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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES  no.35 Lisboa dez. 2017

 

RESENHA

 

Recensão do livro "Arquitectura Popular: Tradição e Vanguarda / Tradición y Vanguardia"

Review of "Arquitectura Popular: Tradição e Vanguarda / Tradición y Vanguardia"

 

 

Manuel Villaverde CabralI

[I]Instituto de Ciências Sociais – Universidade de Lisboa, Portugal. e-mail: mvillaverdecabral14@gmail.com.

 

 

Arquitectura Popular: Tradição e Vanguarda / Tradición y Vanguardia

Paula André e Carlos Sambricio

Lisboa: DINÂMIA'CET-IUL, 2016

 

O tema abordado é claramente enunciado no título e a colectânea coordenada por Paula André e Carlos Sambricio insere-se num conjunto bibliográfico já relativamente abundante entre nós. [2] A presente colectânea tem, pois, como objecto relacionar a chamada arquitectura popular com a vanguarda arquitectónica difundida a partir do movimento modernista internacional, com referência em particular a Portugal e Espanha no século XX. Entre nós, o primeiro texto que abordou o tema, ainda que indirectamente, terá sido um pequeno artigo do arquitecto Victor Palla intitulado «O lugar da tradição», publicado há 70 anos [3] , onde o futuro co-autor do foto-livro Lisboa – cidade triste e alegre (1959), procurava reconstruir a noção de «tradição» manipulada pelo regime ditatorial português de então contra o modernismo no sentido de conceber a «tradição» não como algo estático e intocável, mas sim como um momento evolutivo e inspirador do processo de modernização da arquitectura.

Não é possível, no espaço de que disponho, comentar aprofundadamente as breves apresentações dos coordenadores e os sete textos individuais deste volume bilingue. Anote-se, contudo, a convergência da maioria dos autores ao assumirem a polissemia da noção de arquitectura popular ora como regional, tradicional ou rural; ou ora ainda, mais recentemente, como vernacular, isto é, caracterizada pelo anonimato versus a autoria. Em suma, a arquitectura popular seria distinta mas não necessariamente oposta à erudita na medida em que ambas teriam em comum a sua base funcional e adaptada aos materiais construtivos e às circunstâncias da construção.

Os dois primeiros textos – de Paulo Simões Rodrigues sobre Portugal e de Eric Storm sobre Espanha – fornecem o «background» histórico desse confronto entre a arquitectura vernacular e a erudita. Com efeito, antes mesmo da eclosão da arquitectura moderna na sequência das vanguardas artísticas das décadas de 1910 e ‘20, já essa confrontação emergira do discurso político-intelectual sobre a identidade nacional e da própria pesquisa etnográfica, contribuindo para a busca de «estilos nacionais» que caracterizariam e preservariam a «alma da nação». Tal chegou a acontecer com o «neo-manuelino» em Portugal e com estilos «historicistas» equivalentes em Espanha, vindo a dar origem a propostas como a «casa portuguesa» de Raul Lino, a qual acabou por chocar com as primeiras experiências arquitectónicas modernizadoras já no Estado Novo. Entretanto, a comparação que os dois textos citados permitem fazer entre Portugal e Espanha mostra que, se é exacto que as tendências portuguesas são paralelas às espanholas, já o movimento em Espanha era bastante mais intenso e possuía bases materiais muito mais sólidas.

Por seu turno, o importante texto de Paula André intitulado «Etnogenia, fotogenia, etnologia» vai abordar a bibliografia e a documentação, nomeadamente fotográfica, existentes sobre a arquitectura popular em Portugal na primeira metade do século XX, dando particular atenção à investigação do antropólogo Jorge Dias (formado na Alemanha durante o período hitleriano, viria a falecer em 1973) e da sua equipa, bem como do geógrafo Orlando Ribeiro, os quais colaboraram activamente no Congresso Internacional de Geografia realizado em Lisboa em 1949 a propósito do qual publicaram ampla informação ilustrada. Porém, se é exacto que um colaborador do grupo de Jorge Dias como Fernando Galhano iniciara desde 1926 a produção de desenhos e fotos sobre a arquitectura popular, não é menos certo que os grandes livros abundantemente ilustrados dos sobreviventes dessa equipa sobre as actividades rurais e marítimas populares só foram publicados por eles depois do 25 de Abril pela Imprensa Nacional num contexto histórico e arquitectónico completamente diferente.

Em contraste com as concepções nacionalistas de Jorge Dias e de Orlando Ribeiro, que mantiveram nos anos ‘40 ligações ao SNI de António Ferro e à sua campanha de «ressurgimento étnico» ligada à criação do futuro «Museu de Arte Popular», a autora evoca o papel da imagem fotográfica – por assim dizer, objectivista – no grande inquérito à habitação rural realizado pelo Instituto Superior de Agronomia [4] , cujos primeiros volumes funcionaram na altura como um «contra-discursos» oposto à propaganda do regime. Segundo as pesquisas de Paula André, os Arquitectos apenas vão entrar nesse debate no pós-guerra, sendo de citar as significativas palavras de um jovem aluno da Escola de Belas-Artes do Porto, concretamente em 1945: «A arte moderna não é uma criação artificial mas vem em consequência do desenvolvimento da cultura, da técnica, da indústria do nosso tempo… Entre nós… está ainda muito balbuciante: anda-se muito em volta dos “manuelinos”, dos “pombalinos”, dos “raulinos”»! No mesmo ano, Fernando Távora, num artigo sobre «O problema da casa portuguesa», preconiza a promoção de estudos tanto populares como eruditos numa linha timidamente funcionalista. No ano seguinte, Keil do Amaral advoga na revista Arquitectura um tal inquérito como «uma iniciativa necessária».

Finalmente, em 1955, Távora faz um modesto ensaio de inquérito às expressões e técnicas arquitectónicas tradicionais portuguesas no âmbito da Exposição Magna da ESBAP, onde foi também exibida abundante documentação fotográfica coordenada por Keil do Amaral nos anos '50 e que levará mais tarde ao lançamento dessa obra famosa que é hoje o Inquérito à Arquitectura Popular publicado em 1961 pelo Sindicato Nacional dos Arquitectos. Neste percurso se encontraria, tanto para a autora como para outros pesquisadores mencionados de início, um elo virtuoso de ligação entre o estudo da arquitectura vernacular então ainda sobrevivente e a consagração do estilo erudito moderno.

Ao pormenorizado texto de Paula André sobre Portugal corresponde, de algum modo, o artigo sobre a experiência espanhola do outro coordenador desta colectânea, Carlos Sambricio, com um título algo paradoxal pedido de empréstimo a Ortega y Gasset mas, neste caso, claramente programático: « Tradición significa cambio»! Desde logo, Sambricio coloca o problema no contexto do primeiro pós-guerra e, concretamente, da crise da construção popular em sentido não só vernacular mas também da habitação urbana. Segundo ele, foi a indústria da construção civil e a engenharia que responderam à emergência socioeconómica da crise, ao mesmo tempo que haverá da parte da ditadura do General Primo de Rivera (1923-1930) uma actuação estatal muito mais firme do que em Portugal, com uma exposição e concurso sobre a «Casa Regional» em 1926 e a reforma dos estudos de Arquitectura, até à Exposição de Sevilha em 1929, tudo isto sob a nostalgia do «popular» e/ou do «histórico»...

Pelo seu lado, antecipando o que sucederia mais tarde em Portugal, Sambricio debate-se com a interrogação tipicamente corporativa dos arquitectos modernistas acerca daquilo que estes designam por «sinceridade arquitectónica», desdobrada em Espanha em debates acesos sobre «a verdadeira e a falsa arquitectura popular» evocadas a propósito do exemplo de Ibiza de uma «arquitectura sem arquitectos». Entretanto, o Estado espanhol – com o advento da República democrática (1931) – continua a ter neste campo uma actuação sem medida comum em Portugal até à consolidação do Estado Novo, com a criação dos «paradores», dos quais o SNI se inspiraria até ao famoso pavilhão na Exposição de Paris já durante a Guerra Civil (1937), onde a Espanha republicana pretende apresentar a « realidad de un pueblo» distinta das imagens «folcloristas».

Sem prejuízo dos textos que ficaram por analisar, é possível concluir que Carlos Sambricio não só não contradiz como vai mais longe do que Paula André ao afirmar que já então « vanguardia y arquitectura popular constituían – tras algo más de 30 años de reflexión – no un binómio sinó una única forma de pensar la arquitectura». Na minha opinião, contudo, esta conclusão, que se abona no «realismo crítico» de um Kenneth Frampton e se estenderia de Alvar Aalto a Siza Vieira, carece ainda de uma demonstração cabal que não se arrisque a ser tomada como especulação retrospectiva e metafórica, embora haja autores portuguesas que defendem em Portugal ideias próximas das de Sambricio sobre o elo virtuoso entre arquitectura popular e arquitectura moderna, como Pedro Vieira de Almeida e Helena Maia. [5]

 

NOTAS

[2] Tanto do lado da arquitectura, nomeadamente Pedro Vieira de Almeida e Helena Maia (ver citação final), como da antropologia (João Leal, «Arquitectos, engenheiros, antropólogos: estudos sobre a arquitectura popular no século XX português, Fundação Marques da Silva, Porto, 2008).

[3] V. Palla, «O lugar da tradição», Arquitectura (2.ª série), n.º 28 de Jan.º de 1947.

[4] Cf. Lima Basto & Henrique de Barros, ISA, 1943 e 1947, sendo o terceiro volume proibido pela Ditadura e apenas reconstituído em 2102 por Fernando Oliveira Baptista e editado pela Imprensa Nacional

[5] Cf. http://www.ceaa.pt/wp-content/uploads/2012/11/PVA-and-the-Survey.pdf

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