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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES  no.32 Lisboa jun. 2016

 

RESENHA

 

Recensão do livro "Cities and the Cultural Economy"

Review of "Cities and the Cultural Economy"

 

 

Ricardo Venâncio LopesI

[I]ISCTE-IUL/ DINÂMIA'CET-IUL, Instituto Universitário de Lisboa, Portugal. e-mail: ricardovenanciolopes@gmail.com.

 

 

Cities and the Cultural Economy

Tom Hutton

London and New York: Routledge, 2015

 

A relação da economia da cultura com a cidade emergiu nos últimos trinta anos como um dos mais proeminentes sectores dos estudos urbanos. Thomas Hutton introduz-nos com o livro Cities and the Cultural Economy (editado pela Routledge, 2015) uma síntese bastante abrangente da literatura e discussões produzidas sobre a temática. O livro insere-se numa colecção editada por Malcolm Miles e John Rennie Short, intitulada Critical Introductions to Urbanism and the City.

Conforme Thomas Hutton indica no preambulo, o livro não pretende ser exaustivo em cada uma das temáticas exploradas, quer por si ao longo dos últimos anos, quer pelos diversos autores que visita ao longo da obra. Pretende sim introduzir os principais elementos em discussão neste campo, servindo como alicerce de uma temática complexa e que tem estado muito presente no discurso vigente nos últimos anos.

Passando pela grande maioria dos autores-chave que marcaram a discussão da temática, como Allen Scott, Andy Pratt, Sasken Sassen, Malcolm Miles, Charles Landry, Richard Florida, Franco Bianchini, Stefan Krätke, Ann Markusen, ou Luciana Lazzeretti, entre outros, Thomas Hutton articula em termos históricos, políticos, sociais, físicos, económicos e tecnológicos as alterações que levaram à florescente afirmação da economia da cultura. Esta é aqui entendida como um campo onde se inserem, para além das artes e das actividades culturais mais consensuais, os novos media, as artes digitais, a música e o cinema, a indústria do design, tal como o consumo e espectáculo associado às cidades. Assume-se actualmente como o terceiro maior sector económico em cidades como Londres, Berlim, Nova Iorque, São Francisco ou Melbourne, e apresenta uma cada vez maior importância no Leste Asiático (ex., Tóquio, Shanghai, Hong Kong e Singapura) e nos países do Sul Global (ex., Mumbai, Cidade do Cabo ou São Paulo).

Thomas Hutton não se limita a articular a efervescente dinâmica que se desenvolveu a partir dos anos 90, contextualiza em termos históricos as condições que levaram ao engajamento deste sector da economia na contemporaneidade, reflectindo sobre a importância que a cultura, as actividades criativas e a arte sempre tiveram ao longo de várias civilizações (Hall, 1998; Scott, 2000), e alicerçando as alterações económicas, sociais e tecnológicas que levaram à sua afirmação. Deixa de ser um sector económico considerado como acessório, quando comparado com sectores como o da banca ou das finanças, para se afirmar como um dos mais importantes do final do século XX e início do século XXI nas principais cidades do Norte e do Sul Global (Pratt, 2009). Contudo Thomas Hutton alerta os leitores logo na introdução para a importância das relações sociais, políticas e dos factores relacionais (Boschma, 2005) como elementos-chave para as diversas dinâmicas culturais, que tradicionalmente são diminuídas do discurso, perante a importância de sectores como o da "indústria", "empresas" e "trabalho" que representam os elementos mais proeminentes da produção e consumo cultural.

O pós-fordismo e, consequentemente, o pós-industrial assumem-se como os períodos-chave que balizam as dinâmicas que marcaram a economia da cultura nos últimos anos. Diversas cidades do Norte Global assistiram durante o século XX à queda da produção em massa e do seu sector industrial (Bell, 1973), perante a pressão de "novas-economias" do mercado global como o Leste Asiático. A progressiva redução de importância da manufactura levou a uma profunda alteração das suas características económicas, urbanas, sociais e laborais, gerando uma "nova economia" assente no consumo e serviços ou, pelo menos, em que a componente imaterial dos bens se tornou dominante em todos os processos produtivos, e o conteúdo informacional passou a ser a chave da criação de valor. É neste contexto que as actividades criativas se assumem como alvo privilegiado de reflexão em diversas áreas disciplinares, devido ao importante papel que terão na transformação e revitalização das cidades e da sua economia - com diversas áreas abandonadas durante o período pós-industrial um pouco por todo o mundo a serem revitalizadas com esse mote e utilizadas para atrair capital e talento.

Artistas e novos gentrifiers começam então nos anos 90 a recolonizar antigas áreas abandonadas das cidades. Esta nova classe média de profissionais que se afirma na nova divisão global de trabalho estará fortemente ligada à afirmação da economia cultural. Tal como Charles Landry contextualizava, este é um sector fortemente marcado pelo seu contexto de inter-relações sociais e consequentemente de relações físicas com a cidade - a arquitectura, o espaço construído, a expressão e produção cultural imiscuem-se. Estas lógicas de aglomeração potenciaram as dinâmicas criativas e levaram à gentrificação de territórios que se encontravam em elevado estado de degradação. Antigas fábricas e bairros operários em transformação nos limites periféricos das cidades, bem como bairros centrais decadentes disponibilizaram o espaço necessário para a aglomeração de actividades sociais e económicas destes novos gentrifiers. Estes encontram nestes locais uma carga identitária e histórica para a afirmação dos seus novos estilos de vida, marcados por atitudes muito diversas e frequentemente por fortes movimentos de contra-cultura. Contudo, e, apesar de estas serem zonas da cidade como menos pressão relativa em termos imobiliários, estamos perante processos sempre marcados por conflitos de uso entre residentes "tradicionais" e novos gentrifiers, antigos e novos usos.

O Reino Unido e a cidade de Londres surgem ao longo de todo o livro como um dos mais recorrentes exemplos de análise das actividades criativas, devido aos inúmeros estudos existentes. É disso exemplo o esquema realizado pela Arts and Humanities Research Council, UK, que disponibiliza um interessante quadro de divisão de actividades culturais, segmentado em quatro grandes grupos: Cultural Production and Preservation; Creative Activities ; Creative Communication; e Creative Interfaces. Ou, os números disponibilizados pelo Department for Culture, Media and Sport (DCMS-UK), que nos revelam a importância das indústrias criativas para a economia britânica, estimada em £112.5 mil milhões ou, os 1.3 milhões de empregados (em 2001), bem como o recorrente exemplo da área de Shoreditch e Hoxton (East London), antigas zonas industriais que foram reabilitadas por um vasto programa assente nas indústrias criativas. Shoreditch e Hoxton assumem-se nos anos 1990's como umas das zonas mais efervescentes em termos culturais a nível mundial (Pratt, 2009). A antiga zona industrial apresentava uma série de características físicas e identitárias para a fixação dos jovens criativos que se implantam nesta zona, através de vários fluxos migratórios, desde movimentos dentro da cidade de Londres até aos mais diversos pontos do globo, em busca destes novos modos de vida. A conexão entre artistas e os bairros tem sido um tema central no discurso sobre gentrificação nos últimos anos. Contudo se artistas e criativos definem a primeira leva de apropriações dos bairros pós-industriais rapidamente são substituídos por empresas e classes criativas com maior capacidade económica produzindo em poucos anos uma nova recomposição sócio-económica destes territórios, conforme lamenta Andy Pratt perante o exemplo da substituição da dinâmica cultural inicial, mais informal, da comunidade de Hoxton, por uma zona tecnológica e financeira. Numa economia onde o informalismo e a precariedade estão fortemente associados à classe trabalhadora, torna-se praticamente impossível para os "criativos", após criarem reputação no território suportarem, as pressões do mercado imobiliário. Isto leva a uma das várias interrogações que Thomas Hutton nos deixa na conclusão do livro: será a economia da cultura um pilar da economia urbana contemporânea? Ou, apenas um instrumento ao serviço de interesses económicos maiores?

Concluímos referindo que Thomas Hutton está especialmente interessado no modo como processos globais remodelam as práticas a nível local. Através de análises urbanas particulares estabelece leituras que englobam a transformação residencial em espaços que são assumidos como locais de produção cultural, performance e consumo - aliados a processos de transformação urbana.

No discurso da competitividade em torno das cidades globais a intensa competição através da mobilização do diferenciador e do especifico, onde o cultural tem um papel fundamental, associada ao mercado de trabalho criativo, ao turismo, etc., são instrumentos de extrema importância. Esta relevância não deve ser só vista em termos económicos, mas também como potencial de encontro, troca, expressão e realização. Daí ser extremamente importante pensar-se na vitalidade e sustentabilidade destes territórios e classes. O livro termina com um ponto de situação do estado da arte e com uma série de pertinentes perspectivas e interrogações em torno do presente e futuro da economia da cultura.

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