em termos de idade (29 a 44 anos) e tempo de serviço (1 a 23 anos), mas não em género (feminino). As docentes tinham formação superior e direcionada especificamente para este nível de ensino. Apenas uma das professoras (a mais nova, com 1 ano de serviço) nunca passara pela experiência de trabalhar com alunos com NEE, o que revela a crescente inclusão no sistema de ensino português.

Quanto à composição das turmas, três delas tinham 24 alunos e uma tinha 20. A idade dos alunos variava entre 8 e 13 anos. Destacava-se ainda o número elevado de alunos com NEE em duas das turmas (3 alunos numa e 6 noutra), enquanto as outras duas turmas tinham, apenas, um caso de NEE cada.

Para a recolha de dados utilizámos entrevistas semiestruturadas (Flick, 2005) e observações diretas em sala de aula, do tipo naturalista (Estrela, 1994).

Realizámos entrevistas aos quatro professores acima referenciados com o intuito de compreender as decisões tomadas relativamente ao planeamento no atendimento à diversidade no seio do grupo/turma e apreender e esclarecer melhor a atividade exercida por cada uma das docentes. Foi usado o mesmo guião com todas as professoras, sendo este constituído por seis grandes blocos: legitimação da entrevista e motivação; projetos curriculares; inclusão de alunos com NEE; elaboração e desenvolvimento de Programas Educativos Individuais (PEI); diferenciação curricular; gestão do currículo e estratégias de intervenção.

Para o tratamento das entrevistas recorreu-se à análise de conteúdo. Os blocos temáticos do guião da entrevista serviram de base à definição dos temas, sendo depois as categorias, subcategorias e indicadores criados através de procedimentos indutivos (Bardin, 2008). Na primeira fase da análise de conteúdo procedeu-se ao recorte de cada uma das entrevistas em unidades de registo. Os indicadores foram depois agrupados em subcategorias e estas em categorias, as quais foram inseridas nos temas que constavam no guião das entrevistas. Este processo foi seguido para a primeira entrevista e as categorias e subcategorias foram reformuladas pela introdução dos indicadores decorrentes da análise das entrevistas seguintes. Esta reformulação foi realizada tantas vezes quantas as necessárias até se obter um quadro classificatório que nos pareceu coerente (com categorias homogéneas) e pertinente face aos objetivos do estudo. Como unidade de quantificação utilizou-se a unidade de registo (Bardin, 2008).

Neste estudo optámos, ainda, pela técnica da observação naturalista por sabermos que permite ao investigador “estar atento ao aparecimento ou à transformação dos comportamentos, aos efeitos que eles produzem e aos contextos em que são observados” (Quivy e Van Campenhoudt, 1999, p.102). Em cada turma, foi realizada uma observação de 30 minutos. Não houve combinação prévia quanto à atividade a realizar pelo professor com o grupo, pelo que ficou ao critério de cada docente a escolha da atividade.

No protocolo de observação, registou-se a situação inicial, descrevendo-se em seguida todos os comportamentos e interações, verbais e não verbais, dos alunos e do professor, ocorridas durante esse período. O tratamento da observação naturalista implica a formulação de inferências, atribuindo-se uma função ou atributo aos comportamentos observados, na sequência em que ocorreram, através do estabelecimento de articulações entre a situação e o comportamento ou atitude (Estrela, 1994).

Tendo sido elaborado um instrumento de registo de observação de caráter descritivo, a análise processou-se com base no material emergente dos protocolos, mas sem perder de vista os objetivos do estudo. A grelha de análise foi constituída pelas seguintes categorias: comportamentos e interações do grupo/turma; interações da professora para o grupo; interações da professora com o aluno com NEE; comportamentos e interações do aluno com NEE com a professora; interações do grupo/turma com o aluno com NEE; interações do aluno com NEE com o grupo e dos alunos com NEE entre si.

Após esta primeira categorização, identificaram-se as subcategorias relacionadas com a intencionalidade desses mesmos comportamentos e atitudes, obtendo-se um quadro global final que permitiu a interpretação dos comportamentos e interações observados, à luz do quadro teórico de referência e dos objetivos do estudo.

 

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Na perspetiva dos docentes entrevistados, a inclusão dos alunos com NEE está essencialmente ligada com a inserção/participação destes na sala de aula. No entanto, como os excertos seguintes sugerem, as turmas de nível ou a inserção dos alunos nas salas por períodos curtos de tempo seria preferível, pelo menos em alguns casos:

“Eu penso que lhes traria mais benefícios de fosse só uma turma com NEE. Porque estão todos ao mesmo nível. (…) Bom, se calhar não. Talvez não numa turma especial, mas numa turma do mesmo ano. Uma turma em que os colegas estivessem a um nível mais parecido, para ele poder acompanhar, mesmo com as dificuldades dele.” (P1)

“Eles estão numa turma, mas não devia ser a tempo inteiro, não deviam cumprir o horário letivo completo, deviam estar noutras atividades, isto para o bem deles e dos outros alunos.” (P2)

A noção de que estes alunos beneficiam de uma aprendizagem em comum com os seus pares e de que a inclusão é um garante do seu direito à aprendizagem não parece estar verdadeiramente assumida. Com efeito, parece existir uma contradição no discurso dos docentes: se, por um lado, referem que aceitam a inclusão, considerando-a benéfica, por outro, falam do fracasso da inclusão e questionam se este será, de facto, o melhor caminho para os alunos com NEE. Esta ambiguidade poderá relacionar-se com o facto de, nos últimos anos, a inclusão não se limitar a alunos com possibilidade de acesso (ainda que diferenciada) ao currículo comum, mas ter vindo a abranger também os alunos com NEE de caráter permanente e com limitações graves na participação, os quais são apoiados em Unidades que fazem parte do Agrupamento e cujo plano curricular engloba atividades em salas de aula regulares. No entanto, como refere Falvey (2004) os estudos desenvolvidos depois de 1970 revelam que não existem vantagens académicas para alunos com NEE em programas segregados.

Os fatores de constrangimento ao longo do processo de inclusão foram muitas vezes referidos pelos docentes e incidem em dois grandes aspetos: questões organizacionais e falta de formação. Uns e outros remetem-nos para o campo curricular e de algum modo evidenciam a dificuldade dos professores na gestão do currículo em turmas heterogéneas, dificuldades que os alunos com NEE agravam.

“Eu defendo a inclusão mas como apoios, com recursos e que nos dessem se calhar uma formação para nos sensibilizar para este tipo de problemáticas porque eu não tenho, na minha formação inicial não tive e não frequentei nenhuma formação para a área da educação especial...” (P3)

Apesar de referidos em menor quantidade, os docentes também indicaram aspetos facilitadores para a inclusão, o que revela alguma reflexão e capacidade de pensar sobre a prática, procurando soluções para os problemas detetados. Nomeadamente, salientam o papel do professor no sucesso da inclusão, dando destaque ao desenvolvimento de atitudes positivas face ao aluno com NEE. Estes dados estão de acordo com estudos recentes sobre este tema (Prater, 2003, entre outros).

Quanto à conceção dos professores deste nível educativo sobre o seu papel na decisão das medidas educativas a adotar com alunos com NEE, verificámos a ausência de participação ou uma participação reduzida na elaboração e desenvolvimento dos Programas Educativos Individuais, ao contrário do que é estabelecido na legislação. Os docentes afirmam, por exemplo: Não, foi a professora de Ensino Especial que o fez, eu tive-o na mão e já o li, tenho conhecimento, mas não o fiz. Concordei e assinei.” (P2).

É ainda de referir que, para a realização deste documento, os professores consideram mais importante conhecer as problemáticas dos alunos e o contexto no qual se inserem, do que procurar respostas educativas eficazes, que conduzam ao efetivo sucesso do aluno. Estas conclusões parecem indiciar que os professores inquiridos, apesar de aceitarem a inclusão dos alunos com NEE nas turmas que lecionam, consideram que o processo de ensino desses alunos não faz parte das suas responsabilidades, como sugere o excerto seguinte:

“Sim, tem de ser feito pelo professor titular que é responsável pelo PEI, o que eu também não acho correto porque quem percebe destas problemáticas, e sabe de definição de estratégias e objetivos é o professor de Educação Especial e não o professor titular de turma. (P3)

Os professores inquiridos tendem a definir diferenciação curricular como adequação de estratégias e atividades, reduzindo este processo à diferenciação pedagógica em sala de aula, já na fase de implementação, afirmando, por exemplo:

“Por exemplo, eu trabalho muito com livros infantis, então lia a história e depois a parte prática a partir da história eles faziam diferente, faziam só escolha múltipla, perguntas mais simples, etc. Para mim é isso, é na turma tu teres trabalhos e estratégias diferentes.” (P4)

Quando inquiridos especificamente sobre outros elementos curriculares, os professores raramente se referem a adequações curriculares relativas à aquisição de competências, especialmente as de cariz funcional. É ao nível dos objetivos e conteúdos que os docentes operam, simplificando, substituindo e eliminando, de acordo com o aluno em causa, como o excerto seguinte ilustra:

“Tenho de reduzir conteúdos e eliminar alguns do currículo e os objetivos têm de ser muito diretivos, muito simples e temos mesmo de ter objetividade, têm de ser de fácil perceção.” (P3)

Quanto à gestão do currículo em turmas inclusivas, tornou-se evidente na análise destes dados que os professores sentem muitas dificuldades e preocupações e conseguem facilmente indicar diversos fatores de constrangimento, assumindo particular destaque a falta de apoio especializado na intervenção e o escasso trabalho em equipa. Neste sentido, os professores entrevistados parecem estar plenamente conscientes da necessidade da colaboração interpares e interprofissionais para o sucesso da inclusão, embora não tomem iniciativas nesse sentido.

De entre as preocupações, a necessidade de cumprir o Currículo Nacional é a mais evidente e a que causa maior desconforto aos professores. Apesar das orientações nacionais atuais e do debate relativo à flexibilidade curricular, parece permanecer nos professores inquiridos uma visão tecnicista do ensino (aplicação e cumprimento rígidos do Currículo Nacional) que tem consequências na própria noção de profissionalidade docente (Roldão, 1999; 2003). Como afirma Leite (2010, p.12):

“A mudança do papel de executor tradicionalmente exigido ao professor no nosso sistema educativo para um papel de reconstrutor do currículo face às situações concretas em que está profissionalmente inserido tem sido um processo lento e, de certo modo, doloroso, para um corpo docente formado sob a égide do cumprimento do programa e do ensino para o aluno-padrão”.

Quanto às dificuldades, a gestão do tempo e a planificação para o aluno com NEE foram, efetivamente, os aspetos mais indicados. Estes resultados são consistentes com os resultados de vários estudos levados a efeito, nos últimos anos, sobre as dificuldades dos professores na gestão de turmas inclusivas (Madureira e Leite, 2000; Silva, 2002; Lima-Rodrigues, 2007, entre outros).

Segundo as entrevistas, os professores procuram motivar os grupos para a aprendizagem através de um ensino dinâmico, diversificado e que permita o desenvolvimento da autonomia dos alunos. Porém, no trabalho com o aluno com NEE, as principais estratégias utilizadas não são reveladoras destas orientações, visto que os docentes apontam maioritariamente o apoio direto/individualizado e a adequação das tarefas atribuídas ao grupo para o aluno com NEE como as principais estratégias de intervenção com este(s) aluno(s).

A partir dos registos de comportamentos e atitudes na sala de aula através das observações naturalistas, definiram-se duas grandes categorias: i) a turma e o professor em situação de aula e ii) o aluno com NEE em sala de aula.

No que respeita à primeira categoria, a interação do professor com a turma visa essencialmente a organização da atividade e o controlo do grupo. A metodologia de trabalho adotada pelos docentes está essencialmente centrada no professor, não se tendo observado situações em que os alunos tenham sido incitados a tomar iniciativas, a fazer propostas, a resolver situações ou a tomar decisões.

Foram observadas práticas de cariz essencialmente transmissivo, nas quais a aplicação prática se segue à exposição e é realizada individualmente por cada um dos alunos, fazendo todos o mesmo trabalho, tanto quanto possível ao mesmo tempo. Estas práticas têm o seu lugar nos processos de ensino e podem ser importantes num certo tipo de aprendizagens, mas o facto de termos encontrado o mesmo tipo de práticas em todas as turmas observadas leva-nos a questionar se existem outras ou se existirá uma tendência para repetir a mesma estratégia e estrutura de atividade, mudando apenas os conteúdos e as áreas disciplinares. Em todo o caso, esta é uma conclusão que não podemos tirar, uma vez que apenas fizemos uma observação em cada sala.

Confrontando os dados obtidos nas entrevistas com as observações de aula, podemos concluir que, apesar de ter sido referido pelos docentes que procuram realizar atividades conducentes à autonomia e responsabilização, as tarefas/atividades escolhidas não foram ao encontro desta premissa, talvez pelo facto destes conceitos de autonomia e responsabilidade serem ainda entendidos de forma linear nas nossas escolas, isto é, um aluno é considerado autónomo e responsável se realizar as atividades sozinho e sem a colaboração do professor.

Os dados são coincidentes entre entrevistas e observações relativamente ao desenvolvimento de atividades participadas e com caráter de tarefa, atribuindo funções claras aos alunos, deixando explícito o que se pretende que seja feito e atribuindo-lhes responsabilidade pela realização da mesma. Em todas as sessões observadas esta preocupação foi uma constante.

Relativamente à análise dos comportamentos do e para aluno com NEE, existe uma efetiva preocupação em garantir que o aluno com NEE tem o máximo de ajuda possível por parte do docente. Esta constatação é coincidente com o que foi referido pelos professores nas entrevistas, uma vez que destacaram como uma das principais estratégias de intervenção com o aluno com NEE o apoio individualizado. Conforme afirma González (2002), de todas as estratégias que podem ser empregues no tratamento da diversidade, o apoio individualizado é o mais comum. Este “(…) é feito de modo habitual, e nem sempre sistematizado, pelos professores, que recorrem a ele para reforçar a explicação de determinados conceitos ou procedimentos, que apresentam uma especial dificuldade para o grupo ou para um aluno concreto” (González, 2002, p. 156).

Foi igualmente referido nas entrevistas que a promoção de atividades colaborativas entre todos os alunos (com e sem NEE) era uma das estratégias utilizadas pelos docentes. Porém, apenas numa situação foi possível verificar processos de colaboração entre os alunos com e sem NEE.

Na maioria das situações, os professores não atribuíram trabalho diferenciado ao aluno com NEE, realizando estes a mesma tarefa que os colegas. Quando comparados estes dados com as afirmações obtidas nas entrevistas relativamente à necessidade de diferenciação de estratégias e atividades para estes alunos, não podemos deixar de referir que, na prática, o trabalho é, no fundo, igual para todos. Como afirma Roldão, (2003, p. 42),

“O uso da retórica de diferenciação tornou-se, no senso comum dos professores e no discurso dominante, uma espécie de recurso tão inevitável como milagroso na «cura» dos males que alegadamente afetam a escola, sem que, contudo, dele decorram ações concretas visando a melhoria real da aprendizagem.”

Verificámos que o comportamento dos alunos com NEE foi oscilando ao longo das sessões observadas. De um modo geral, os alunos iniciam a atividade motivados mas, à medida que as dificuldades vão surgindo, vão-se desconcentrando e desinteressando pela tarefa sugerida. Em nenhuma das situações o aluno com NEE foi capaz de, autonomamente, solucionar os seus problemas, teve sempre de recorrer ao apoio do docente, o que acaba por sobrecarregar o professor e focar todas as suas atenções no aluno com NEE, tornando-o indisponível para os restantes alunos.

Ao confrontarmos estes resultados com as principais dificuldades de gestão curricular em turmas inclusivas referidas pelos professores nas entrevistas, concluímos que a gestão do tempo e a planificação diferenciada para os alunos com NEE são, como os professores apontam, os principais problemas destes docentes do 1º ciclo. De facto, é possível confirmar estas dificuldades nas aulas observadas, na medida em que não há um plano diferenciado para os alunos com NEE, sendo algumas das tarefas de difícil realização para estas crianças.

Parece possível inferir, a partir das observações, que estas dificuldades na gestão do tempo decorrem, pelo menos em parte, do tipo de estratégias utilizadas. Na verdade, não conhecendo os alunos a sequência das atividades e estando o início e final destas totalmente dependente da palavra do professor, torna-se difícil gerir um grupo com ritmos e capacidades heterogéneos. A quantidade de “tempos mortos” observados em todas as turmas parece ser uma clara consequência desta opção estratégica.

Por outro lado, a ausência de um planeamento mais individualizado e adequado às necessidades educativas especiais de alguns alunos, agrava o problema da gestão do tempo e da atenção do professor aos restantes elementos da turma, uma vez que os primeiros necessitam de mais apoio e acompanhamento para realizar atividades que, aparentemente, não correspondem ao seu nível de aprendizagem. Além de tornar difícil a gestão da turma, esta necessidade constante de apoio torna os alunos com NEE cada vez mais dependentes do professor para a realização de tarefas, desmotivando imediatamente quando deixam de ter a atenção do adulto. O excerto seguinte ilustra esta situação:

A professora coloca-se ao lado de uma das alunas do grupo com NEE e dá-lhe algumas diretrizes para a resolução do problema. Desloca-se pela sala, observando o trabalho das crianças e um dos alunos informa-a que já acabou. A professora verifica que este realizou a tarefa corretamente e dá-lhe os parabéns. O aluno vira a folha ao contrário e deita a cabeça nos braços em cima da mesa.
A professora ainda observa o trabalho de mais dois alunos e, de seguida, dirige-se para o grupo onde se encontram os alunos com NEE. Senta-se junto do aluno (…) e faz-lhe notar que ainda nem sequer tentou fazer a tarefa. O aluno deixa de chuchar no dedo e observa a professora. Esta começa a apoiar o aluno através de algumas questões orientadas para a compreensão do enunciado. Ao lado do aluno referido, estão outras duas alunas com NEE que a docente aproveita para acompanhar e ajudar também.
Ao longo deste diálogo, a docente é interrompida várias vezes por alunos que terminam a tarefa ou que estão, igualmente, com dúvidas e se deslocam para junto dela.
À medida que os alunos vão acabando a tarefa vão começando a conversar. A professora levanta-se para se dirigir a uma aluna de outro grupo que também revela muitas dificuldades. Ao levantar-se, os alunos com os quais trabalhava começam a conversar entre si acerca de banalidades do recreio. Já não se concentram na tarefa.
Uma das alunas com NEE vai buscar palhinhas para utilizar na resolução do problema e convida o aluno que está ao seu lado a utilizá-las também, porém, este diz que não quer. A colega chama-lhe “burro” e ele queixa-se à professora. A docente não ouve por estar a ajudar os alunos de outro grupo. (T3)

A predominância do trabalho realizado individualmente (mas sem individualização) e a ausência de trabalho cooperativo entre os alunos leva-nos ainda a questionar o discurso relativo à inclusão expresso nas entrevistas. Com efeito, a inclusão parece corresponder essencialmente à colocação dos alunos em sala de aula, não sendo notória uma real preocupação com a forma como os alunos interagem uns com os outros ou com o modo como se podem organizar para realizar atividades correspondentes a um objetivo comum, aprendendo colaborativamente.

 

Considerações finais

A massificação do ensino e a diversidade da população escolar daí decorrente exige hoje que os professores deixem de ser meros aplicadores do programa nacional e se assumam como gestores do currículo, reorganizando-o de acordo com as situações e necessidades concretas e criando dispositivos de aprendizagem que possam dar resposta à heterogeneidade dos alunos. No entanto, os professores participantes neste estudo parecem ter uma visão restrita sobre o seu papel como gestores do currículo. A maioria dos professores entrevistados esforça-se por aplicar o Currículo Nacional a todos os alunos, tanto quanto possível de maneira uniforme, de algum modo confundindo equidade no acesso ao currículo com uniformidade dos percursos curriculares. Neste sentido, a diferenciação curricular restringe-se à preocupação com atividades e formas de avaliação individualizadas para os alunos com NEE, não existindo um real planeamento curricular diferenciado. No entanto, essas alterações de atividades e formas de avaliação para os alunos com NEE acabam por ter consequências inevitáveis a nível da consecução dos objetivos e do conhecimento dos conteúdos, consequências das quais, na maior parte dos casos, os docentes parecem não ter consciência.

Na verdade, os professores parecem manter-se dentro da sua “área de conforto”, receando arriscar e assumir um papel mais dinâmico e decisor. Este parece ser, indubitavelmente, o maior obstáculo à operacionalização da inclusão dos alunos com NEE.

Relativamente à conceção dos professores do 1º CEB sobre o seu papel na decisão das medidas educativas a adotar com alunos com NEE, constatámos que, ao contrário do que é preconizado na legislação, os professores do ensino regular, na sua maioria, não realizam o Programa Educativo Individual em parceria com o professor de Educação Especial, sendo que os P.E.I. são elaborados apenas pelos professores de educação especial. Na maior parte dos casos, o professor responsável toma apenas conhecimento do documento, apresentando algumas sugestões ou indicando pequenas alterações, caso as tenha.

Com efeito, embora os docentes reconheçam que são os principais atores da inclusão e que lhes cabe um papel importante nas decisões curriculares relativas aos alunos com NEE, não assumem as responsabilidades da aprendizagem destes alunos. Esta constatação parece estar relacionada com as perceções dos professores sobre a Inclusão, uma vez que a maior parte considera os alunos com NEE inseridos no grupo/turma como um “desvio à norma”, isto é, o aluno com NEE não corresponde ao padrão normal de aluno. Deste modo, a diferença não parece ser entendida como natural numa sociedade cada vez mais heterogénea, mas como um fator negativo e gerador de alguma insegurança para os professores. Para os professores entrevistados, parece continuar a existir um modelo ideal de turma, o qual corresponde a um grupo de crianças com a mesma idade, as mesmas condições de partida e o mesmo ritmo de aprendizagem. Assim, tendem a considerar a inclusão como benéfica quer para o aluno com NEE, quer para os restantes alunos do grupo, mas apenas quando o desvio desse aluno em relação ao aluno-padrão seja mínimo, de forma a não inviabilizar a uniformidade do trabalho letivo.

Nesta linha de raciocínio, a inclusão é entendida essencialmente em termos de socialização, não sendo dado o devido valor à necessidade de garantir o sucesso destes alunos. Pelo contrário, o insucesso dos alunos com NEE parece ser sempre justificável, quer pelas características e dificuldades que estes apresentam, quer pelas condições organizacionais nas escolas ou ainda pela ausência de formação. Deste modo, nunca há questionamento e reflexão sobre as oportunidades educativas que são proporcionadas a estes alunos pelos docentes na sala de aula.

Os docentes apresentam, portanto, dificuldades na elaboração das adequações curriculares para os alunos com NEE. Na maioria dos casos, essas adequações existem nos documentos escritos mas, em sala de aula, o aluno com NEE segue o mesmo currículo que o grupo, com recurso a algumas estratégias de individualização. Dos dados obtidos na observação de aulas, constatámos que as adequações em situação pedagógica consistem sobretudo no questionamento direto e apoio/acompanhamento individualizado. Quando, apesar desse apoio, os alunos com NEE se mostram incapazes de completar as tarefas e atingir os objetivos comuns, os professores tendem a aceitar a dificuldade como definitiva e prosseguem para outras atividades com toda a turma, o que corresponde, na prática, à eliminação desses objetivos no percurso de aprendizagem do aluno. Assim, em vez de introduzirem objetivos e conteúdos intermédios de que alguns alunos necessitam, os professores optam por os eliminar, reduzir ou simplificar, referindo, nas entrevistas, a falta de formação para realizar adequações curriculares.

Por outro lado, os docentes dão importância à adequação das formas e instrumentos de avaliação, mas também essa adequação nos instrumentos e, sobretudo, nos critérios de avaliação, implica, na maior parte dos casos, alterações a nível dos objetivos e conteúdos, alterações de que os professores parecem não estar muito conscientes.

Quanto aos processos de ensino desenvolvidos em salas de aula inclusivas, os professores usam maioritariamente a exposição/explicitação oral e o decorrente questionamento dos alunos, assim como a realização de exercícios essencialmente de execução individual. Nas observações, não foi verificado o planeamento e a realização de diferentes atividades, de modo a que os alunos pudessem desenvolver percursos de aprendizagem diferenciados com acesso a materiais de apoio ao trabalho autónomo, incluindo instrumentos de registo e controlo desse mesmo trabalho. Estas estratégias poderiam não só facilitar a motivação e o consequente empenhamento dos alunos, mas, especialmente, pôr em prática os princípios da intervenção em turmas inclusivas.

Com efeito, as estratégias observadas parecem não proporcionar um ambiente promotor da inclusão, na medida em que não se assume uma prática ativa e de cooperação, nem se criam situações diversificadas de aprendizagem, o que é essencial no trabalho com grupos heterogéneos. A procura de estratégias que favoreçam a autonomia dos alunos no seu processo de aprendizagem e promovam o trabalho em parceria e a entreajuda irá favorecer os processos de diferenciação efetiva, uma vez que nem todos os alunos têm de realizar a mesma tarefa ao mesmo tempo, o que alguns só conseguem com um apoio constante do professor, conforme pudemos verificar nas aulas que observámos. Enquanto a metodologia de trabalho for maioritariamente colocada no ensino direto pelo professor, nas suas orientações e não nos processos de aprendizagem pelos alunos, o ensino em turmas inclusivas acarretará inevitavelmente problemas na gestão do tempo de atenção do professor, uma assinalável quantidade de tempos mortos que dão origem a comportamentos de indisciplina e, em última análise, o insucesso de alguns alunos. Por isso, é importante que os professores partilhem o seu “poder” com os alunos, dando-lhes a oportunidade para trabalhar autonomamente, responsabilizando-os pela gestão do seu tempo e pela progressão das suas aprendizagens, apoiando esse processo com materiais individualizados e instrumentos de automonitorização adequados à atividade e às características do aluno, tenha ou não NEE. A ausência destas estratégias torna especialmente difícil e penosa para os professores a ação pedagógica em turmas inclusivas.

Os docentes revelam insegurança no trabalho com alunos com NEE e têm consciência que a qualidade do trabalho com estes alunos fica comprometida devido à sua falta de formação. No entanto, apesar de os professores considerarem que a formação deveria incidir sobre as diferentes problemáticas de NEE, as observações de aula revelaram que as carências formativas dos professores parecem ser anteriores a esta questão, uma vez que incidem, antes de mais, na gestão de grupos heterogéneos e na gestão do currículo em turmas inclusivas. Com efeito, não será a aquisição de conhecimentos sobre as diferentes deficiências que irá reduzir as dificuldades dos professores na gestão e organização das suas turmas. Subjacente ao discurso dos professores, parece estar a crença de que existe uma metodologia específica para ensinar o aluno portador de uma dada deficiência ou problemática e que a aplicação dessa metodologia em sala de aula inclusiva garantiria o sucesso escolar deste. Na verdade, as técnicas específicas para alunos com NEE são circunscritas a aspetos muito particulares e, quando necessárias, são desenvolvidas individualmente com a criança pelos professores e técnicos de Educação Especial. A aprendizagem dos alunos com NEE leva mais tempo, exige mais apoio e implica uma individualização do percurso, mas não existem metodologias milagrosas adequadas a cada uma das problemáticas.

A melhoria da qualidade da gestão das práticas curriculares implica um investimento na formação inicial. Este investimento, porém, não pode ser acometido apenas à introdução ou alargamento do número de horas de disciplinas específicas sobre NEE. Para desenvolver nos futuros professores a segurança necessária ao estabelecimento de opções estratégias adaptadas, parece imprescindível o envolvimento neste processo das disciplinas de didática, de forma a criar hábitos de diferenciação e adequação no interior das áreas curriculares. Por outro lado, a preparação dos futuros professores para lidar com turmas inclusivas passa ainda pela realização dos estágios em situações de inclusão, com a devida supervisão e apoio. Só deste modo poderão ser preparados os professores para a heterogeneidade e para a gestão da mesma.

Não obstante, a formação contínua para os professores que já se encontram a exercer funções é igualmente importante. Nesta formação, é necessário que os professores sejam desafiados a experimentar e arriscar outras práticas, pedagogias ativas e dinâmicas que permitam uma efetiva inclusão de todos os alunos, através de uma intervenção centrada nos processos de aprendizagem dos alunos e não apenas em estratégias de transmissão e aplicação de conhecimentos.

Em síntese, os dados obtidos nas entrevistas permitem perceber que os professores concebem algumas respostas diferenciadas para o sucesso educativo dos alunos com NEE, mas os resultados das observações levam-nos a constatar que são pouco usadas na prática e apenas em algumas salas. Os professores tendem a organizar uniformemente as situações de ensino e não adequam o nível dos objetivos ao nível de aprendizagem de alguns alunos com NEE, limitando-se a dar-lhes mais apoio individualizado, na tentativa que estes realizem o mesmo trabalho que os outros alunos. Quando não o conseguem, não procuram outras estratégias ou atividades. Esta forma de organizar e gerir o trabalho em sala de aula cria problemas na gestão do grupo e das atividades e leva a que a inclusão se transforme num acréscimo de trabalho para o professor sem resultados de aprendizagem visíveis, o que confirma as reservas e dúvidas colocadas pelos entrevistados.

Por outro lado, é possível concluir que as soluções pedagógicas são escassamente partilhadas e discutidas entre os professores das turmas e entre estes e os professores de Educação Especial. De facto, não são evidentes os momentos de reflexão, entreajuda e avaliação do trabalho desenvolvido entre o professor do regular e o professor de Educação Especial, situação que funcionaria como estímulo e encorajamento para arriscar na tomada de decisões. No percurso da inclusão, a reflexão e discussão conjunta são fundamentais para traçar o caminho mais adequado na resposta às diferenças e diversidade dos alunos, porque é também na vivência e na partilha das experiências que se desenvolvem novas atitudes, conhecimentos e capacidades e se desenvolve o conhecimento profissional.

 

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Contacto: Alexandra Frias da Silva, A.E. D. João II / UIDEF-UL, Lisboa, Rua Cidade do Rio de Janeiro N.º20 e 20A, Urbanização de S. Marcos, 2735-659 Cacém, Portugal

Teresa Leite, Departamento de Ciências Humanas e Sociais, Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de Lisboa, Rua Carolina Michaelis de Vasconcelos, Campus do IPL, 1549-003 Lisboa, Portugal

 

(recebido em abril de 2015, aceite para publicação em julho de 2015)

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