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Da Investigação às Práticas

versão On-line ISSN 2182-1372

Invest. Práticas vol.12 no.1 Lisboa maio 2022  Epub 29-Mar-2022

https://doi.org/10.25757/invep.v12i1.304 

Artigos

Livros Viajantes Inclusivos: falar sobre questões LGBT nos jardins de infância e escolas do 1.º ciclo

Inclusive Travelers Books: talking about LGBT issues in kindergartens and primary schools

Libros de viajeros inclusivos: hablando sobre temas LGBT en jardines de infancia y escuelas primarias

Livres voyageurs inclusifs: parler des problèmes LGBT dans les écoles maternelles et primaires

iCICS.NOVA, Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais, NOVA/ FCSH


Resumo

Este artigo apresenta o projeto 'Livros Viajantes Inclusivos', desenvolvido pela SEIES - Sociedade de Estudos e Intervenção em Engenharia Social, em parceria com as bibliotecas escolares, nas escolas do ensino básico do concelho de Setúbal. O projeto ‘Livros Viajantes Inclusivos’ tem como objetivo promover atividades em contexto escolar sobre a não discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género. O foco central do projeto é o potencial da literatura infantojuvenil para a promoção de uma sociedade inclusiva e baseada no respeito pela diversidade. Ao longo dos anos letivos em que foi implementado, de 2015 a 2019, o projeto 'Livros Viajantes Inclusivos' teve como principais resultados, nos cinco agrupamentos de escolas envolvidos, o desenvolvimento de atividades de exploração de livros infantis com 20 grupos de crianças do pré-escolar e 156 turmas do 1.º ciclo do ensino básico, num total de cerca de 4000 crianças. No âmbito deste projeto foi realizada a oficina de formação LER PARA A IGUALDADE, em parceria com a Escola Superior de Educação de Setúbal, com o objetivo de dar resposta às necessidades de formação das/os docentes envolvidas/os. São apresentadas e analisadas as atividades realizadas no contexto da formação e os impactos na prática profissional das/os participantes.

Palavras-chave: literatura infantil; escolas; bibliotecas escolares; LGBT.

Abstract

This article presents the 'Inclusive Traveling Books' project, developed by SEIES - Society for Studies and Intervention in Social Engineering, in partnership with school libraries, in elementary schools in the municipality of Setúbal. The ‘Inclusive Traveling Books’ project aims to promote activities in the school context on non-discrimination based on sexual orientation and gender identity. The central focus of the project is the potential of children's literature to promote an inclusive society based on respect for diversity. Over the school years in which it was implemented, from 2015 to 2019, the 'Inclusive Traveling Books' project had as the main results, in the 5 school clusters involved, the development of activities to explore children's books with 20 pre-school classes and 156 classes from the 1st cycle, with a total of about 4,000 children. Within the scope of this project, the training workshop READING FOR EQUALITY was held, in partnership with the Higher School of Education of Setúbal, with the aim of meeting the training needs of the teachers involved. The activities carried out in the context of training and the impacts on the professional practice of the participants are presented and analyzed.

Keywords: children's literature; schools; school libraries; LGBT.

Resumen

Este artículo presenta el proyecto 'Libros Viajeros Inclusivos', desarrollado por SEIES - Sociedad de Estudios e Intervención en Ingeniería Social, en alianza con bibliotecas escolares, en escuelas primarias del municipio de Setúbal. El proyecto ‘Libros Viajeros Inclusivos’ tiene como objetivo promover actividades en el contexto escolar sobre la no discriminación por orientación sexual e identidad de género. El eje central del proyecto es el potencial de la literatura infantil para promover una sociedad inclusiva basada en el respeto a la diversidad. Durante los años escolares en los que se implementó, de 2015 a 2019, el proyecto 'Libros Viajeros Inclusivos' tuvo como principales resultados, en los 5 grupos de escuelas involucrados, el desarrollo de actividades de exploración de libros infantiles con 20 clases de preescolar. y 156 clases del 1er ciclo, con un total de unos 4.000 niños. En el marco de este proyecto, se llevó a cabo el taller de formación LECTURA PARA LA IGUALDAD, en colaboración con la Escuela Superior de Educación de Setúbal, con el objetivo de satisfacer las necesidades de formación de los profesores implicados. Se presentan y analizan las actividades realizadas en el contexto de la formación y los impactos en la práctica profesional de los participantes.

Palabras clave: literatura infantil; escuelas; bibliotecas escolares; LGBT

Résumé

Cet article présente le projet ‘Livres voyageurs inclusifs’, développé par SEIES - Société d'études et d'intervention en ingénierie sociale, en partenariat avec les bibliothèques scolaires, dans les écoles élémentaires de la municipalité de Setúbal. Le projet ‘Livres voyageurs inclusifs’ vise à promouvoir des activités dans le contexte scolaire sur la non-discrimination fondée sur l'orientation sexuelle et l'identité de genre. L'objectif central du projet est le potentiel de la littérature pour enfants à promouvoir une société inclusive fondée sur le respect de la diversité. Au cours des années scolaires où il a été mis en œuvre, de 2015 à 2019, le projet ‘Livres voyageurs inclusifs’ a eu comme principaux résultats, dans les 5 groupes d'écoles impliquées, le développement d'activités d'exploration de livres pour enfants avec 20 classes préscolaires et 156 classes du 1er cycle, avec un total d'environ 4 000 enfants. Dans le cadre de ce projet, l'atelier de formation LIRE POUR L'ÉGALITÉ a été organisé, en partenariat avec l'École supérieure d'éducation de Setúbal, dans le but de répondre aux besoins de formation des enseignants concernés. Les activités réalisées dans le cadre de la formation et les impacts sur la pratique professionnelle des participants sont présentés et analysés.

Mots-clés: littérature pour enfants; écoles; bibliothèques scolaires; LGBT

Introdução

A literatura infantil pode ser entendida como uma prática social e cultural que contribui para a compreensão das ideologias, representações e modos de vida dominantes na organização da sociedade (Morgado & Pires, 2010). Sabemos que, na nossa sociedade, existem diversos estereótipos e preconceitos relativos a pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgénero (LGBT) que promovem uma cultura homofóbica, limitando o exercício de uma cidadania global e inclusiva (Agency for Fundamental Rights, 2020; Tamagne, 2002). Os estereótipos e preconceitos surgem quando agimos como se todos os membros de uma cultura ou grupo compartilhassem as mesmas características e estas generalizações, quando associadas a conotações negativas, dão lugar a preconceitos que limitam a nossa capacidade de respeitar a diversidade (Bennet, 1998). Neste contexto, é de particular importância o papel da escola na promoção da cidadania dos/as mais jovens. A escola deve proporcionar às crianças experiências e contextos que lhes permitam ver para além dos estereótipos dominantes na sociedade (Sánchez & Vallejo, 2003). Para as práticas da escola na promoção da cidadania das crianças, a literatura infantil pode ter um papel fundamental, contribuindo para uma visão inclusiva e baseada no respeito pela diversidade (Tomé & Bastos, 2012).

Este artigo apresenta o projeto 'Livros Viajantes Inclusivos' , desenvolvido pela SEIES - Sociedade de Estudos e Intervenção em Engenharia Social, nas escolas do ensino básico do concelho de Setúbal, de 2015 a 2019. O projeto ‘Livros Viajantes Inclusivos’ tem como objetivo promover atividades em contexto escolar, em parceria com as bibliotecas escolares, sobre a não discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género.

No âmbito deste projeto foi realizada a oficina de formação LER PARA A IGUALDADE, em parceria com a Escola Superior de Educação de Setúbal. São apresentadas e analisadas as expetativas das/os participantes relativamente à oficina de formação e ao desenvolvimento do trabalho autónomo nas suas escolas, as atividades realizadas com as turmas e o grau de satisfação com a oficina de formação. O artigo termina com as lições aprendidas com o projeto e oficina de formação e a análise de possibilidades futuras de utilização da literatura infantil na educação para a cidadania, nomeadamente na promoção de uma sociedade mais inclusiva em relação à orientação sexual e identidade de género.

Falar de orientação sexual e identidade de género nas escolas

O projeto ‘Livros Viajantes Inclusivos’ vai ao encontro das orientações de políticas de igualdade da União Europeia que indicam explicitamente que deve ser feita divulgação de informação fidedigna sobre experiências de pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgénero (LGBT), assim como a promoção ativa da aceitação pública das identidades, comportamentos e relacionamentos LGBT (Agency for Fundamental Rights, 2010). Orientações difundidas pelo Conselho da Europa salientam o facto de ser obrigação das escolas providenciarem um ambiente seguro para alunas/os e docentes lésbicas, gays, bissexuais e transgénero, garantindo que estão protegidos/as contra práticas de bullying (Conselho da Europa, 2011).

No contexto português existem diversas medidas legislativas que promovem a igualdade nas escolas, como a lei de Educação Sexual (Lei n.º 60/2009) e o Referencial de Educação para a Saúde (Direção-Geral da Educação & Direção-Geral da Saúde, 2017). A lei da Educação Sexual tem uma abordagem inclusiva da diversidade da sexualidade e refere explicitamente questões relacionadas com a orientação sexual e a identidade de género. A Portaria n.º 196-A/2010, que regulamenta a aplicação da Lei n.º 60/2009, nos conteúdos que podem ser abordados nas áreas disciplinares ou nas áreas curriculares não disciplinares, indica que nos 3.º e 4.º anos de escolaridade se devem aconselhar as crianças que, deparando-se com dúvidas ou problemas de identidade de género, se sintam no direito de pedir ajuda às pessoas em quem confiam, na família ou na escola. Para além da lei e da portaria específicas da educação sexual, o Referencial de Educação para a Saúde (Direção-Geral da Educação & Direção-Geral da Saúde, 2017) inclui um tema ‘Afetos e Educação para a Sexualidade’, em que é referida a importância, desde os primeiros anos de escolaridade, de “Compreender e respeitar a diversidade na sexualidade e na orientação sexual”. Um dos subtemas de ‘Afetos e Educação para a Sexualidade’ trata a identidade de género, que é descrita como: “… a experiência interna e individual de género profundamente sentida por cada pessoa que pode, ou não, corresponder às expectativas sociais”, e tem como objetivo desenvolver a consciência de ser uma pessoa única no que respeita à sexualidade, à identidade, à expressão de género e à orientação sexual (Direção-Geral da Educação & Direção-Geral da Saúde, 2017).

Outro documento estruturante para a intervenção nas escolas, é a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (Governo de Portugal, 2017). Publicada em 2017, que resultou da proposta elaborada e apresentada pelo Grupo de Trabalho de Educação para a Cidadania, criado por despacho conjunto da Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade e do Secretário de Estado da Educação (Despacho n.º 6173/2016).

Uma das principais linhas orientadoras da Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania é proporcionar às crianças e jovens, ao longo dos diferentes ciclos, o desenvolvimento de competências e conhecimentos de cidadania em várias vertentes, designadamente valores e conceitos de cidadania nacional, direitos humanos, igualdade de género, não discriminação, interculturalidade, inclusão das pessoas com deficiência, educação para a saúde, educação para os direitos sexuais e reprodutivos e educação rodoviária. A Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania prevê o reforço da Educação para a Cidadania desde a Educação pré-escolar até ao final da escolaridade obrigatória.

Ao nível das políticas de igualdade, foi aprovado em 2018 o Plano de Ação para o combate à discriminação em razão da orientação sexual, identidade e expressão de género e características sexuais, no âmbito da ENIND (Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação 2018-2030).

Considerando as políticas públicas em Portugal, tem total enquadramento legislativo falar de orientação sexual e identidade de género nas escolas portuguesas, desde os primeiros anos.

O projeto Livros Viajantes Inclusivos

A literatura infantil é central para o desenvolvimento das atividades do projeto 'Livros Viajantes Inclusivos' e é o principal suporte para o seu desenvolvimento. Nos quatro anos letivos de 2015 a 2019, crianças da educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico participam em atividades organizadas com base na leitura de livros que contribuem para a desconstrução de estereótipos e preconceitos relacionados com a orientação sexual e a identidade de género. As crianças tiveram contacto, em ambiente educacional, acompanhadas por docentes das turmas e docentes bibliotecárias/os, com a diversidade da vida em sociedade, numa perspetiva inclusiva, de promoção de uma cidadania ativa e de respeito pelos Direitos Humanos. Uma das principais características deste projeto é promover atividades integradas no plano de atividades das bibliotecas escolares e/ou nas atividades regulares das aulas, implementadas por alguém que faz parte da comunidade escolar. Pretende-se evitar o desenvolvimento de atividades por pessoas exteriores ao espaço escolar, que só ocasionalmente estão presentes e que não podem garantir um acompanhamento regular e continuado das crianças. Esta característica do projeto promove a autonomia das/os docentes, o que potencia a sustentabilidade da iniciativa e a probabilidade de replicação em anos futuros, bem como a adaptação ao contexto específico de cada escola. Por essas razões, este projeto tem um alto potencial multiplicador.

Foram intervenientes neste projeto a Rede de Bibliotecas Escolares do Concelho de Setúbal, a Biblioteca Municipal de Setúbal, a Escola Superior de Educação de Setúbal, voluntárias/os da SEIES, professoras/es bibliotecárias/os, educadores/as de infância e docentes do Ensino Básico de cinco agrupamentos de escolas do concelho de Setúbal. Os cinco agrupamentos de escolas incluem seis Jardins de Infância, 20 Escolas de 1.º Ciclo, e seis Escolas do Ensino Básico e Secundário.

As/os voluntárias/os da SEIES garantiram o funcionamento do projeto, nomeadamente a sua divulgação na rede de bibliotecas escolares, a sensibilização de docentes e o acompanhamento das atividades realizadas nas escolas. Estas/es voluntárias/os são técnicas/os acreditadas/os pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) como formadoras/es na área de igualdade de género e não discriminação em função da orientação sexual e identidade de género.

As ideias chave do projeto são:

CIDADANIA - envolvimento de toda a comunidade educativa, potenciando o papel ativo das crianças e jovens na promoção da igualdade.

COLABORAÇÃO - construção conjunta com os/as docentes do plano de atividades a desenvolver com os livros infantojuvenis do projeto;

INCLUSÃO - abordagem de questões relacionadas com orientação sexual e identidade de género no contexto de atividades realizadas nas escolas, não limitando a sua abordagem a ações de educação sexual;

PARTILHA - reflexão conjunta sobre as atividades realizadas no contexto do projeto;

TRANSVERSALIDADE - atividades desenvolvidas na educação pré-escolar e no ensino básico, integrando as atividades a desenvolver nas atividades regulares das turmas;

Os livros infantis utilizados no projeto (Tabela 1) foram selecionados por contribuírem com as suas histórias para a desconstrução de estereótipos e preconceitos relacionados com a orientação sexual e a identidade de género. Os critérios de seleção foram: serem livros infantojuvenis; abordarem questões relacionadas com a orientação sexual e/ou identidade de género; incluírem referências não estereotipadas nem preconceituosas de personagens com orientação sexual não-heterossexual ou transgénero.

Tabela 1: Livros utilizados no projeto 

Autoras/es Nome do livro Editora
Ana Zanatti Teodorico e as Mães Cegonhas Objectiva
Bruno Magina A vila das cores escrit’orio editora
Filipe de Bruxelas Primeiro cresci no coração Associação ILGA Portugal
Joana Miranda e Sofia Neves A minha família é a melhor do mundo. E a tua? Fonte da Palavra
Justin Richardson e Peter Parnell Três com Tango kalandraka
Manuela Bacelar O Livro do Pedro Edições Afrontamento
Margarida Fonseca Santos Saber ao Certo Editorial Estampa
Margarida Fonseca Santos Ser quem sou Booksmile
Marta Morgado Luanda, Lua Surd´Universo
Todd Parr O Livro da Família Edições Gailivro
Xerardo Quintiá Titiritesa OQO PT

O projeto Livros Viajantes Inclusivos, em cada ano letivo, seguiu os seguintes passos para a sua implementação:

Divulgação em reunião da coordenação municipal das bibliotecas escolares;

Distribuição de um conjunto de Livros Viajantes Inclusivos às escolas/bibliotecas interessadas em aderir ao projeto;

Sensibilização de professores/as bibliotecários/as;

Integração do projeto nas atividades em desenvolvimento nas escolas;

Reuniões periódicas para apoio ao desenvolvimento do projeto;

Desenvolvimento ao longo do ano letivo de atividades sobre a temática com as/os alunas/os.

Ao longo dos anos letivos em que foi implementado, de 2015 a 2019, o projeto 'Livros Viajantes Inclusivos' teve como principais resultados, nos cinco agrupamentos de escolas envolvidos, o desenvolvimento de atividades de exploração de livros infantis com 20 grupos de crianças do pré-escolar e 156 turmas do 1.º ciclo, num total de cerca de 4000 crianças. Nas atividades realizadas em contexto de turma foram produzidos materiais de suporte à exploração de histórias, que circulavam entre as diversas escolas numa prática partilhada. Um exemplo ilustrativo da partilha dos materiais produzidos no contexto do projeto, foi o tapete com fantoches sobre a história do livro Titiritesa (ver Tabela 1). O tapete (Figura 1) produzido por uma docente bibliotecária, em conjunto com alunos/as de diversas turmas, circulou por todas as escolas do 1.º ciclo incluídas no projeto.

Figura 1: Tapete da história do livro Titiritesa 

No decorrer do projeto 'Livros Viajantes Inclusivos' foram realizadas diversas edições da ação de curta duração de 6 horas “Orientação sexual e identidade de género, qual o papel da escola?”, com muita adesão por parte das/os docentes. Esta ação de curta duração teve como objetivo exercitar competências de dinamização de atividades sobre temas relacionados com orientação sexual e identidade de género em contexto escolar e refletir sobre as barreiras e oportunidades relacionadas com o desenvolvimento destas atividades.

Para além das atividades realizadas em contexto de turma e das ações de curta duração, foram organizadas sessões públicas abertas à comunidade com autoras/es dos livros infantis, nomeadamente com Ana Zanatti, Richard Zimler e Margarida Fonseca Santos, foi estabelecida uma parceria com o Festival de Cinema da Escola Secundária Lima de Freitas, com exibição de filmes relacionados com o tema do projeto, foi desenvolvida uma exposição dos trabalhos realizados na oficina de formação na Escola Superior de Educação de Setúbal, e houve lugar à apresentação de um momento de arte performativa, criado por alunos/as do Curso Profissional de Artes do Espetáculo da Escola Secundária Ordem de Sant’iago no final da Marcha da Felicidade (iniciativa do projeto Jovens Impulsionador@s da SEIES), estendendo a visibilidade do projeto à cidade de Setúbal.

O projeto ‘Livros Viajantes Inclusivos’ permitiu o desenvolvimento de atividades em contexto escolar com base na exploração de livros infantis, em parceria com as bibliotecas escolares, sobre a não discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género. Por ser um projeto desenvolvido com a participação das/os docentes e ter uma componente de formação, acreditamos que o seu impacto se estenderá muito para além da sua duração temporal. Certamente ficarão as sementes de futuras ações de promoção de uma sociedade mais justa e inclusiva.

Após três anos da implementação do projeto, as/os docentes sentiram a necessidade de uma formação mais aprofundada, para além das ações de curta duração já organizadas. A equipa do projeto considerou que, para dar resposta a essa necessidade, teria de ser organizada uma formação que possibilitasse a criação de situações de socialização, em que cada um/a dos/as participantes tivesse a oportunidade de relatar as suas práticas efetivas, de as partilhar com as/os colegas, de as interrogar e, a partir desse trabalho, poder equacionar novos meios - processuais e técnicos - de as pôr no terreno. A oficina de formação LER PARA A IGUALDADE, realizada no último ano do projeto, veio dar resposta a esta necessidade.

Oficina de formação LER PARA A IGUALDADE

A oficina de formação LER PARA A IGUALDADE, realizada em parceria com a Escola Superior de Educação de Setúbal, foi acreditada pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua (CCPFC/ACC-93540/18, n.º créditos 1,4). A oficina de formação foi financiada pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG), no âmbito do concurso de 2017, para a seleção de projetos que visem promover a igualdade de género ou combater a discriminação com base na orientação sexual e identidade de género.

A oficina de formação permitiu desenvolver componentes do saber-fazer prático e processual e teve os seguintes objetivos:

• Delinear atividades sobre orientação escolar e identidade de género a desenvolver em contexto escolar, identificando objetivos, público-alvo e descrição da atividade a realizar;

• Produzir materiais manipuláveis, multissensoriais e interativos que sirvam de suporte à exploração dos livros infantojuvenis nas suas intervenções educativas;

• Assegurar a funcionalidade (utilidade) dos produtos obtidos na oficina, para a transformação das práticas;

• Refletir sobre as práticas desenvolvidas;

• Construir novos meios processuais ou técnicos.

A metodologia da oficina de formação nas sessões presenciais foi predominantemente uma metodologia ativa em que as/os participantes tiveram um papel fundamental no desenvolvimento das sessões. Esta metodologia promoveu o papel voluntário, ativo, interessado e consciente das/os participantes no seu processo de aprendizagem. Foram utilizadas diversas técnicas pedagógicas que incluíram: tempestade de ideias, dinâmicas de grupo, estudos de caso e jogo de papéis.

Nas sessões presenciais foi feita a exploração conjunta dos livros infantojuvenis disponíveis para a oficina de formação. Na componente de trabalho autónomo, os livros infantojuvenis foram o suporte das atividades a desenvolver nas escolas pelos/as participantes. Com base nos objetivos específicos desenvolvidos nas sessões presenciais (Tabela 2), foi feita a partilha, análise e debate das práticas desenvolvidas nas escolas pelos/as participantes no seu trabalho autónomo.

Tabela 2: Objetivos específicos da oficina de formação  

Objetivos específicos
Caracterizar a discriminação social em função da orientação sexual e da identidade de género
Identificar as especificidades da discriminação contra pessoas LGBT (Lésbicas, Gay, Bissexuais e Transgénero)
Refletir sobre políticas de igualdade
Exercitar competências de dinamização de atividades sobre temas relacionados com orientação sexual e identidade de género em contexto escolar
Produzir materiais de suporte à exploração dos livros infantojuvenis
Refletir sobre as barreiras e oportunidades relacionadas com o desenvolvimento de atividades sobre temas relacionados com orientação sexual e identidade de género em contexto escolar

No trabalho autónomo cada formando/a tinha de:

• Conceber e implementar na(s) sua(s) escola(s) uma atividade baseada num dos livros trabalhado nas sessões presenciais;

• Produzir um projeto da atividade a desenvolver, identificando objetivos, público-alvo e descrição da atividade a realizar;

• Definir as formas de recolha de registos produzidos pelos/as alunos/as;

• Produzir materiais manipuláveis, multissensoriais e interativos que sirvam de suporte à exploração dos livros infantojuvenis incluídos na oficina de formação.

Nas sessões presenciais, para além dos conteúdos definidos, foi feita a monitorização e avaliação das atividades e dos materiais de intervenção desenvolvidos no trabalho autónomo, bem como dos resultados com eles atingidos em resposta aos objetivos previamente definidos.

A oficina de formação decorreu com um total de 18 formandas/os, pertencentes a 15 escolas do concelho de Setúbal, dos quais 17 mulheres e um homem, sendo quatro educadoras de infância, seis docentes do 1.º ciclo e oito professoras/es bibliotecárias/os. Relativamente aos anos de experiência profissional, três tinham até 20 anos de trabalho em escolas, nove tinham entre 21 a 30 anos de experiência e seis tinham mais de 30 anos de experiência profissional.

Foram utilizados cinco exemplares dos livros do projeto “Livros Viajantes Inclusivos” identificados na tabela 1 deste artigo, com exceção do livro Titiritesa, de Xerardo Quintiá, por não estarem disponíveis cinco exemplares do mesmo.

Foram realizadas seis sessões presenciais de três horas cada (20 fevereiro, 27 fevereiro, 10 abril, 17 abril, 8 maio e 15 maio de 2018) e as/os formandas/os desenvolveram 18 horas de trabalho autónomo, num total de 36 horas.

Análise de expetativas

No início da formação foi aplicado um questionário de expetativas (Tabela 3) às/aos formandas/os.

Tabela 3: Questionário de expetativas 

Perguntas do questionário de expectativas
Já frequentou alguma formação sobre discriminação em função da orientação sexual e da identidade de género?
Motivações para a frequência da formação?
Que conhecimentos e competências espera desenvolver na formação?
Qual o público-alvo e contexto de intervenção do projeto que virá a desenvolver?
Como descreveria o seu contexto de intervenção no que diz respeito a estratégias de combate à discriminação em função da orientação sexual e identidade de género?
Quais os principais obstáculos que acha que irá encontrar na implementação do seu projeto/trabalho autónomo?
Quais as principais oportunidades que acha que irá encontrar na implementação do seu projeto?

Das/os 18 participantes da oficina de formação, só um/a já tinha frequentado outra formação sobre discriminação em função da orientação sexual e da identidade de género. Este número é indicador de que poucos/as docentes têm formação nesta área. No Centro de Formação Ordem de Sant’iago, que é responsável pela formação de docentes nos concelhos de Setúbal, Palmela e Sesimbra, as únicas ofertas de formação sobre esta temática foram as que estão relacionadas com o projeto “Livros Viajantes Inclusivos”, as ações de curta duração “Orientação sexual e identidade de género, qual o papel da escola?” e a oficina de formação LER PARA A IGUALDADE.

Das motivações para frequentar a formação, as que se destacam mais são: a necessidade de estar preparada/o para os desafios da sociedade atual, a falta de formação nesta área específica e o querer conhecer obras para abordar a temática. O facto de a formação possibilitar a troca de experiências, criação de materiais e contacto com livros para abordar as temáticas da formação, contribuindo para a melhoria pessoal e profissional, foram também identificados como motivação para a frequência desta formação.

Ao nível dos conhecimentos e competências que esperavam desenvolver na formação, foram identificadas como mais relevantes: aprender novas formas de trabalhar com alunos/as, conhecer novos materiais e abordagens, e estar mais atenta/o a estas temáticas.

Relativamente ao contexto de intervenção no que diz respeito a estratégias de combate à discriminação em função da orientação sexual e identidade de género, as/os participantes identificaram as suas escolas como locais onde existe respeito pela diversidade, com interesse pela temática, embora com inseguranças para abordar estas questões.

Em relação aos principais obstáculos que esperavam encontrar na implementação do projeto a desenvolver no trabalho autónomo, os mais significativos foram a possível estranheza e resistência das famílias, assim como a resistência dos/as próprios/as alunos/as por influência da sociedade. Outro obstáculo identificado foi a existência de receios ou preconceitos de colegas ou a não aceitação pelas/os professoras/es titulares de turma, em particular no caso das/os docentes bibliotecárias/os, que não têm turma própria e que têm/teriam de desenvolver as atividades da formação em parceria com outros/as colegas.

Foram referidas várias oportunidades passíveis de serem encontradas na implementação do projeto, tais como: tornar natural a abordagem deste tema em contexto escolar, intervir junto das famílias através das crianças, possibilidade de chegar a muitas crianças, criação de situações que promovam a mudança, promoção da articulação com outros/as colegas e a partilha de experiências.

Atividades realizadas

Foram desenvolvidas em contexto do trabalho autónomo diversas atividades com crianças e jovens das escolas onde as/os formandas/os estavam colocadas/os. Cada formanda/o podia escolher desenvolver o trabalho de forma individual ou em grupo, sendo que oito participantes optaram por fazer o trabalho autónomo individualmente e dez fizeram o trabalho em grupos de duas a três pessoas.

Cada formanda/o ou grupo de formandas/os tinha de escolher pelo menos um livro, do conjunto de livros disponibilizado na oficina de formação, e desenvolver atividades de exploração com as crianças e/ou jovens da sua escola. Alguns grupos de formandas/os tinham outros livros relacionados com o tema da formação nas suas bibliotecas que também foram utilizados.

Em alguns dos trabalhos autónomos foram utilizados mais de um livro, registando-se livros que claramente tiveram a preferência das/os participantes (Tabela 4).

Tabela 4: Número de trabalhos em que os livros foram escolhidos  

Nome do livro N.º de trabalhos
Três com Tango 7
O livro da Família 4
Luanda, Lua 3
A minha família é a melhor do mundo. E a tua? 3
Teodorico e as mães cegonhas 2
A vila das cores 2
Ser quem sou 1
Coisas de Meninas 1
Primeiro cresci no coração 1

No total dos trabalhos autónomos realizados na oficina de formação, foram desenvolvidas atividades com 83 grupos/turmas (16 da educação pré-escolar, 65 do 1.º ciclo, uma do 2.º ciclo e uma do 3.º ciclo), num total de 1968 crianças e jovens.

As atividades realizadas seguiram o modelo das práticas habituais das/os docentes na exploração de livros com as turmas. A história foi lida, as ilustrações dos livros foram analisadas, as crianças produziram trabalhos com base na história (desenhos, construções, etc.), foi promovido o diálogo sobre a história e a sua interpretação, foram elaboradas fichas de leitura, entre outras atividades. Importa salientar que todas as atividades realizadas à volta dos livros da oficina de formação foram semelhantes às atividades realizadas habitualmente com outros livros, dando corpo a uma das ideias chave do projeto ‘Livros Viajantes Inclusivos’, a inclusão - abordagem de questões relacionadas com orientação sexual e identidade de género no contexto de atividades realizadas nas escolas. Na figura 2 e na figura 3 podemos ver exemplos destas atividades.

Figura 2: Atividades realizadas com o livro Três com Tango 

Figura 3: Trabalhos realizados sobre o livro Luanda, Lua 

Não se verificou o receio relacionado com as reações das famílias, identificado no questionário de expectativas no início da oficina de formação. Foi unânime o testemunho de que não foram registadas reações negativas por parte das famílias relativamente a estas atividades. Provavelmente, por serem desenvolvidas atividades no contexto habitual da sala de aula, pelas pessoas que normalmente trabalham com as crianças.

Os constrangimentos equacionados inicialmente “Como irão os alunos reagir à abordagem destas temáticas? E os familiares?”, dissiparam-se durante o desenrolar deste processo. Se os houve, eu não dei por eles. Nenhum comentário inapropriado foi expresso. Acredito, que se algum familiar tivesse exprimido algum desse tipo, a criança que o ouvisse ter-me-ia comunicado espontaneamente. Isso deixa-me muito satisfeita com o trabalho realizado. Docente titular, 3.º ano

Outra dificuldade antecipada no início da formação era a possível resistência de colegas para se falar sobre os temas dos livros. Em nenhuma das escolas onde as/os participantes da formação desenvolveram os seus trabalhos foi registada resistência ou recusa em utilizar os livros propostos.

Realçando que não me deparei com qualquer obstáculo ou constrangimento relativo à sua prossecução, por parte dos diversos docentes. Professora bibliotecária, a exercer em duas escolas do 1.º ciclo

O facto de estes temas já fazerem parte da vida das crianças, de já terem ouvido falar de casamento entre pessoas do mesmo sexo e de crianças com duas mães ou dois pais, foi um facilitador para o desenvolvimento dos trabalhos. As atividades desenvolvidas vieram dar espaço para as crianças falarem sobre estas temáticas num ambiente seguro e promotor da não discriminação, como previsto na Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (Governo de Portugal, 2017).

A recetividade foi muito grande por parte das crianças, o que constituiu desde logo um aspeto facilitador. As temáticas também não eram estranhas para elas. De um modo geral, e no plano teórico, já sabiam (sobretudo as de 3.º ano) que é possível o casamento entre pessoas do mesmo sexo, à face da lei e também que é possível existirem filhos nesses casamentos, embora encarassem com alguma estranheza o processo medicamente assistido. Professora bibliotecária de escola do 1.º ciclo

As reações das crianças às histórias dos livros podem ser organizadas em dois grandes grupos, estranheza e apreciação positiva. Muitas vezes a mesma criança expressava as duas reações em simultâneo. Exemplos de testemunhos de alunas/os do 3.º ano:

“A família de Luanda é diferente. O que pensas da família de Luanda?” (questão colocada no contexto da exploração do livro Luanda, Lua que fala de uma família com duas mães)

Resposta 1: “Não importa que as mães sejam duas. Eu acho que a Luanda gosta muito delas. Só importa o carinho.”

Resposta 2: “A Luanda pode ter duas mães, mas o que interessa é o amor. A família de Luanda ama-se muito.”

Resposta 3: “A família de Luanda é amada pelas mães.”

Resposta 4: “É gira. A família de Luanda é estranha.”

Resposta 5: “A família de Luanda é bonita. A Luanda teve um irmão. A família de Luanda é uma coisa estranha.”

Resposta 6: "A família de Luanda tem duas mães casadas.”

A estranheza das crianças era por vezes mais acentuada e levantavam questões que requeriam alguma explicação por parte das/os docentes. Este tipo de questões (Figura 4), colocadas pelas crianças, é uma das razões pelas quais as/os docentes dizem necessitar de mais formação. Na presente oficina de formação, com o objetivo de dar resposta a esta necessidade, foram exercitadas competências de dinamização de atividades sobre temas relacionados com a orientação sexual e a identidade de género em contexto escolar.

Figura 4: Questões colocadas pelas crianças sobre O Livro do Pedro 

Foram trabalhados na oficina de formação exemplos de perguntas que as crianças podem fazer e possíveis respostas a essas perguntas . Por exemplo, na questão sobre como duas pessoas do mesmo sexo podem ter filhos/as era proposto como resposta: “As crianças aparecem nas famílias de muitas maneiras diferentes. Algumas famílias podem ter uma mãe e um pai, algumas têm uma mãe ou um pai e algumas têm duas mães ou dois pais. As crianças nas famílias às vezes são adotadas. O importante é ter uma família que ama e cuida da criança.”

Falar de orientação sexual e identidade de género com as crianças não significa transmitir ideias sem espaço para o questionamento e para as dúvidas. O mais importante é dar espaço para as crianças poderem dizer o que pensam sem medo de serem criticadas, aprenderem a importância do diálogo e do debate de ideias. Esta foi a principal mensagem da oficina de formação. O objetivo era colocar as crianças a pensarem na diversidade de realidades que existem na sociedade numa perspetiva inclusiva. Pelos testemunhos das/os participantes podemos dizer que este objetivo foi alcançado.

Desta forma, a nossa postura, não foi a de ditar o que é certo ou errado, mas de ouvir as crianças, saber o que eles pensam ou sentem e esclarecer algumas das suas dúvidas, partindo das suas reflexões e partilhas individuais para crescer e, em alguns casos, ajudar na construção pessoal. Docente titular, 4.º ano

Após as conversas sobre as histórias e atividades realizadas, os registos feitos pelas crianças refletiram ideias claramente positivas sobre as situações apresentadas nos livros. O tema ‘família’ foi o mais presente nos diversos livros escolhidos para as atividades e é um tema muito central e importante para as crianças.

Analisando as opiniões e conclusões dos meus alunos (com apenas 6 anos) “O mais importante é o amor”, “Os filhos são amados da mesma maneira”, “Uma família é feliz quando todos se portam bem, não batem e são saudáveis”, “O mais importante é sermos amigos e unidos” e “Não. O mais importante é sermos bem tratados.” posso sentir-me agradecida/orgulhosa por estar a formar pequenos cidadãos conscientes da verdadeira dimensão da palavra família, pois desconhecendo o estudo de investigação científica referem que “O mais importante é o amor”. Docente titular, 1.º ano

Um dos produtos finais da oficina de formação foi um ‘Guião de Leitura de Livros Inclusivos LGBT ’, que orienta as/os docentes na exploração de livros infantojuvenis sobre a não discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género. A mensagem principal do guião pode ser resumida na seguinte orientação: “Explorar os livros como o fazem habitualmente com outros livros, estes são livros infantojuvenis e devem ser abordados com a mesma naturalidade com que se aborda outras temáticas. Se alguma criança tiver uma reação menos positiva em relação a algum dos aspetos da história devemos deixá-la falar promovendo o debate sobre as questões levantadas. O debate sobre qualquer tema, mas principalmente sobre estes temas, deve estar organizado de forma a que cada criança saiba ouvir o que os outros dizem, tente justificar as suas opiniões e, principalmente, que todos/as se sintam seguros/as para expressarem as suas dúvidas, opiniões e sentimentos. Não existem mensagens ‘certas’ a passar, o importante é proporcionar às crianças a oportunidade de terem contacto com outras realidades numa perspetiva de igualdade e respeito.”

Nas reflexões sobre o impacto da formação na sua prática profissional, foi muito positivo registar intenções claras de continuar a trabalhar estas temáticas. Este é o resultado mais importante da oficina de formação o impacto nas futuras práticas profissionais.

Para o próximo ano pretendo continuar a trabalhar estas temáticas, a partir da Biblioteca Escolar e da leitura de livros inclusivos LGBT, não só nesta escola, como noutras escolas de agrupamento. Professora bibliotecária

Não podemos deixar de abordar estes temas; foi claro para mim e para os professores, que participaram nas atividades desenvolvidas, que as crianças precisam de falar sobre tudo isto. Ao promovermos este trabalho não estamos apenas a trabalhar as questões da identidade de género e orientação sexual, criou-se um espaço para dialogar e refletir sobre nós e sobre o outro, o que contribui para a formação de pessoas responsáveis, autónomas, solidárias, que conhecem e exercem os seus direitos e deveres em diálogo e no respeito pelos outros. Docente titular, 4. º ano

Avaliação da formação pelas/os formandas/os

No final da oficina de formação, as/os participantes responderam a um questionário de satisfação, online e anónimo . O questionário tinha como objetivo avaliar a satisfação com a oficina de formação, quais os aspetos positivos, os aspetos a melhorar, grau de satisfação com as diferentes dimensões da formação (estrutura da oficina, recursos disponibilizados, atividades propostas, atividades de avaliação) e utilidade para a vida profissional.

O grau de satisfação com a oficina de formação (Figura 5) foi claramente positivo.

Figura 5: Em que medida está satisfeita/o com a oficina de formação? (respostas em número absoluto) 

Relativamente às dimensões identificadas como sendo as mais positivas da oficina de formação, estas estavam relacionadas com: partilha, troca de experiências, atualidade e pertinência da temática, conhecer mais literatura para a igualdade, contacto com livros para poder explorar a temática em sala de aula e desconstrução de preconceitos. Relativamente a dimensões da formação que consideraram dever ser melhoradas, foram identificadas: as condições acústicas da sala de formação, aumentar o número de horas da formação, a necessidade de mais tempo para a apresentação dos trabalhos dos vários grupos, abranger mais docentes de diferentes níveis e a possibilidade de se ter a presença de autoras/es dos livros.

As/Os participantes revelaram um elevado grau de satisfação com as várias dimensões da oficina de formação (Figura 6), nomeadamente a estrutura da oficina, os recursos disponibilizados, as atividades propostas e as atividades de avaliação.

Figura 6: Em que medida está satisfeita/o com as seguintes dimensões da oficina de formação? (respostas em número absoluto) 

Um dos aspetos mais relevantes foi a apreciação muito positiva da utilidade da oficina de formação para a prática profissional das/os participantes (Figura 7).

Figura 7: Em que medida a formação foi útil para a sua prática profissional? (respostas em número absoluto) 

As razões apontadas para a formação ser considerada muito/ bastante útil para a prática profissional foram maioritariamente: aliar ao enquadramento teórico uma atividade prática ligada à animação da literatura infantojuvenil, que passou a integrar a prática pedagógica; troca de experiências entre colegas, que permitiu conhecer a diversidade de abordagens aos livros; enriquecer a formação profissional e pessoal colmatando constrangimentos e inseguranças na abordagem de temas menos comuns; ajudar na área da Formação Pessoal e Social das crianças; prevenir a discriminação com base na orientação sexual e identidade de género.

Lições aprendidas e possibilidades futuras

Existe uma clara necessidade de desenvolvimento da educação para a cidadania nas escolas, em particular sobre questões relacionadas com orientação sexual e identidade de género (Agency for Fundamental Rights, 2020; Ferreira, 2011). Projetos como o ‘Livros Viajantes Inclusivos’ permitem abordar estas temáticas de forma integrada nas atividades que as escolas desenvolvem com base nos livros infantojuvenis. A principal característica do projeto, o facto de ser implementado por docentes da escola com base em atividades que fazem parte do dia a dia da relação pedagógica, como a exploração de livros infantojuvenis, tem um elevado potencial de ser bem aceite pela comunidade escolar e de se multiplicar em anos letivos futuros. O projeto ‘Livros Viajantes Inclusivos’ demonstrou que um pequeno projeto pode ter um grande alcance, não só ao nível do número de crianças e jovens envolvidos/as, mas também no impacto nas atitudes das/os docentes que participaram.

Um aspeto a salientar é o papel das bibliotecas escolares na disseminação do projeto por várias escolas. As bibliotecas escolares conseguem promover atividades em várias escolas e apoiar as/os docentes no desenvolvimento de atividades centradas nos livros. No caso do presente projeto, o papel das/os docentes bibliotecárias/os foi crucial, quer ao nível do acolhimento do projeto nas reuniões da coordenação municipal das bibliotecas escolares no início de cada ano letivo, quer na sua participação como formandas/os da oficina de formação.

Um dos principais resultados do projeto foi a constatação de necessidade de formação específica por parte das/os docentes para abordarem temas relacionados com a orientação sexual e a identidade de género em contexto escolar com base na exploração de livros infantojuvenis. É fundamental que as/os docentes desenvolvam conhecimentos mais aprofundados sobre estas questões de Direitos Humanos para poderem abordar esses temas com rigor científico e com segurança. Para as/os docentes fundamentarem as suas práticas docentes sobre estas temáticas, no contexto atual do nosso país, é importante terem a oportunidade de refletir sobre a situação portuguesa em termos de legislação e contexto social relacionados com a orientação sexual e a identidade de género, assim como sobre as políticas de promoção de igualdade. Para a dinamização de atividades com base em livros infantojuvenis que abordam de forma positiva temas relacionados com orientação sexual e identidade de género, as/os docentes devem exercitar competências que lhes permitam delinear estratégias de intervenção e produzir materiais de suporte à exploração dos livros.

Ao falarmos sobre orientação sexual e identidade de género é particularmente importante promover momentos de discussão com os/as participantes para facilitar a troca de ideias, questões e dúvidas que possam ter. É fundamental que a formação se organize como um espaço seguro onde cada participante se sinta apoiada/o na partilha das suas ideias. A oficina de formação LER PARA A IGUALDADE possibilitou a partilha das atividades realizadas nas escolas com os livros viajantes inclusivos e a reflexão conjunta sobre os desafios, oportunidades e obstáculos encontrados. Dessa reflexão conjunta foi possível desenvolver e consolidar competências de dinamização de atividades sobre temas relacionados com orientação sexual e identidade de género em contexto escolar.

As/Os docentes que integraram a oficina de formação produziram trabalho conjunto de natureza reflexiva e prática, com base nas atividades desenvolvidas nas escolas. O resultado da oficina de formação foi francamente positivo, tendo em conta os trabalhos desenvolvidos e a avaliação feita pelas/os formandas/os.

Para a continuação do projeto ‘Livros Viajantes Inclusivos’ seria necessário continuar a investir em oficinas de formação como a LER PARA A IGUALDADE, com o objetivo de apoiar cada formando/a na construção e fundamentação de projetos em que se envolve ao nível formativo sobre temas relacionados com a orientação sexual e a identidade de género.

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Recebido: 18 de Dezembro de 2021; Aceito: 07 de Março de 2022

Nota Biográfica Eduarda Ferreira é investigadora do CICS.NOVA - Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais, na FCSH/NOVA, Portugal. Com formação em Psicologia Educacional, mestrado em Sistemas de Gestão de e-Learning e PhD em Geografia Humana, os seus interesses de investigação, são: género e sexualidades, inclusão digital e igualdade de género. É membro fundador da Rede de Estudos de Geografia, Género e Sexualidade Ibero Latino-Americana (REGGSILA), membro do Space, Sexualities and Queer Research Group, e editora da secção LES Online da Revista Latino-Americana de Geografia e Género (RLAGG). Participou em diversas Comissões Organizadoras de Conferências, nomeadamente, é membro do comité de direção da European Geographies of Sexualities Conference. Publicou e apresentou comunicações sobre género, sexualidades e tecnologias digitais. Página pessoal www.eferreira.net Centro Interdisciplinar De Ciências Sociais (CICS.NOVA - NOVA FCSH), Colégio Almada Negreiros | Campus de Campolide, 1070-312 Lisboa, Portugal / e.ferreira@fcsh.unl.pt

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