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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES  no.32 Lisboa jun. 2016

 

RESENHA

 

Recensão do livro "A Cidade Social - Impasse. Desenvolvimento. Fragmento"

Review of "A Cidade Social - Impasse. Desenvolvimento. Fragmento"

 

 

Maria Assunção GatoI

[I]ISCTE-IUL/ DINÂMIA'CET-IUL, Instituto Universitário de Lisboa, Portugal. e-mail: maria.gato@iscte.pt.

 

 

A Cidade Social - Impasse. Desenvolvimento. Fragmento

Ricardo Carvalho

Lisboa: Tinta-da-China, 2016

 

O recente livro A Cidade Social, da autoria de Ricardo Carvalho, resulta de um exigente trabalho de síntese desenvolvido pelo autor a partir da sua dissertação de doutoramento em Arquitetura. Centrada na habitação coletiva como forma de produzir e conceber a cidade, esta obra afirma-se como referência não só para a arquitetura, como também para outras áreas científicas que trabalham sobre as temáticas da habitação e sobre a inextrincável relação entre sociedade e produção urbana. Acresce ao interesse particular da obra o facto de ela apresentar uma aturada e crítica retrospetiva sobre os modelos urbanísticos e habitacionais dominantes do século XX, procurando neles referenciais para os contemporâneos modos de produção de cidade e de espaços de vida doméstica.

Através do conceito de Cidade Social, assumido como objeto central deste trabalho, Ricardo Carvalho não só procura reabilitar o significado da forma urbana enquanto elemento imprescindível a um entendimento relacional dinâmico entre a habitação e a cidade a diversas escalas, como também revalorizar um legado social de produção de cidade e de construção de habitação coletiva.

Nas suas palavras, "Os modos de produção de cidade, desde a segunda metade do século XX até à cidade contemporânea, fundaram-se na especialização da forma e do tipo, à qual se juntou o abandono progressivo do Estado como promotor de habitação de interesse social. A mobilidade rodoviária alterou profundamente os pressupostos das matrizes modernas em termos de reflexão e desejo sobre a forma da cidade. A sobreposição de todos estes factos parece ter exaurido a possibilidade de construir habitação coletiva com significado." (Carvalho, 2016:219). Através desta última frase o autor acaba justificando a pertinência de todo o percurso analítico/interpretativo realizado neste livro, ao mesmo tempo que o legitima enquanto referência importante para entender a arquitetura, o planeamento urbano e a habitação coletiva de promoção pública.

Estruturalmente, esta obra encontra-se organizada em cinco pontos, sendo o último composto apenas por uma breve conclusão. A abrir, o ponto um é dedicado ao "Habitar" e nele o autor, cumprindo com o subtítulo escolhido, realiza uma digressão sobre o(s) significado(s) associados à casa e ao ato de habitar. Através de uma reflexão teórica historicamente contextualizada com uma forma particular de fazer e entender a arquitetura, o autor introduz o tema da habitação coletiva e do habitar no espaço da cidade, procurando demonstrar não só a relação de correspondência entre os modelos urbanos e os modelos sociais nos séculos XIX e XX, como também a forma da arquitetura responder às representações sociais e culturais que se foram sucedendo no tempo.

"Fazer a Casa", no ponto dois, aprofunda a relação entre sociedade e território através do enfoque na forma urbana e apresenta uma série de exemplos ilustrativos de movimentos europeus que influenciaram a maneira de pensar e projetar, quer a habitação coletiva, quer a cidade. Da cidade-jardim francesa ao siedlung alemão passando por bairros portugueses, uma das características que se pode sublinhar neste ponto é a articulação interpretativa usada pelo autor para relacionar os seus exemplos.

O mesmo se poderá dizer sobre o ponto três, onde se apresenta uma extensa reflexão dedicada a ensaios e pensamentos produzidos por vários arquitetos europeus sobre o tema da casa e da habitação coletiva. Tendo por mote "Os arquitetos escrevem", este terceiro ponto chama a atenção para as influências reformistas e revolucionárias herdadas pela arquitetura do século XX e para as questões do individual e do coletivo através de três pontos interpretativos: a casa como fenómeno coletivo; a aspiração a um sistema de validação universal; a reprodutibilidade e identidade.

Por fim, o ponto quatro - "Construir o bairro: Portugal (1930-1970)" - é dedicado à Casa Portuguesa focando vários aspetos que são essenciais para compreender a formulação deste debate à luz do contexto histórico-temporal escolhido, como é o caso da política ou da identidade cultural. Num primeiro momento é apresentada uma ampla e didática análise sobre a arquitetura de cariz social que se produziu ao longo do século XX, acompanhada dos respetivos protagonistas, movimentos e influências que lhes serviram de inspiração. Num segundo momento são apresentados e analisados com mais detalhe exemplos desses bairros que, de norte a sul do país e não ignorando as ilhas, constituem um legado arquitetónico importante em termos de habitação coletiva. Essa análise é feita de acordo com a tríade que também serve de subtítulo a esta obra - Impasse, Desenvolvimento, Fragmento

- e que tanto remete para a questão das formas urbanas, como para as questões sociais, culturais e políticas que condicionaram a maneira de pensar, produzir e dar significado à cidade e à habitação coletiva.

Face ao descrito sublinha-se a relevância desta obra no panorama das publicações portuguesas mais recentes, não só porque enquadra o contexto português dedicado à habitação coletiva na história da arquitetura europeia do século XX, como chama a atenção para dimensões importantes do habitar que, por vezes, parecem passar despercebidas à arquitetura contemporânea e às formas atuais de pensar a cidade social.

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