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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES vol.43  Lisboa dez. 2021  Epub 30-Dez-2021

https://doi.org/10.15847/cct.26045 

RECENSÃO

Recensão do livro Staging the New Berlin. Place Marketing and the Politics of Urban Reinvention Post-1989

Book Review of Staging the New Berlin: Place Marketing and the Politics of Urban Reinvention Post-1989

Tânia de Sousa Lemos1  2 
http://orcid.org/0000-0001-8291-3863

1Iscte

22Universidade Nova de Lisboa, Portugal. Email: tanias.lemos@gmail.com


Staging the New Berlin: Place Marketing and the Politics of Urban Reinvention Post-1989 (Colomb, 2011) foi escrito por Claire Colomb, Professora Sênior de Sociologia Urbana e Planejamento Espacial Europeu na Bartlett School of Planning da University College London. O livro foi publicado em inglês no ano de 2012 pela Editora Routledge, em Londres, e possui 368 páginas.

O livro está baseado numa discussão sobre a relação entre o material e o simbólico através de discursos e representações no campo político da governança e planejamento urbano em Berlim após sua reunificação com a queda do Muro e o surgimento de uma “nova” Berlim. O momento foi propício para colocar em prática as políticas de place marketing através de um processo de “reinvenção” urbana que, apesar de não ser único de Berlim, possui algumas particularidades devido ao seu contexto urbano. Neste sentido, o objetivo do livro é explorar a relação entre place marketing, as políticas de desenvolvimento urbano e as políticas espaciais de construção de identidade e memória na Berlim reunificada, analisando políticas públicas, discursos e imagens no período de 1989 a 2011 que transformaram a cidade em palco para a sua própria divulgação ao mundo.

Dividido em dez capítulos, incluindo introdução e conclusão, Claire Colomb descreve, inicialmente, seu recorte metodológico e objetivos com a pesquisa, além de realizar breves comentários sobre cada capítulo. Logo após, há um capítulo reservado à estruturação teórica, analítica e empírica da pesquisa através de demonstrações práticas da sua metodologia, contextualização e discussão sobre como o place marketing vem sendo debatido em estudos urbanos por diversos autores, além de definir importantes conceitos referentes a ele. Colomb reforça a relação central entre o place marketing e a produção de imagens nas políticas urbanas e propõe uma definição que engloba políticas públicas como produtoras de discursos feitos em parte por imagens, demonstrando que o objetivo do place marketing é utilizar símbolos arquitetônicos, políticas culturais e a construção da memória coletiva através do espaço.

O terceiro capítulo é destinado a uma abordagem histórica de como Berlim foi promovida no século XX até o ano de 1989. Apesar de o recorte metodológico do livro analisar a cidade de Berlim entre os anos 1989 e 2011, as práticas de promoção da cidade remontam ao final do século XIX com a rápida industrialização e urbanização de Berlim. Após o fim da I Guerra Mundial, na República de Weimar, a promoção turística em Berlim passou do setor privado para o público e foi neste período que a primeira grande estratégia de marketing urbano foi realizada com o slogan “Todos deveriam ir à Berlim ao menos uma vez”, que inclusive foi utilizada em campanhas de promoção da cidade posteriormente. Já no período da Guerra Fria, com a divisão de Berlim em Ocidental e Oriental, a cidade tornou-se espaço para promoção de poder e ideologia através do ambiente construído (arquitetura, urbanismo e paisagismo).

A partir do capítulo 4 tem início a abordagem do objeto de estudo. Com a queda do Muro e a reunificação da cidade, mudanças políticas e econômicas advindas da globalização atingiram Berlim de forma abrupta. O novo governo de Berlim (Grand Coalition) priorizou a competitividade global e a atração de investimento para elevar Berlim a um status de cidade global. Foi neste período que investidores demonstraram interesse em grandes espaços da cidade, como Postdamer Platz mas, na agenda política do place marketing, o que houve de mais significante foi a candidatura para os Jogos Olímpicos de 2000, com o intuito de demonstrar ao mundo a imagem de uma Berlim pacífica e unificada como símbolo do fim da Guerra Fria que, apesar de não ter sido vencedora, deixou suas estratégias e organização como base para formalizar e estruturar o place marketing em Berlim.

Prosseguindo com a investigação, a autora dedica um capítulo para discutir as redes de cooperação entre atores públicos e privados, tópico essencial para compreensão do desenvolvimento das políticas de place marketing na cidade. No período de 1991 - 1995, chamado “Golden Years of city marketing”por ter sido um período de intensa produção de imagens da cidade, o Senado de Berlim criou um Grupo Dirigente responsável por preparar a estratégia de marketing da cidade e melhorar sua posição na Europa, definindo a base do place marketing da Berlim reunificada. A principal recomendação do grupo foi que as práticas de place marketing deveriam ser realizadas através de parcerias público-privadas, um dos pilares do empreendedorismo urbano, e com a transformação da antiga companhia de marketing responsável pela candidatura aos jogos olímpicos em uma nova, chamada “Partner für Berlin” (PfB), considerada o coração do processo de (re)construção da imagem de Berlim. No campo da promoção turística, foi criada a organização “Berlin Tourismus Marketing” (BTM), pertencendo em sua maior parte ao setor privado, em especial a grupos hoteleiros. Colomb esclarece que as parcerias público-privadas no contexto do place marketing aconteceram de duas formas: com a participação direta do governo de Berlim como acionista (modelo do BTM) e através de contratos pelo governo para atividades pontuais e projetos de interesse público (modelo do PfB).

Os capítulos seguintes analisam as narrativas dominantes do discurso da nova Berlim produzidos pelos atores do place marketing e como elas estavam associadas a um pequeno número de áreas que se tornaram símbolos e ícones da cidade. No capítulo seis, dois projetos emblemáticos demarcaram as mais importantes dimensões buscadas para a nova imagem de Berlim: a de metrópole global de serviços através da nova Postdamer Platz e da democracia transparente da nova República através da arquitetura das novas Instituições Federais Alemãs. A promoção da nova Postdamer Platz tirou partido desde a contratação dos chamados star-architects para seu projeto até à utilização de seu canteiro de obras como atração turística através da construção da INFOBOX. Outra tática utilizada foi a promoção de eventos culturais no canteiro de obras para atração de visitantes, o que se tornou prática recorrente. Com isso, a nova Postdamer Platz esteve no centro de um debate sobre o passado, o futuro e o temporário, pois seu projeto foi marcado por um passado onde foram lançadas as bases do place marketing (1920), ao mesmo tempo a espetacularização do desenvolvimento do projeto e práticas de marketing com tecnologia avançada demonstravam uma Berlim do futuro e a INFOBOX, mais especificamente sua demolição, demarcou o fim de um período de transição e o início de uma “Nova Berlim”.

A Nova Berlim teve uma data de nascimento que coincidiu com a eleição do Presidente no renovado edifício do Reichstag, com sua nova cúpula de vidro, projetada pelo star-architect Norman Foster, como símbolo que visava representar o discurso da democracia e transparência da República, acessível a visitantes e membros.

O sétimo capítulo retrata mais especificamente as práticas de place marketing no urbanismo, mostrando como a cidade foi promovida a uma grande exibição a céu aberto e os canteiros de obras em atrações turísticas. Anterior ao sucesso da INFOBOX, um projeto intitulado “Berlin 2005 - Cityvision” ocupou as 4 maiores praças de Berlim numa forma de encenação urbana que demonstrava como seria a Berlim do futuro. Outra estratégia foi o “Berlin: Open City”, onde a cidade inteira foi colocada como uma exibição para ensinar as pessoas a lerem a nova Berlim, mas esta encenação do urbanismo como instrumento pedagógico tornou-se um instrumento ambíguo, uma vez que o “conhecer a cidade” estava relacionado aos espaços e roteiros escolhidos previamente e que não eram neutros.

O ano de 2001 foi marcado como um outro ponto de viragem nas políticas de place marketing. Após 10 anos houve mudança do governo em Berlim, com mudança de partidos, e continuação das políticas de place marketing, mas agora com foco nas indústrias criativas, como é retratado no capítulo oito. Isto veio após a temática criatividade ser adotada por políticos em várias partes do mundo e com as publicações de Charles Landry e Richard Florida que, apesar das críticas, fizeram muito sucesso entre legisladores e profissionais de marketing. Além disso, o crescimento da indústria cultural em Berlim foi fruto de uma cultura herdada dos anos 1970 e 1980, que passou a ser apoiada pelo governo após notar o seu potencial.

O governo de Berlim também reservou especial atenção para a promoção do turismo, devido ao sucesso do mesmo em períodos anteriores, aumentando os gastos públicos na promoção do turismo em 2000 e 2010, apesar da crise financeira. Neste contexto, pela primeira vez desde a unificação, foi criado um conceito de turismo para Berlim, que deixou claro que todos deveriam se adaptar às demandas dos turistas. Neste seguimento, para se aproveitar das indústrias criativas e mudanças no padrão de consumo e práticas culturais, outros espaços de Berlim passaram a ser explorados para o turismo. Os vazios urbanos, antes vistos como problemas para a cidade, passaram a ser espaços potenciais, utilizando um discurso de inclusão e aproveitando o bom retorno dos usos temporários, novas ferramentas de place marketing.

O mesmo ocorreu com os distritos alternativos de Berlim, que antes não eram promovidas como zonas turísticas e passaram a ser atrativos, tendo como exemplo principal o distrito de Kreuzberg. Essas áreas eram caracterizadas por elevado desemprego e por concentrar grande número de estrangeiros e, após a queda do Muro de Berlim, passaram por processos de renovação urbana e transformação social, tornando-se mais atrativas ao turismo. Beneficiando deste potencial, as agências de marketing aproveitaram para promover o marketing da diversidade, divulgando Berlim como uma cidade multicultural, com distritos multiétnicos e novos destinos para o turismo.

Este marketing com discurso inclusivo e a busca por uma identidade para a cidade não escaparam das críticas, contradições e protestos, o que Colomb descreve no capítulo nove de forma detalhada. As críticas e questionamentos quanto às políticas de place marketing após a queda do Muro de Berlim foram mais fragmentadas e voltadas às práticas do que as políticas de place marketing e a forma de governança e empreendedorismo urbano. Colomb enfatiza que foram três formas de contestação quanto às imagens urbanas criadas pelo place marketing: a primeira através de vários debates ocorridos em instituições políticas de Berlim. Os questionamentos estavam voltados para a transparência financeira e responsabilidade política da PfB, sendo raras as ocasiões em que os conteúdos produzidos eram questionados. Em outro momento as críticas da oposição passaram a ser quanto à priorização do turismo a qualquer custo, gerando debates quanto às consequências negativas desta política. Além das críticas quanto aos grandes eventos que funcionaram como cortinas de fumaça para problemas e questões não resolvidas e a falta de transparência em decisões importantes para a cidade e sua população. A segunda está ligada às estratégias de promoção da cidade criativa que aceleraram processos de gentrificação em distritos da cidade, gerando as consequências já conhecidas deste processo e mobilizações contra grandes projetos como o MediaSpree. A última visava representar Berlim através de diversas, alternativas imagens, muitos artistas utilizaram ferramentas do place marketing oficial para versões alternativas de promoção de várias zonas da cidade.

Para finalizar o livro, Claire Colomb retorna às temáticas de cada capítulo, reforçando sintética e diretamente os resultados das políticas de place marketing e suas consequências na cidade após a queda do Muro de Berlim, tanto no campo econômico, quanto social e cultural. Como mensagem final são expostos os desafios que o novo governo deve enfrentar para promover uma cidade mais justa e participativa.

Apesar da complexidade do tema tratado por Claire Colomb no livro, a leitura é agradável e de fácil acompanhamento. Com objetivo e recorte metodológico bem definidos e explicitados no início do livro, a leitura ocorre espontaneamente e, de forma didática, a autora conecta os capítulos e os desenvolve descrevendo os acontecimentos históricos detalhadamente para que haja completa compreensão do leitor.

Por ser uma temática já retratada por outros autores com outras cidade como objeto, Colomb não segue uma receita do que já foi escrito, deixando claro que apesar das transformações globais guiarem as cidades a um objetivo, Berlim possui suas especificidades e seu próprio contexto histórico e social.

Livro

Colomb, C. (2011).Staging the new Berlin. Place marketing and the politics of urban reinvention post-1989. London: Routledge, ISBN 9780415594035. [ Links ]

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