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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES vol.44  Lisboa jun. 2022  Epub 15-Jun-2022

https://doi.org/10.15847/cct.27207 

EDITORIAL DE DOSSIER

Migração de regresso para Portugal: revisitar o passado, compreender o presente

Return migration to Portugal: revisiting the past, understanding the present

1Iscte - Instituto Universitário de Lisboa, Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, Liliana_Marisa_Azevedo@iscte-iul.pt

2nccr - on the move (Swiss Center for Competence in Research - The Migration Mobility Nexus) & Swiss Forum for Migration and Population Studies, University of Neuchâtel, Switzerland

3Passages, UMR CNRS-Université de Bordeaux Montaigne-Ensapbx, amandine.desille@gmail.com

4Centro de Estudos Geográficos, Instituto de Geografia e Ordenamento do Território, Universidade de Lisboa

5Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Portugal (até setembro de 2021), pinho.filipa@gmail.com


O fim do “emigrante”?

A produção científica dedicada ao estudo da emigração portuguesa, seja em Portugal, seja no estrangeiro, continua a considerar preponderantemente aqueles e aquelas que deixaram o país como “emigrantes”, e não como “migrantes”. Apesar da mudança que se tem operado desde os finais dos anos 1980 com o sociólogo Abdelmalek Sayad (1999a, 1999b), que viu a necessidade absoluta de restabelecer a integridade do emigrante/imigrante reconciliando estas duas figuras aparentemente diferentes numa só, os/as portugueses/as que partiram continuam a ser referidos/as nos dias de hoje como os/as “emigrantes”. Estes títulos posteriores ao ano 2000 são disso testemunho (não obstante, consideramo-los essenciais à compreensão do fenómeno migratório português!): Desenvolvimento em meio rural: contributos da emigração e do regresso (Gonçalves, 2007); Portugal 2010: The return of the country of emigration? (Malheiros, 2011); L’émigration au Portugal, avatar d’un pays “semi-périphérique” (Santos, 2013); Regresso e circulação de emigrantes portugueses no início do século XXI (Oliveira et al., 2016); Regresso ao futuro: A nova emigração e a sociedade portuguesa (Peixoto et al., 2016); L’émigration à l’écran: la rhétorique du succès. La série documentaire Portugueses pelo mundo (Cunha, 2017); A mobilidade académica e a emigração portuguesa qualificada (Gomes, 2019); New and old routes of Portuguese emigration (Pereira & Azevedo, 2019); A emigração portuguesa no século XXI (Pires et al., 2020), etc. Uma série de ideias preconcebidas acompanham a partida destes “emigrantes” e a expectativa do seu regresso, deixando um rasto nos discursos, nas políticas desenhadas para os recuperar, na forma como são representados nos meios de comunicação social ou ainda na forma como são vistos nas comunidades de onde partiram. Assim, o binómio “emigração/regresso” pode representar uma armadilha, no sentido em que inviabiliza uma análise mais ampla e complexa das diversas experiências de movimento(s), espera(s) e imobilidade(s) - entre múltiplas combinações possíveis - que uma mesma pessoa ou família vivencia.

Quer se opte por uma perspetiva histórica ou contemporânea, é incontestável que os movimentos de saída para o estrangeiro e de reentrada em Portugal assumiram uma grande relevância estatística (veja-se Oliveira 2007 relativamente ao séc. XX; veja-se Oliveira, 2016 e Peixoto et al., 2019 relativamente ao séc. XXI), e, por conseguinte, também social, demográfica, económica e política. No entanto, os estudos sobre migrações em Portugal nem sempre acompanharam a dimensão destes fenómenos; pois na viragem do século, interessava mostrar Portugal como um país europeu que atrai imigrantes (Marques, 2009). O abalo económico provocado pela crise global de 2008 tornou evidente o elefante na sala: os/as portugueses/as continuavam a partir. Assim, considerando a intensificação de movimentos migratórios no início da segunda década dos anos 2000, em resultado de uma combinação de fatores como a crise das dívidas soberanas, o aumento do desemprego e a austeridade, que impactaram fortemente os países do sul da Europa, entre os quais Portugal; e considerando também que entre um quinto e metade dos/das imigrantes, dependendo dos países e dos períodos históricos, deixa o país de acolhimento cinco anos após a sua chegada (OCDE, SOPEMI, 2008), o início da terceira década afigura-se como um momento apropriado para olharmos mais uma vez para o fenómeno das migrações de regresso para Portugal.

O nosso repto neste número temático é duplo: à luz do conjunto de artigos aqui reunidos, defendemos, em primeiro lugar, uma análise mais ampla do conceito de “regresso”, que considere quem saiu de Portugal como “migrantes”, ou seja, como pessoas ligadas a diversos espaços geográficos, económicos e socioculturais, que circulam entre dois ou mais países, e não apenas como “emigrantes”, perspetiva que coloca a tónica na ausência ou partida de um determinado território nacional e que se tornou obsoleta no prisma dos estudos sobre o transnacionalismo. Em segundo lugar, propomos que as análises das políticas, práticas e experiências de regresso sejam apoiadas numa compreensão mais abrangente das formas de os/as migrantes circularem entre espaços e se integrarem localmente em diversas escalas territoriais, caso contrário, corremos o risco de não sabermos “entender as práticas adaptativas das pessoas migrantes” (Caglar, 2007, p. 1090).

Ao nível internacional, observa-se que o debate teórico, conceptual e metodológico sobre o fenómeno dos regressos está a acontecer desde os anos 1970, tendo sido propostas diferentes designações: migração de volta, contracorrente, contra fluxo, migração de refluxo, remigração, fluxo de regresso, migração de regresso, movimento de regresso, migração para casa, migração de segunda vez, repatriação, retro migração, inversão de sentido da migração (U-turn migration) (Bovenkerk, 1974; Gmelch, 1980; King, 2000; Cassarino, 2004; de Haas, Fokkema & Fihri, 2015). A partir da década de 1990, com a introdução da perspetiva do transnacionalismo nos estudos migratórios, a literatura internacional começa a questionar se os regressos atuais deixaram de ser fechos do ciclo migratório e se, em contextos de maior liberdade de movimento, não será mais adequado falar em circulação e em “padrões de mobilidade circular” (Guarnizo, 1997, p. 289). Relativamente à migração portuguesa, são de referir os trabalhos pioneiros de Hily e Poinard nos anos 1990 em França e Portugal, que culminam com a publicação de Le va-et-vient identitaire (Charbit, Hily, Poinard, 1997).

No caso português, o debate sobre este tipo de migração foi historicamente marcado pela conotação política do termo “retorno” ao repatriamento das ex-colónias, fenómeno estudado por Pires (2003), e do termo de “regresso” ao dos emigrantes que voltaram da Europa no seguimento das crises petrolíferas (Rocha Trindade, 1984). Os movimentos de regresso de países como França e Alemanha foram amplamente estudados nos anos 1980, sobretudo (Poinard, 1983a, 1983b; Silva et al., 1984; Amaro, 1985; Rocha-Trindade, 1987). Da mesma forma que os movimentos de emigração e regresso nunca cessaram, os fenómenos nunca deixaram de ser estudados (veja-se, por exemplo, os estudos sobre regresso de Roca, 2000; Portela e Nobre, 2001; Martins, 2011). É, porém, de notar, em Portugal, um renovado interesse em relação às migrações de regresso nos últimos anos. Do lado das políticas públicas, assistiu-se, em 2019, à implementação do “Programa Regressar” (Pinho et al., neste número). Do lado da academia, são de referir diversos projetos recentes de investigação, seja com equipas de pós-doutoramento ou doutoramento. São de assinalar, por exemplo, os estudos de Oliveira et al. (2016, 2017), de Góis, Marques & Pinho (2017), de Pinho, Góis & Marques (2021), de Azevedo (2021, 2022), além dos apresentados neste número temático. No entanto, os desenvolvimentos teóricos sobre transnacionalismo têm tido pouco impacto sobre a conceptualização do regresso na produção científica portuguesa (Peixoto et al., 2019).

O conjunto de artigos aqui reunidos resulta de uma reflexão coletiva que iniciámos em 2019, com a organização de uma série de workshops intitulados, na altura, “Emigração e regresso em Portugal: debater teorias, conceitos e metodologias”. A riqueza destes encontros residiu na diversidade dos/das participantes, provenientes da academia e de diversas instituições públicas e privadas, e na variedade disciplinar incluindo antropologia, sociologia, geografia, demografia e história. A partir destes encontros, até à versão final das contribuições incluídas neste número temático, fomos aprofundando as pistas de reflexão que então formulámos. Vemos quatro contribuições principais para a discussão em torno do conceito de “regresso”, cada uma delas será desenvolvida a seguir: i) o “regresso” como uma categoria política, uma categoria de análise e uma categoria de prática; ii) desafiar o nacionalismo metodológico inerente aos estudos sobre migrações de regresso; iii) reafirmar a complexidade; e iv) revisitar o passado para entender o presente.

O “regresso” como uma categoria política, uma categoria de análise e uma categoria de prática

Os debates que surgiram durante os vários encontros que organizámos a partir de 2019 foram reveladores de uma lacuna na compreensão do próprio conceito de “regresso”. Representantes de instituições públicas definiam o regresso de uma forma restrita, de modo a enquadrar os/as potenciais beneficiários/as. Para outros/as participantes, o regresso representava apenas uma fração das pessoas portuguesas que circulam dentro e fora de Portugal. Outros/as, pelo contrário, adotaram uma definição mais abrangente, que lhes permitiu considerar em conjunto uma vasta gama de experiências de regresso, por exemplo de pessoas que não nasceram em Portugal (apesar de terem a nacionalidade), ou de regresso involuntário/forçado, repatriamento, etc. Por conseguinte, questionava-se a relevância do termo “regresso”, se tal conjunto de trajetórias fosse incluído.

Assim, propomos considerar a forma como o “regresso” é construído, tendo presente que pode sê-lo como uma categoria utilizada para fins políticos, como uma categoria criada pelo/a investigador/a para fins de análise (quantitativa ou qualitativa), ou como uma categoria de prática, centrada nas experiências das pessoas que “regressam” a Portugal, independentemente da sua categorização estatística mais estrita. Reconhecemos que todas elas podem ter vantagens e limitações. Salientamos também as potencialidades heurísticas desta abrangência conceptual que se adequa a uma vasta diversidade metodológica. No plano extensivo, podem ser analisadas estatísticas que permitem compreender a magnitude contemporânea do volume de emigração e regressos, assim como dados de arquivo e documentos de política, entre outros, para o seu enquadramento socio-histórico. No plano intensivo, abordagens como a etnografia e as entrevistas permitem dar conta de processos de decisão, de avaliação de projetos de vida e migratórios, de construção de lugares, de perceção de oportunidades, entre outras dimensões que possibilitam uma compreensão mais aprofundada das migrações de regresso e podem acrescentar espessura à análise de práticas de “regresso” e circulação. Muitos/as dos/das que partiram atravessam as fronteiras de volta, por períodos curtos, médios ou longos (visitas, férias, trabalho remoto, regressos temporários/sazonais, regressos mais permanentes). O facto de algumas destas pessoas poderem ser captadas por políticas (dependendo dos critérios que são aplicados), por estatísticas (dependendo da fonte de dados utilizada, e dos critérios que são selecionados para definir “regresso”) ou por estudos de campo (dependendo de onde e em que altura do ano), poderá muitas vezes ser apenas uma questão de sorte. Na prática da investigação, a categorização de que falamos poderá ser sobreposta e/ou complementar, pois o regresso pode ser analisado em documentos políticos, assim como a análise das práticas dos/as protagonistas do regresso pode ser combinada com análises estatísticas aprofundadas.

As implicações dos conceitos associados ao regresso, e o de regresso, já eram salientadas por Rocha Trindade nos anos 1980: “repatriação, retorno, regresso: as palavras podem designar a mesma situação dinâmica de movimento de quem está fora de um âmbito ou de um contexto e nele volta a inserir-se. Mas os conceitos variam no tempo, no espaço geográfico e, sobretudo, no campo psicológico das mentalidades, das emoções, dos sentimentos; diferem quando aplicados por outrem, ou quando referidos a nós próprios; quando o primado da decisão é exterior a quem se move, ou quando ela de si próprio emana; quando resulta da frieza da linguagem do legislador, ou do consenso, emocionalmente determinado, dos atores sociais implicados” (Rocha-Trindade, 1984, p.87).

Redimensionando a análise e concentrando-nos nas práticas e experiências concretas das pessoas que se deslocam, podemos libertar-nos da “sub-temática” emigração/regresso e inserir as análises em campos de estudo muito mais vastos, tais como os estudos de género, os estudos pós-coloniais ou os estudos urbanos. Ou seja, consideramos que o regresso como categoria de prática deveria ter mais atenção do que tem tido, por ser fecunda. Teórica e conceitualmente, a discussão em torno da circulação e do transnacionalismo carece de desenvolvimento em Portugal, embora sejam debates já bastante desenvolvidos na literatura internacional. A proposta de considerar o regresso como categoria de prática é, também, uma das contribuições mais relevantes deste número temático, no qual, tendo por base o caso português, é analisado e discutido o esbatimento das fronteiras do conceito de “regresso”, nomeadamente ao prisma de novas realidades migratórias que ocorrem no contexto da mobilidade europeia e questionam a visão tradicional do “regresso” como fim de ciclo. Contestar estas fronteiras conceituais permite referirmo-nos, finalmente, aos/às migrantes portugueses/as, ou, melhor, aos/às portugueses/as residentes no estrangeiro, evitando, assim atribuir-lhes rótulos pouco capazes de dar conta das dinâmicas migratórias atuais, ou encerrar as pessoas em categorias estáticas, mesmo quando elas se sedentarizam (isto é, a eterna questão de saber até quando um/a migrante é considerado/a migrante?).

Desafiar o nacionalismo metodológico

Uma das vantagens em estabelecer que “emigrante” também é “imigrante” e vice-versa, e que o regresso é apenas um dos muitos resultados das circulações e práticas transnacionais dos/das migrantes, é reconhecer a possibilidade de mudar a lente analítica de uma perspetiva nacional para uma grande variedade de outras perspetivas. Neste sentido, a influência de Wimmer e Glick-Schiller (2002) e as suas propostas para um afastamento epistémico do nacionalismo metodológico foram primordiais nos estudos migratórios. Trabalhos centrados em diversas escalas (aldeia, cidade ou regiões), e outros que analisam as mais variadas mobilidades (fluxos de pessoas, bens, ideias, ou outros), colocam precisamente a tónica neste aspeto: tendemos a considerar o Estado-nação como uma unidade naturalizada de análise. O discurso sobre emigrantes/regressados é um exemplo disso mesmo. E o conceito do transnacionalismo, assim como as metodologias multi-situadas que lhes estão associadas, são uma forma eficiente de sair do nacionalismo metodológico. Mas há mais soluções:

Neste número, Amandine Desille olha para a zona fronteiriça entre Portugal e Espanha, apontando para as relações possibilitadas ou limitadas pela fronteira nacional. E João Baía analisa os movimentos de residentes de uma aldeia em Trás-os-Montes, incluindo deslocações regionais, transfronteiriças, nacionais e internacionais. Os/as protagonistas das migrações de regresso são centrais nos trabalhos de Baía e Desille, no entanto, também são consideradas as pessoas não migrantes que habitam espaços de migração/ regresso no estudo da construção dos lugares.

Reflexões sobre a forma como se articulam migrações internas e internacionais nos estudos sobre “regresso”, bem como as escalas e geografias dos espaços em que ocorrem permitem discutir a forma como a alteridade tem sido social, local e nacionalmente construída e favorecem um olhar crítico sobre categorias que, nós, investigadores/as, usamos e reproduzimos, mas nem sempre questionamos.

Reafirmar a complexidade

A orientação da análise para aqueles/aquelas que experimentaram a migração e regressaram, tem a vantagem de acrescentar complexidade e camadas, e por isso aponta para a contribuição destes estudos para outros campos das ciências sociais, nomeadamente estudos de género, estudos pós-coloniais, e assim por diante. Neste número, o artigo de Liliana Azevedo é um exemplo disso mesmo. Olhando para as negociações dentro do casal, a autora propõe um estudo do regresso de migrantes portugueses/as em idade de reforma na Suíça, para mostrar de que forma considerações económicas, sociais, familiares e de género são consideradas na tomada de decisão sobre regressar ou não a Portugal no fim da vida profissional. Na mesma senda, o conceito de regresso foi analisado por Katielle Silva e o Jorge Malheiros em contextos familiares binacionais, como é o caso dos casais luso-brasileiros, complexificando a compreensão dos movimentos migratórios entre espaços de partida e retorno, que oscilam e se invertem de acordo com o sentido da migração.

A complexidade reside também nas rápidas mudanças socioeconómicas em curso ao nível português, europeu e global. Está ainda por fazer, a nível nacional, uma discussão sobre o conceito de “regresso” no contexto das crescentes mobilidades, facilitadas pela redução dos custos das viagens e as novas tecnologias, por um lado, e pela livre circulação dentro da União Europeia, por outro. Assim, a mobilidade das pessoas, física ou virtual, não termina após o “regresso”. Os/as migrantes continuam inseridos em redes e práticas transnacionais e, qualquer seja o país onde residam, mantêm laços afetivos além-fronteiras. Ademais, as abordagens longitudinais dos trabalhos de Azevedo e de Silva e Malheiros evidenciam múltiplos regressos durante o ciclo de vida e dinâmicas complexas dos processos de tomada de decisão; mostram, por exemplo, de que forma uma mesma pessoa oscila entre vontade de regressar/ não regressar ao longo do tempo. Os processos de decisão que conduzem ao “regresso” são multivariados e captá-los exige estudos atentos às experiências individuais e a como as pessoas compõem com os contextos socioeconómicos, políticos e territoriais nos quais estão inseridas.

Revisitar o passado para entender o presente

Outra contribuição relevante deste dossiê é a inclusão de uma análise do fenómeno de “regresso” no período anterior à democracia, além de análises focadas na atualidade ou em anos recentes. O regresso de portugueses/as após as crises petrolíferas na Europa está bem documentado na literatura, como já vimos; existem, porém, lacunas no conhecimento anterior a 1974 e na atualidade, para cujo preenchimento contribuímos com este número temático. Olhar para as análises históricas de Yvette Santos e de Morgane Delaunay é esclarecedor e permite colocar em perspetiva as políticas mais recentes de captação de migrantes analisadas por Filipa Pinho, José Carlos Marques e Pedro Góis. Longe de uma ideia romântica de um passado mais simples, os artigos de Santos e de Delaunay mostram complexidades já em ação. Santos mostra que a questão do regresso esteve presente no pensamento e nas ações institucionais da ditadura portuguesa e salienta os paradoxos entre o discurso e as diligências do Estado Novo a este respeito. Delaunay analisa as medidas de apoio governamentais no quadro do repatriamento que ocorreu a seguir à descolonização e confronta o discurso oficial com o dos/das retornados/as. Pinho e colegas analisam o mais recente programa de incentivo ao regresso que, diferentemente das iniciativas analisadas nos artigos anteriores, é elegível para portugueses/as residentes no estrangeiro que voluntariamente pretendam regressar a Portugal. A análise é feita de forma comparada com um programa espanhol com os mesmos objetivos de recuperação de migrantes, e o texto pretende contribuir para consolidar conhecimento sobre políticas de estímulo ao regresso que partem dos países de origem europeus, o que tradicionalmente não era comum (em oposição aos que eram criados nos países de receção europeus ou de origem fora da Europa).

Subjacente à organização do ciclo de workshops que deu lugar a este número temático, estava presente a preocupação de debater o conceito de “regresso” com colegas que estudam esta temática no contexto português, tendo nós a perceção de que se trata de um conceito sobejamente utilizado, porém raramente questionado no panorama nacional. Estava igualmente presente a vontade de estabelecer um diálogo entre disciplinas, abordagens metodológicas, bem como entre diferentes períodos socio-históricos, tendo nós a perceção/ideia de que a compreensão dos fenómenos ganha clareza e profundidade quando olhados sob o prisma de outros ocorridos no passado. Foi neste sentido que incluímos no dossiê uma entrevista a Marie-Antoinette Hily, socióloga francesa que estudou os/as migrantes portugueses/as em França e os seus modos de circulação entre país de residência e país de origem. A conversa com a autora reforçou em nós que é enriquecedor estabelecer pontes entre várias disciplinas e vários contextos geográficos e históricos, numa área de investigação que é, ela própria, feita de redes, ligações e atravessamentos de contextos geográficos e históricos como é o caso das migrações e das práticas de circulação que complexificam o conceito de regresso.

Financiamento

A coordenação dos worskhops e a organização deste dossier deles resultante teve o financiamento de: Fundação para a Ciência e Tecnologia, Bolsa Individual de Doutoramento Ref.ª N.º SFRH/BD/128722/2017; European Union’s Horizon 2020 research and innovation programme under the Marie Sklodowska-Curie grant agreement Nº.794030, MigRural project; Fundação para a Ciência e Tecnologia, Pós-Doutoramento em projeto de equipa, Ref.ª PTDC/SOC-SOC/28730/2017.

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