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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES vol.42  Lisboa jun. 2021  Epub 23-Jun-2021

https://doi.org/10.15847/cct.23927 

ARTIGO ORIGINAL

Intervir em espaços de valor patrimonial e paisagístico: projetar e construir em Minde, Portugal

Challenges of intervening in spaces of heritage and landscape value: Designing and building in Minde, Portugal

João Quintela1 

Filipa Ramalhete2 
http://orcid.org/0000-0002-6139-7676

1Escuela Técnica Superior de Arquitectura - Universidad Politécnica de Madrid; CEACT/UAL - Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa Universidade Autónoma de Lisboa, Departamento de Arquitetura, Portugal. Email: joaopedroquintela@gmail.com

2CEACT/UAL - Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa e CICS.NOVA - Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa, Portugal. Email: framalhete@autonoma.pt


Resumo

O presente artigo explora a aproximação do ensino da arquitetura à relação entre o património edificado e paisagístico das comunidades através de projetos que intervêm diretamente no território, criando soluções construtivas e materiais que estabelecem pontos de diálogo com a identidade dos lugares. O artigo incide em particular na conceção e materialização de um projeto de caráter temporário para o Festival Materiais Diversos, que teve lugar em Minde, em setembro de 2019. A escolha dos materiais, das soluções construtivas e da própria execução em obra refletem de um modo evidente a relação com o património cultural e natural desta região. Por outro lado, a flexibilidade do sistema e a sua capacidade de reutilização permitem que este diálogo ganhe novos significados na sua relação com o território. O artigo pretende contribuir para o debate sobre a importância de explorar a relação entre o território e o património local aquando da construção de estruturas destinadas a eventos temporários, de forma a obter resultados que, quer do ponto de vista dos materiais, quer da sua forma e função, contribuam para dinâmicas locais de valorização territorial.

Palavras-chave: paisagem; património; arquitetura; ensino da arquitetura; Minde

Abstract

This article explores how built and landscape heritage can be approached when teaching architecture, by exploring the relationship with the communities through projects that intervene directly in the territory, creating constructive and material solutions that establish points of dialogue with the identity of the places. The article focuses in particular on the conception and materialization of a temporary project for the Materiais Diversos festival, which took place in Minde, in September 2019. The choice of materials, construction solutions and the execution of the project reflect different relationships with the cultural and natural heritage of this region is evident. On the other hand, the system's flexibility and its capacity for new utilizations allow new relations with the territory. The article also intends to contribute to the debate on the importance of exploring the relationship between the territory and the local heritage when building structures for temporary events, in order to obtain results that, both from the point of view of the materials and their shape and function, contribute to local dynamics of territorial valorization.

Keywords: landscape; heritage; architecture; teaching architecture; Minde

Introdução

O objetivo deste artigo é discutir, através de um caso de estudo da construção de uma estrutura efémera, a importância da componente territorial, na sua dimensão patrimonial e paisagística, para a idealização e construção de projetos de proximidade, entendidos como projetos realizados com contacto próximo e mediação, refletindo sobre a relação entre espaço e comunidade local (Solá & Vilhelmson, 2019). Pretende-se, nesta introdução, dar a entender o enquadramento conceptual subjacente à intervenção feita. Será abordada a evolução, sobretudo a partir da segunda metade do século XX, do conceito de património, demostrando de que forma este foi, progressivamente, abarcando componentes territoriais mais extensas, até ao momento atual, em que existe uma perceção generalizada de que a paisagem, mais do que um conjunto de elementos naturais, é uma construção cultural, à qual se atribui um conjunto de valores, entre os quais o patrimonial.

O conceito moderno de património, cuja origem recua ao período que se seguiu à Revolução Francesa e aos movimentos românticos do século XIX, foi progressivamente ganhando novos significados. A partir de uma conceção quase exclusivamente dedicada ao monumento histórico, assistiu-se, ao longo do século XX, a um progressivo alargamento da noção de património a conjuntos urbanos e rurais, à cultura, ao território (Audrerie, 2003; Ramalhete, 2006), numa (re)valorização dos territórios e da ação humana neles cada vez mais abrangente, como previu Françoise Choay, no início da década de 80 do século XX (Choay, 2000).

Este processo é indissociável de um movimento de raiz académica, mas que rapidamente se popularizou, ganhando contornos cada vez mais difusos: a criação de consensos alargados sobre a existência de elementos de valor identitário e coletivo, que é necessário preservar, não apenas através dos mecanismos nacionais de cada país, mas também de instâncias internacionais. A classificação como Património da Humanidade pela UNESCO é o expoente máximo destes mecanismos, não só pela sua importância ao nível do reconhecimento e proteção do património, mas pelo contributo para a consolidação e divulgação do próprio conceito. O primeiro documento normativo internacional neste campo, a “Carta de Atenas sobre o restauro de monumentos” (de que Portugal foi signatário), redigida pelo Serviço Internacional de Museus, em Atenas, em 1931, preocupava-se sobretudo com a degradação e as várias teorias de restauro de monumentos (Lopes & Correia, 2004). Em 1945, após a Segunda Guerra Mundial e a criação da Organização das Nações Unidas, é fundada a UNESCO - United Nations Educational and Scientific and Cultural Organisation, que, em 1954, aprovará o seu primeiro documento normativo, a “Convenção de Haia para a proteção dos bens culturais em caso de conflito armado”, na qual o conceito de “bem cultural” é já bastante abrangente, incluindo conjuntos de interesse histórico ou artístico e centros monumentais. A partir deste momento, a noção de património autonomiza-se e complexifica-se. É em 1962 que a UNESCO publica a “Recomendação sobre a salvaguarda da beleza e do carácter das paisagens e dos sítios”, dedicada não apenas às paisagens naturais, mas também às que são um produto cultural, realçando a importância da sua conservação e restauro, numa ótica de relação das populações como seu património. Dez anos mais tarde, em 1972, é assinada a “Convenção para a proteção do património mundial, cultural e natural” que estará na origem de todo o movimento de classificação do património mundial, inicialmente nas categorias de natural e cultural (monumentos, conjuntos e sítios), posteriormente alargadas à paisagem cultural (1992) e ao património imaterial (2003). Merece também referência, ao nível da União Europeia, a aprovação da “Convenção europeia da paisagem”, em 2000, que consolidou a importância de articulação da proteção e do ordenamento e da gestão da paisagem à escala europeia.

No que diz respeito ao conceito de paisagem cultural, remonta ao século XIX o surgimento de trabalhos académicos de várias áreas do saber que reafirmam a importância da dimensão cultural do território (Carvalho & Marques, 2019), com destaque para os contributos de geógrafos, antropólogos e arquitetos. A nível internacional, é de salientar, nas escolas da geografia francesa e alemã, os trabalhos pioneiros de Vidal de La Blache (1845-1918) e Richthofen (1822-1905) e, na escola americana, o contributo de Carl Sauer (1889-1975), responsável pela introdução do estudo da geografia cultural em Berkeley e do termo “cultural landscape”, versão inglesa do termo alemão “Kulturlandschaft”. Nos países de línguas latinas, o termo “paisagem”, a que se acrescentará depois a classificação de “cultural”, deriva etimologicamente, da junção dos termos franceses “pays” e “age”, termo conhecido desde o século XIV, que designa uma porção de território que o olhar consegue abarcar (Filleron, 2008). A palavra será usada, a partir do século XVI, nos contextos artísticos europeus para designar uma representação pictórica do campo, associada à pintura, refletindo uma relação entre o observador num ponto fixo e o objeto representado, revelando uma geometria (Cosgrove, 1988). Nesse sentido, o conceito é, em si mesmo, sempre produto de um olhar culturalmente construído (Xavier, 2000).

As ciências sociais e, em particular, a geografia cultural, apropriam-se do conceito de paisagem como objeto de análise, mas também como unidade operativa e dinâmica, onde natureza e cultura são indissociáveis (Trigal et al, 2015). Em Portugal, a obra clássica de Orlando Ribeiro Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico (Ribeiro, 1988), publicada na década de 40 na sequência de uma série de conferências, influenciará de forma marcante o pensamento sobre o território português, em especial pela forma como fornece uma chave para a sua leitura e demonstrando como este resulta de um conjunto de fatores geográficos, históricos e culturais. Nas décadas subsequentes, esta premissa será o pano de fundo para estudos e reflexões sobre o país, na geografia, onde destacamos o constante questionamento da paisagem feito por Álvaro Domingues (2010; 2017), mas também noutras disciplinas. Um exemplo é o Inventário da Arquitetura Popular em Portugal, coordenado por Keil do Amaral (AA.VV, 1961), que parte justamente da inter-relação entre território, assumindo “O claro funcionamento dos edifícios rurais e a sua estreita correlação com os fatores geográficos, o clima, como as condições económicas e sociais” (AA.VV, 1961, p.5). Embora não se falasse especificamente de paisagem, a relação entre cultura, património e território está na génese de todo o trabalho. No campo da antropologia são incontornáveis trabalhos pioneiros de autores como os de Ernesto Veiga de Oliveira (Oliveira & Galhano, 1994), mas salientamos a análise de Sandra Xavier sobre a retórica em torno da qual assentou, em meados da década de 1990, a defesa das recém-descobertas gravuras rupestres do Vale do Côa, para onde estava prevista a construção de uma barragem (Xavier, 2000). Contrariando o argumento de que as gravuras poderiam ser retiradas do local e colocadas num espaço museológico, a equipa de arqueólogos defendeu a sua preservação in loco, com o argumento de que o seu valor arqueológico era indissociável do paisagístico. Este argumento foi decisivo para impedir a construção da barragem e para a classificação das gravuras rupestres do Côa, em 1998 (estendido ao sítio espanhol de Siega Verde, em 2010) como património mundial.

Por fim, uma última, mas fundamental, referência tem de ser feita aos autores da arquitetura paisagista em Portugal, em especial o trabalho académico e de intervenção cidadã de Gonçalo Ribeiro Telles, não apenas numa perspetiva de análise, mas também de gestão e intervenção no território (Telles, 2011). Da criação desta escola de pensamento resultou a produção de uma vasta documentação, da qual se destaca a obra “Contributos para a Identificação e Caracterização da Paisagem em Portugal Continental” (Abreu, Correia, Oliveira, 2004).

Esta breve introdução procurou salientar um conceito de paisagem que se apresenta hoje como resultado de uma construção cultural, histórica e disciplinarmente identificável, estreitamente relacionado com os conceitos de território e património enquanto espaços de memória (Di Méo, 1994). Como tal, qualquer reflexão e intervenção do território terá de olhar de forma indissociável estas dimensões. Foram estes os pressupostos que estiveram na génese da análise do território de Minde e da construção da intervenção in situ/ que se apresentará em seguida.

Os laboratórios de intervenção em arquitetura in situ/: estrutura e objetivos

Os Laboratórios de Intervenção em Arquitetura in situ/ existem desde 2012, sob coordenação do Centro de Estudos Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa (CEACT/UAL). Até à data, foram realizadas nove edições, em contextos sociais e geográficos distintos, oito no concelho de Almada e uma em Minde (Ramalhete et al, 2020) . Os laboratórios envolvem parceiros e instituições locais, alunos universitários, tutores e membros das comunidades onde são realizados, promovendo comunidades de prática (Wenger-Trayner, 2015) para a discussão dos territórios e promoção de situações experimentais para a resolução dos problemas e necessidades identificadas. Na prática, falamos de workshops de curta duração, desenvolvidos numa lógica de agenciamento espacial (Schneider & Till, 2009), em que se projetam e constroem soluções arquitetónicas para espaços com enquadramentos paisagísticos que são sempre bastante particulares - a título de exemplo, houve edições realizadas em bairros de génese ilegal, espaços industriais devolutos e edifícios e espaços de valor patrimonial. À exceção da primeira, todas as edições implicaram a construção, durante o tempo do workshop, de estruturas, em materiais tão diversos como madeira, aço galvanizado ou cal.

A abordagem de cada laboratório é necessariamente distinta, mas todas as edições partilham de uma metodologia de trabalho que parte da análise do território como uma estrutura dinâmica e multidimensional, onde coexistem aspetos naturais e culturais, para, em equipa e com uma abordagem bottom up, ensaiar propostas (Ramalhete, Silva, 2014; Ramalhete, Silva, 2016). Deste laboratório de ideias surgem propostas concretas de soluções, que são depois ensaiadas e implementadas no terreno, como produto material duma reflexão alargada (Quintela & Ramalhete, 2019; Quintela & Ramalhete, 2020).

É importante referir que a natureza destes projetos é experimental, e que estes procuram, mais do que criar soluções definitivas, levantar possibilidades de atuação necessariamente temporárias, mas que possam contribuir para a negociação permanente de suporte à construção de territórios futuros.

Intervenção em Minde: um projeto em diálogo com o território

Minde: enquadramento histórico e geográfico

Adaptado de Googlemaps, 2021.

Fonte: Figura 1: Localização de Minde 

Minde é a vila sede da freguesia com o mesmo nome, no concelho de Alcanena, distrito de Santarém (figura 1). Integra o Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros e localiza-se nos Maciços Calcários da Extremadura, num vale da Serra de Aire e Candeeiros, numa paisagem cársica dominada pela pedra e por vegetação arbustiva característica da paisagem mediterrânica (Abreu, Correia, & Oliveira, 2004, v. IV). Localiza-se em Minde um acidente geográfico invulgar, o Polje de Mira / Minde, designado localmente por “Mata”, fenómeno resultante da acumulação de água das chuvas na zona baixa. Após a acumulação a paisagem muda radicalmente, criando a aparência de um lago, o chamado “Mar de Minde”, que, após o esvaziamento, dá lugar a uma área de planície onde a vegetação ganha matizes cromáticas distintas da envolvente pelo efeito da submersão em água. O local faz parte da Rede Natura 2000 e é classificado pela lista da Convenção de Ramsar.

A localização de Minde, hoje um pouco periférica, foi estratégica até ao século XX, por constituir um ponto de passagem no atravessamento norte/sul da serra de Aire e Candeeiros. A vila possui uma forte tradição de agricultura e pastoreio, mas o século XX foi sobretudo marcado pela instalação na vila de indústria têxtil, hoje inexistente, mas ainda muito presente na memória e identidades locais, sendo as mantas Açorianas o produto mais reconhecido. Associada a esta atividade Minde ganhou relevância, sobretudo à escala regional como espaço de comércio de feira e terra de comerciantes, que comunicavam entre si em Minderico, um dialeto local cuja expressão identitária continua a ser relevante ainda que o seu uso seja residual. A vila de Minde vive hoje do comércio e serviços, aliando alguma atividade de corte e transporte da pedra proveniente da serra.

Processo de trabalho e contacto com o local

Para esta edição do Laboratório de Intervenção em Arquitetura in situ/ o desafio foi lançado pelo festival de artes performativas Materiais Diversos, que se realiza regularmente em Minde e complementa a sua programação com atividades apresentadas noutros locais da região. A direção do festival tinha como objetivo ativar o espaço público e, para além dos espetáculos em teatros ou auditórios, pretendia promover um conjunto de ações que aproximasse a população ao evento. Identificou-se desde logo a necessidade de conceber e construir um “Ponto de encontro” para o festival, uma estrutura que, para além de albergar funções elementares como a venda de bilhetes ou livros, deveria constituir-se como uma peça simbólica no contexto urbano de Minde e receber conversas, debates ou projeções de filmes como parte integrante da programação. Um dos requisitos essenciais era a possibilidade de este equipamento ser facilmente desmontado e transportado para outros locais, de modo a dar resposta ao facto de o festival acontecer em diferentes zonas da região. Pretendia-se ainda que após o evento o pavilhão fosse doado à comunidade, através da casa do povo, para a sua reutilização futura em atividades locais. No âmbito do laboratório foi estabelecida uma parceria com a Universidade de Arquitetura de Hamburgo (HCU) que permitiu a inclusão de alunos alemães. O grupo de alunos inscritos foi bastante heterogéneo e juntou alunos de arquitetura portugueses e estrangeiros, para além de estudantes da Faculdade Belas Artes de Lisboa ou recém-licenciados na área de arquitetura e design.

Um dos aspetos essenciais desta experiência, ao contrário dos laboratórios anteriores, foi o facto de o trabalho ter acontecido em modo de residência. Tanto os alunos como os tutores viveram e trabalharam em Minde durante todo o período do laboratório, aproveitando essa condição para intensificar a proximidade com a população e com o território. O espaço cedido para o workshop foi uma antiga fábrica têxtil que no passado desempenhou um papel ativo no desenvolvimento da indústria local. Este facto, como veremos, acabou por ser incorporado no processo e foi preponderante nas próprias decisões de projeto.

Ao longo das duas semanas de laboratório, o trabalho foi estruturado em quatro fases: 1) Análise: realizou-se um percurso que teve início no centro de Minde e se estendeu pelo território envolvente, com o objetivo de adquirir um conhecimento e uma consciência mais aprofundada do local nomeadamente a zona onde todos os anos se pode observar o fenómeno do “Mar de Minde” . Esta experiência foi complementada por um conjunto de conferências apresentadas por agentes locais através dos quais foi possível conhecer um pouco melhor o contexto histórico e geográfico do território onde iria decorrer o trabalho. Durante esta fase foi pedido aos alunos para reunir todos os elementos que teriam contribuído para a sua leitura do local (fotografias, desenhos, reflexões). O debate sobre esta primeira análise individual confirmou-se essencial para o desenvolvimento das fases seguintes; 2) Desenho e Projeto: foi apresentado um possível sistema construtivo básico e sistemático com recurso aos materiais disponíveis, sobre o qual os alunos iriam trabalhar. O conjunto de 17 alunos foi dividido em 3 pequenos grupos, cada um a desenvolver uma abordagem distinta para discussão e análise posterior. Os alunos trabalharam em maquetes de pequena escala, de modo a estudar a relação com o tecido urbano, e também em maquetes de maior escala para explorar o sistema construtivo e as consequências espaciais. Paralelamente deu-se início a um estudo mais aprofundado das capacidades deste sistema e das dificuldades inerentes à sua execução através de um primeiro teste à escala real. Após dois dias de trabalho as várias soluções foram apresentadas. Discutiram-se as vantagens e desvantagens de cada abordagem e optou-se pela proposta que parecia mais indicada para o contexto, incorporando, porém, alguns aspetos das restantes soluções. Com base na decisão tomada realizou-se o primeiro protótipo à escala real de um fragmento do projeto e, como encerramento desta etapa, realizou-se uma apresentação conjunta à comissão de acompanhamento que introduziu novos temas de reflexão para os passos seguintes. Nesta fase já parecia claro que a solução passaria por um conjunto de perfis de aço, que iriam suportar as cargas verticais, um conjunto de elementos de contraplacado pintado que fariam o travamento da estrutura quanto às forças horizontais, e uns elementos têxteis que fariam a marcação de uma zona central, um palco a céu aberto para os visitantes. 3) Planeamento de Obra: após a decisão do projeto a implementar, o grupo voltou a trabalhar novamente em conjunto para a fechar a solução final, integrando alguns dos aspetos discutidos na fase anterior para que o planeamento rigoroso da execução pudesse ser iniciado. Produziram-se desenhos de execução com a definição dos detalhes construtivos, mapas de quantidades e um caderno de encargos informal. O protótipo acabou por se tornar uma ferramenta de trabalho e foi alvo de intervenção constante durante os dias destinados à realização de testes reais e tomada de decisões definitivas, tanto ao nível construtivo e espacial, como na procura dos tons adequados para a madeira e para os tecidos. 4) Construção: nesta fase deu-se início aos trabalhos de construção, primeiramente em oficina com trabalhos de pré-fabricação (como corte e pintura de madeiras ou furação de ferro, recorrendo-se a uma serralharia local para a execução dos trabalhos de maior rigor), e em seguida na Praça Alberto Guedes, onde o projeto viria a ser instalado. Fez-se uma inauguração do arranque das montagens e todo o processo de construção diário no espaço público foi assumido como ato performativo dentro da programação do próprio festival. As montagens decorreram conforme planeado e, já no final foi lançado o desafio aos alunos da Faculdade de Belas Artes para que concebessem uma peça performativa de raiz a partir do espaço arquitetónico, explorando os ritmos, os sons, os materiais e as qualidades plásticas que resultaram deste processo.

O projeto desenvolvido resultou simultaneamente de uma solução genérica e específica, na medida em que por um lado se trata de uma peça autorreferenciada que utiliza a linguagem disciplinar da arquitetura e, por outro, como veremos em seguida com maior detalhe, estabelece relações muito evidentes com o contexto onde foi implantada: a criação de um espaço central abre a possibilidade de um novo palco aberto para o Festival Materiais Diversos; a multiplicação de pilares cria uma relação muito forte com a floresta do território envolvente; a coloração escura das madeiras dialoga com as marcas que o “Mar de Minde” deixa nas árvores submersas durante grande parte do tempo; as diferentes alturas da estrutura estabelecem um diálogo com a acentuada topografia das montanhas que enclausuram este local; e, por fim, os tecidos utilizados criam uma referência à indústria têxtil que marcou fortemente esta região.

Materialidade, sistema construtivo e execução: um diálogo com o lugar

No âmbito dos laboratórios de investigação o planeamento prévio é essencial mas constitui um processo pouco linear, uma vez que se torna necessário garantir um conjunto de materiais para que o trabalho possa ser desenvolvido num tão curto espaço de tempo, sem que essa decisão defina à partida a solução do projeto, já que o objetivo principal é que todo o processo seja desenvolvido em conjunto com os alunos.

Nesse sentido, a estratégia escolhida pelos tutores foi definir um conjunto de materiais pré-estabelecidos e um possível sistema construtivo muito genérico que poderia ser explorado de diversas maneiras, reservando assim uma parte do orçamento (aproximadamente 20%) que estaria disponível para a compra de materiais de rápida aquisição a incorporar de acordo com as decisões decorrentes do processo. Os materiais escolhidos foram 100 cantoneiras metálicas em “L” com 30x30mm e 3mm de espessura, com 6 metros de comprimento, 15 placas de contraplacado de madeira de abeto com 1250x2500cm e 18mm de espessura, e aproximadamente 800 conjuntos de parafusos, porcas e anilhas. A escolha destes materiais respondia desde logo à premissa de âmbito pragmático relacionada com a obrigatoriedade de encontrar uma solução pré-fabricada e desmontável.

O sistema construtivo foi sendo aprofundado ao longo do laboratório e partindo de uma lógica bastante simples: a proposta baseou-se na criação de um pilar metálico assegurando os esforços verticais e formado pela da união de quatro cantoneiras, que foram unidas entre si através das placas de contraplacado, que por sua vez fizeram o travamento da estrutura aos esforços horizontais e funcionaram como vigas. Este sistema teve a virtude de criar uma solução inseparável entre os pilares e as vigas, já que construtivamente dependiam uns dos outros, ou seja, os perfis metálicos necessitavam das placas de madeira para se unirem num único elemento e a madeira necessitava das cantoneiras para se unir às placas seguintes (figura 2).

© JQTS + Matthias Ballestrem

Fonte: Figura 2: Axonometria do sistema construtivo e assemblagem do conjunto 

No decorrer do processo os alunos foram propondo várias soluções sempre com o objetivo de criar relações com o contexto. Uma das soluções passou pela racionalização e multiplicação dos pilares, reduzindo a distância entre eles para apenas 1,25 metros para alcançar a sensação de um bosque denso tal como a “Mata” que tinham visitado logo nos primeiros dias. Outra situação importante foi a procura de criar um diálogo com a serra, que aparece sempre como pano de fundo. Para tal optou-se por incluir pilares com diferentes alturas no projeto (os perfis metálicos cuja dimensão total era de 6 metros foram divididos em dois pilares de 3 metros nalguns casos, e em pilares de 2,5 e 3,5 metros noutros casos, assegurando a variação de alturas no pavilhão entre dos 2,5 e os 3,5 metros no total) (figura 3). Outra solução implementada foi a pintura das madeiras com uma coloração escura, com o objetivo de fazer uma referência simbólica aos troncos das árvores, que todos os anos ficam submersas pelo “Mar de Minde” e acabam por ganhar um tom escuro e envelhecido, muito característico nesse local.

Figura 3: Pavilhão ALBERTO: variação das alturas e relação com a paisagem ao fundo 

Entretanto, um dos elementos mais expressivos do projeto acabou por surgir no processo de trabalho um pouco mais tarde . Durante a análise ao território percebeu-se a enorme importância que a indústria têxtil representou para a região. A memória deste património resultaria reforçada pelo facto de o laboratório ter acontecido fisicamente numa dessas fábricas que hoje se encontra vazia. Por este motivo acabou por surgir de uma forma quase natural a vontade de incorporar elementos têxteis no projeto. Esta opção ganharia ainda mais força por se tratar de um festival de artes performativas, onde o pano de “boca de cena” nos teatros continua a ser um elemento de grande carga simbólica. Como corolário dos aspetos mencionados constatou-se que a nave industrial onde estava a decorrer o laboratório era o local onde se realizava o processo de tinturaria, quando a fábrica ainda estava em atividade. Tirando partido do conhecimento dos alunos de escultura, optou-se então por trabalhar com têxteis em cru, que foram tingidos manualmente nesse mesmo local e posteriormente costurados por uma residente de Minde, que disponibilizou o seu espaço e recursos para o efeito. Para o processo de tinturaria foram realizados testes com vários pigmentos e a escolha recaiu no tom que mais se aproximava da terra alaranjada visível na paisagem envolvente. (figura 4 e figura 5)

Podemos afirmar que o desenvolvimento do projeto foi sendo informado constantemente pelo conhecimento da realidade cultural, patrimonial e paisagística com a qual se estabeleceu contacto durante estas duas semanas, sem prejuízo de uma vontade expressa em explorar a linguagem arquitetónica dos elementos e o seu sentido tectónico.

© João Barata

Fonte: Figura 4: Pavilhão ALBERTO: vista do espaço interior e da “floresta” de pilares 

© João Barata

Fonte: Figura 5: Pavilhão ALBERTO: presença dos elementos têxteis 

Sistema genérico para intervenções específicas: um diálogo com outros lugares

Tendo em conta que um dos requisitos iniciais era a possibilidade de montar e desmontar o pavilhão para permitir o seu uso em diferentes locais, foi necessário pensar num sistema com grande flexibilidade de adaptação e rapidez de montagem. Como vimos anteriormente, a relação com a realidade e o contexto local foi um dos temas de projeto mais relevantes e considerou-se que essas características seriam reforçadas aquando da montagem noutro local, já que iriam transportar um pouco de Minde para outros pontos geográficos, nomeadamente para o Cartaxo, onde estava já prevista a primeira instalação no âmbito da programação do festival, junto à praça de touros. Deste modo, a utilização do pavilhão implicaria sempre um diálogo com Minde e, também por este motivo foi decidido atribuir-lhe o nome de Pavilhão ALBERTO devido à localização para a qual foi originalmente concebido, a Praça Alberto Guedes.

Apesar da lógica construtiva ser simples e de se tratar de um sistema bastante genérico, as variáveis introduzidas - quer na dimensão dos pilares, quer na infinidade de formas possíveis, ou até na hipótese de definir a posição e colocação dos elementos têxteis - permitiram um conjunto alargado de opções e de fácil adaptação a diferentes contextos físicos e funcionais que se pretendam explorar noutras localizações (figura 6).

Talvez o ponto mais importante na montagem do pavilhão em diferentes locais seja a adaptação às diferentes topografias, como é o caso do local onde foi instalado inicialmente, onde a variação do pavimento rondava os 0,70 metros. O detalhe da base de cada um dos pilares foi estudado de modo a garantir o seu fácil ajuste a locais cuja variação da topografia entre elementos seja igual ou inferior a um metro, já que entre as quatro cantoneiras metálicas existe um elemento cruciforme de madeira que permite ser ajustado e aparafusado à situação específica de cada lugar.

Figura 6: Sistema construtivo: axonometria de algumas possibilidades de montagem 

Como conclusão deste laboratório desenvolvido em duas semanas produziu-se um manual de instruções aprofundado, onde se podem consultar as quantidades totais do projeto, nomeadamente no que diz respeito ao número de elementos, as axonometrias explicativas detalhadas do sistema de montagem e desmontagem, as fotografias do pavilhão em montagem e em funcionamento, e também um conjunto de possíveis configurações que poderão ser exploradas futuramente, a título de exemplo . Este sistema genérico permite que as suas futuras montagens possam dialogar com características mais relevantes de cada novo local, explorando temas como a posição do sol, a topografia, a paisagem ou a forma final e a sua dimensão simbólica. Poderão ainda ser acrescentados novos elementos que introduzam outras camadas de informação e diálogo com o local.

Quando desmontado, o pavilhão ocupa um total de 4m3 e pesa aproximadamente 950kg o que tendo em conta a sua total dimensão, configura um sistema bastante eficiente. Individualmente o peso de cada elemento é reduzido, o que permite a sua montagem entre duas a quatro pessoas.

Conclusão

O processo de trabalho deste laboratório de arquitetura demonstra que é possível desenvolver um projeto de arquitetura temporária em profunda relação com a identidade de um lugar, integrando de forma sistemática aspetos como a análise, o desenho, a materialidade e a construção. Tendo em conta as limitações dos exercícios da prática da arquitetura no contexto académico, tanto pela dificuldade da sua materialização como na relação íntima com a experiência física de um lugar, destaca-se o facto de esta abordagem ter permitido que essas barreiras fossem diluídas, possibilitando assim uma clara aproximação dos estudantes ao património edificado e paisagístico de Minde durante o exercício disciplinar da arquitetura. Esse aspeto é relevante na medida em que essa experiência da realidade cultural e paisagística durante o período de residência informou e influenciou de forma decisiva as principais decisões de projeto, nomeadamente na escolha dos materiais pré-fabricados ou na introdução dos elementos têxteis, vinculando-o simbolicamente ao contexto que lhe deu origem. Sublinha-se o facto destes aspetos terem surgido de maneira espontânea durante a fase de projeto, após os primeiros dias de contacto com o território, sendo, portanto, uma consequência direta dessa descoberta in situ.

Por outro lado, a estrutura correspondeu ao desafio lançado pela organização e para além da sua materialização, desenvolveu-se ainda um manual de utilização do projeto contemplando a solução final e as diferentes possibilidades de configuração do sistema, tal como era ambição do festival ao querer doar esta estrutura às comunidades locais. A itinerância do pavilhão poderá assim levar um pouco de Minde a outros locais e, através dele, estabelecer novos diálogos e significados na sua relação com o território. Neste sentido, é particularmente interessante observar que algo que foi concebido para integrar, numa lógica de continuidade, uma paisagem e um património de determinado território, poderá não só ser testemunho de uma memória e identidade de um lugar, mas ser também mote para uma evocação dessa mesma memória noutros locais, adaptando-se a eles e criando novas leituras.

Ao contrário do caso de Foz Côa - em que o “monumento era o vale”, e não é possível descontextualizar as gravuras da paisagem - na estrutura ALBERTO o “monumento” é Minde, mas foi concebido para sê-lo noutros locais, quer como testemunho de uma paisagem específica, quer como parte integrante de futuras paisagens urbanas, ainda que temporárias.

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Recebido: 17 de Março de 2020; Aceito: 14 de Junho de 2021

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