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CIDADES, Comunidades e Territórios

On-line version ISSN 2182-3030

CIDADES vol.au21  Lisboa Oct. 2021  Epub Jan 20, 2021

https://doi.org/10.15847/cct.23453 

ARTIGO

‘Dio$ No$ Libre Del Dinero’. Um ensaio acerca dos cruzamentos entre as retóricas pós-feministas e as indústrias (pós)culturais na obra de Rosalía

‘Dio$ No$ Libre Del Dinero’. An essay on the crossovers between the post-feminist rhetorics and the (post)cultural industries in the work of Rosalía

1Universidade do Porto, Instituto de Sociologia, Griffith Center for Social and Cultural Research, Portugal. E-mail: pguerra@letras.up.pt

2Universitat Pompeu Fabra, Espanha. E-mail: priscila.alvarez@upf.edu


Resumo

Este artigo tem como objetivo último discutir e perspetivar as formas pelas quais Rosalía, enquanto artista, aciona um conjunto ampliado de narrativas pós-feministas, não só nas suas letras, mas também nos seus videoclipes neste contexto de modernidade tardia. Assim, mantendo o princípio de que as retóricas pós-feministas são abrangentes e multifacetadas, foram analisadas quatro canções: “Malamente” (2018), “Yo x Ti, Tu x Mi” (2019), “Aute Cuture” (2019) e “Juro Que” (2020)1. Desta forma, intentámos aferir da(s) dualidade(s) que pauta o discurso artístico de Rosalía, indo, assim, ao encontro de uma dialógica entre as indústrias (pós)culturais e o discurso sociológico acerca dos objetos, narrativas e imagéticos criativos delas emergentes.

Palavras-chave: pós-feminismo; Rosalía; modernidade tardia; indústrias (pós)culturais; reggaeton e flamenco

Abstract

The ultimate aim of this article is to discuss and perspective the ways in which Rosalía, as an artist, triggers an expanded set of post-feminist narratives, not only in her lyrics, but also in her video clips in this context of late modernity. Thus, maintaining the principle that post-feminist rhetoric is comprehensive and multifaceted, four songs have been analysed: "Malamente" (2018), "Yo x Ti, Tu x Mi" (2019), "Aute Cuture" (2019) and "Juror Que" (2020). In this way, we intended to assess the duality(ies) that guide Rosalía's artistic discourse, thus meeting a dialogic between the (post)cultural industries and the sociological discourse about the objects, narratives and creative imagery emerging from them.

Keywords: post-feminism; Rosalía; late modernity; (post) cultural industries; reggaeton and framenco

Yo x Ti, Tu x Mi: Princípio

Pensando em grandes estrelas pop como Madonna ou Beyoncé, o seu sucesso pode ser enquadrado na era MTV. Desde o ano de fundação deste canal, em 1991, e mais ainda num período recente, temos vindo a assistir a uma mudança profunda em termos de programação, muito devido ao facto de as plataformas digitais terem vindo a adquirir um destaque cada vez maior. Castilla (2020) fala-nos mesmo de uma era pós-MTV, afirmando que tal se refere a um campo onde a indústria musical, bem como os artistas que dela fazem parte, se encontram envolvidos com novas e constantes dinâmicas que, essencialmente, se pautam por um conjunto de relações complexas entre aqueles que produzem a cultura, aqueles que a distribuem e, claro está, aqueles que a consomem. Sublinhe-se que o consumo de música no presente é feito também pelas e nas redes sociais - especialmente o Instagram, que Paula Guerra (2018b) indica assumir-se como uma experiência intensa e imersiva. Assim, estas plataformas tornam-se espaços de produção e de disseminação de conteúdos, com uma importante diferença face aos tradicionais e convencionais espaços públicos (Liew & Pang, 2015) no que toca às memórias coletivas e às interações face-to-face. Em paralelo à mudança de um espaço físico para um espaço virtual, plataformas como o Instagram demonstram o crescimento de uma cultura visual, no sentido em que existe uma combinação entre o formato mediático e o conteúdo particular (Guerra, 2018b), algo muito bem utilizado por Rosalía como estratégia de marketing: a cantora socorreu-se desta rede para se conectar com o público e lhe transmitir as suas ideias e os seus trabalhos (Manovich, 2016; Chesher, 2012).

A era pós-MTV trouxe consigo um manancial de símbolos e de interações que fazem com que o campo artístico e musical se demarque pela constante negociação, aceitação, negação e representação (Lieb, 2018). Griswold (2013) aborda a existência de uma espécie de diamante cultural composto por vários vértices e arestas que, na realidade, pode ser visto como exemplificativo das relações que compõem a indústria cultural e musical: desde os objetos culturais - nos quais estão compreendidos os valores, as crenças e as práticas efetivas - aos criadores de conteúdo cultural, ou seja, a todos os indivíduos-chave responsáveis pela criação e pela produção musical, juntamente com a audiência e o mundo social, um elemento essencial que nada mais é do que o próprio contexto em que as produções nascem, se disseminam e são consumidas.

Por que razão é que estas questões são importantes? Por um lado, estas são problemáticas que estão constantemente a ser reforçadas pelas mudanças que pautam a sociedade e, por outro, porque estão na base da necessidade sociológica de abordar o conteúdo artístico produzido por Rosalía2. Todas estas questões são inerentes ao trabalho desta artista, bem como a produção de múltiplos significados, intrínsecos e invocados, suscetíveis de uma análise profunda e sistemática (Green, 2001). Mais ainda, temos a dialética entre estas dimensões e a retórica feminista (McRobbie, 2009).

Mas porquê Rosalía? Por ser, conjuntamente, produto e resistência de e dentro de uma indústria musical e uma sociedade de consumo (Bauman, 2008). Castilla (2020) afirma que, ao nos debruçarmos sobre a indústria musical, nos iremos deparar com muitas artistas que, além de serem criadoras de objetos e produtos culturais, são também fruto de um emaranhado de relações que as tornam “vendedoras” de criações culturais - além de criarem um produto, acabam por se tornarem elas próprias numa marca de produtos culturais (Lieb, 2018). É nesta era pós-MTV que os agentes, os managers, os bloggers, os fotógrafos e os programadores ganham um lugar de destaque apenas ofuscado pelas plataformas digitais como o Spotify e, claro está, o YouTube. Autoras como Carey (2020) destacam que estas plataformas digitais criam diálogos contínuos entre os artistas e os públicos, conferindo, assim, a ambos o poder e a possibilidade de resistirem ao sistema. Em ambas as plataformas, Rosalía conseguiu uma posição de destaque, com uma audiência na ordem dos milhões3.

Acionando o diamante cultural de Griswold (2013), todos estes astros devem alinhar-se; e, para Rosalía, foi exatamente isso que aconteceu. A artista entrou na indústria musical e passou a dominá-la. Aliás, Marmisa (2018) refere mesmo que a artista, desde que obteve reconhecimento artístico e cultural, tem adotado uma campanha de comunicação infalível, colocando-a no caminho certo para se tornar a nova estrela pop, isto se é que, desde 2018, tal status já não foi alcançado. Mas, além da estratégia de disseminação digital do seu trabalho, não podemos negligenciar a sua estratégia de imagem, demarcada por um estilo inconfundível, distintivo e marcante de uma cultura, que, no total, forma uma personagem muito bem conseguida. Esta conta, adicionalmente, com o apoio de gigantes da indústria musical, como a editora Sony, que alimenta esta subversão, algo que nos leva a questionar o papel contestatário unilateral das suas produções - ou seja, não podemos separar a originalidade da obra do continuum em que se gere a indústria musical.

Rosalía, uma artista com apenas 27 anos, soma já o maior número de prémios atribuídos a uma única obra (Benzal, 2019; Fuentes, 2018). Atendendo aos vários elementos que já foram enunciados, podemos considerar Rosalía como uma artista transnacional que colocou o flamenco na ordem do dia. A artista rompe com estereótipos socialmente instituídos pois, apesar de ser oriunda de uma família de classe trabalhadora, Rosalía não experiencia a estigmatização e a rotulagem que outras mulheres desta classe experienciam (Oliva, 2014); pelo contrário, ela é reconhecida e apreciada pela utilização de elementos próprios dessa classe no seu trabalho. Como referido, a artista é reconhecida por uma imagem de marca construída a partir de símbolos e elementos da classe trabalhadora, tais como a estética choni (Willem, Araüna & Tortajada, 2018)4 ou os recorrentes camiões de transporte de mercadorias que surgem nos seus videoclipes. Na verdade, Rosalía é dotada de um capital cultural (Bourdieu, 1998) que faz com que lhe seja atribuída legitimidade para se apropriar desses elementos, à imagem de Madonna e do vogue. Porém, o que para uns é visto como apropriação cultural (Giddens, 1991), por outros pode ser entendido como resistência e reivindicação de um espaço (Guerra, 2020; 2021), ainda que de modo silencioso ou subliminar.

Este artigo visa a compreensão e a análise de quatro canções de Rosalía, com o intuito de demonstrar que esta reivindicação que é feita se insere num amplo quadro teórico inerente às correntes feministas, ou mesmo às pós e pós-pós-feministas (Guerra, 2018a) que confluem dentro de um contexto de modernidade tardia (Giddens, 1991). Aliás, procurámos perceber de que modo a retórica feminista pode ser, e é, utilizada para demarcar o seu próprio espaço (Guerra & Silva, 2015). A redefinição de formas e de conteúdos musicais de Rosalía procura, em última análise, reformular e recriar o seu espaço na indústria musical, bem como na própria sociedade (Guerra, 2019a; 2021). Este estudo é realizado tendo por base um quadro sócio analítico, em que a expressão artística em análise é entendida como um veículo de comunicação (Guerra, 2019a; 2019b).

Os produtos criativos de Rosalía podem mover-nos por diversos caminhos epistemológicos. Por um lado, devemos considerar a sua corporalidade quando age e se apresenta e representa a si própria e a outras mulheres (Amos, 2020; Guerra, 2017), sempre com uma estética particular que se tornou a sua imagem de marca. À semelhança do exemplo de Tori Amos e outras artistas (Gracyk, 2001), Rosalía, nas suas produções artísticas, pretende estabelecer um diálogo com a realidade dos seus ouvintes, em especial com os públicos femininos, num vaivém constante entre relações de poder e posicionamento artístico. Por outro lado, o conteúdo artístico e musical de Rosalía também pode ser lido como uma combinação de diferentes realidades, invocando conceitos como resistência (Guerra, 2020; 2021). Este estudo segue uma perspetiva pós-feminista que opera na arena da modernidade tardia e de um estilo de vida consumista que articula produção cultural, mercado e sociedade (Gill, 2008; Guerra, 2019b; Guerra & Figueiredo, 2019). A nossa análise de Rosalía segue de perto a lógica de Howard S. Becker (2007) quando este afirma que a arte é uma forma de falar da sociedade, e é produzida e reproduzida por ela. Com o material compilado e analisado neste estudo, pretendemos estabelecer uma análise descritiva das letras de Rosalía utilizando uma perspetiva dialógica na qual a arte pode ser entendida como espelho e reflexo da sociedade e de outras realidades sociais diversas, como criadora de ações, e como produtora de conhecimento com características reflexivas. Ao fazê-lo, reforçamos um entendimento epistemológico (Guerra, 2019a; 2020; 2021) do campo das artes como elemento autónomo e representativo da realidade social e, ao mesmo tempo, uma força que o influencia.

Assim dividimos este artigo em seis partes. A primeira tem um caráter introdutório à artista e ao contexto cultural e artístico de produção e de disseminação de produções atualmente vivido; numa segunda parte, abordamos as principais linhas de pensamento das correntes feministas, seguida de uma terceira parte em que afunilámos a nossa abordagem, focando-nos no entendimento dos modos em que o reggaeton, enquanto género musical de eleição de Rosalía, é reapropriado e reivindicado de acordo com uma nova roupagem. Posteriormente, apresentamos o nosso processo metodológico e terminamos com uma discussão, reflexão e apresentação das principais linhas de conhecimento obtido em relação às músicas - selecionadas para análise - de Rosalía.

Rosalía: Género, cultura e mudança social

Tendo como primeiro ponto analítico as abordagens feministas e pós-feministas anteriormente referidas, não podemos deixar de fazer referência ao trabalho de McRobbie (2009), pioneiro e basilar no estudo dos agentes sociais negligenciados, relegados às franjas da sociedade, tais como as mulheres, os negros ou as minorias étnicas (Guerra, 2018a). Curiosamente, até há relativamente pouco tempo, as produções culturais latinas, entre outras temáticas, eram também relegadas para as periferias do meio académico, em benefício da primazia de um certo eurocentrismo. Foi precisamente através das práticas artísticas de resistência que se insurgiram que se verificou um aumento do interesse sobre estas realidades e contextos.

No livro The Aftermath of Feminism: Gender, Culture and Social Change (2009), McRobbie tece uma analogia entre a corrente teórica pós-feminista e a cultura popular, numa lógica de dialética e tautocronismo entre ambas. Outrossim, Angela McRobbie (2009) visa um entendimento da articulação que é feita entre a retórica feminista e um retrocesso nos avanços previamente alcançados pela corrente desde a década de 70 do século XX. Trata-se, no fundo, de uma análise focada nas forças culturais e no negacionismo face ao feminismo enquanto movimento social.

Até meados dos anos 2000, o movimento feminista aparentava algum torpor - ou apenas um período de reagrupamento - algo que mudou radicalmente a partir de 2015, tal como referem Macarthur et. al (2017) em The Rise and Fall, and the Rise (Again) of Feminism Research in Music. Desde 2018 parece haver uma preocupação constante e (quase) generalizada com a reivindicação de ideologias e discursos que vão ao encontro desta corrente teórica. Aliás, o feminismo assume-se como pedra de toque para quase todas as jovens de hoje, mas especialmente avoca-se como um elemento de marketing para as artistas e, por associação, para as influencers da atualidade - muitas delas também artistas. Estamos, assim, perante um double entanglement (McRobbie, 2009), mas não nos moldes inicialmente propostos. A retórica feminista foi apropriada pela cultura musical, mais concretamente pela música pop, no entanto, é, simultaneamente, uma negação dela e do universo em que se enquadra. Do mesmo ponto de vista, o double entanglement - o emaranhado de duplo sentido - significa que coexistem valores neoconservadores face às questões de género, família, sexualidade e liberdades que, apesar de contrariados ao nível do discurso, são, por vezes, reproduzidos ao nível das práticas.

Além deste processo de vaivém, desde a década de 1990 que emergem autores que contestam e naturalizam as teorias feministas, tais como Butler (1990) ou Haraway, daí que se afirme a existência de um pós-feminismo, ou até mesmo de um pós-pós-feminismo (Guerra, 2018a). Basta pensarmos no caso dos média: a ideologia pós-feminista corresponde aos resquícios do que eram as verdadeiras necessidades das mulheres, nas décadas de 70 e 80, e, por outro lado, refere tratar-se de uma ideologia sustentada na lógica da meritocracia. Afirma-se também que as mulheres já obtiveram a igualdade em campos como a economia e a academia, a produção cultural e na atribuição de reconhecimento. É a teoria do teto de vidro, pois, apesar de existirem mulheres que ocupam posições de topo, estas continuam a ser uma minoria relativamente ínfima. É a partir do entendimento destas questões que McRobbie (2009) enuncia a existência da individualização feminina, um argumento que se baseia na necessidade de cada mulher tomar as rédeas da sua vida. Então, podemos afirmar que Rosalía, nas suas produções e na sua carreira, assume e enverga esta individualização, não sucumbindo à normatividade cultural que rege a indústria musical.

Recuando à década de 1990, período em que o feminismo se afirmou no âmbito da cultura popular, assistia-se a uma enorme circulação de valores e de ideais feministas, tais como a igualdade de direitos e o combate à violência e ao assédio, semelhante à nova vaga de circulação sistemática de valores e ideais feministas que tem vindo a surgir dentro da indústria musical - basta o exemplo do movimento #MeToo (Benedicts, Orgad & Rottenberg, 2019). As últimas décadas de movimentos feministas, no entanto, têm vindo a ser repudiados, ou até mesmo esquecidos, devido à forte incidência de movimentos reacionários contrários aos seus ideais. Porém, atualmente, os movimentos feministas renasceram sob a égide de novas formas de organização e de comunicação, em que as plataformas digitais assumem um papel pioneiro e de destaque (Gill, 2016) num feminismo digital, ou mesmo numa onda de feminismo interseccional (Zimmerman, 2017). Todas estas questões são o resultado das exigências e das mudanças da sociedade, e, como seria de esperar, refletem-se na música popular produzida por jovens mulheres artistas, como é o caso de Rosalía.

Araüna, Tortajada e Figueras-Maz (2020) oferecem-nos exemplos paradigmáticos desta realidade, tais como a reinterpretação e readaptação que jovens mulheres artistas fazem de géneros musicais como o hip-hop ou o reggaeton (Byrne, O’Connell & O’Sullivan, 2020), géneros tradicionalmente marcados pelo machismo e sexismo (Ramos, 2015). Esta apropriação assume-se como veículo de subversão que visa a distribuição e a disseminação de mensagens feministas. Mais do que isso, estamos perante um amplo movimento de sensibilização, que transforma a música numa forma de encetar o afastamento das mulheres dos sistemas institucionais opressivos - e aqui encontramos Rosalía. As letras das músicas e os videoclipes adotam, com maior frequência, atitudes feministas, face, por exemplo, a relações amorosas, ao empoderamento feminino e à atividade sexual. Partindo deste ponto, Rosalía destacou-se por ter trazido o flamenco para a ordem do dia das produções musicais contemporâneas, conferindo-lhe um twist. Assim, torna-se relevante perceber os moldes em que Rosalía utiliza a produção musical como contracorrente. Existe uma dupla hermenêutica entre o flamenco, a canção amorosa e o reggaeton, e é nesse domínio que Rosalía retrata a feminilidade e as relações, bem como as experiências de vida.

A ningún hombre: Géneros musicais amplificados

Não queremos aqui oferecer uma descrição sobre a composição musical, nem muito menos discutir todas as subculturas envoltas e envolvidas nesse processo. É sabido que a música popular é uma forma de disseminar modelos e valores que, por natureza, se associam às construções de identidades e de narrativas de género (Frith & McRobbie, 2005; Nieto-Álvaro, 2012). Historicamente, a música pop tem sido vista como produto de um mundo sexista (Bittencourt & Guerra, 2018; Pereira, Guerra & Janotti, 2019), no sentido em que os conteúdos que são produzidos nesse contexto sustentam desigualdades de género (López, 2003), reproduzindo representações hegemónicas sobre sexo e género (Hobson & Bartlow, 2008) evidentes em muitos videoclipes, na sua sexualização e objetificação da mulher. Neste sentido, Horton (1990), nos seus trabalhos, encontrou padrões repetitivos de relações sexuais descritas nas letras de canções inseridas na música popular, algo tanto mais evidente se pensarmos em artistas como Maluma ou Ozuna - tendo este último feito um dueto com Rosalía. Apenas no passado recente é que alguns artistas têm vindo quebrar com este paradigma.

Paralelamente aos conteúdos, igualmente a imagem desempenha um papel essencial, no sentido em que os média tendem a retratar as artistas como ícones de reprodução de padrões de beleza. No caso de Rosalía, parece criar-se um novo padrão de beleza que vai de encontro a uma cultura. A artista, apesar de se encontrar enquadrada nos circuitos de disseminação americanos - o busílis da indústria cultural e pop -, não se enquadra nos padrões previamente impostos, principalmente no que se refere ao corpo. Enquadra-se antes nos padrões mais recentemente estabelecidos face ao ideal de beleza latino, contribuindo em certa medida para uma fetichização em torno da mulher latina5. Aqui se evidenciam as dualidades acima referidas. Temos latente aquilo que McCarthy (2006) refere, isto é, que os seus corpos permanecem ainda como lugares de expectativas culturais.

Ao pensar na questão do machismo presente nos géneros musicais, Graebner (2000) enuncia que o rock, e as subsequentes atuações de artistas como os Rolling Stones, surgiram como uma contestação e uma oposição aos movimentos feministas. Neste sentido, podemos afirmar que as reapropriações que têm sido realizadas por artistas como Rosalía, Brisa Fenoy ou Ms Nina (Araüna, Tortajada & Figueras-Maz, 2020), vêm cumprir um papel antónimo ao que o rock cumpriu nos anos 80, isto é, vêm assumir-se como uma oposição ao machismo e à misoginia instaurados na indústria musical. Outro ponto interessante dentro desta lógica dualista e de oposições (Tortajada, Araüna & Willem, 2017) é o caso de Madonna e da subversão de identidades de género, no retratar desta de masculinidades duras e agressivas como atraentes para as mulheres. Rosalía vai contra esta questão, não sendo feita uma representação subversiva do masculino nos seus videoclipes e nas suas letras, como seria apanágio do reggaeton.

O reggaeton pode ser descrito como uma espécie de estilo musical híbrido e underground, altamente reconhecível pelo ritmo “dembow” (Castilla, 2020), influenciado por outros géneros como o reggae, o hip-hop, a bachata ou o merengue (Pacini, 2014). O reggaeton é um género musical transnacional, que, tal como Rosalía, sofreu alterações profundas ao longo do tempo: passou de estar inicialmente associado a lirismos de violência (Gallucci, 2008) para se tornar num género musical sexualizado e sedutor que reina nas pistas de dança de todo o mundo. Assim, mais do que qualquer outro género musical, o reggaeton pode ser visto como uma manifestação cultural e artística que possui uma substância subalterna, mas que confere visibilidade aos processos de subalternidade, contribuindo para a des-hierarquização da cultura (Kolbe, 2021) na medida em que demonstra que na diversidade também existe resistência. Tal como a cultura hip-hop, o reggaeton surgiu associado à periferia e à marginalidade, relacionado com as classes baixas e pobres; hoje em dia, é talvez um dos géneros musicais mais populares na América do Sul e na Europa. Contudo, o olhar masculino sobre as mulheres permanece a sua grande característica (Marshall, 2008; Araüna, Tortajada & Figueras-Mas, 2020). Desta forma, podemos enunciar cinco pontos em que Rosalía contraria tendências características deste género musical, indo, assim, ao encontro da retórica pós-feminista (McRobbie, 2009; Gill, 2016). O primeiro prende-se com a ausência de violência verbal contra as mulheres, bem como, em geral, a ausência de violência verbal nos conteúdos, aspeto importante pelo facto de existirem artistas que - partindo de uma posição de resistência e de afirmação - adotam a mesma linguagem à qual se opõem. De seguida, não existe objetificação sexual em nenhum contexto, nem mesmo para sublinhar a masculinidade; paralelamente, as mulheres também não são apresentadas como dispostas a participarem em atos sexuais. Por último, as feminilidades não são denegridas (Dàvila, 2016, pp.68-69). A subversão reside nestes pontos de rutura, assim como na ausência de apropriação e (re)significação dos mesmos. Aqui se denota individualização feminina previamente referida (McRobbie, 2009).

Posto isto, impõe-se a questão: individualização em que sentido, se esta se encontra inserida numa indústria bilionária? Trata-se, neste caso, de individualização no sentido em que Rosalía sente a necessidade de tomar as rédeas do seu próprio percurso, conferindo uma nova roupagem ao reggaeton, particularmente ao nível do empreendedorismo, do girl power e da auto-objetificação como forma de promoção. Existe uma lógica de dar e receber, pois, ainda que sucumbindo às lógicas capitalistas e neoliberais, Rosalía promove um discurso feminista sem negar os prazeres da dança e do desejo. Coexiste a retórica feminista com a necessidade contraditória de se enquadrar numa indústria, isto é, há uma apropriação da retórica feminista por parte da cultura popular, como preconizava McRobbie (2009).

Di mi nombre: Análise e método

Para a realização deste artigo procedemos à construção de um corpus analítico cimentado na seleção de quatro canções de Rosalía. As três primeiras foram as mais vistas no seu canal YouTube na altura da nossa pesquisa: “Malamente”, “Yo x Ti, Tu x Mi” e “Aute Cuture”. Esta seleção em função do número de visualizações também se prende com a tentativa de perceber como a retórica feminista está presente nos seus trabalhos com maior disseminação.

“Malamente” é a primeira faixa do álbum El Mal Querer, e, além de evocar uma panóplia de referências à memória e à cultura espanhola, possui também uma mensagem implícita referente ao medo e às relações amorosas. Os restantes dois videoclipes mais vistos são (co)executados com um artista masculino, Ozuna, famoso dentro de géneros musicais como o reggaeton, pop elétrico e trap, que apresenta uma mensagem profundamente sexista e machista na sua carreira individual. A quarta canção selecionada para análise, “Juro Que”, é o mais recente lançamento de Rosalía à data da escrita deste artigo, e é uma canção interpretada exclusivamente por ela. Todas as músicas selecionadas têm diferentes tons que nos ajudam a analisar simultaneamente Rosalía na sua versatilidade como artista dramática, determinada, consumista, trágica e romântica e na sua vertente de resistência, subversão e retórica feminista.

A nossa investigação centra-se numa análise descritiva empírica (Guerra, 2020; 2019a). Examinamos indutivamente o conteúdo (Bardin, 1977) das canções e analisamos tanto as letras como os videoclipes. Ao fazê-lo, seguimos os princípios da grounded theory (Glaser & Strauss, 1967) com o objetivo de destacar uma compreensão da sociedade moderna que deriva do trabalho de Rosalía. Por conseguinte, o nosso estudo adota uma abordagem qualitativa, baseada num estudo de caso alargado (Burawoy, 1998).

Antecipamos diferentes formas de Rosalía incorporar qualidades simbólicas, culturais e sociais, na sua (re)interpretação da sociedade, à luz de todas as nuances que combina nas suas letras e vídeos. No entanto, considerando todas as complexidades que fazem parte de um cenário de modernidade tardia (Giddens, 1991), e o consumismo que ele impulsiona, pretendemos ligar as adaptações culturais e comerciais ao processo de construção identitário (Guerra, 2016; Guerra & Costa, 2016) que, por sua vez, ajuda a subverter o rótulo choni. Depois de escutar as quatro canções em estudo, criámos as seguintes categorias: tema central, a posição do(s) artista(s), estilo de vida da modernidade tardia, consumismo, pós-feminismo e tipo de som. Na secção que se segue, apresentamos uma análise de cada uma destas categorias, embora ressalvemos que elas funcionam em interligação. Esta análise utiliza excertos das narrativas e conteúdos considerados para ilustrar este quadro interpretativo, do qual as principais conclusões serão apresentadas na discussão final.

Malamente, juro-te Rosalía! Inferências

Nesta secção do artigo, em que propomos uma discussão e uma reflexão em torno das temáticas que temos vindo a apresentar, ainda se assume de máxima relevância estabelecer um breve parêntesis sobre o nosso interesse nesta artista. Sendo uma artista pop, é pertinente destacar que o entendimento da existência de uma retórica pós-feminista, bem como as questões da resistência e da subversão, nas suas produções, são, de certo modo, de índole qualitativa. É certo que o leitor poderá enumerar um conjunto de artistas ou de produções que, no seu entender, melhor abordam estas questões - tal não está sob discussão. Pelo contrário, seguimos de perto a lógica de Theodore Gracyk (2001) quando este afirma que é igualmente essencial celebrar artistas que são tidas como adversas ao conceito de autenticidade artística. Aliás,

Uma ‘cantora’ interpretativa como Dusty Springfield ou Linda Ronstadt podem perfeitamente ser centrais para o cânone do rock, tal como uma ‘artista’ como Joni Mitchell e Patti Smith, e hoje precisámos das Spice Girls, Britney Spears e Jennifer Lopez tanto como precisamos da Ani DiFranco e Tori Amos. (Gracyk, 2001, p.216)

Gracyk pretende transmitir a necessidade de serem ultrapassados estereótipos e preconceitos construídos em torno de cantoras pop, tais como a ideia de não serem talentosas, de serem meramente um produto sexual e sexualizado e, em especial, contrariar a lógica de que a música pop não pode ter um caráter interventivo ou reivindicativo (Amos, 2020). As artistas enumeradas na afirmação marcaram uma época e, consequentemente, marcaram gerações. Nesse sentido, parece-nos inconcebível que, em termos científicos, não seja tido em linha de conta o papel que esses conteúdos artísticos tiveram nos processos de construção identitários - individuais e coletivos - e, concomitantemente, que não sejam tidos em consideração os seus impactos ao nível das estéticas e dos estilos de vida. Os chamados 90’s kids existem em cada década. Como exemplo, a obra de Burns e Lafrance (2002) centra a análise de um conjunto de autoras que romperam com os ideais daquilo que era socialmente aceitável para uma mulher, demonstrando o poder contracultural da música contemporânea. Também no campo da sociologia da música têm sido feitos importantes avanços que postulam uma interpretação heurística (Araüna, Tortajada & Figueras-Maz, 2020), isto é, são estudos que levam em consideração a abordagem estética da música e o contexto social (Guerra, Bittencourt & Cunha, 2018), mas também o papel da música popular no confronto entre identidades e práticas geracionais, que visam o incremento de uma sociologia cultural essencial para a análise dos géneros musicais (Guerra, 2010; 2020; 2021).

Keller (2002) enuncia três aspetos essenciais na carreira de Madonna que, no nosso entender, podem ser identificados na carreira e nas produções de Rosalía. São eles: imagem, moda, e questões femininas. Apesar de Rosalía possuir uma imagem que, de certo modo, se baseia no princípio da fantasia masculina, esta também se pauta por retratar a mulher à luz da independência e da autonomia, tornando a sua presença dentro da indústria musical ainda mais notória, acentuada e, mais do que isso, apreciada (Lemish, 2003). A sexualidade e a sensualidade de Rosalía não têm por base a promiscuidade; antes, são algo mais latente, que, no entanto, não deixa de ser pensado e usado como estratégia para agradar a determinado público. Por outro lado, a adoção deste tipo de estratégias oferece aos jovens um campo de possibilidades alargado. A influência das massas inerente ao pop, neste caso derivado da popularidade de Rosalía, também se materializa em autorreflexividade e, por sua vez, conduz a um micro-agenciamento dentro da sociedade dominante (Guerra, 2018a).

Castilla declara que, na senda de um universo cultural global, artistas como Rosalía nascem do anonimato para marcarem o populismo e o massificado e “alcançar a indústria musical comercial e o êxito internacional” (2020, p.137). Como mencionado, esta artista surgiu numa época em que o audiovisual é fulcral. Além de cantar, Rosalía também compõe e produz. Pela multiplicidade de papéis que desempenha nas suas produções artísticas, Rosalía insere-se numa lógica meritocrática que, como já vimos, é amplamente valorizada pelos média (Guerra, 2018a; 2018b). Já a sua sexualidade é representada através de uma lógica sofisticada que transpõe o estilo cani (Castilla, 2020, p.137) para uma arena de glamour, tornando-o essencial na sua performance. Nos espetáculos ao vivo, a dança, a estética e a performance são elementos de referência que, mais uma vez, contribuem para o exotismo criado em torno da artista e do uso do flamenco.

Partindo da questão da auto-objetificação, é necessário ter em atenção o poder simbólico sobre a violência, especialmente no que diz respeito à agência sexual. Na verdade, tal como Tortajada e Araüna (2014) destacam, esta é uma estratégia do pós-feminismo - ou seja, as artistas são dotadas de uma agência sexual na qual é promovida a liberdade sexual e o uso livre do corpo como uma forma de afirmação e empoderamento das mulheres. O mesmo acontece quando as mulheres tomam comportamentos agressivos, através, por exemplo, da utilização de expressões como I’m a bad bitch6. Estas representações combinam duas dimensões (Castilla, 2020): a de “mulher guerreira” e a de “fashion diva”, dimensões quase inseparáveis e tradicionalmente masculinas. De facto, Rosalía construiu a sua própria retórica e interpretação destas dimensões, evidente no videoclipe de Aute Cuture (2019), mas também em Malamente (2018) ou em Pienso en tu mirá (2018). Em Malamente, surgem imagens de Rosalía a dançar num camião em andamento, numa escola de toureiros e com uma moto, elementos associados à virilidade que, além de evocarem referência a um património cultural, evocam também um património profundamente masculino, que é neste videoclipe contestado por Rosalía. Rosalía está sob os holofotes às 00:01:35 no vídeo, enquanto uma encenação de uma tourada decorre em câmara lenta. Um jovem veste um manto e Rosalía anda de moto. Nestes breves segundos, temos relações dicotómicas transparentes face aos desafios que as mulheres ocupam no campo cultural (Silva, Guerra & Santos, 2018). A figura de Rosalía demonstra força e ferocidade, enquanto o seu olhar evoca beleza, sensualidade e feminilidade (Gill, 2008; Gill, Kelan & Scharff, 2017). Neste videoclipe, entendemos as referências à origem de classe trabalhadora de Rosalía desde o início. Embora outras artistas tenham utilizado referências semelhantes na sua música, como Madonna (Tortajada, Araüna e Willem, 2017), o uso que Rosalía faz delas é distinto. Ainda em Malamente, a (re)apresentação de Rosalía passa de uma mulher passiva e carinhosa para uma cena em que morre e renasce, forte e poderosa. A letra narra os acontecimentos desta forma:

Aunque no esté bonita / la noche un dive / Voy a salir pa' la calle / (...) Y por delante / No voy a perder un minuto en volver a pensarte" [Mesmo que eu não esteja bonita / a noite un dive (Deus) / Vou para a rua / (...) E adiante / Não vou perder um minuto a voltar a pensar em ti] (Rosalía, Malamente, 2018)

Em quase todas as suas performances, mas especialmente em Aute Cuture, Rosalía utiliza o corpo como a sua principal arma, mas também como dupla dimensão. O videoclipe gira em torno da feminilidade, demonstrado por várias imagens ao longo do vídeo, por exemplo a de uma figura masculina com as unhas pintadas. Adicionalmente, temos presente a agressividade da mulher guerreira,

Aqui todas las niñas tenemos tumbao/ Aute cuture, todo regalado/ Uñas de Dvine ya me las han copiado/ Que te las clavo, niño, ten cuidado /Otros como tú ya lo he dominado [Aqui todas as meninas têm tumbao / Aute cuture, todas doadas / As unhas do Dvine já mas copiaram / Eu prego-os, menino, tem cuidado / Já dominei outros como tu] (Rosalía, Aute Cuture, 2019)

Ainda sobre esta questão da “mulher guerreira” (Tortajada & Araüna, 2014), no videoclipe de Aute Cuture vê-se que Rosalía arranha com as unhas a cara de um homem ao volante numa demonstração de que é ela quem comanda. Logo de seguida surge a seguinte mensagem “Green Bros. Rosalía’s nasty business associated”. Trata-se de uma mensagem profunda que pretende demonstrar o poder feminino enquanto, em calão, são enunciados um conjunto de aspetos estéticos necessários para que a mulher possa superar o desgosto amoroso (Castilla, 2020; Gill, 2016). Rosalía é acompanhada por outras jovens mulheres. A sua representação também combina o código de vestuário do choni-chic7 mas, neste caso, o vídeo localiza-as noutro contexto, onde são percebidas com outro estatuto. Elas celebram características de uma identidade que as poderia ter marginalizado e localizam-nas juntas numa apresentação de alto padrão, reforçada por práticas consumistas. Rosalía parece representar um grupo social tradicionalmente à margem da corrente dominante - ou pelo menos ridicularizado pela sua moda - com as suas (re)apresentações chiques. Novamente, Tortajada e Araüna (2014) argumentam que uma forma de questionar o patriarcado é substituir a figura da mulher indefesa pela mulher agressiva.

Nestas músicas encontramos também um desafio às noções do que são as escolhas pós-feministas e ao que é o empoderamento feminino. Esta ligação é poderosa, uma vez que pode ajudar outras jovens a aceder a um nível que outrora lhes era vedado e, assim, encorajá-las a fazer uma apropriação mais profunda e confiante do seu estilo de vida (Huq, 2003). Partindo de alguns dos tópicos já analisados, podemos afirmar que o pós-feminismo é um quadro complexo de análise. Contudo, este também permite que se possam compreender as novas feminilidades enquadradas num processo de mediatização que é sustentado por um léxico feminista e desprovido de conteúdo político (Gill, 2011; McRobbie, 2009; Araüna, 2012). Em ambos os videoclipes, Rosalía retrata-se - e, por extensão, às mulheres - como segura de si mesma, confiante e orientada para os objetivos e para o sucesso (Dobson, 2015). Este empoderamento é, aliás, quase retratado como um estilo de vida (Lotz, 2001).

Na música Yo x Ti, Tu x mi (2019), em que Rosalía faz dueto com Ozuna, o som flamenco está bastante presente. Aqui, o retrato de Rosalía enquanto performer difere totalmente dos videoclipes e das músicas anteriores: nele é retratado um estilo de vida “elevado”, de luxos, vivido a dois, uma relação amorosa baseada numa certa dependência e que, por sua vez, retrata a importância do dinheiro, das joias e do poder. A corporalidade de ambos os artistas, denota força e (re)apresentações intocáveis-narcisistas. A letra é ilustrativa deste ponto:

Colgando del cuello los juguetes / rodeada de flores y billetes / ‘tamo Worldwide a machete / y mira bang-bang si con nosotros te entrometes” (…) “Somos dos cantantes como los de antes / el respeto es en boletos y diamantes” [Pendurar brinquedos no pescoço / rodeada de flores e notas / somos Worldwide a machete / e olha bang-bang se te meteres connosco” (...) “Somos dois cantores como os de antes / respeito está nos bilhetes e nos diamantes”] (Rosalía & Ozuna, Yo x ti, Tu x mi, 2019)

A feminilidade está, de novo, na base deste vídeo, aliada à auto-objetificação já referida, evidente quando Ozuna canta “Eres única, mamacita Rosalía/ Tiene’ el poder que mi mente desvá/ Yo por ti por ahí me titaría”. Nesta música, além de uma referência à auto-regulação do corpo e à auto-objetificação, está presente a ideia de empoderamento na alusão de Rosalía aos seus bens materiais (Araüna, Tortajada & Figueras-Maz, 2020). No videoclipe de Tu x mi, Yo x ti, não é possível distinguir o rosto de nenhuma das mulheres que dançam com Rosalía, enquanto que a artista está sempre vestida num estilo choni-chic, repleta de cores e saias floridas, com botas militares ou sapatos desportivos.

Apesar de estar em dueto com um cantor do sexo masculino, Rosalía não recorre à promiscuidade, à sexualidade ou à objetificação sexual da masculinidade; antes, visa uma parceria, um amor romântico. O vídeo transmite a ideia de haver um equilíbrio de igualdade entre homem e mulher em que ambos querem o mesmo. Isto vai ao encontro do que Hall (1997) designa de rutura dos regimes de representação, rutura essa que é feita do interior. O empoderamento está associado à ideia de que o parceiro é importante, mas que, sem ele, Rosalía também seria “Worldwide a machete”. Presente também está a ideia da mulher guerreira nos versos “Y mira, bang-bang si con nosotro' te entromete' (Pa-pa-pa)/ No quieres que lo aprete”. Na canção Juro Que (2020), estas noções voltam a estar presentes, juntamente com a estética choni.

Bolso Gucci, diamante’ y marfil / que yo lo empeño todo, que todito lo empeño pa’ poderte sacar de ahí [Mala Gucci, diamentes e marfim/ Eu penhoro tudo, penhoro tudinho para te tirar daí] (Rosalía, Juro Que, 2020)

Na sua letra, Rosalía evoca elementos do seu estilo de vida ao mencionar marcas de moda e joalharia. Esta combinação de modernidade com emoções de sacrifício e amor constitui um tom diferente na música de Rosalía. Assim, a ligação entre a letra e o videoclipe acaba por ser paradigmática, visto que no vídeo Rosalía aparece empoderada, repleta de símbolos de feminilidade como flores no cabelo e as roupas que usa. Ao longo do vídeo, Rosalía passa de um estilo feminino e jovial, repleta de roupas e acessórios cor-de-rosa, para, com o avançar da música e a mudança no tom de voz, roupa mais sensuais, associadas à condição de “mulher adulta,” passando pelo amarelo e terminando de vermelho. Assim, além da letra, destacamos de novo a importância da imagem na construção da retórica feminista da artista. Por outras palavras, esta representação é forte porque reforça as emoções e o orgulho ao mesmo tempo que mantém as suas próprias características, agora tornadas desejáveis. Neste sentido, consideramos o papel da mulher particularmente relevante quando Rosalía estabelece uma ligação com as características que demarcam a sua feminilidade (Guerra, Bittencourt & Cunha, 2018). Esta mensagem serve, de certo modo, para propor uma rutura com as posições de importância e de vitimização às quais as mulheres são relegadas.

Esta música é um depoimento sobre o estilo de vida de Rosalía e é, simultaneamente, uma declaração da futilidade do materialismo face ao amor. Aqui, nota-se o double entanglement de McRobbie (2009) na presença e ligação de valores neoconservadores face às questões de género, família, sexualidade e liberdades - na medida em que é transmitida a ideia da mulher que espera pelo homem e que faz tudo por ele - mas que, em termos de performance, acaba por ser contrariado. Nisto, a tragédia e a paixão associadas ao flamenco tornam-se evidentes. O retrato de Rosalía como mulher oscila entre a força e a decisão sofredora e dramática, configurando um tipo de hibridização (Regev, 2013) que se liga facilmente com as qualidades simbólicas e culturais do género musical e com aqueles outros elementos que ressoam e transcendem no atual cenário moderno (Giddens, 1991), em que as gerações mais jovens baseiam a construção das suas identidades nos pilares do consumismo. Tomemos aqui a frase “Lo hago para mi gente y lo hago a mi manera [Eu faço-o para o meu povo e faço-o à minha maneira]”, da música Con Altura (2019), uma parceria com J Balvin. Para a ligar à nossa compreensão do retrato de Rosalía do choni-chic, é necessário primeiro compreender as características do choni:

As chonis são consideradas raparigas de classe baixa, pouco instruídas, com um desejo sexual explícito e desenfreado. A sua representação cultural e de classe retrata-as como usando maquilhagem pesada, fatos de treino baratos (geralmente rosa e/ou estampado animal), brincos grandes e penteados específicos como rabo-de-cavalo ou cabelo louro tingido, e como gritando e mascando pastilha elástica o dia todo. (Willem, Araüna & Tortajada, 2018, p.538.)

Seguindo esta descrição, Rosalía não é uma choni porque já não é de classe baixa e porque a sua educação profissional lhe permitiu realizar a sua produção artística conforme os padrões da indústria musical. No entanto, a sua representação ainda coincide com a maioria das características das choni acima detalhadas. Com base na sua representação híbrida e chique, é possível compreender estes padrões como elementos da sua própria identidade que, em consequência, reforçam o processo de subversão da etiqueta de choni. Mais do que isso, trata-se de uma forma de resistência e de reivindicação, através da qual Rosalía constrói uma personagem artística que, simultaneamente, se diferencia e apela às massas.

Malamente é um ponto de partida ideal para analisar a proposta de Rosalía e a evolução do estilo choni-chic, especialmente porque Malamente é mais autêntica e fiel ao cenário da classe trabalhadora de onde Rosalía provém e que a identificam (Rudinow, 1994). Os camiões, as paletes e mesmo o uniforme do fato de treino referem-se a uma estética cosmopolita fresca e jovem (Regev, 2013) feita a partir de características do choni. Apesar de Rosalía incorporar muitos dos elementos utilizados para caracterizar as flamencas em todos os seus vídeos, tais como batom vermelho, joias grandes e caras, consideramos as suas unhas longas e brilhantes, o seu código de vestuário e penteado como as (re)apropriações mais significativas que Rosalía (re)significou no seu estilo choni-chic. Além de criar um produto, Rosalía acabou mesmo por se tornar numa marca representativa de um produto cultural (Lieb, 2018). As duplas ações feministas presentes nas letras e nos videoclipes de Rosalía visam, por um lado, a conquista de um espaço simbólico para minar um subconsciente patriarcal e, por outro, demonstrar que o género e os papéis de género não são mais do que construções sociais.

Epílogo con altura. Rosalía, uma história de resistência nas (pós)indústrias culturais

Com este artigo viemos demonstrar, à luz do que nos refere Gracyk (2001), que artistas pop como Rosalía também podem enaltecer o conceito de autenticidade artística, visto que as suas letras e opções performáticas têm a capacidade de transmitir mensagens de empoderamento e de resistência, enfatizando o papel que o corpo, enquanto elemento artístico, pode ter (Amos, 2020). Assim, paulatinamente, desconstroem-se os estereótipos construídos em torno da música pop, ao mesmo tempo que se promove uma des-hierarquização da cultura (Kolbe, 2021), aspeto que Rosalía tem vindo a enfatizar nas suas produções com a introdução de elementos tradicionais como o flamenco.

Aquilo que podemos destacar em Rosalía é a sua imagem, o uso da moda e as questões femininas. São estes três elementos que, juntos, fazem com que esta artista se destaque dentro da indústria musical, um pouco à imagem de Madonna (Keller, 2002). A retórica pós-feminista encontra-se presente, principalmente no campo da auto-objetificação e face à individualização feminina de que nos fala McRobbie (2009); contudo, existe, simultaneamente, um esforço para ir ao encontro daquilo que é esperado de uma artista pop no seio da indústria musical, em particular no que se refere ao princípio de satisfazer fantasias masculinas. Mais ainda, não podemos negligenciar o impacto das plataformas digitais pois, caso não tivessem o alcance atual, seria improvável analisarmos uma artista como Rosalía, que construiu a sua carreira e se projetou mundialmente através de plataformas como o YouTube e o Spotify (Carey, 2020), ou redes sociais como o Instagram (Guerra, 2018b).

Como tal, Rosalía assume-se como uma artista paradigmática. Por um lado, exalta a cultura popular, ao utilizar o flamenco e ao adotar uma estética choni; por outro, enquadra-se intrinsecamente na lógica neoliberal, em convivência com as lógicas machistas, da indústria musical. Assim, podemos enquadrar Rosalía dentro de uma lógica pós-feminista (Tortajada & Araüna, 2014), no sentido em que a artista se reveste de uma agência sexual que visa o uso livre do corpo, enquanto forma de empoderamento. O corpo é, aliás, a principal arma, tendo a ele associadas expressões como a “mulher guerreira” (Castilla, 2020) e a fashion diva. O que é certo é que todos estes elementos, quando colocados em ação, surgem como características que marcam uma feminilidade própria (Guerra, Bittencourt & Cunha, 2018), única a Rosalía, que, no decurso da sua massificação, chega a um público abrangente.

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2Rosalía Vila, mais conhecida como Rosalía, é uma cantora espanhola que cresceu entre Barcelona, Nova Iorque e Paris. Foi nesta interface que adquiriu o seu estilo peculiar, definido como uma combinação entre flamenco, R&B e diversos estilos como a soul ou a pop. Em 2008, com apenas 15 anos, ganhou um programa de talentos, o La nueva voz de España e, hoje em dia, é representada como uma das artistas que invoca o poder feminino para a criação de conteúdos artísticos ampliados e massivos (Cabrices, Vogue, 2020).

3Rosalía tem mais de sete milhões de subscritores no seu canal de YouTube e mais de 31 milhões de ouvintes mensais no Spotify.

4Trata-se de uma estética que apresenta uma representação depreciativa e caricata da mulher da classe baixa espanhola, associada a mulheres com pouca educação e a uma imagem fortemente sexualizada. Em geral, estas mulheres são retratadas com maquilhagem exagerada, acessórios de festa, brincos grandes e penteados extravagantes. Em suma, toda uma estética tida pelos cânones da sociedade convencional como sendo de “mau gosto”.

5Tenhamos como exemplo artistas como Anitta, Karol G, Natti Natasha, Cardi B ou Selena Gomez. Note-se que - desde muito recentemente - parece haver uma necessidade de a indústria acompanhar a estética latina. Basta ver que artistas que anteriormente seguiam o modelo “americano” hoje desviam-se dele, quer pela estética, pelos ritmos ou até por cantarem em espanhol (mesmo não sendo falantes nativos dessa língua).

6Expressão utilizada em diversas músicas, por artistas como Nicki Minaj, Bebe Rexha, Megan Thee Stallion, Cardi B, Lizzo, entre outras.

7Trata-se de uma apropriação de uma estética, pautada pelo uso de fatos de treino baratos, geralmente rosa e/ou estampado animal. Ora, Rosalía utiliza a mesma estética, mas associada a marcas de luxo como a Gucci, Balenciaga, entre outras. O principal fator distintivo são as unhas de gel customizadas.

1 Refira-se que estas músicas são as mais visualizadas no canal oficial de YouTube de Rosalía: https://www.youtube.com/channel/UCQt9awGIFZeldFsATZNeJag. Simultaneamente, são as canções que marcam a evolução artística e criativa de Rosalía de forma mais perene.

Recebido: 09 de Fevereiro de 2021; Aceito: 03 de Março de 2021

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