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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES  no.38 Lisboa jun. 2019

https://doi.org/10.15847/citiescommunitiesterritories.jun2019.038.art03 

ARTIGO ORIGINAL

 

A Habitação no Centro da Economia Política

Centring Housing in Political Economy

 

Manuel AalbersI; Brett ChristophersII

[I]Department of Geography, KU Leuven/University of Leuven, Belgium. e-mail: manuel.aalbers@ees.kuleuven.be.

[I]Department of Social and Economic Geography, Uppsala University, Sweden. e-mail: brett.christophers@ibf.uu.se.

 

 


RESUMO

A economia política do pós-guerra não tem, de um modo geral, atribuído um papel importante ao tema da “habitação”. A habitação enquanto política tem sido um exclusivo da análise das políticas sociais e do domínio crescente dos estudos da habitação. A habitação enquanto mercado tem estado confinada à economia ortodoxa. Este artigo insiste no facto de a análise da economia política não poder permanecer relativamente indiferente à questão da habitação, já que esta está envolvida na economia política capitalista contemporânea através de uma série de aspectos críticos, interligados e muitas vezes contraditórios. O artigo conceptualiza esta implicação, identificando os múltiplos papéis da habitação quando o “capital” – a “matéria-prima” essencial da economia política – é considerado a partir da perspectiva de cada uma das suas formas primárias e mutuamente constitutivas: como processo de circulação, como relação social e como ideologia. Ao mobilizar estas três ópticas com vista a facultar uma perspectiva geral crítica da habitação-na-economia-política (mais do que uma economia política da habitação), reunimos e conjugamos os vários contributos fundamentais da pesquisa sobre a habitação para o nosso entendimento progressivo do capitalismo.

Palavras-chave: habitação, economia política, capital, circulação, ideologia, relações sociais, substituição do capital.


ABSTRACT

The issue of “housing” has generally not been granted an important role in post-war political economy. Housing-as-policy has been the preserve of social policy analysis and of a growing field of housing studies; housing-as-market has been confined to mainstream economics. This paper insists that political-economic analysis can no longer remain relatively indifferent to the housing question since housing is implicated in the contemporary capitalist political economy in numerous critical, connected, and very often contradictory ways. The paper conceptualizes this implication by identifying the multiple roles of housing when “capital” – the essential “stuff” of political economy – is considered from the perspective of each of its three primary, mutually-constitutive guises: as process of circulation, as social relation, and as ideology. Mobilizing these three optics to provide a critical overall picture of housing-in-political-economy (more than a political economy of housing), we draw on and weave together the many vital contributions of housing research to our evolving understanding of capitalism.

Keywords: housing, political economy, capital, circulation, ideology, social relations, capital switching.


 

1. A Economia Política e a Questão da Habitação

Historicamente, a propriedade e a terra – o uso das mesmas, o desejo de adquiri-las e a necessidade de regular a sua transmissão – constituíram algumas das razões fundamentais para o desenvolvimento dos estados. A propriedade e a terra foram, e ainda são, factores determinantes do poder e da riqueza. As tensões associadas à aquisição e manutenção do poder e da riqueza estão incorporadas num sistema de propriedade que acarreta toda uma ordem social em que as relações de habitação contemporâneas desempenham um papel de destaque. Parece-nos que isso é razão de monta para que a economia política reconheça importância à habitação; é igualmente motivo para que quem estuda a habitação reconheça o papel da economia política.

Mas o que queremos dizer com o termo “economia política”? Várias correntes de pensamento identificam-se enquanto economia política. Por vezes, o termo é usado para referir um grupo específico de economistas heterodoxos; ou um grupo de cientistas políticos com particular interesse em economia, no que é muitas vezes designado por “economia política internacional”, ou “economia política comparada”. Há ainda uma economia política diferente (apesar de relacionada com esta) no seio da sociologia e da geografia, fortemente influenciada pelo pensamento marxista (de que é exemplo o trabalho de David Harvey), mas não restrita a essa influência. Aquilo que estas diversas tradições da economia política têm em comum, e aquilo que tende a distingui-las da corrente ortodoxa da economia, é o facto de analisarem “a economia dentro do seu contexto social e político em lugar de a conceberem como uma entidade isolada, conduzida pelas suas próprias regras baseadas no interesse individual” (MacKinnon e Cumbers 2007, 14). Neste artigo, estamos mais interessados em recorrer a este campo interdisciplinar da economia política fora da disciplina da economia.[3]

No entanto, apesar da nossa afirmação inicial de que a habitação deve ser um tema central da economia política nestes moldes, na realidade, nunca o foi. O assunto mereceu pouca atenção de Marx, tal como dos seus predecessores clássicos “burgueses” na economia política. E apesar de Engels ser autor de Para a Questão da Habitação (1983 [1887], no original, The Housing Question) e de discutir amplamente a questão da habitação em A Situação da Classe Trabalhadora em Inglaterra (1975 [1845], no original, The Condition of the Working Class in England (1987[1845]), a sua perspectiva acerca da habitação é muito ambivalente: reconhece a sua importância social e política mas, por motivos que discutiremos adiante, resiste a tomá-la como tema central da teoria da economia política radical.

De forma semelhante, e em parte devido a essa marginalização histórica, a questão da habitação continua a não ser encarada como importante na economia política do pós-guerra. A habitação enquanto política tornou-se um exclusivo da análise da política social e de um conjunto crescente de estudos da habitação, que têm demonstrado relativamente pouco interesse nos temas que têm tipicamente sido tratados pela economia ortodoxa. A habitação enquanto mercado também tem, em grande medida, sido isolada no seio da economia ortodoxa. A preocupação que esta demonstra quanto aos “mercados livres” e a análise insuficiente que faz das relações de poder ou do envolvimento do Estado – para além da afirmação de que o Estado prejudica o funcionamento dos mercados – tem funcionado em contraposição a uma análise da habitação como componente elementar da economia política.

A abordagem da habitação no âmbito daquela que era até agora uma tradição muito isolada, marxista, da economia política (cf. Berry, 1979) também tinha tendência a restringir essa perspectiva não só a um conjunto limitado de interesses analíticos mas também a uma visão producionista. O trabalho de Michael Ball (1988), em particular, deu um importante contributo sobre as “estruturas de acesso à habitação”, procurando romper com o producionismo marxista, ainda que com sucesso relativo.

Contudo, nos últimos anos tem aumentado o reconhecimento, de base mais alargada, da centralidade crescente da habitação para a economia política das sociedades de capitalismo avançado, numa concepção muito além da questão da produção. Este reconhecimento é particularmente evidente no trabalho de Schwartz e Seabrooke (2009), que introduziram o conceito de “variedades de capitalismo residencial”, trabalhando a partir da literatura sobre variedades do capitalismo na economia política e dos debates acerca do papel da propriedade nos estados-providência, no âmbito dos estudos da habitação. Tomando por base as variáveis simples da taxa de habitação própria e de empréstimo à habitação no PIB, desenvolveram quatro “tipos ideais” sofisticados de capitalismo residencial, cada um com o seu conjunto distinto de políticas de habitação. Ao fazê-lo, Schwartz e Seabrooke criaram uma perspectiva importante e esclarecedora do papel da habitação nas diferentes variedades de capitalismo; no entanto, continua a haver necessidade de uma conceptualização coerente e relativamente exaustiva do lugar da habitação na economia política capitalista contemporânea mais alargada.

Este artigo pretende contribuir para essa conceptualização, em parte para aproximar os argumentos, muitas vezes não dialogantes, acerca de diferentes aspectos da economia política da habitação; em parte para enquadrar e reunir a investigação a ter lugar nesta área; e em parte para sublinhar que a economia política, em geral, tem de abordar a questão da habitação com seriedade. Defendemos que a habitação está envolvida na economia política contemporânea de forma crítica, interligada e muitas vezes contraditória. Recorremos para tal a bibliografia dos estudos da habitação, uma vez que esta aborda as questões que interessam aos economistas políticos, e fazemos a ligação destes contributos muitas vezes fragmentados e isolados aos contributos dos raros economistas políticos que se debruçaram sobre o tema da habitação. E propomos este argumento concretamente ao retornar àquela que é sem dúvida a categoria central da economia política, o “capital”, identificando os múltiplos (e cada vez mais materiais) papéis da habitação, tomando o capital pela perspectiva de cada uma das suas três configurações primárias e mutuamente constitutivas: capital enquanto processo de circulação; capital enquanto relação social; capital enquanto ideologia.

Cada uma das três secções principais do artigo aborda, desta forma, a centralidade da habitação em cada uma destas modalidades do capital. Segue-se depois uma conclusão, que pretende reflectir acerca das prioridades e possibilidades daí decorrentes para a investigação futura. Antes de avançarmos, é importante fazer duas observações para o devido enquadramento. Em primeiro lugar, tendo em conta as restrições espaciais, a nossa abordagem ao tema do arrendamento é limitada ao arrendamento habitacional, não incluindo o arrendamento de terreno. Este tipo de arrendamento é nitidamente um factor crucial na coordenação das economias espaciais do ambiente construído, modelando de formas significativas – e sendo modelado por – a economia política da habitação, incluindo a circulação de capital (cf. Harvey, 1982, capítulo 11; Ball, 1985; Haila, 2015, capítulo 5). Do mesmo modo, reconhecemos que, ao falarmos de preços da habitação estamos, de facto, na maioria dos casos, a falar de uma combinação dos preços da construção e do terreno em que esta é estabelecida. Não nos é aqui possível, no entanto, tomar devidamente em consideração o papel do terreno isolado do da habitação. Em segundo lugar, e ligado a isso, é importante distinguir entre a habitação per se e a categoria mal definida de “propriedade” comummente utilizada como sinónimo de habitação mas que, também muitas vezes, pode incluir terreno não utilizado para a habitação. Este artigo é sobre a habitação. Posto isto, alguns dos argumentos propostos, tais como aqueles que dizem respeito à substituição do capital, aplicam-se igualmente a outras formas de propriedade (por exemplo, comercial), apesar de mesmo assim podermos afirmar que, nos dias de hoje, a habitação é especialmente material; não obstante, muitos destes argumentos não se aplicam a outras configurações da propriedade, sendo específicos ao fenómeno da habitação.

 

2. A Habitação e a Circulação de Capital

Na economia política em geral, e em Marx em particular, o capital é conceptualizado enquanto processo de circulação. Cingido ao essencial, este processo compreende as etapas principais que passamos a elencar. Em primeiro lugar, recorre-se a dinheiro para garantir o acesso aos meios necessários à produção de bens e serviços; esses meios incluem frequentemente matérias-primas e, sempre, trabalho remunerado. Em segundo lugar, esses meios colectivos são mobilizados no processo produtivo para gerar os bens ou serviços em causa. Em terceiro lugar, estes bens ou serviços são postos à venda (“realização”) no mercado em troca de dinheiro: dinheiro este que, em teoria, inclui a quantia investida inicialmente na produção e a mais-valia gerada na produção. Este valor – menos, inter alia, o das despesas de consumo e das deduções à custa de elementos como os juros e a renda – é depois reinvestido de novo na produção. Concluída a quadratura do círculo, o processo é renovado.

Afirmamos, neste capítulo, que a habitação é fulcral no processo de circulação a vários níveis-chave, e cada vez mais; por outras palavras, entendemos que não é possível compreender a circulação de capital, pelo menos nos dias de hoje, sem reconhecer a materialidade multidimensional da habitação neste processo.

Talvez o ponto de partida mais óbvio e lógico para estabelecer este reconhecimento seja a importante figuração da habitação, ela própria resultado do processo produtivo: como, por assim dizer, o “bem” produzido pela mão-de-obra e vendido com fins lucrativos (cf. Ball, 1988). É claro que a habitação pode ser produzida pela mão-de-obra que pretende consumir o produto final, isto é, pode ser auto-produzida. Contudo, quer nas sociedades capitalistas avançadas, quer nas menos avançadas, a habitação é cada vez menos produzida e consumida pelas mesmas pessoas. O seu lugar de criação por excelência é a produção com recurso ao trabalho assalariado. Assim, a construção e desenvolvimento de habitação é um sector importante em termos económicos estritos, quer seja medida em termos de valor acrescentado da mão-de-obra e número de postos de trabalho gerados, quer em termos de contributo para o PIB. Acresce a criação de postos de trabalho noutros sectores da habitação, como a reabilitação e renovação, o mobiliário e os materiais, instalação de equipamentos de cozinha e de casa-de-banho, e lojas de utilidades domésticas (Bourdieu, 2005). Isto explica, em parte, por que motivo o sector da habitação é muitas vezes tido como um sector económico que tem de ser estimulado para a promoção do crescimento económico mais alargado. Tal foi notório, sobretudo, nas primeiras décadas após a 2ª Guerra Mundial, quando as políticas keynesianas recorreram preferencialmente ao sector da habitação como principal destinatário do crescimento económico de iniciativa governamental (cf. Florida e Feldman, 1988).

A materialização física da habitação enquanto produto do trabalho representa , no entanto, apenas uma pequena dimensão do seu significado para a circulação de capital. Retomando a nossa imagem inicial deste processo, verificamos que parte do valor que se obtém através da venda de produtos e serviços é devolvido à produção. Mas nem todo. E, mesmo nos casos em que isso acontece, o valor não fica imediatamente disponível para utilização. O valor, no capitalismo, também tem de ser armazenado. E apesar do dinheiro, enquanto numerário, ser um veículo para esse armazenamento, não é o único. A habitação é outro veículo de armazenamento de capital. Ao contrário da maioria dos bens de consumo mercantis, pode valer a pena investir não apenas na produção mas também na propriedade da habitação. Enquanto o valor de mercado de um automóvel ou de um computador diminui automaticamente com a sua aquisição (mesmo não sendo utilizado), o preço de mercado de uma casa tende a manter-se estável ou a valorizar, independentemente do uso da casa, em grande medida porque o preço do terreno que lhe subjaz não decresce com o tempo. Esta realidade elementar – do papel da habitação associada ao terreno como reserva de valor – tem enorme significado no conceito de circulação de capital do mundo contemporâneo.

Antes de mais, consideremos a este propósito, como a própria habitação circula. Compramos e vendemos uns aos outros. Fazemo-lo, por vezes, porque preferimos o “valor de uso” de uma dada casa em detrimento do de outra. Mas podemos também fazê-lo parcial ou exclusivamente para explorar o “valor de troca” da habitação, o qual deriva do facto de haver valor armazenado na habitação associada ao terreno. Ou seja, uma forma de obter lucro através da propriedade de habitação é vendê-la por um preço superior àquele por que foi adquirida, tal como é possível fazer com acções ou com obras de arte, por exemplo. A propriedade com o objectivo de vender um produto por um preço mais elevado é referida pelos economistas como “especulação”. A especulação imobiliária assume diversas formas. Em primeiro lugar, surge o proprietário que vive numa casa mas espera vendê-la por um preço superior e adquirir uma casa melhor. Em segundo lugar, surge o especulador puro que compra e vende casas sem equacionar ocupá-las ou arrendá-las a terceiros. Em terceiro lugar, temos o especulador que tenta comprar num segmento de mercado e vendê-lo a outro, isto é, especuladores que beneficiam, e muitas vezes contribuem para a divisão socio-espacial dos mercados de habitação. Os “Blockbusters” no contexto dos Estados Unidos da América são disso exemplo, demonstrando como os correctores de imóveis se aproveitavam do receio dos proprietários brancos virem a ter vizinhos negros e do impacto da sua presença nos preços da habitação, levando os proprietários a vender por valores reduzidos “enquanto conseguiam fazê-lo”, vendendo depois essas casas a preços mais elevados a aspirantes a proprietários negros, muitas vezes excluídos da compra de propriedades noutros bairros, dispostos a pagar esse extra (Gotham, 2002). Podemos também referir os senhorios privados de propriedades desvalorizadas, que adquirem habitações degradadas em bairros em declínio e começam por ganhar dinheiro aproveitando-se da propriedade – limitando a manutenção e maximizando as rendas, muitas vezes arrendando a pessoas sem escolha no mercado de habitação (por exemplo, migrantes sem documentação) – e depois vendendo-a a um preço superior a senhorios ou empreiteiros que se aproveitam do fenómeno da gentrificação ou de mudanças de zonamento, com intenção de desocupar e renovar (ou desocupar, demolir e reconstruir) a habitação, ou a agências governamentais envolvidas na renovação urbana e em esquemas de revitalização (Aalbers, 2006).

Quer a habitação seja vendida pelo seu valor de uso ou de mercado, ou ambos, a sua circulação é determinante para a circulação de capital, no sentido mais lato acima apresentado. Por um lado, a compra e venda de habitação tem importantes “efeitos em cadeia” relativos ao processo de produção no seio da circulação de capital - tanto em relação à produção de habitação per se, como à produção de outros bens e serviços. No primeiro caso, ressalta que a circulação da habitação existente, na maioria dos mercados, também determina os preços da nova construção, calibrando o valor e a mais-valia que pode ser gerada na produção de habitação [4]. No segundo caso, a questão central consiste no nas indústrias subsidiárias da habitação incluírem não apenas os sectores produtivos atrás referidos, mas também sectores relacionados sobretudo com a transacção de habitação: agentes imobiliários, correctores e outros intermediários, todos eles dependentes da circulação de habitação (Bourdieu, 2005).

Por outro lado, a compra e venda de habitação é muitas vezes essencial para que o capital continue a circular. Um dos grandes contributos de Marx – e um dos aspectos mais distintivos do seu trabalho em relação aos seus predecessores “burgueses” – foi perceber que a circulação pode ser interrompida periodicamente e por todo o tipo de motivos –. O fluxo de capital não costuma ser regular, sendo frequentemente interrompido. A “crise” para Marx era – tal como para David Harvey e, para muitos economistas keynesianos ainda mais – sobretudo uma questão de bloqueios à circulação. Um desses bloqueios prende-se com a chamada “procura efectiva” e é neste contexto que as transacções de habitação são particularmente relevantes. Um problema óbvio que o capitalismo pode enfrentar é que, simplesmente não há procura suficiente no mercado para os bens e serviços produzidos, ou que é possível produzir. Se os indivíduos não têm condições para comprar ou se optarem por acumular poupanças em vez de aumentar o consumo, a circulação é suspensa: não se obtêm mais-valias, não sendo as mesmas reinvestidas; e se não há mais-valias, os investidores deixam rapidamente de produzir. Isto é chamado de crise da “procura efectiva”. Como é que a habitação se encaixa neste caso? A habitação, enquanto reserva de valor transacionável, fornece meios de financiamento à procura efectiva quando as restantes fontes se esgotam. Se o mercado de habitação flutuante sofrer uma subida de preços, a procura de produtos e serviços tende a aumentar. A verdade é que algumas pessoas são, efectivamente, mais ricas – aqueles que vendem em alta, com lucro. Mas mesmo aqueles que não vêem os seus ganhos concretizados através da venda podem sentir um acréscimo de prosperidade e gastar de acordo com isso – por vezes concretizando os ganhos nominais através da libertação de capital, ou seja, libertando verba ao contrair mais dívida hipotecária (Wood et al., 2013).

Crouch (2011) e Watson (2010) debatem esta dinâmica em termos de uma política governamental explícita que designaram, respectivamente, por “keynesianismo privatizado” e “keynesianismo do preço da habitação”, em que as famílias , e não o próprio governo, são incentivadas a contrair dívida para estimular a economia, ao abrigo dos “efeitos da riqueza”. O keynesianismo privatizado ou do preço da habitação é aqui entendido como forma de alimentar a economia impulsionando o consumo e “compensando” o valor do trabalho por décadas de crescimento diminuto ou mesmo negativo. Daqui resultou que, em muitos países, a dívida hipotecária aumentou muito mais depressa do que a taxa de aquisição de imóveis, ou até mesmo do que os preços da habitação (Stephens, 2003; Aalbers, 2008). Isto tem enormes implicações no modo como entendemos o impulso da circulação de capital. No Reino Unido, por exemplo, cerca de dois terços de todos os empréstimos bancários em 2009 foram para crédito à habitação (Turner, 2013). Ao lubrificarem a circulação já existente através da concessão de crédito, os bancos do Reino Unido substituíram progressivamente o lado da oferta (i.e., empréstimo às empresas) por estímulos ao lado da procura, com particular incidência sobre a dívida de crédito à habitação [5]. Além disso, o recente aumento da aquisição de habitação própria estendeu-se a agregados mais vulneráveis e em situações laborais mais inseguras na sequência da reestruturação económica e laboral do mercado (Ford, Burrows e Nettleton, 2001; Doling e Ford, 2003; Smith, Searle, e Cook, 2009). Estes agregados foram confrontados com inflação mais baixa e, logo, menos “efeitos da riqueza”, com um impacto proporcionalmente menor em termos de vantagem do lado da procura – sobretudo tendo em conta que estes agregados não dispunham de margem de segurança para compensar o decréscimo sucessivo dos preços.[6]

Efectivamente, muitas economias ocidentais tornaram-se tão dependentes dos elevados (e crescentes) custos da habitação que parece difícil, tanto para os governos como para os agregados, lidar com uma situação de descida de preços, que é vista como uma redução das perspectivas económicas dos indivíduos e, logo, como uma influência negativa na economia. Assim, apesar da descida do preço da habitação poder significar maior acessibilidade à habitação, a ideia de que “o aumento do preço da habitação é bom” continua enraizada, suportada pela pressão que o eleitorado proprietário e o lobby do mercado da habitação exercem para proteger os preços de uma descida. Mesmo em tempos de austeridade, o sector da habitação ainda é visto como um veículo essencial para a promoção do crescimento económico, para além das fronteiras dos próprios mercados da habitação (Forrest e Yip, 2011). Por vezes, o pensamento dominante parece ser: se as pessoas acreditassem que o preço das suas casas ainda iria subir novamente, começariam a gastar mais, pondo em marcha a economia. Não é relevante se isso se verifica ou não; o simples facto de as instituições do Estado agirem com base nesta crença promovendo a circulação da habitação – e baixando temporariamente o imposto de selo, por exemplo - significa que o efeito desse pensamento no sector da habitação, e na economia em geral, é autêntico.

Se as actividades de compra e venda de habitação conseguem mitigar o problema da procura efectiva reactivando a circulação de capital, a habitação também constitui parte da “solução” para outros problemas importantes de circulação de capital. O mais importante é o da “sobreacumulação”. Enquanto a falta de procura efectiva representa produção excedentária de bens e serviços em relação à procura, a sobreacumulação – que pode estar associada a problemas na procura, mas não obrigatoriamente – implica a produção excessiva de valor agregado em relação a oportunidades lucrativas de reinvestimento. Representa, portanto, uma outra forma de suspender a circulação: se os investidores sentirem que não conseguem lucrar com o reinvestimento da riqueza na produção de novos produtos e serviços, optam por acumular a riqueza, o que tanto ameaça o crescimento económico como o emprego.

A habitação também ajuda a evitar tendências para a crise, embora seja a produção de habitação e não a sua transacção que contribui para tal. Como? O trabalho de Harvey (1985) é particularmente útil neste ponto. Segundo ele, a mais-valia é não só gerada através da produção de habitação, como a mais-valia gerada noutros sectores económicos é também injectada no sector da habitação através de um processo que designa por “substituição de capital”. O conceito de substituição de capital, com base nos fundamentos keynesianos, tem de ser compreendido no âmbito da argumentação geral de Harvey (1982), sublinhando que as instituições financeiras consideram que o ambiente construído – que inclui, mas não se limita à habitação – é um recurso em que é possível investir/desinvestir capital consoante a maior e melhor utilização. Enquanto o “circuito de capital” genérico que acima apresentámos (circulando em torno da produção de bens e serviços) corresponde ao circuito de capital “primário”, Harvey sugere que podemos pensar em produção e reprodução específicas do ambiente construído, incluindo a habitação enquanto circuito de capital “secundário”. É evidente que este tipo de produção gera mais-valias sui generis uma vez que põe o enfoque no trabalho. Contudo, segundo Harvey, faz mais do que isso, funciona como tanque de transbordo para onde a produção excedentária (i.e., sobreacumulada) de capital pode ser substituída – e, posteriormente, depositada até que as condições de sobreacumulação se encontrem atenuadas – quando os investidores se vêem impossibilitados de reinvestir de forma lucrativa no circuito primário. Em suma, os investidores reagem a sinais de sobreacumulação e procuram evitar uma crise no circuito primário investindo no circuito secundário – apesar de acabarem por sobre-investir também na construção (Harvey, 1985).

A noção de substituição de capital de Harvey pode parecer desajustadamente estrutural e abstracta, mas se observarmos as crises habitacionais concretas, é fácil perceber como muitas delas foram causadas por sobreinvestimento nos anos anteriores ao boom da habitação. Os períodos de crescimento explosivo, tal como os períodos de quebra nos ciclos de habitação, surgem no contexto da esfera político-económica mais vasta. Isto acontece não só porque a mais-valia é retirada de outros sectores da economia, mas também porque isso é politicamente incentivado. A deflação da bolha tecnológica e a inflação da bolha imobiliária estão empírica e analiticamente relacionadas, o que constitui um exemplo claro da substituição de capital para o circuito secundário (Ashton, 2009; Gotham, 2009; Christophers, 2011). Mas a substituição de capital também foi facilitada pelo Estado: a disseminação da titularização do crédito imobiliário, por exemplo, tornou-se possível com a adaptação de enquadramentos legais existentes para financiamento habitacional às necessidades dos credores e dos bancos de investimento que pretendiam expandir o mercado de crédito secundário para libertar capital para outras áreas. Ou seja, para permitir a substituição de capital para dentro e para fora do domínio da habitação (Aalbers, 2008; Gotham, 2009). Exemplos semelhantes aconteceram com a crise do subprime e do crédito predatório nos EUA (Wyly et al., 2009), a desmutualização das sociedades construtoras no Reino Unido (Martin e Turner, 2000) e na Irlanda (Murphy, 1995) e o alargamento do crédito à habitação a instituições de crédito ao consumo num conjunto alargado de países (Dymski, 1999).

 

3. A Habitação e as Relações Sociais do Capital

Para Marx, o capital era uma relação social e um processo de circulação. Essa relação social, tal como ele a preconizava era, antes de mais, dualista e antagónica: os detentores do capital (proprietários dos meios de produção) de um lado e os trabalhadores do outro.. Hoje em dia, num momento em que a habitação é tantas vezes discutida a partir dos conceitos abstractos e despersonalizados da “troca”, o enquadramento implicitamente socializado de Marx da economia política mantém-se tão essencial como sempre foi, ainda que esta imagem dualista deva ser revisitada. O capital é constituído por relações sociais e a habitação, segundo a nossa perspectiva, está envolvida de forma múltipla nas configurações e dinâmicas dessas relações. Conceber a habitação apenas como mercadoria é cair exactamente no tipo de fetichismo que Marx atacou e segundo o qual as relações entre as pessoas – as pessoas que constroem, detêm, arrendam e vivem nas habitações – são reduzidas a um estatuto política e analiticamente destituído, próprio das relações entre coisas.

Como começar então a estabelecer de forma sistemática o conceito de habitação e de capital enquanto relação social para além de Marx? Um ponto de partida lógico é a manifestação das próprias relações sociais desequilibradas resultantes das desigualdades de riqueza geradas pelo capital. Como vimos, na circulação de capital o valor é acumulado, distribuído e armazenado sob a forma que designamos por “riqueza”. Essa riqueza assume diversos formatos, entre eles o numerário e os valores mobiliários (muitas vezes mantidos em pensões). Mas tem especial significado o facto de em muitas sociedades capitalistas ser a propriedade residencial o principal tipo de riqueza/bem individual, não obstante verificar-se mesmo tempo que muitas - em alguns países, a maioria - famílias não são detentoras de qualquer tipo de propriedade residencial. Desta forma, é na habitação que se tornam mais visíveis e materializáveis as grandes desigualdades das sociedades capitalistas de que tanto ouvimos falar na actualidade. Por outras palavras, as relações sociais e suas dissonâncias estão amplamente registadas na paisagem física da habitação. A habitação, não apenas devido a expressões territoriais típicas de desigualdade em vilas e cidades segregadas, é claramente representativa da produção capitalista dos que têm– estritamente em termos de posse de riqueza – e dos que não têm (Wilson, 1987; Massey e Denton, 1992; Van Kempen e Özüeken, 1998). Estes últimos assumem diversas formas, é claro, entre elas os residentes em favelas, sendo a maioria (senão todos) arrendatários e aqueles para quem a “propriedade” de habitação tem menos significado prático do que conceptual, quer porque as suas casas têm um valor de uso e de troca reduzido, quer porque o credor hipotecário é o proprietário efectivo. Mas existem duas outras categorias dos que “não têm” particularmente ilustrativas da forma como a habitação reproduz relações sociais de desigualdade. Uma é os sem-abrigo (cf. Somerville, 1992; Fitzpatrick, 2005); a outra é o crescente exército de serviçais domésticos internos, não apenas nas cidades do Sul Global mas cada vez mais em cidades como Londres e Nova Iorque (Jelin, 1977; Sassen, 1996; Lutz, 2002), uma classe cuja rematerialização remete para a era Vitoriana e para o período colonial, com as suas próprias desigualdades sociais acentuadas (Hecht, 1981; Higgs, 1983). Estas pessoas não conseguem, em geral, suportar os custos da sua própria habitação, sendo obrigados a servir nas casas e nas vidas daqueles que podem, erguendo-se também no espaço físico e social da casa a divisória social que os separa.

Da mesma forma que a habitação claramente cristaliza as “deslocalizações” das relações sociais, também reproduz e reforça essas perturbações no sentido explícito de deslocalização espacial. A má localização da habitação pode, por exemplo, aumentar o tempo de deslocação casa-trabalho e prejudicar o acesso a boas escolas, a melhor ambiente, a transportes e a um leque de outros serviços, espaços comerciais e de lazer, entre outros. Pode ainda aumentar a exposição ao crime, à poluição ambiental, a inundações e a uma série de outros problemas. A literatura sobre os chamados “efeitos de vizinhança” tem evidenciado repetidamente esta questão (cf. Briggs, 1997; Friedrichs, Galster e Musterd, 2003; Van Ham et al., 2011), embora sem reconhecer suficientemente que as relações espaciais da habitação não são constitutivas num sentido socialmente abstracto, mas são elas próprias e em todas as circunstâncias, o resultado de processos sociais condicionados por questões de poder (Aalbers, 2011; Slater, 2013). A localização da habitação influencia não só o seu valor de uso mas também o seu valor de troca - ou seja, o cenário geofísico da habitação funciona e afecta tanto as relações sociais do capital, como os processos de circulação de capital abordados na secção anterior.

Entretanto, as desigualdades sociais manifestadas através da posse de património imobiliário podem revelar-se potencialmente problemáticas para o capital. Em parte, por motivos mencionados anteriormente e relacionados com problemas de realização e de procura efectiva (quanto mais desigual é a propriedade, mais o “keynesianismo do preço da habitação” depende da procura por uma minoria privilegiada). Mas é igualmente problemático porque, ceteris paribus, a propriedade correlaciona-se com o acesso e o custo da mesma, sendo o acesso comportável à habitação uma condição sine qua non da própria reprodução do capitalismo e das suas relações sociais. Sem a saudável reprodução social do trabalho, a circulação fica suspensa.

Em suma, a habitação é central à reprodução social e não apenas porque é na esfera doméstica que muito do trabalho de reprodução social ocorre. O – literal -imperativo vital que a habitação representa para a reprodução social ajuda a explicar, em parte, a persistência e o peso do discurso acerca do “direito” à habitação, por oposição ao “direito” de compra e venda (Lefebvre, 1996; Bengtsson, 2002; Rolnik, 2013; Aalbers e Gibb, 2014). Além disso, a questão da reprodução social e sua viabilidade também se relaciona com a habitação de uma forma que evidencia uma questão socio-relacional que sobressai na discussão da habitação de feição capitalista: a do conflito social. Em última análise, há certamente tanta desigualdade enraizada, nomeadamente em diferentes níveis de riqueza habitacional, que os não-ricos da sociedade vão tolerar e, ao mesmo tempo contribuir para a circulação e reprodução do capital. Tudo isto ajuda a explicar um outro aspecto crucial do papel da habitação na negociação das relações sociais do capital. Dada a importância da habitação para a reprodução social e ( portanto) económica, os Estados intervencionistas recorreram muitas vezes ao aprovisionamento habitacional, quer sob a forma de propriedade física subsidiada, quer através de alguns tipos de “benefícios” enquanto componentes dos seus programas redistributivos. Estes programas visam, assumidamente, reequilibrar e redistribuir – ainda que modestamente - as relações sociais enviesadas endémicas ao capital e por ele intensificadas (e cristalizadas, é claro no desigual acesso à habitação e à sua posse); e fazendo isto eles visam igualmente, de forma mais ou menos explícita, suavizar a reprodução social. Existem aqui algumas semelhanças com os métodos e objectivos dos “capitalistas do bem-estar” do sector privado do final do século XIX e início do XX, que providenciavam habitação aos respectivos trabalhadores. Também eles estavam cientes de que o capital estaria em risco se a riqueza não fosse redistribuída deste modo. Engels desconfiava deste tipo de assistência - por reter os trabalhadores e travar uma mobilidade que podia servir como poder negocial - mas reconhecia os propósitos produtivos (para o capital) que ela servia.

Pensar na habitação apenas como reserva de riqueza, como pré-requisito de reprodução e ferramenta de redistribuição equivale a ignorar que a exploração social ocorre também na habitação. Foi demonstrado que essa exploração centrada na habitação ocorre de diversas formas: nas infames práticas de exclusão no acesso ao crédito para habitação (Harvey e Chatterjee, 1974; Jackson, 1985; Squires, 1992; Aalbers, 2011); na distribuição não equitativa das empresas públicas de habitação e outros gatekeepers urbanos (Pahl, 1975; Pearce, 1979; Henderson e Karn, 1984); nos empréstimos predatórios e execuções hipotecárias resultantes da crise do subprime (Squires, 2004; Immergluck, 2009; Saegert, Fields e Libman 2009; Wyly et al., 2009); na falta de direitos ou conhecimento dos migrantes, legais e ilegais, em habitações precárias e de custo elevado, tanto nos sectores de habitação própria (“compradores de emergência”) como nos de arrendamento (Teijmant e Schepens, 1981; Karn, Kemeny e Williams, 1985; Aalbers, 2006); no aparecimento da classe de serviçais domésticos já referida (Hecht, 1981; Lutz, 2002); nas expropriações fabricadas pelos arquitectos da gentrificação urbana (Smith, 1979; Marcuse, 1985; Lees, Slater e Wyly, 2008); e nos despejos efectuados (Desmond, 2012) e no monopólio de rendas exorbitantes cobradas por proprietários privados (Berry, 1981; Harvey, 1985; López-Morales, 2011; Fields 2015).O facto de o aluguer de propriedade privada poder ter um carácter explorador devido às suas características frequentemente monopolistas explica, em parte, o esforço recorrente do Estado para controlar os preços de arrendamento residencial. O aluguer é uma relação social contractual; a regulação e o controle de aluguéis , que podem assumir diversas configurações, constituem, por isso, outra ferramenta indirecta de redistribuição, em contextos em que a habitação é vista como facilitadora da deslocalização de tais relações. Em determinados momentos, alguns estados – muitas vezes em articulação com o controle directo sobre a expansão do parque habitacional local – regulamentaram o sector de arrendamento privado (e os preços do aluguer em particular), levando os senhorios a optar por saírem do negócio da habitação devido ao escasso lucro e conduzindo ao declínio do mercado de arrendamento privado (Harloe, 1985).

Embora o sector de arrendamento privado possa ser vulnerável à exploração, sobretudo na ausência de protecção aos inquilinos, também pode ser visto como uma parte crucial do parque habitacional que potencialmente oferece maior flexibilidade aos inquilinos nas situações em que tanto o arrendamento de habitação social como a aquisição são inacessíveis ou pouco atractivas – quer devido à existência de listas de espera, insuficiência de rendimentos, exigências no crédito à habitação, restrições de cidadania ou indisponibilidade para investir a longo prazo. Trata-se de um sector que desafia a ampla generalização (Allen e McDowell, 1989). Os mercados de arrendamento privado são, muitas vezes, o único segmento acessível ao grosso dos recém-chegados ao mercado da habitação, incluindo migrantes e imigrantes, jovens, ex-presidiários, entre outros. Na Alemanha, por exemplo, tem-se demonstrado que a existência de um mercado de arrendamento privado - com rendas e outras variáveis devidamente reguladas - pode ser lucrativo para os proprietários, ao mesmo tempo que garante a redução da exploração dos inquilinos (Kleinman, 1996). No entanto, as reformas neoliberais orientadas para o mercado que se fizeram sentir nos países capitalistas nas últimas décadas levaram à eliminação da regulação do arrendamento em muitos países, dando rédea solta aos mercados “livres” nos quais, num paradoxo aparente, os preços monopolistas conseguem prosperar.

É legítimo questionar se o termo “exploração” é o mais correcto nesta perspectiva. Engels acreditava que não. No seu entender, o proprietário-senhorio simplesmente “enganava” o trabalhador (e inquilino); apenas o capitalista fabril “explorava” o trabalhador, roubando-lhe tempo de trabalho não pago. Este foi um dos principais motivos para que Engels considerasse a questão da habitação como apenas um “mal” secundário. Tal como ele a via, tornava-se inútil lutar para abolir tais males – como defendeu o Proudhon– enquanto se mantivesse o modo de produção capitalista que lhes estava na origem. Segundo Engels, eliminar os juros sobre as hipotecas serviria apenas para dar vantagem ao capitalista industrial face ao senhorio, não ao trabalhador face ao capitalista industrial. Também não se trata de uma questão de semântica: a exploração, tanto para Engels como para Marx, só poderia ocorrer na produção, porque era apenas na produção que valor era gerado, e não na troca ou no circuito secundário do capital.

Estas questões ajudam a enquadrar aquilo que veio a tornar-se, nas décadas de 1970 e 1980, num aceso e influente debate sobre a relação entre a habitação e a dimensão específica da diferença social enfatizada por Marx e Engels: a questão da classe. De um lado, os marxistas insistiam que a posição ocupada por alguém no mercado imobiliário resulta da sua posição no mercado de trabalho, ou seja, a classe social determina a situação em termos de habitação (Ball, 1986; Barlow e Duncan, 1988). Do outro lado, os weberianos sustentavam ser esta uma leitura redutora e que desvalorizava a capacidade de a habitação moldar, e não apenas cristalizar, as relações sociais. Em vez disso, eles sugeriam a possibilidade de a posição social derivar antes da posição habitacional, ou seja, do posicionamento no mercado de habitação a determinar a classe social (Rex e Moore, 1967; Pahl 1975; Saunders, 1984). Por exemplo, Pahl (1975), argumentou que os ganhos de capital resultantes da habitação iriam atenuar as desigualdades resultantes do mercado de trabalho e criar uma divisão entre proprietários e arrendatários. Saunders (1984) levou a perspectiva weberiana mais longe, afirmando que o mercado da habitação gera uma nova divisão de classes. Com o tempo, surgiu uma perspectiva mais equilibrada das chamadas “classes habitacionais”: Murie e Forrest (2001), por exemplo, que apontam para uma reciprocidade fundamental: a situação habitacional é dependente da classe (mercado de trabalho), mas a própria habitação também transforma esta divisão de classes.

Aquilo que é claro, e essencial, é que estas relações sociais segmentadas e o papel da habitação na sua criação/reprodução, não podem reduzir-se apenas às dimensões de classe. A raça/etnia e género cruzam-se com a questão da classe de forma evidente e nas formas mais variadas e complexas, criando o variado panorama de diferenças sociais e de desigualdade que associamos às sociedades capitalistas. É evidente que os cientistas sociais têm demonstrado a produção destes cruzamentos de forma muito mais ampla, não se restringindo apenas à habitação. Porém a relação íntima que a habitação tem com o que conscientemente referimos aqui como processos de exploração aparenta ser particularmente emblemática deste tipo de cruzamentos. Mais do que em qualquer outro caso, isso tornou-se evidente na crise financeira recente e no seu epicentro, o subprime, situação em que a raça/etnia e género estiveram intrinsecamente ligadas à classe social nas situações predatórias sistematicamente desiguais de financiamento e execução hipotecária (Squires, 2004; Wyly et al., 2009; Aalbers, 2012; Ashton, 2012; Roberts, 2013).

Em suma, sabemos, e a economia política é forçada a reconhecê-lo, que a habitação é cenário privilegiado para o exacerbar da desigualdade social de origem múltipla. Encerrando esta secção, apontamos para um eixo que é palco destas desigualdades e que ainda não foi abordado: o eixo geracional. Esta questão é complicada porque deve ser analisada a partir de mais do que uma perspectiva. A desigualdade entre gerações é certamente uma delas: com a desregulação generalizada dos mercados imobiliários e financeiros, que nas últimas décadas estimularam a ocupação pelos proprietários e o enorme aumento do preço real da habitação em grande parte do mundo capitalista as gerações mais velhas concentraram, inevitavelmente, a sua riqueza na posse habitacional, tirando daí um benefício desproporcional. Contudo, as desigualdades no seio destas gerações mais velhas também são importantes, uma vez que não desaparecem com elas – através de vários mecanismos de herança pré e pós-óbito, as desigualdades são transmitidas aos descendentes (Allen et al., 2004; Helderman e Mulder, 2007), e são amplificadas à medida que cresce o fosso entre os beneficiários da riqueza habitacional e aqueles que não conseguem ter acesso à mesma, sobretudo nesta fase, em que o acesso ao crédito à habitação pós-crise diminuiu, aumentando a dependência sobre a transferência de riqueza intergeracional (Forrest e Yip, 2011). Igualmente significativo é o facto de estas relações sociais fracturantes estarem a ser transmitidas a uma geração que, aparentemente, está muito mais obcecada do que qualquer outra anterior com a ideologia da casa própria.

 

4. A Habitação e a Ideologia do Capital

Na mesma medida em que é um processo e uma constelação de relações sociais, o capital é claramente uma instituição ideológica. De acordo com as imagens feitas por críticos e defensores ao longo de mais de dois séculos, esta instituição ideológica tem três componentes críticas. A primeira é a centralidade absoluta da propriedade privada, sendo o monopólio da mesma, segundo Harvey (2002: 97), “quer o início, quer o fim de toda a actividade capitalista”. A segunda é a primazia dos mercados, caracterizada pela “livre” concorrência enquanto mecanismo preferencial na distribuição de recursos. E a terceira é o imperativo da acumulação da riqueza. “Acumulai, acumulai! Eis Moisés e os profetas!”, como Marx afirmou acerca da ideologia capitalista no primeiro volume de O Capital. O argumento que iremos desenvolver nesta secção é o de que a habitação é fundamental para esta ideologia, pelo menos por duas razões. Primeiro, porque a ideologia em questão é indiscutivelmente mais explícita e pronunciada na habitação do que em qualquer outro domínio. Ou seja, a ideologia da habitação é a epítome da ideologia capitalista alargada, tendo em conta que a propriedade privada, os mecanismos de distribuição do mercado e as estratégias de acumulação são especialmente privilegiados. Em segundo lugar, porque a habitação não só simboliza, como também reforça essa ideologia capitalista mais ampla: é na e através da habitação que tem lugar muito do trabalho político de reprodução e reforço da ideologia do capital. A propriedade privada é uma instituição ideológica que é mais dominante e absoluta no capitalismo, mas que também existe em muitas outras configurações de Estado/mercado. A propriedade privada não é verdadeiramente “privada”, porque está protegida pelo Estado e porque confere um poder muito público sobre os recursos e outros bens (Gray, 1992: 304). Efectivamente, os direitos de propriedade privada pressupõem a existência de estados, sendo apresentados como naturais e normais, apesar de serem virtualmente insignificantes se não validados pelo aparelho estatal, pela via legal ou pelo monopólio do Estado sobre a violência. Nos estados “pré-modernos”, o Estado e os proprietários poderosos faziam valer-se sobretudo do monopólio da violência, mas nas sociedades capitalistas a lei é a instituição soberana por excelência no que se refere à incorporação da ideologia dos direitos de propriedade privada nas relações sociais mais amplas. Nos casos em que a instituição da lei se revela insuficiente para impor os direitos de propriedade privada, os detentores de propriedade tenderão a mobilizar o monopólio estatal da violência, como exemplificam os casos de despejo de ocupantes ilegais. Mais do que uma questão de poder sobre um objecto, a propriedade privada refere-se sobretudo à capacidade de excluir o acesso de terceiros ao seu uso (Davies, 2007).

Apesar de parecer distante o tempo em que a terra e a propriedade eram condicio sine qua non à participação política formal, em muitos lugares do mundo as comunidades ainda são, ou novamente, efectivamente governadas por associações de proprietários e outras configurações privadas de governo baseadas na propriedade de habitação (McKenzie, 1994; Atkinson e Blandy, 2005). Neste sentido, a propriedade privada não é apenas uma questão de poder sobre um objecto ou a capacidade de excluir o acesso de terceiros ao mesmo; está também relacionada directamente com a participação política. Mesmo nos dias de hoje, a aquisição de habitação confere em alguns casos direitos de cidadania. Recentemente, Espanha tem despertado atenções por tentar rejuvenescer o seu mercado imobiliário através da oferta de uma segunda cidadania a quem adquire propriedade de valor superior a €160.000. Mais longe dos holofotes, algumas dezenas de países tão diversos como a Letónia, a República Checa, a Áustria, o Panamá, as Bahamas, St. Kitts e Nevis (cf. Grabar, 2012), e de certo modo também os EUA (O’Toole, 2012), têm tido um programa ou política do tipo “cidadania-por-investimento”. A ideia - e, para alguns filósofos e criadores de políticas públicas, o ideal – de uma democracia capitalista baseada na propriedade (Rawls, 1971; Daunton, 1987; O’Neill e Williamson, 2012) não é apenas um artefacto histórico, mas também prática corrente em alguns países.

A propriedade privada, enquanto artefacto material e ideologia, tem sido contestada e está no topo de batalhas ideológicas no seio do capitalismo, como ilustram os movimentos sociais ligados à ocupação ilegal e ao direito à habitação, por exemplo. Além disso, os debates sobre a privatização, a neoliberalização e a financeirização da habitação estão no cerne das discussões sobre a ideologia e prática capitalista, de um modo geral (Aalbers, 2008; Ronald, 2008; Saegert, Fields e Libman, 2009; Rolnik, 2013). Há vários motivos para isso e um deles é o facto de a habitação estar directamente ligada a cada indivíduo, família e comunidade, bem como no centro daquilo que os estados e os mercados, públicos e privados, fazem, e do debate acerca do que devem fazer. Dado que as dicotomias do Estado e do mercado, do público e do privado são, pela sua própria natureza, problemáticas na esfera da habitação, esta constitui um contexto particularmente convulsivo para o estudo da economia política dos capitalismos realmente existentes. A fetichização da ideologia, não apenas da propriedade privada mas também da acumulação de riqueza e dos mercados, tem um papel central no projecto político de expansão da casa própria (Kemeny, 1981; Ronald e Elsinga, 2012), que caracterizou a grande maioria dos estados capitalistas – recentes e antigos – do pós-Guerra, sobretudo desde os anos 1980 e (nos antigos estados socialistas) 1990, com as importantes excepções da Alemanha e da Suíça (Kleinman, 1996; Lawson, 2009). As vantagens amplamente difundidas da propriedade - incluindo, mas não se limitando aos chamados “efeitos de riqueza” (Case, Quigley e Shiller, 2001); a “poupança-no-tijolo” para (e a redução de encargos durante) a reforma, com o respectivo corte nos gastos públicos com os idosos (“protecção social baseada em activos”) (Regan e Paxton, 2001); cidadãos “melhores”, mais envolvidos e capacitados (Rohe, Van Zandt, e McCarthy, 2002), são genericamente características menos intrínsecas à propriedade imobiliária do que consequências de um projecto político de incentivo à casa própria em detrimento da posse de outros bens. Este não é apenas um projecto político no sentido mais geral do político, mas também no sentido estrito do que os políticos e os partidos políticos fazem.

Foi Engels quem advertiu contra o aburguesamento da classe trabalhadora, dado que iria minimizar a sua autonomia, tornando-a dependente do rendimento do trabalho e diminuindo assim a probabilidade de iniciar uma revolução. É precisamente por este motivo que os políticos de diversos quadrantes promoveram o acesso da classe trabalhadora à casa própria (muitas vezes em conjunto com a suburbanização):enquanto bastião de luta contra o comunismo e a revolta, dando aos residentes da classe trabalhadora uma participação no sistema, tornando-os dependentes do trabalho assalariado e localizando-os mais longe dos centros urbanos de movimentos oposicionistas .O alargamento do acesso à casa própria também pode erodir o apoio a vários tipos de intervenção do Estado Social. Kemeny (1995) e Castles (1998) demonstraram que a expansão da propriedade em países com mercados de arrendamento tradicionalmente maiores e sistemas de pensões mais robustos, e muitas vezes com financiamento público, tem sido acompanhada pelo enfraquecimento do apoio à intervenção do Estado assistencial em geral, e dos sistemas públicos de pensões em particular. Chamaram a este efeito a “verdadeira grande concertação” “grande trade-off”, sugerindo que a situação habitacional das pessoas é crucial para o apoio ao Estado-providência e, assim sendo, as políticas de habitação são fundamentais para a economia política dos estados capitalistas avançados. O ideal político de “bem-estar baseado em activos” - na realidade, a riqueza baseada em activos habitacionais -, sugere sem dúvida - explícita ou implicitamente - que a redistribuição do Estado pode diminuir se um maior número de agregados de baixo rendimento corresponder a proprietários capazes de colher os enormes benefícios do acesso à habitação própria (Rega e Paxton, 2001; Doling e Ronald, 2010).O fomento político do acesso à habitação própria assume diversas configurações, mas talvez nenhuma mais transparente do que as iniciativas de privatização habitacional – desde o Right-to-Buy, no Reino Unido, e a privatização-habitacional-enquanto-amortecedor em muitos antigos estados socialistas, até aos diversos esquemas de demolição de -habitação-social-para substituir-por-habitação-privada difundidos nos países capitalistas avançados (Clapham et al., 1996; Forrest e Murie,1998; Murie et al., 2005). Estas políticas estão revestidas de uma linguagem assente na ideia de “devolver a propriedade ao mercado”, apesar de, com a excepção da restituição da propriedade privada que constituiu uma minoria das privatizações nos antigos estados socialistas, a maioria destas propriedades não foi produzida enquanto mercadoria, como bens para o mercado de troca.

Todos estes esquemas de privatização resultam de processos políticos e têm consequências sociais e económicas, não só para os desalojados pela privatização mas também para os novos proprietários – que são predominantemente de baixos ou moderados rendimentos e quase nunca localizados de forma a beneficiar totalmente da sua condição de proprietários, ou de suportar os custos de manutenção de uma casa - bem como para os agentes imobiliários, credores hipotecários e outros beneficiários do aumento da circulação no mercado imobiliário. A circulação estimulada pela privação é, com efeito, uma questão fulcral, pois é na privatização que podemos melhor testemunhar a indissolubilidade das três modalidades do capital e do efeito de mediação exercido pela habitação: a privatização da habitação reflecte e reproduz as ideologias do capital; aumenta a circulação do capital, convertendo o capital público “morto” em privado e líquido; e, nesse processo, representa uma reorganização explícita das relações sociais, um processo de “fechamento” socioeconómico através do qual a acumulação privada e individualizada é favorecida pela expropriação de recursos públicos (Hodkinson, 2012a).

Reconhecer este facto é compreender por que motivo a habitação é frequentemente discutida em termos dos seus três grandes segmentos ou regimes de propriedade: habitação própria, arrendamento público ou social e arrendamento privado. Como nas sociedades capitalistas é a habitação própria que tem ganho destaque, quer em termos ideológicos, quer económicos –através de benefícios fiscais, por exemplo – os outros regimes de propriedade foram sendo ideológica e materialmente comprimidos, mesmo em estados nominalmente sociais-democratas, onde a igualdade face à propriedade tem sido anunciada enquanto filosofia política nuclear (Kemeny, 1981; Christophers, 2013). Com o capitalismo e as suas diferentes correntes, tais como o neoliberalismo, o ordoliberalismo e o capitalismo do Estado-providência, as “coisas” tendem cada vez mais a ser vistas como mercadorias, e esse é certamente o caso da habitação.

As diferentes formas mercantilizadas da habitação - sobretudo a habitação própria - tornam-se naturalizadas e normalizadas, enquanto que as formas não mercantilizadas ou parcialmente mercantilizada de propriedade são alteradas e desnormalizadas, apesar de todas as formas de habitação serem produto de um contexto e de uma ideologia específica (Kemeny, 1981). O arrendamento social é o mais “anormal” de todos, mas até o arrendamento privado tem vindo a desvalorizar-se em termos ideológicos. De acordo com a crescente centralidade dos mecanismos de distribuição do mercado na ideologia capitalista (neoliberal), o apetite dos estados pelo uso da regulação do arrendamento enquanto forma de contornar as forças do mercado no sector privado de arrendamento tem vindo a diminuir (tal como observado na secção anterior) de forma acentuada em muitos países. Embora as categorias de propriedade atrás mencionadas serem úteis para descrever e analisar a habitação, essa distinção tripartida não é tão óbvia como parece (Barlow e Duncan, 1988; Lee e Murie, 1999) e é, em si mesma, de pendor ideológico. A habitação de arrendamento público e social inclui diversos tipos de habitação geridos numa base sem fins lucrativos, tanto de propriedade de instituições públicas como de organizações privadas sem fins lucrativos ou híbridas, que recebem subsídios governamentais. Porém, nem toda a denominada habitação social é construída com o apoio do Estado e uma grande parte da habitação que não é classificada como pública ou social é construída com o apoio do Estado, ou gerida numa base sem fins lucrativos, tal como a habitação propriedade de empresas de desenvolvimento comunitário e associações mutualistas de habitação, nos EUA. Acresce o facto de os inquilinos da habitação pública ou social não serem os únicos destinatários dos subsídios do Estado, uma vez que muitos arrendatários do mercado privado e indivíduos com habitação própria estão em situação semelhante. No caso dos EUA, Wyly e DeFilippis (2010) até argumentaram que todas as habitações e, em particular as que são ocupadas pelos proprietários, são habitações públicas, uma vez que são apoiadas por fundos públicos, sobretudo na forma de dedução fiscal dos juros hipotecários, dos quais beneficiam sobretudo os proprietários mais abastados. Refira-se também o apoio fiscal do Estado e outros incentivos às empresas de construção civil, que acentuam a dicotomia entre a habitação pública e privada.

Foi nestes moldes que Singapura classificou a maior parte do seu parque habitacional: como habitação social e ocupada pelo proprietário (Chua, 1997). Além dos limites ténues em que se apoia, a segmentação convencional tripartida da habitação deve também ser problematizada à luz da grande diversidade dentro de cada segmento e os diferentes significados que cada segmento possui em diferentes lugares (Ruonavaara, 1993). Em lugares onde a habitação de arrendamento público e social é marginal, ela tende a ser mais marginalizada, empobrecida e estigmatizada do que em países onde representa pelo menos um terço do parque habitacional. Faz toda a diferença quando este segmento é visto como residual para os mais pobres dos pobres, ou quando é um segmento para “as massas”, isto é, destinado a pessoas em todas as circunstâncias de vida. Wacquant (2009) compara a habitação pública às prisões, naquilo que é uma tese provocadora e difícil de extrapolar além das fronteiras dos EUA. Afirma que, em ambos os casos, se trata de um sistema penal em que os pobres são alojados nas piores condições e em que aqueles que vivem em habitação pública se têm tornado cada vez mais candidatos a passar pelo sistema prisional, sobretudo quando se trata de residentes do sexo masculino e de um grupo étnico ou cor diferente dos grupos dominantes na sociedade.

A diversidade dentro do segmento ocupado pelo proprietário também é significativa (cf. Hamnett, 1999). A distinção mais comum aqui apontada é entre a propriedade imediata e a propriedade através do crédito à habitação. Tendo em conta a facilidade de retoma da habitação pelos credores ( como se estivessem a resgatar o que já era deles por direito) quando há pagamentos em atraso, faz todo o sentido que muitos proprietários afirmem que estão a “arrendar ao banco”. É evidente que as diferenças entre proprietários imediatos e entre proprietários-arrendatários do banco também podem ser muito significativas. Muitos proprietários nas antigas repúblicas socialistas receberam de forma gratuita as casas que antes arrendavam ou puderam adquiri-las por um preço simbólico; ainda assim, muitas vezes adquiriam propriedade em más condições ou para a qual não tinham capacidade de garantir a manutenção; e por vezes não podem fazer obras estruturais de reparação, uma vez que as suas propriedades estão inseridas em conjuntos habitacionais de média e grande dimensão, com problemas estruturais que afectam todo o edifício (Murie et al, 2005). De forma semelhante, alguns proprietários com crédito à habitação têm valores mensais de pagamento do empréstimo e custos de manutenção acessíveis, ao passo que outros estão vinculados a empréstimos (“empréstimos predatórios”, designadamente) que não conseguem pagar (Squires, 2004; Wyly, 2009).

Por último, existem outros segmentos habitacionais para além dos três principais, incluindo, mas não apenas (e frequentemente em sobreposição): a habitação gratuita (geralmente disponibilizada por familiares); a habitação como parte de um contrato de trabalho (incluindo os já referidos serviçais domésticos, bem como amas e residentes em habitação fabril ou empresarial, mas também expatriados); segundas habitações (que não são ocupadas pelos proprietários e que são, amiúde, terceiras ou quartas habitações e assim por diante); ocupação ilegal (ou seja, habitação ocupada por não-proprietários); subarrendamento (“inquilinos de quarto”, como estudantes e outros jovens, bem como pessoas economicamente desfavorecidas e migrantes)[7]; parques de caravanas (mais de 10% da população em países como os EUA); uma série de configurações de habitação institucional (presidiários, mas também muitos estudantes, população sénior, pessoas com perturbações mentais e físicas, entre outras); e, claro, os “não-habitantes”, ou seja, pessoas sem-abrigo, nem todos a dormir na rua (ou, pelo menos, nem sempre) e muitos também integrando o grupo dos “institucionalizados”. Em suma, as designações comummente aceites para os diferentes segmentos habitacionais e diversos residentes espelham distinções socialmente construídas e profundas entre “os que têm” e “os que não têm”, entre residentes (e trabalhadores) merecedores e não merecedores, proprietários e sujeitos à propriedade, públicos e privados, do Estado e do mercado. Todos estes conceitos estão ideologicamente carregados e são política e economicamente reproduzidos, reflectindo e reincorporando a ideologia e a economia política do capital.

 

5. Conclusão: A Questão da Habitação Revisitada

Não obstante a nossa preocupação em formular neste artigo uma conceptualização generalizável da habitação em economia política, estamos cientes de ter enfatizado certas dinâmicas em prejuízo de outras. Tal facto parece-nos, contudo, inevitável. Em vez de encarar estes desequilíbrios como algo de negativo, consideramos preferível encará-los sob uma luz positiva e facilitadora : enquanto questões a serem mais exploradas, em termos teóricos e empíricos, em relação ao enquadramento heurístico provisório aqui desenvolvido. É importante também sublinhar que não apresentamos a economia política enquanto método, mas antes como perspectiva necessária para enquadrar, contextualizar e, em última análise, compreender o papel da habitação na sociedade. Uma perspectiva político-económica pode ser mobilizada em articulação com um vasto conjunto de métodos e modos de análise, tanto quantitativos como qualitativos, quer do género empírico, quer mais hermenêutico e discursivo. Uma abordagem político-económica aberta não privilegia determinados métodos; mas impele o investigador a incorporar sempre os elementos empíricos, teóricos, políticos e de mercado da habitação no seu contexto político-económico – para não analisar a habitação isolada do seu contexto societal.

Os economistas políticos comparativistas, por exemplo, julgarão provavelmente que prestámos pouca atenção ao Estado e ao seu papel na modelação de diversos efeitos habitacionais em diferentes conjunturas político-económicas, históricas e geográficas. Sem dúvida que procurámos demonstrar que, em relação a cada uma das três “modalidades” de capital, o papel da habitação na economia política mais ampla está muito ligado ao papel do Estado. Mas é claro que há uma grande variação no modo como a habitação entra em cada economia política nacional (e, em certa medida, local). A habitação é um elemento nuclear na configuração político-económica nacional e local, o que implica que a habitação seja diferente em todo o lado, dotada de diversos significados e implicações. Termos comuns como “habitação própria” e “habitação social” podem até ter significados diversos em contextos diferentes. Além disso, os estados podem estabelecer novas ligações, por vezes inesperadas, entre as diversas modalidades (apoios sociais baseados em activos, por exemplo).

A nosso ver, contudo, tal não contradiz a pertinência genérica das modalidades identificadas, mas antes aponta para a necessidade de reforçar o conteúdo do enquadramento apresentado, designadamente através de estudos comparativos do papel que a habitação desempenha em várias economias políticas, baseando-se em estudos comparativos existentes que levaram em devida conta a habitação, bem como uma ou mais modalidades de capital em causa (cf. Kemeny, 1981; Harloe, 1985; Allen et al., 2004; Lawson, 2006; Ronald, 2008; Schwartz e Seabrooke, 2009; Aalbers, 2011).Entretanto, os economistas políticos mais interessados em mudar o mundo do que em interpretá-lo ficarão, sem dúvida, insatisfeitos pela nossa diminuta discussão da habitação em termos de economias políticas progressistas ou diferentes (inclusive não-capitalistas). Que alternativas existem ao aprovisionamento mercantilizado de habitação de pendor capitalista? De que modo podem ser desenvolvidas? E que tipo de reconfigurações político-económicas de larga escala exigem? Apesar de não sermos ingénuos ao ponto de imaginar que, ao “resolver” a questão da habitação estaremos a resolver os problemas gerais do capitalismo – a fantasia proudhoniana que até Engels ridicularizou – insistimos, ainda assim, que não é possível haver mudança socioeconómica progressiva com impacto e sustentabilidade sem que a questão da habitação seja devidamente abordada (cf. Turner, 1976; Ward, 2002; Harvey, 2012; Hodkinson, 2012b).

Acreditamos que uma hipótese particularmente aliciante em termos da figuração da mudança político-económica é o enfoque crítico sobre as contradições da habitação no âmbito do capitalismo e nos espaços de mudança que essas contradições podem criar (Dymski, 2001; Harvey, 2014). A nosso ver, não é coincidência que Harvey identifique a habitação como o principal locus das múltiplas contradições do capitalismo. Não menos importante é a contradição entre o valor de uso e o valor de troca da habitação, bem como as tensões que resultam de esperar e encorajar o primeiro a ser entregue por um sistema que prioriza sistematicamente o segundo (cf. Christophers, 2010).Mas a habitação manifesta e, efectivamente cria muitas outras contradições. O enquadramento aqui desenvolvido pretende ajudar a expor estas contradições à análise crítica. Isto é possível na medida em que as diferentes modalidades de capital analisadas em relação à habitação estão intimamente ligadas entre si (como fizemos notar em vários pontos, apesar de os termos discutido, na maioria das vezes, de forma isolada). Acima de tudo, estas modalidades dependem umas das outras para reforço mútuo: o capital não poderia e não iria circular do mesmo modo se não existissem as ideologias distintivas que o caracterizam. É precisamente na confluência destas modalidades - e a implicação da habitação nas mesmas - que as contradições tendem a surgir. Fomos explicitamente confrontados com uma delas: designadamente, o facto de as relações sociais desiguais resultantes da circulação de capital e, expressas em riqueza habitacional, tenderem a colocar em risco a reprodução social necessária à normal circulação do capital. Existem, contudo, muitas outras contradições em termos do papel da habitação na economia política contemporânea. Explorá-las e compreendê-las constitui um passo fundamental na configuração de futuros (habitacionais) diferentes.

Encarar a habitação seriamente também implica trazê-la para o futuro da economia política, não só em termos do estudo das instituições político-económicas, mas também em termos das políticas e da política. Neste sentido, a nossa conceptualização da habitação enquanto elemento nuclear da economia política apela também à reintegração da habitação-enquanto-política com a habitação-enquanto-mercado. A habitação tem um papel de tal modo vital nas economias políticas existentes, que já não há justificação (se é que alguma vez houve) para que os economistas políticos cedam a sua análise a economistas que ignoram ou reduzem a importância do poder, da política e do Estado, ou numa esfera da habitação/política social à parte, em que a economia política mais vasta é igualmente invisível. De modo semelhante, os investigadores da área dos estudos da habitação também deveriam fazer um esforço maior para conectar as suas análises e argumentos às questões da economia política – não porque a economia política seja necessariamente a abordagem privilegiada às questões habitacionais, mas porque a habitação não pode ser discutida de forma adequada fora do contexto da sua economia política.

 

Agradecimento

Gostaríamos de agradecer a Phil Ashton, Mirjam Büdenbender, Rodrigo Fernandez, Andrea Lagna e Tom Slater pelas leituras e comentários de uma versão anterior. Os argumentos aqui desenvolvidos, sobretudo quaisquer falhas, são da nossa exclusiva responsabilidade. O trabalho de Manuel Aalbers teve o Apoio do European Research Council (bolsa n.º 313376).

 

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NOTAS

Este artigo foi publicado originalmente em 2014, na revista Housing, Theory and Society, com a referência completa: Manuel B. Aalbers & Brett Christophers (2014) “Centring Housing in Political Economy”, Housing, Theory and Society, 31:4, 373-394, DOI: 10.1080/14036096.2014.947082. A revista CIDADES, Comunidades e Territórios reserva os direitos sobre a tradução para português, a cargo de Mariana Leite Braga (DINÂMIA’CET-IUL, mariana.braga@iscte-iul.pt).

 

[3] O que não implica, contudo, que não estejamos interessados em procurar um diálogo com a economia política no seio da economia (cf. Aalbers, 2012; Dymski, 2012). Achamos que isto exige um argumento diferente uma vez que a relação entre a economia política no seio da economia e a habitação enquanto campo de pesquisa é bastante diferente; há um maior número de economistas políticos no seio da economia a encarar de forma séria o tema da habitação, ainda que de forma selectiva.

[4] Os preços da habitação raramente (se é que alguma vez) se limitam a reflectir o custo da mão-de-obra associado ao custo dos materiais. Também reflectem, inter alia, o custo do terreno, a depreciação, o potencial de arrendamento e, claro, aquilo que as pessoas estão dispostas a pagar. Deste modo, a produção de habitação através do trabalho remete não apenas para as relações sociais incorporadas no processo de trabalho mas também para o seu papel central na circulação de mais-valias.

[5] Apesar de não podermos esquecer que, de facto, os bancos também criam estímulo do lado da oferta – grande parte dos 33% de empréstimo bancário no Reino Unido não destinado à aquisição de habitação foi direcionada para a construção, o que significa que o crédito (muitas vezes pelas mesmas instituições financeiras) suportou ambos os lados do mercado.

[6] Poderia afirmar-se que o termo “keynesianismo privatizado” se refere sobretudo à dívida e não à habitação. Ou seja, que a habitação é apenas um veículo contingente para a cristalização da dívida. Contudo, no nosso entender, não é esse o caso. O endividamento familiar não teria crescido aos níveis actuais (forçando assim a procura efectiva ao ponto a que chegou) sem a “segurança” ou “garantia” de dívida que a habitação concede ao tomador de dívida não comercial, de forma única. Importa aqui recordar que a expressão tão difundida, “seguro como uma casa”, se referia originalmente ao empréstimo bancário relativamente sem riscos, não à propriedade. Isto é, à segurança da própria instituição financeira e não do proprietário, a quem esse termo é agora tipicamente (mal) associado.

[7] Apesar de parecer conveniente incluir o subarrendamento na categoria do arrendamento privado, existem muitos subarrendatários em habitação ocupada pelos proprietários ou em habitação social/pública, o que contribui para atenuar ainda mais a distinção entre as categorias.

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