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Da Investigação às Práticas

versão On-line ISSN 2182-1372

Invest. Práticas vol.12 no.1 Lisboa maio 2022  Epub 29-Mar-2022

https://doi.org/10.25757/invep.v12i1.314 

Artigos

O perfil dos professores portugueses de Português Língua Estrangeira na China continental

The profile of Portuguese lecturers of Portuguese as a Foreign Language in mainland China

El perfil de los profesores portugueses de Portugués como Lengua Extranjera en China continental.

Le profil des professeurs portugais de Portugais comme Langue Étrangère en Chine continentale.

Manuel Duarte João Pires1 
http://orcid.org/0000-0002-1242-5319

iSchool of International Studies, Universidade de Sun Yat-sen, China


Resumo

O ensino de Português Língua Estrangeira (PLE) tem prosperado no território chinês devido ao aprofundamento das relações socioeconómicas e diplomáticas com os países de língua portuguesa. A aprendizagem da língua portuguesa tem sido sinónimo de competitividade e empregabilidade para os estudantes de Português presentes em mais de meia centena de instituições de ensino superior dispersas pelas diversas regiões da China. Devido ao célere crescimento do ensino e à extensão territorial, existem particularidades do PLE na China que carecem ainda de uma análise minuciosa e descritiva. Neste âmbito, este artigo tem como principal objetivo compreender o perfil e as características dos professores portugueses na China continental. Através do recurso a questionários dirigidos aos docentes, as principais conclusões deste estudo permitem compreender aspetos como a dimensão quantitativa, a formação académica e profissional, a distribuição geográfica ou a presente situação laboral destes professores, afetada, em muitos casos, pelos efeitos da pandemia.

Palavras-chave: Português Língua Estrangeira; China continental; ensino superior; professores portugueses

Abstract

Portuguese as a Foreign Language (PFL) teaching has flourished in Chinese territory due to the deepening of socio-economic and diplomatic relations with Portuguese-speaking countries. Learning Portuguese has been synonymous with competitiveness and employability for students learning Portuguese in more than fifty higher education institutions across China. Due to the rapid growth of the teaching of Portuguese and the territorial extension, there are particularities of PFL in China that still lack a detailed and descriptive analysis. In this context, this article aims to understand the profile of Portuguese teachers in mainland China. Based on questionnaires to lecturers, the main findings of this study reveal aspects such as the quantitative dimension, academic, and professional training, geographical distribution, or the current employment situation of these lecturers, affected, in many cases, by the effects of the pandemic.

Keywords: Portuguese as a foreign language; Mainland China; higher education; Portuguese lecturers

Resumen

La enseñanza de Portugués como Lengua Extranjera ha prosperado en territorio chino debido a la profundización de las relaciones socioeconómicas y diplomáticas con los países de habla portuguesa. Aprender el idioma portugués ha sido sinónimo de competitividad y empleabilidad para los estudiantes portugueses presentes en más de cincuenta instituciones de educación superior repartidas por diferentes regiones de China. Por el rápido crecimiento de la enseñanza y la extensión territorial, existen particularidades del PLE en China que aún carecen de un análisis detallado y descriptivo. En este contexto, este artículo tiene como objetivo comprender el perfil y las características de los profesores de portugués en China continental. Mediante el uso de cuestionarios dirigidos a los docentes, las principales conclusiones de este estudio permiten comprender aspectos como la dimensión cuantitativa, la formación académica y profesional, la distribución geográfica o la situación laboral actual de estos docentes, afectados, en muchos casos, por los efectos de la pandemia.

Palabras clave: Portugués como lengua extranjera; China continental; educación superior; profesores portugueses

Résumé

L'enseignement du portugais comme langue étrangère a prospéré sur le territoire chinois grâce à l'approfondissement des relations socio-économiques et diplomatiques avec les pays lusophones. Apprendre la langue portugaise a été synonyme de compétitivité et d'employabilité pour les étudiants portugais présents dans plus de cinquante établissements d'enseignement supérieur répartis dans différentes régions de Chine. En raison de la croissance rapide de l'éducation et de l'extension territoriale, il y a des particularités du PLE en Chine qui manquent encore d'une analyse détaillée et descriptive. Dans ce contexte, cet article vise à comprendre le profil et les caractéristiques des enseignants portugais en Chine continentale. A travers l'utilisation de questionnaires destinés aux enseignants, les principales conclusions de cette étude nous permettent de comprendre des aspects tels que la dimension quantitative, la formation académique et professionnelle, la répartition géographique ou la situation actuelle de l'emploi de ces enseignants, affectés, dans de nombreux cas, par les effets de la pandémie.

Mots-clés: Portugais comme langue étrangère; Chine continentale; enseignement supérieur; professeurs portugais

Introdução

O ensino da língua portuguesa tem prosperado na China continental devido ao seu potencial económico e à competitividade que representa no âmbito profissional. A expansão do ensino de Português na China verificada, sensivelmente, desde o começo do presente século, está intimamente ligada à intensificação das relações económicas e comerciais da China com os países de língua portuguesa, em especial, com o Brasil e Angola (Ye, 2014; André, 2016; Li, 2017; Yan, 2019). Se, comparativamente, existiam três universidades chinesas a lecionar Português em 2005, atualmente são já mais de cinco dezenas as instituições de ensino superior que contam com o Português na sua oferta formativa (Li, 2018; Jatobá, 2020; Ramos, 2020; Castelo & Sun, 2020; Pires, 2021a). A mais-valia em termos de economia e empregabilidade que esta língua assume no contexto chinês justifica a robusta e progressiva presença do Português no seio das instituições universitárias chinesas.

Apesar deste crescimento, denota-se alguma imprecisão sobre o número e as características dos professores que pertencem ao universo do Português na China. A ativa criação de cursos de Português nas universidades chinesas e a enorme extensão do território colocam dificuldades em compreender com precisão e atualidade os dados relativos aos professores portugueses neste país asiático. Tendo em conta o exposto, os objetivos deste estudo consistem em pesquisar e interpretar os números que ilustram a situação atual dos professores portugueses na China e tentar compreender, de forma geral, as particularidades e desafios que se colocam correntemente ao ensino de Português na China, na perspetiva deste grupo de docentes.

Os professores de Português são elementos determinantes para as relações entre a China e os países de língua portuguesa, como ensinantes, representantes e mediadores de língua e cultura, pelo que se reveste de peculiar importância conhecer e analisar o perfil destes professores.

Num tempo em que o ensino de Português na China adquire um papel cada vez mais significativo, esta pesquisa pretende contribuir para uma maior compreensão do corpo docente português e, neste âmbito, colaborar também para um maior conhecimento das especificidades que compõem a área de estudos do PLE na China.

Metodologia

Este estudo baseia-se na aplicação de questionários aos professores portugueses que lecionam na China continental, para compreender os seus perfis socioprofissionais. Este método de recolha de dados permite interrogar uma extensa quantidade de indivíduos, a fim de efetuar uma leitura generalizada de um determinado fenómeno, ou seja, é particularmente profícuo quando o objetivo é compreender as mesmas variáveis entre um grupo de indivíduos e obter informações a respeito de uma grande diversidade de comportamentos, atitudes, opiniões ou orientações sobre os fenómenos sociais (Sousa & Baptista, 2000; Gil, 2008).

A análise do fenómeno pesquisado neste artigo requer a aplicação de métodos que promovam interpretações qualitativas e quantitativas. Nesta perspetiva, o questionário efetuado é de tipo misto, contendo questões que requerem respostas abertas e fechadas, uma vez que o processo de pesquisa é um "mosaico que descreve um fenómeno complexo" (Günther, 2006, p. 202) e que precisa de estar aberto a diversas ideias, perguntas e significados.

Os questionários foram aplicados com recurso à aplicação online Survey Monkey, especializada neste tipo de método científico. Esta plataforma possibilitou ainda um processamento das respostas de forma mais célere, além de um tratamento e leitura dos resultados mais eficientes. De acordo com Lumdsen (2007), a realização de questionários através da plataforma Survey Monkey permite um menor tempo de realização, mais facilidade em chegar a um maior número de respondentes, além de contribuir para diminuir a margem de erro da amostra e ter um baixo custo de realização, por centralizar recursos e não necessitar das várias etapas presentes no envio físico dos questionários.

Através do contacto com professores e coordenadores dos cursos de Português, esta pesquisa conseguiu auferir um total de 26 professores portugueses a lecionar em Instituições de Ensino Superior (IES) da China continental. Estes dados não excluem a eventual presença de novos professores, uma vez que a extensão territorial e o número de universidades com cursos de Português, por vezes, criam dificuldades para mensurar com precisão as questões relacionadas com o Português na China. Atualmente, com as restrições de circulação impostas devido à pandemia, é pouco provável que tenham chegado novos docentes. No entanto, ainda que haja novos professores a trabalhar em IES chinesas, os números não serão significativamente diferentes dos apresentados.

Originalmente, o presente estudo pretendia analisar o panorama relativo a todos os professores estrangeiros que ensinam Português na China - contudo, a participação na resposta aos questionários verificou-se maioritariamente entre a comunidade de professores portugueses. As restrições originadas pela pandemia fazem com que atualmente muitos destes professores se encontrem fora da China, criando algumas dificuldades à aplicação prática dos métodos. No total, os questionários foram respondidos por 18 dos 26 professores portugueses a lecionar na China. Por estes motivos, convém referir que a impossibilidade de recolha de dados de todos os elementos da amostra constituirá uma limitação deste estudo.

Concomitantemente aos questionários, estabeleceram-se alguns contactos com os professores que permitiram ajudar à compreensão dos resultados. Pelo facto de a dimensão da amostra não ser muito grande e de existir alguma interação prévia entre professores, foi possível estabelecer entrevistas informais a distância com alguns inquiridos, abordando e discutindo os tópicos dos questionários.

Os questionários foram enviados através da rede social chinesa Wechat durante o mês de setembro de 2021, veiculando dez perguntas divididas em três partes: duas questões sobre a identificação dos inquiridos (género e faixa etária); três questões relativas à formação académica dos professores; e cinco questões que incidem na experiência de ensinar Português no ensino superior da China continental.

Antes da divulgação do questionário, foi realizado um pré-teste através da aplicação do mesmo, a dois professores a viver na China, com o intuito de garantir a inteligibilidade das perguntas e "evitar a não-resposta por incompreensão ou erros graves na recolha de dados" (Sousa & Baptista, 2000, p. 100). Esta verificação permitiu aprimorar algumas questões e asseverar as condições necessárias à sua aplicação. Na elaboração do questionário considerou-se a objetividade e a simplicidade para garantir que este seria de fácil preenchimento pelos professores, aspetos importantes para a sua aplicação ser profícua e os dados recolhidos serem sistematizados e analisados com maior clareza e eficiência.

A realização dos questionários pautou-se pelo cumprimento de princípios éticos, designadamente, no que respeita à permissão dos informantes para a obtenção de dados, assim como ao tratamento dos mesmos de modo anónimo e equilibrado, de acordo com as boas práticas científicas.

Descrição e discussão dos resultados

Os questionários elaborados a propósito do presente estudo obtiveram resposta por parte de 18 docentes portugueses, o que corresponde a 70% da amostra total.

A amostra demonstra uma paridade entre docentes femininos e masculinos, revelando que a China é um destino que atrai, de igual modo, professores do sexo feminino e masculino. É assinalável este equilíbrio em relação aos professores portugueses, algo que difere muito do público estudantil que aprende Português, maioritariamente constituído por estudantes do sexo feminino. Os estudos que se debruçam sobre o número de estudantes chineses a estudar Português na China (Castelo & Sun, 2020; Jatobá, 2020; Pires, 2021b) ou sobre os estudantes chineses que se encontram em mobilidade de crédito em Portugal, ou seja, a frequentar um intercâmbio de estudos durante um determinado número de semestres (Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, 2020), convergem para um valor em torno dos 70% de estudantes femininos. Em relação aos docentes portugueses, não existe uma predominância do sexo feminino, registando-se um grande equilíbrio neste sentido, ao contrário do corpo docente chinês que é predominantemente constituído por mulheres (Castelo & Sun, 2020).

Os resultados mostram que a maior parte dos docentes se situa na faixa etária dos 31-40 anos, precisamente 61%, ou seja, 11 dos 18 professores inquiridos. Em relação aos restantes, 22% encontram-se no nível etário entre os 25 e os 30 anos, enquanto 12% se incluem entre os 41 e os 55 anos, e 5% no grupo compreendido entre os 46 e os 50 anos. Estes dados revelam um corpo docente relativamente jovem, no qual mais de 80% dos professores têm entre 25 e 40 anos, não se registando professores com mais de 50 anos de idade.

Estes números são significativos de um corpo docente relativamente jovem e homogéneo em termos de idade, o que poderá também refletir-se nas metodologias de ensino, nos recursos ou materiais utilizados e na interação com os alunos.

A grande maioria dos 18 professores inquiridos, equivalente a 72%, detém o grau académico de mestrado (13) ao passo que três (17%) têm doutoramento e dois (11%) possuem licenciatura e pós-graduação. Em termos de formação académica, a expressiva maioria frequentou estudos superiores na área das Humanidades. Os cursos superiores mais representativos são: Línguas e Culturas Orientais (Mandarim) - frequentado por um terço dos inquiridos (6 docentes) -, seguido de Português Língua Estrangeira (4), Línguas e Relações Empresariais/Internacionais (3), Estudos Portugueses (2) e Línguas e Tradução (2). Nesta questão, apenas um participante respondeu provir de uma área de estudos diferente, "Ciências Exatas", embora sem especificar o curso frequentado.

No que respeita às IES portuguesas mais representativas, nas quais estes professores cursaram os seus estudos, destaca-se a Universidade do Minho com cinco inquiridos, todos do curso de Línguas e Culturas Orientais (Mandarim), seguidos da Universidade de Aveiro com quatro docentes, que cursaram diferentes cursos, como Línguas e Relações Empresariais/Internacionais (2), PLE, Línguas e Culturas Orientais (Mandarim).

Seguem-se a Universidade Aberta, a Universidade de Coimbra e a Universidade de Lisboa, contribuindo, cada uma destas instituições, para a formação de dois docentes nas áreas de PLE, Estudos Portugueses e Línguas e Tradução. Como instituições de origem referidas por um docente, estão presentes a Universidade Católica Portuguesa (Línguas e Relações Internacionais), a Universidade do Porto (Línguas e Tradução) e a Universidade da Beira Interior (Ciências Exatas).

Com base nos dados relativos à formação académica e às universidades de origem dos professores, destacam-se duas leituras dos resultados. Primeiro, o relevo do curso de Línguas e Culturas Orientais (Mandarim), frequentado por um terço dos docentes, nomeadamente, na Universidade do Minho e na Universidade de Aveiro. Uma vez que o Instituto Confúcio está presente nestas entidades académicas portuguesas, é interessante verificar esta relação em que os alunos constroem uma formação académica em território português, de certa forma, estruturada ou participada pelo governo chinês, e posteriormente desenvolvem a sua vida profissional na China, contribuindo (ou retribuindo) para o contexto socioprofissional deste país asiático.

A outra questão a salientar destes dados é a reveladora formação académica dos professores portugueses, especializados no ensino-aprendizagem de línguas e/ou em relações internacionais. Atualmente, os professores de Português na China continental possuem qualificações elevadas, adquiridas em algumas das mais conceituadas universidades portuguesas, reunindo um conjunto de conhecimentos académicos que, à partida, lhes poderão permitir reunir melhores competências para o ensino da língua portuguesa e das suas culturas. Este perfil qualificado que hoje se constata difere consideravelmente dos tempos em que o ensino de Português começou a difundir-se e a crescer de modo exponencial, em meados da primeira década deste século, altura em que as qualificações e as competências técnicas constituíam um dos maiores desafios do ensino de Português na China continental, dado que grande parte dos professores possuía poucas qualificações académicas, enquanto outros provinham de áreas sem qualquer relação com o ensino (Ye, 2014; Zhao & Zhao, 2015; Gonçalves, 2019).

Em relação à experiência profissional antes de lecionar na China, a maioria dos professores (12, ou 67%) revelou não ter experiências de ensino anteriores, enquanto quatro (22%) afirmaram ter trabalhado na área num período de um a três anos. Somente dois professores (11%) informaram ter mais de cinco anos de experiência nesta área. Estes indicadores revelam um corpo docente relativamente jovem, que escolhe o mercado da língua portuguesa na China para iniciar e desenvolver o seu percurso profissional, bem como para aprofundar a sua experiência de ensino e as suas vivências e competências interculturais.

No tópico relativo ao período de tempo há que os professores se encontram na China, oito (45%) vivem há "3 a 5 anos" e sete (39%) entre "5 a 10 anos". Apenas dois professores estão a lecionar há cerca de "1 a 3 anos", ao passo que um docente afirma trabalhar no país há "mais de 10 anos". Verifica-se uma certa estabilidade em relação à permanência na China, dado que 89% dos professores inquiridos estão a trabalhar neste país há mais de três anos.

Estes números sugerem que a China continental não tem sido um destino de curta duração para os docentes portugueses, apresentando-se, outrossim, como um mercado de trabalho em que os professores procuram estabilidade e encontram condições que lhes permitem desenvolver um trabalho de médio ou longo prazo. De acordo com o diálogo com os professores, o facto de decidirem partir para laborar num continente diferente, no seio de um país extenso com diversas referências e peculiaridades culturais por explorar, e as condições profissionais oferecidas, a nível de horário ou de remuneração, são alguns dos fatores importantes que ajudam a explicar a estabilidade ou continuidade dos docentes portugueses na China.

Relativamente à distribuição geográfica dos docentes, verifica-se que a maioria (56%) leciona na cidade de Pequim. Refira-se que a capital chinesa, que conta com dez professores portugueses, alberga um maior número de instituições em relação às outras províncias, inclusive as que possuem uma grande tradição no ensino da língua portuguesa desde meados do século passado (Jatobá, 2020). Ao contrário da realidade da capital da China, onde está presente grande parte dos professores, as outras províncias referidas pelos respondentes (Jilin, Guangdong, Hubei, Zhejiang, Jiangxi e a cidade autónoma de Tianjin) contam com apenas um professor de Português, ou dois, como é o caso de Harbin. A presença dos docentes portugueses compreende, assim, várias províncias chinesas de Norte a Sul do país, embora de forma bastante reduzida e isolada, à exceção de Pequim, que reúne uma pequena comunidade de professores.

Os dados revelam ainda que a carga horária de ensino dos professores portugueses na China não é muito acentuada, uma vez que se divide entre "10 a 20 horas" de aulas (78%) e menos de 10 horas (22%). O volume de trabalho é descrito como "bom" ou "razoável" pelos docentes, permitindo tempo considerado suficiente para a preparação das aulas e desenvolvimento de atividades extracurriculares, mas também para a vida pessoal e académica, como a realização de viagens a fim de conhecer o país ou a frequência de cursos superiores para aumentar as suas qualificações.

O resultado mais impactante deste estudo relaciona-se com a atual situação laboral dos professores, visto que precisamente 50% se encontram fora da China a lecionar a distância, ou seja, metade dos inquiridos está a viver na China e a outra metade está em Portugal, sem conseguir regressar ao país após o início desta pandemia. Recorde-se que o início da epidemia de Covid-19 na China (semanas antes de ser decretada pandemia pela Organização Mundial de Saúde) ocorreu em pleno período de férias dedicado ao Festival da Primavera, durante o qual as universidades param, em geral, cerca de quatro a cinco semanas. Neste âmbito, muitos cidadãos estrangeiros, entre os quais professores portugueses, saíram para fruir as férias no seu país e não puderam reentrar desde então. As rigorosas restrições de circulação impostas pelo governo chinês condicionam bastante a entrada de estrangeiros no país - por exemplo, os estudantes estrangeiros ainda não estão autorizados a (re)entrar -, fazendo com que, atualmente, seja uma tarefa particularmente difícil (e altamente burocrática) conseguir entrar na China.

Esta é uma incontornável problemática ou desafio que se coloca ao ensino de Português, porque o contingente de professores portugueses a ensinar presencialmente na China continental é, de momento, bastante reduzido. Esta situação dever-se-á manter nestes termos enquanto a pandemia for uma realidade que ameace a saúde dos cidadãos a uma escala global e a China priorizar a proteção dos seus cidadãos através de medidas como o condicionamento do movimento nas fronteiras, as semanas de quarentena para quem obtém autorização para entrar no país, bem como o confinamento das zonas onde, pontualmente, se verificam alguns ressurgimentos de casos de infeção.

Nesta altura, metade dos professores portugueses encontra-se há quase dois anos neste impasse, ministrando as suas aulas online, sem ter o seu futuro laboral definido. Por este motivo, esta investigação conseguiu averiguar que, com o delongar deste contexto de incerteza sem fim definido à vista, alguns professores fora da China procuram alternativas para o seu percurso profissional.

Neste contexto, o ensino de Português atravessa uma fase bastante delicada e peculiar, porque metade dos professores portugueses está a lecionar online desde Portugal, com uma diferença horária de sete a oito horas. As aulas remotas adotadas, inicialmente, para uma situação de emergência originada pela pandemia, prolongam-se continuamente há quase dois anos, moldando e influenciando significativamente a interação, a metodologia e a qualidade do ensino de Português na China continental.

Presentemente, é difícil traçar perspetivas sobre a situação laboral dos professores portugueses, estritamente dependente do desenrolar da questão pandémica e das medidas decretadas pelos governantes chineses.

Conclusões

O corpo docente português a lecionar PLE na China continental é bastante paritário em termos de género, constituído por um número semelhante de homens e mulheres. Ao passo que a expressiva maioria dos estudantes chineses é do género feminino, não se verifica essa disparidade em relação aos professores portugueses.

Em relação à idade, a maior parte dos professores situa-se no nível etário dos 30 a 40 anos, revelando um grupo relativamente jovem, que optou por um país onde o ensino de Português tem crescido substancialmente para desenvolver as suas experiências e competências de ensino.

A maioria dos professores é detentora do grau académico de mestrado (mais de 70%), registando-se, também, alguns casos em que possuem doutoramento. As habilitações académicas que se registam atualmente diferem bastante dos primeiros tempos de exponencial crescimento de Português na China, na primeira década deste século. Nessa época em que o ensino de Português não se encontrava ainda tão organizado ou estruturado, existiam relatos de professores portugueses que trabalhavam na China continental, mas que não possuíam formação superior nem conhecimentos específicos na área do ensino de línguas. A formação académica dos docentes na área das Humanidades é, à partida, sinónimo de um ensino mais qualificado e mais preparado para responder às necessidades de aprendizagem dos estudantes chineses.

Os professores frequentaram, essencialmente, cursos superiores no campo das Línguas e Culturas Orientais (Mandarim), Português Língua Estrangeira, Línguas e Relações Internacionais, assim como Línguas e Tradução, repartidos por dez instituições universitárias portuguesas. Contudo, as universidades de origem mais representativas em que os docentes desenvolveram os seus estudos superiores são a Universidade do Minho (a totalidade dos que cursaram licenciatura em Mandarim provém desta instituição) e a Universidade de Aveiro (reúne todos os que frequentaram Línguas e Relações Internacionais), que formaram metade dos professores a lecionar na China continental.

Relativamente ao percurso profissional, o facto de os professores revelarem uma reduzida ou inexistente experiência prévia de ensino representa um dos resultados mais significativos deste estudo, tendo em conta que estes docentes reconhecem escolher a China para poder dar os primeiros passos na carreira profissional. Outra característica pertinente é que se constata alguma estabilidade dos professores inquiridos, uma vez que, em geral, se encontram neste país asiático há cerca de três a dez anos.

Face ao exposto, a China continental parece ser um lugar onde os professores encontram segurança e condições para desenvolver um trabalho a médio prazo. A opção ponderada de abraçar um emprego num outro continente, os desafios da adaptação à sociedade de acolhimento, as condições laborais oferecidas, nomeadamente em termos de carga horária, e a interação profícua com os estudantes chineses estão entre os principais motivos que podem justificar esta estabilidade ou permanência dos docentes.

Verifica-se que os professores portugueses têm características relativamente homogéneas, sobretudo no que concerne ao nível etário, à área de formação académica e à incipiente experiência profissional.

Em relação à distribuição geográfica, pode-se constatar que os professores portugueses se encontram presentes em oito províncias chinesas, embora a maioria das quais conte apenas com um docente, à exceção de Harbin (dois) e de Pequim (dez). A capital da China concentra metade dos docentes a lecionar Português no ensino superior chinês, o que se pode explicar pelo facto de ser a cidade com mais instituições de ensino de Português e também por ter uma maior tradição ou longevidade nesta área, uma vez que as primeiras universidades com cursos de língua portuguesa se situam em Pequim.

Para finalizar, este estudo revela também uma importante problemática que se apresenta ao ensino de Português na China continental, nomeadamente, as particularidades decorrentes da situação de pandemia que fazem com que muitos professores (precisamente metade dos inquiridos) se encontrem há quase dois anos sem conseguir reentrar no país, estando, assim, a dar aulas remotamente, enquanto aguardam autorização para regressar e indicações em relação ao seu futuro profissional. As idiossincrasias dos tempos de pandemia reduziram drasticamente o número de professores portugueses em território chinês e constituem, atualmente, o principal desafio que se apresenta aos docentes e, concomitantemente, ao ensino de Português na China continental.

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Anexo 102. Perguntas ou tópicos do questionário: 103. Sexo. 104. Idade. 105. Formação ou grau académico. 106. Instituição de Ensino Superior onde obteve o grau académico. 107. Área de estudos da formação académica. 108. Experiência de ensino antes de lecionar na China. 109. Tempo a lecionar na China. 110. Região ou cidade da China onde leciona. 111. Carga horária semanal. 112. Situação laboral pós-pandemia

Recebido: 28 de Dezembro de 2021; Aceito: 31 de Janeiro de 2022

Notas Biográficas 98. Manuel Duarte João Pires 99. Leitor de Português na Universidade de Sun Yat-sen (China). Doutorando em Português Língua Estrangeira na Universidade de Lisboa (Portugal). 100. School of International Studies, Universidade de Sun Yat-sen, Guangdong, Zhuhai, 519000, China / mdjpires@hotmail.com

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