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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES vol.44  Lisboa jun. 2022  Epub 15-Jun-2022

https://doi.org/10.15847/cct.26304 

ARTIGO ORIGINAL

Migração de regresso na reforma: tensões e negociações no casal

Return migration after retirement: Tensions and negotiations in the couple

1Iscte - Instituto Universitário de Lisboa, Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, Liliana_Marisa_Azevedo@iscte-iul.pt

2nccr - on the move (Swiss Center for Competence in Research - The Migration Mobility Nexus) & Swiss Forum for Migration and Population Studies, University of Neuchâtel, Switzerland


Resumo

O artigo propõe analisar a questão da migração de regresso de casais portugueses na Suíça em idade de reforma usando o género como categoria de análise (Scott, 1986). São apresentados quatro casos de casais no seio dos quais as intenções de regresso são divergentes e analisados alguns elementos que sustentam essas discordâncias e provocam tensões entre cônjuges. Se, num primeiro momento, poder-se-á interpretar o regresso como desejado pelos maridos e não pelas mulheres, na discussão são dados exemplos contrários, que permitem evidenciar alterações ao nível dos papéis tradicionais de género em determinados contextos e momentos do ciclo de vida. Constantemente negociados e redefinidos, os papéis de género não são imutáveis, e, por conseguinte, são suscetíveis de voltar a alterar-se após o regresso, em particular quando a reintegração em Portugal se faz em zonas rurais.

Palavras-chave: migração de regresso; transição para a reforma; género; negociações no casal; Suíça

Abstract

This article analyzes the return migration of Portuguese couples in Switzerland of retirement age, using gender as a category of analysis (Scott, 1986). It presents four cases of couples where partners had divergent intentions in relation to return migration, and it analyzes the factors that contribute to this divergence and cause tensions within the couples. If, at first glance, one might assume that the return is desired by husbands and not by wives, the discussion provides contrary examples which highlight changes in terms of traditional gender roles in certain contexts and moments of the life cycle. Constantly negotiated and redefined, gender roles are not immutable, and therefore they are susceptible to change again upon return, particularly when reintegration in Portugal takes place in rural areas.

Keywords: return migration; transition to retirement; gender; couple negotiations; Switzerland

taking gender seriously produce[s] a more nuanced evaluation

Doreen Massey (1994, p.189)

Introdução

O género tardou a entrar nos estudos migratórios, tendo perdurado por longas décadas a representação do migrante homem. As mulheres migrantes ganharam visibilidade à medida que se institucionalizavam os Estudos sobre as Mulheres, de Género e Feministas. No entanto, a análise dos papéis sociais de género, e de como estes influenciam os processos migratórios, continuaram em segundo plano até mais recentemente. Hoje, é contudo consensual que o género - categoria socialmente construída, local e temporalmente situada - influencia as experiências migratórias, seja a decisão de partir e os processos e percursos de integração económica, social e política no estrangeiro, seja a decisão de regressar e a experiência de reintegração no país de origem. O género é, por isso, uma “categoria de análise” (Scott, 1986, p. 1054) relevante para apreender e compreender as assimetrias nos percursos de vida das pessoas migrantes.

Este artigo pretende salientar a relevância da categoria “género” nos estudos migratórios e vincar a pertinência de colocar o género no centro da análise em vez de o reduzir a uma variável, revés da sua crescente integração na literatura mainstream. Para ilustrar este propósito, o artigo centra-se no fluxo migratório Suíça/Portugal e, em particular, em casais portugueses na transição para a reforma, momento do ciclo de vida propício à mobilidade residencial e transnacional (Klinthäll, 2006). Após uma breve revisão da literatura sobre género e migrações, procura-se contextualizar o estudo de caso e sintetizar a abordagem metodológica utilizada. De seguida, são apresentados dados empíricos, com enfoque no tema do regresso na reforma e no processo de tomada de decisão. O artigo centra-se depois nos processos de negociação do casal1 perante a decisão de partir ou ficar, evidenciando algumas das tensões que podem surgir entre cônjuges quando ponderam regressar a Portugal numa fase tardia do ciclo de vida. A última parte inclui uma discussão dos dados apresentados e uma conclusão.

1. A relevância do género nos estudos migratórios e no estudo sobre migração de regresso

As pessoas migrantes têm determinadas caraterísticas, como a idade, a classe, a nacionalidade, entre muitas outras, e também um determinado género. São mulheres e homens, jovens ou menos jovens, com atributos de género geralmente conformes aos lugares e períodos socio-históricos da sua socialização2. O género não só tardou a entrar nos estudos migratórios (Morokvašić, 2014; Pessar & Mahler, 2003) como ainda é frequentemente desconsiderado. “Gender is still ghettoized in immigration scholarship. Basic concepts like gender, sex, power, privilege, sexual discrimination, and intersectionalities are regularly absent from the vocabulary and the study designs”, afirma Hondagneu-Sotelo (2013, p.180). Apesar de Ravenstein falar das mulheres migrantes nas suas “leis da migração”, as teorias clássicas e neoclássicas das migrações representaram os homens como atores económicos em busca de melhores condições de vida e as mulheres como seguidoras e dependentes dos maridos. Embora não reflita o percurso de muitas das mulheres migrantes, esta ideia de mulher seguidora difundiu-se devido ao caráter androcêntrico de grande parte da produção científica, mas também ao modelo do provedor masculino (male breadwinner regime) articulado com a “persistente ilegitimidade das mulheres no mundo do trabalho assalariado” (Gaspar, 1998, p.89). Todavia, a notória irrelevância das mulheres nas migrações foi sendo contrariada a partir dos anos 1970-80 e, a reboque dos estudos feministas, as migrantes foram aparecendo como protagonistas e conquistando o “lugar de sujeitos históricos sem estarem necessariamente atreladas à figura masculina” (Boschilia, 2017, p.43). No caso dos fluxos transatlânticos da emigração portuguesa3, destacam-se os trabalhos de Nizza da Silva (1986), que procurou dar maior visibilidade às portuguesas no Brasil, numa perspetiva histórica, e de Feldman-Bianco e Huse (1995), que se focaram nas vivências de açorianas emigradas nos EUA. Relativamente aos fluxos intraeuropeus, Brettell (1978, 1991 [1987]) e Wall (1982, 1984) foram as primeiras a realizar trabalho de campo, ainda nos anos 1970, junto de mulheres portuguesas em França e na Suíça. Ambas as autoras estudaram as mulheres que partem, mas também as que ficam e destacaram “o papel activo da mulher rural tanto na emigração como no país de origem” e a sua função social e económica que “corresponde pouco às representações comuns que temos da emigração portuguesa e da sua história: uma aventura masculina” (Wall, 1984, p.62).

Ao longo dos anos 1980-90, multiplicaram-se trabalhos - sobretudo de mulheres académicas - que contribuíram para corrigir em parte o enviesamento decorrente da “gender-blind mainstream literature” (Morokvašić, 2014, p. 357-358) que considerava o homem como referente universal. Passou-se progressivamente de um enfoque nas mulheres migrantes ao reconhecimento da migração como um “gendered process” (Christou, 2003, p.1). O conceito de género veio introduzir uma perspetiva relacional (Scott, 1986; Massey, 1994) e evidenciar as assimetrias entre mulheres e homens migrantes. Ficou assim patente ser necessária uma análise de género para interpretar as experiências das pessoas migrantes (Zontini, 2015), dado que as experiências migratórias são moldadas pelas normas de género, tanto as do país de origem como as do país de residência.

Porém, na literatura sobre migrações, o género tem sido, na maior parte das vezes, desprovido do seu potencial analítico e frequentemente reduzido a uma variável (Pessar & Mahler, 2003; Neves et al. 2016), sendo corrente a utilização de “género” como sinónimo de “sexo”. Esta prática inviabiliza apreender o género na sua complexidade e conceptualizá-lo como elemento estruturante das migrações. Desta “desproblematização do género” (Pereira, no prelo) nas ciências sociais, decorre que nos estudos sobre migração de regresso prevalece uma leitura dicotómica segundo a qual, tendencialmente, os homens preferem regressar e as mulheres preferem ficar (de Coulon & Wolff, 2010; Vlase, 2013). Assim, na literatura sobre migração de regresso, o modo de considerar a dimensão de género tem, sobretudo, enfatizado as diferenças e contribuído para uma polarização da análise (uns vs. outras). Porém, este modo de olhar para os fenómenos sociais reproduz estruturas de género hegemónicas. Girma (2017) constata que existe uma “dominant narrative of return migration being disempowering for women” (p.5) e sugere que sejam feitas descrições mais abrangentes das experiências de género na migração de regresso. Em 1984, Morokvašić já alertara para a existência de estudos que apontam em direções contrárias, uns concluindo que o processo migratório é emancipatório para as mulheres e que o regresso é entendido como retrocesso, enquanto outros invalidam tais afirmações. Abordando muito brevemente a “diferença de sexo nestas discussões sobre o regresso”, Monteiro (1994, p.34) destaca diferenças nos casais sem, no entanto, ceder a afirmações estereotipadas eles isto, elas aquilo, mas antes observando que, em certas situações, a mulher estava mais ligada à América enquanto noutras era o homem. Monteiro nota, contudo, uma diferença entre mulheres com origem urbana e rural, concluindo que estas últimas podem “ver com outros olhos os benefícios da situação de emigrada” (Monteiro, 1994, p.35). Como referia Massey (1994), “geography matters to gender” (p.177), ou seja, o lugar tem implicações nas relações de género e estas, por sua vez, produzem efeitos nas decisões migratórias.

Apesar de tudo, está já bem estabelecida na literatura a ideia de que existem diferenças de género nos processos migratórios e que a questão do regresso é suscetível de gerar tensões no casal (Bolzman et al., 2006; De Haas e Fokkema, 2010). A forma como os casais negoceiam, ou não, a decisão de regressar é, porém, um aspeto pouco explorado. Este artigo pretende, assim, contribuir para colmatar esta lacuna, tomando como exemplo casais portugueses na Suíça em idade de reforma.

2. Os fluxos migratórios entre Portugal e a Suíça, contextualização do estudo de caso

Em dezembro de 2020, contavam-se 142.219 portugueses e 115.472 portuguesas a residir na Suíça, sendo a terceira nacionalidade estrangeira no território helvético ao longo dos últimos vinte anos. As pessoas de sexo feminino representam, portanto, cerca de 45% das 257.6914 pessoas com nacionalidade portuguesa com residência permanente naquele país. Marques (2008) já salientara a proporção significativa de mulheres portuguesas na Suíça e o contraste que este fluxo migratório apresentava, neste aspeto, em relação aos fluxos tradicionais de emigração portuguesa, sendo notória a feminização do fluxo para a Suíça há várias décadas, tanto por motivos de reagrupamento familiar, como de trabalho.

A Suíça tornou-se um destino importante para os/as trabalhadores/as portugueses/as a partir da década de 1980, após destinos europeus como a França e a Alemanha terem restringido a entrada de novos trabalhadores/as estrangeiros/as, no seguimento das crises económicas da década de 1970. Até à entrada em vigor do acordo bilateral sobre a livre circulação de pessoas entre a Suíça e a União Europeia, em 2002, a política de imigração helvética foi muito restritiva e seletiva. Para ter direito a uma autorização de residência permanente, um/a trabalhador/a com poucas qualificações formais - como era o caso da esmagadora maioria da população portuguesa que emigrava para aquele país no século passado - tinha de perfazer 36 meses de trabalho com o estatuto de saisonnier5. Na prática, este estatuto legal sazonal colocava a pessoa migrante numa posição precária e não lhe consentia direitos básicos como o reagrupamento familiar6, o qual só era possível com uma autorização de residência permanente. As autorizações sazonais eram dadas conforme as necessidades de mão-de-obra da economia suíça e estipuladas anualmente pelas autoridades que fixavam quotas pelos setores da atividade económica que necessitavam de recursos humanos numa base sazonal, designadamente a hotelaria-restauração, a agricultura e a construção. O espectro da sobrepopulação estrangeira era o pano de fundo desta política que favorecia a rotação da mão-de-obra estrangeira7. Assim, ao introduzir o estatuto de saisonnier pretendia-se desincentivar a instalação permanente de migrantes no país.

Por um lado, o regime migratório em vigor na Suíça até 2002 restringia fortemente as áreas de trabalho em que uma pessoa vinda do estrangeiro se podia integrar. Uma pessoa migrante com poucas qualificações formais tinha de se cingir às oportunidades que lhe outorgavam um visto sazonal: “se fosses mecânico, não podias ser mecânico, se fosses motorista, não podias ser motorista” recorda um senhor que, sendo carpinteiro de profissão, quando chegou à Suíça em 1981, teve de trabalhar quatro anos na horticultura antes de poder pedir o reagrupamento familiar da mulher e da filha. Por outro lado, era um regime migratório seletivo do ponto de vista do género. Assim, os trabalhadores desejados/procurados eram os homens, dado que grande parte das autorizações era concedida para postos de trabalho “masculinos”. Por outro lado, quando as mulheres eram mães, era-lhes automaticamente negado um estatuto legal autónomo por via do emprego. No entanto, as restrições legais impostas à sua mobilidade não impediram as mulheres portuguesas de emigrarem, com ou sem marido, e de alimentarem um contingente de mão-de-obra indocumentada e precária. Estes constrangimentos à regularização da sua situação produziram efeitos nos seus percursos de vida, nomeadamente na sua integração socioeconómica e, mais tarde, nas suas condições de reforma. A maior parte destas mulheres encontrou uma via de saída no trabalho doméstico em casas particulares (setor informal), ou em empresas de limpezas (setor formal), essencialmente a tempo parcial. Porém, uma integração profissional por esta via conduz a pensões de velhice baixas ou muito baixas e não possibilita fazer descontos para uma caixa de previdência8. Diversas entrevistas e conversas tidas com informadores/as privilegiados/as sugerem que era comum, nos anos 1980, as mulheres trabalharem sem contrato (e sem direito a descontos), por exemplo na restauração ou na agricultura, e as autoridades policiais tolerarem estas situações, atuando apenas em caso de denúncia. Esta integração profissional diferenciada de mulheres e homens conduz frequentemente a uma disparidade de rendimentos na reforma, que se reflete num desigual poder de negociação, como veremos nas secções 4 e 5 deste artigo.

Ao longo das décadas, tanto os fluxos de entrada de portugueses/as na Suíça como os de saída foram ininterruptos, havendo períodos de maior ou menor volume num sentido ou noutro. É de assinalar, por exemplo, que a Suíça foi um dos principais destinos da emigração portuguesa no período 2007-2013. Contudo, desde 2017, merece destaque o aumento significativo das saídas, para o qual muito têm contribuído a chegada à idade da reforma de quem emigrou nas décadas de 1970-80. É efetivamente de assinalar, na última década, que a saída de pessoas entre 50 e 64 anos mais do que duplicou e a de pessoas acima dos 65 anos quase triplicou (Azevedo, 2018)9. Este artigo foca-se, precisamente, nas pessoas acima dos 60 anos10 e no seu (eventual) regresso a Portugal associado à reforma, como se explica na secção seguinte.

3. Apontamentos metodológicos

Os dados aqui apresentados inserem-se numa pesquisa mais ampla que procura compreender o que acontece na vida de portugueses/as residentes no estrangeiro quando cessam a sua atividade profissional, em particular no que diz respeito à mobilidade transnacional. O que projetam para as suas vidas quando o trabalho já não os/as prende ao lugar onde residem? Viajam com maior frequência entre a Suíça e Portugal? Permanecem no país onde viveram nas últimas décadas ou mudam de país? Que fatores intervêm nessas decisões? Como negoceiam os casais os seus projetos de vida futura? E qual o peso dos papéis sociais de género nas decisões migratórias? É sobre estas duas últimas questões que se centra este artigo.

A pesquisa teve um cariz multi-situado, tendo o trabalho de terreno incidido na Suíça francófona11 e em diversas regiões de Portugal, de modo a abranger uma diversidade de perfis e incluir pessoas que tenham regressado ou (ainda) não. Este desenho transnacional da pesquisa permitiu abranger pessoas que estão perto da reforma, mas ainda ativas profissionalmente, bem como pessoas já reformadas que vivenciarem o regresso. Veremos, na secção 4, que esta abordagem permite dar conta de uma maior complexidade dos processos de tomada de decisão.

Para a elaboração deste artigo, além de dados estatísticos, foram tidas em consideração algumas das entrevistas biográficas realizadas durante a pesquisa de terreno que decorreu entre setembro de 2018 e abril de 2021. Foram entrevistadas mulheres e homens que viveram largos anos na Suíça e tinham alcançado a reforma há menos de cinco anos, ou que iriam alcançá-la nos cinco anos seguintes. A pesquisa centrou-se em pessoas que vivem em conjugalidade (casadas ou não, com filhos em conjunto, ou de casamentos anteriores), atendendo a que um dos objetivos da pesquisa é dar conta de eventuais tensões e negociações entre cônjuges perante a perspetiva de regressar a Portugal no fim da vida profissional - este é também o tema central do presente artigo.

Em cerca de metade dos casos, mantive contactos prolongados com as/os participantes, através de visitas, telefone e redes sociais (WhatsApp e Facebook). As visitas permitiram realizar observação participante ao longo do tempo; esta, por vezes, decorreu nos dois lugares de vida das pessoas entrevistadas (na Suíça e em Portugal), possibilitando a participação em momentos da vida quotidiana e momentos de convívio, em que outros familiares, nomeadamente descendentes, também estavam presentes, pessoal ou virtualmente. Assim, o estudo acabou por abranger não apenas a(s) pessoa(s) entrevistada(s)12 e o seu agregado doméstico, mas também a rede familiar mais próxima, os significant others, fonte complementar de informação. Ademais, a manutenção de contactos no longo prazo permitiu acompanhar os meandros do processo de decisão e apreender as dinâmicas que precedem a resolução de partir ou ficar.

4. Partir ou ficar: negociação, género e desigualdades

A ausência de consenso entre mulher e marido perante o regresso acontece amiúde, como alguns autores assinalaram (Bolzman et al., 2006; De Haas e Fokkema, 2010). Na análise dos motivos destas discordâncias, os papéis sociais de género assumem relevância. Efetivamente, o género permite uma melhor compreensão das diferentes camadas imbrincadas nos processos de decisão que levam, ou não, à migração de regresso.

Nesta secção, são apresentados quatro casos de casais onde não existe/existia consenso relativamente ao regresso. As pessoas entrevistadas nasceram entre 1951 e 1961 e emigraram para a Suíça no início dos anos 1980, já casadas e com filhos/as que, entretanto, fizeram a sua vida naquele país. As trajetórias pessoais e profissionais são, contudo, totalmente distintas. A integração na sociedade de acolhimento de uns e de outras teve contornos diferentes consoante o lugar de destino, a profissão e o género - elemento que moldou os seus percursos de vida, nomeadamente ao nível do campo das possibilidades, em particular profissionais e sociais.

Wall e Aboim (2015) afirmam que as biografias dos indivíduos são simultaneamente definidas por constrangimentos e oportunidades externas num determinado contexto histórico e pela forma como são capazes de agir nesse contexto. Salientam ainda que importa adotar uma abordagem de curso de vida de modo a analisar os efeitos cumulativos das experiências que afetam os processos de envelhecimento. É esta a abordagem adotada nesta pesquisa, pois só assim se consegue destrinçar o emaranhado que constitui o fenómeno da migração de regresso na reforma, abordagem à qual se acrescenta, aqui, uma lente de género.

Caso 1 - Determinação do marido em regressar, resistência da mulher

Quando encontro Simão13 pela primeira vez, em março de 2019, tanto ele como a mulher estão reformados há cerca de dois anos e residem num apartamento adquirido há mais de uma década, numa pequena cidade situada num vale alpino. Em Portugal, são proprietários de um apartamento num centro urbano da Grande Lisboa, que é usado apenas nas férias de verão e que carece de algumas melhorias (sistema de aquecimento, por exemplo) para proporcionar o conforto necessário a uma vida mais permanente no mesmo. Aquando da entrevista, não havia acordo entre Simão e a esposa quanto a um eventual regresso a Portugal: “Eu nunca equacionei a possibilidade de ter um problema desta natureza. Mas compreendo, são argumentos de peso, os netos… os filhos, os 30 anos que [ela] passou aqui, hum… a integração”, lamenta. Simão pensa no regresso como resposta às preocupações económicas que passou a sentir quando se reformou: “Estou reformado e só me serve para gastar dinheiro. Eu ganho 40 francos por dia na reforma e gasto três vezes mais (…) é claro que aqui [na Suíça] não consigo fazer face à vida de forma nenhuma”, desabafa, inquieto. Para resolver este dilema, pensou em diferentes cenários, mas todos eles implicam uma mudança permanente de país, que a esposa recusa. Perante este impasse, o marido muda-se sozinho para Portugal nesse ano, no fim do verão, optando por uma vida conjugal à distância em que ambos fazem idas e voltas.

Além da questão económica, o regresso de Simão é motivado por bens imobiliários em Portugal e pela vontade de manter uma atividade na reforma. “Eu estou aqui [na Suíça] neste momento a consumir, a consumir e eu tenho aquela casa fechada, paga… e não estou lá”, declara. Simão possui também um terreno em Portugal, comprado antes de ter emigrado e para o qual alimenta um projeto de negócio por conta própria, dado que se sente com saúde, energia e vontade de trabalhar: “posso passar um dia ou dois por semana [a realizar atividades] dentro da minha profissão (…) que me podem pagar perfeitamente o condomínio ou até ajudar-me nas despesas e viver com à vontade de ir cá e lá”. O discurso de Simão revela a preocupação de muitos homens portugueses que atingem a idade da reforma na Suíça, cujas vidas se centraram nos empregos e cuja identidade se construiu em torno da imagem do migrante trabalhador: como ocupar o tempo quando cessa o período da atividade remunerada? Simão vê, no regresso a Portugal, a possibilidade de manter uma vida ativa, dado que tem “um terreno lá em baixo onde me posso ocupar”, insiste. Acrescenta ainda: “fiquei absorvido durante 50 anos14 com o meu trabalho (…) Tenho trabalhado muito no apartamento da minha filha (…) depois de me reformar, já fiz uma série de coisas e só não trabalho mais na casa dela porque não me pede”. Quando fala da esposa e do que a prende à Suíça, comenta que “tem a vida social dela, ela entende que, ao ir para Portugal, fica de certa forma bloqueada porque vai ter que se reintegrar num país de onde saiu há 30 anos e ela aprecia muito mais a Suíça do que Portugal, pela higiene, pela… não sei, não sei”. Nestas citações, sobressai o que cada membro do casal mais valoriza (trabalho, no caso dele; vida social, no caso dela) e destaca-se a questão da reintegração no país de origem após uma ausência prolongada. Uma reintegração que, na reforma, já não passa pela esfera profissional, e que requer um investimento em termos de redes de sociabilidade (ativação de antigas redes e criação de novas redes).

Caso 2 - Determinação do marido em regressar, cedência da mulher

Em janeiro de 2019, aproveitei a passagem de Catarina por Portugal para a visitar. O interior da sua casa, numa freguesia rural do concelho de Aveiro, é composto por uma mistura de estilos: mesa, cadeiras e louceiro em madeira de estilo tradicional português partilham o espaço com estantes retilíneas brancas trazidas recentemente da Suíça. “O meu marido veio agora de vez, estas mobílias eram as que estavam lá (…) Ele sempre teve a ideia de vir para cá aos 60”, conta. Assim que obteve a pré-reforma, o marido mudou-se para Portugal para desfrutar da casa que ele próprio construiu, enquanto Catarina continua a residir na Suíça, num quarto que arrendou perto da filha. Além da companhia dos netos, hoje já adolescentes, Catarina tem uma vasta rede social naquele país, tendo sido uma pessoa muito ativa desde os primeiros anos de emigração, tanto na comunidade portuguesa como no seu bairro. O casal emigrara para a Suíça 34 anos antes e há cerca de 20 que ela vive com uma pensão de invalidez devido a um problema grave de saúde. Por isso, o sentimento que mais sobressai quando fala sobre a perspetiva de regressar é o medo: “Não é que não goste do meu país. Faz-me medo vir para cá. Imaginemos que o meu marido me falte, o que estou aqui a fazer? Que na minha idade, a saúde não é nenhuma”. Acrescenta ainda: “Vou vir, mas com um bocado de receio. Os hospitais públicos são uma desgraça aqui”. Apesar das suas reticências e da filha não apoiar a sua vinda para Portugal, Catarina está decidida em juntar-se ao marido: “Não tem graça o meu marido estar cá e eu lá”. No entanto, esta nova migração, em sentido inverso, é perspetivada como um processo faseado e reversível: “Ele vem, mas guarda [a autorização de residência] ainda durante quatro anos. Partida provisória. Podemos não nos adaptar e voltar [para a Suíça] ”. Ela mantém, portanto, a porta aberta a um eventual regresso ao país de adoção, com o qual sente uma maior ligação: “Sinto-me bem lá. Eu fiz a minha vida lá. Saí daqui muito nova. Tenho mais tempo de Suíça. Adaptei-me à Suíça mais do que aqui estou adaptada. Já não conheço ninguém cá. Os velhotes já partiram. A cultura destas aldeias custa-me muito a aceitar”.

Desde a minha primeira visita, Catarina e o marido fizeram muitas idas e voltas entre os seus dois contextos de vida, vivendo de forma pendular, cá e lá, visitando-se um ao outro e passando algumas temporadas separados. Este compromisso permitiu que os processos de decisão e tempos de cada um/a fossem respeitados. Ela continuou a poder beneficiar do acompanhamento médico na Suíça, embora vá passando cada vez mais tempo em Portugal e se vá, desta forma, adaptando a um novo contexto de vida. Ele concretizou o seu projeto de voltar, usufruindo da sua casa e sem ter de fazer face ao espectro do vazio que por vezes se gera quando chega a reforma: “ocupa-se do jardim, das galinhas, tem sempre que fazer”, conta Catarina. Perante a questão da negociação relativamente ao regresso, emergem os temas da saúde mental masculina no fim da vida profissional e do papel de suporte das mulheres: “Ele está muito em baixo. Não posso impor isso [ficar] ao meu marido. Se é aqui [em Portugal] que ele está feliz, tem todo o direito de estar cá. E eu tenho de me arranjar, como sempre”, suspira. Reconhece, porém, que “para ficar lá, não dava”, atendendo aos recursos financeiros de que dispõem (menos de 2.000 francos de pensão) para fazer face às despesas (1.300 francos de seguros de saúde, mensalmente, para os dois).

Enquanto o regresso contribui para o bem-estar do marido, nomeadamente em termos de saúde mental, vivendo uma vida de reformado de acordo com as suas disposições15 (regresso ao mundo rural, horta, aves), a mulher perspetiva o regresso com alguma apreensão. “É uma adaptação”, afirma, uma adaptação ao sistema de saúde, às pessoas, à aldeia, à cultura. Ela tem noção de que se trata, na prática, de uma nova migração, apesar de, desta vez, possuir a nacionalidade e a língua do país de destino e antevê que terá de reaprender a viver naquele lugar que já não é para ela - hoje mais urbana do que camponesa - um lugar de pertença. No entanto, o elemento “casal” ganhou uma importância maior nesta fase da vida e viverem longe um do outro não é visto como uma hipótese sustentável no longo prazo. De modo que, após ponderados todos os elementos, ela decidiu mudar permanentemente de residência, mantendo idas regulares à Suíça. Para Catarina, como para a maioria das pessoas entrevistadas, tanto a conjugalidade como a coabitação assumem maior relevância, numa fase da vida em que as/os filhas/os já saíram de casa e a saúde enfraquece.

Caso 3 - Resistência da mulher em regressar, cedência do marido

Em setembro de 2018, visito Mariana nos arredores de Lausanne, na casa onde vive e onde é empregada doméstica a tempo inteiro há uns vinte anos. O marido está reformado há quase uma década e ocupa os dias com o cultivo de uma pequena horta, além de dar apoio às quatro netas (na altura com idades de 3-8 anos), sempre que as filhas necessitam. Vivem na mesma cidade e os convívios familiares são semanais. Laços estreitos unem Mariana às filhas e netas. Poucos minutos depois de encetada a conversa, Mariana recorda com emoção a separação das filhas, que teve de deixar em Portugal quando se juntou ao marido na Suíça - por força da política imigratória então em vigor nos anos 1980 (cf. secção 2) - e comenta: “hoje já não era capaz. Olhando para trás, no fundo, o melhor tempo de estar com os filhos é quando são pequenos”. Os laços familiares e a experiência traumática da primeira migração explicam em parte a sua resistência a migrar novamente, pois neste casal também não há consenso: “já há muito que ele diz que quer ir. Ele já está na reforma há muito ano”, admite Mariana. Mas surgiu entre eles o compromisso tácito de ir ficando enquanto ela trabalhar. De modo que, em 2021, continuava no mesmo emprego, apesar de já ter atingido a idade de reforma. Manter o emprego é uma forma de assegurar rendimentos suficientes e, dessa forma, assegurar também a permanência no país, já que viver somente da pensão de velhice significa uma quebra acentuada dos rendimentos e eventuais dificuldades materiais. Consciente que a opção de ficar na Suíça se acompanha de um horizonte mais precário, Mariana quase vacila:

“Vais fazer o quê na Suíça com esse dinheiro [pensão de velhice] que te dão? Se é para teres que tirar sempre alguma coisa do que tens de lado… para continuares a viver aqui, não… pelo menos, em Portugal, podemos viver normalmente”.

Embora a questão económica pese a favor do regresso, os argumentos em sentido contrário são igualmente sólidos: laços familiares, por um lado, e a reativação de traumas afetivos, mas também o fator espacial (regresso ao mundo rural), que vem complexificar a tomada de decisão e alimentar as reticências de Mariana.

“Eu ponho-me a pensar: vou para lá, tenho ali a casa, tenho ali muito que fazer, muitos terrenos, mas os terrenos, como eu já não gostava dantes… alguma coisinha para mim, um jardinzinho para eu tirar para comer, mas… ali todo o dia! Depois dissemos assim: vamos comprar um apartamento na praia. Também deixámos para a última, agora são tão caros! Enfim… (...) Eu, na praia, já me via mais. Saio fora, vou passear, estou sempre a ver pessoas. Eu gosto de estar tranquila, mas ao mesmo tempo também gosto de ver movimento e na aldeia…”.

Esta citação revela o sentimento de desadequação que se foi formando ao longo dos anos, longe do lugar de origem, uma aldeia no concelho de Guimarães, onde o casal reabilitou a casa dos pais dela e onde passam férias anualmente. Mariana não se identifica com esse lugar de onde partiu, muito menos com a vida na aldeia - talvez até tivesse emigrado porque já não se identificava, na altura, com a vida camponesa que era a sua. Na verdade, Mariana entende que regressar a Portugal poderá permitir-lhes uma vida mais desafogada e não é frontalmente contra a ideia de voltar se for para um outro lugar que não a aldeia, onde possa viver a vida de acordo com as suas atuais disposições.

Assim, enquanto puder trabalhar, Mariana vai mantendo o status quo e adiando o momento de uma decisão que, para ela, é dolorosa. Antes da pandemia, o marido tornou-se menos insistente porque começou a viajar sozinho para Portugal com alguma regularidade, aproveitando os voos low cost, e foi restabelecendo uma maior ligação com antigos camaradas e a família em Portugal e participando em eventos comunitários (vindimas, por exemplo).

Caso 4 - Determinação do marido em regressar, ausência de poder negocial da mulher

A situação da Lurdes, 63 anos, é muito diferente das anteriores devido à sua dependência económica do marido. Tinha pouco mais de 40 anos quando a sua saúde se deteriorou, ficando impossibilitada de prosseguir com uma atividade profissional fora de casa. Contrariamente a Catarina, a incapacidade para o trabalho não lhe foi reconhecida nem lhe foi concedida qualquer pensão de invalidez. “Mantive sempre esta atividade de fazer costura para fora. Sempre tinha o meu dinheirinho”, confidencia Lurdes, que procurou, desta forma, manter alguma autonomia financeira. Porém, quando o marido, trabalhador da construção civil, atinge 60 anos e decide entregar o apartamento que tinham na cidade de Genebra e viver na casa que herdou dos pais, nos arredores de uma pequena vila da Grande Lisboa, ela não teve escolha. Quando lhes pergunto como e quando decidiram vir para Portugal, Lurdes responde prontamente: “Foi ele.” Segue-se então um diálogo entre marido e mulher revelador do ténue poder negocial de que ela dispõe:

Ele: Tínhamos entendimento de vir. Ela não foi forçada.

Ela: Pronto, eu não fui forçada a vir, mas…

Ele: Foi surpreendida.

Ela: Fui surpreendida. Nunca pensei que viesse tão cedo.

O regresso deste casal não foi ainda formalizado: a residência oficial foi mantida em casa do filho, na Suíça, onde, antes da pandemia da COVID-19, iam regularmente, continuando a desempenhar um papel de suporte e a cuidar dos netos durante as férias escolares e sempre que o filho precisava de apoio familiar; mas também por motivos de saúde, continuando a serem seguidos pelos médicos de sempre.

A dependência de Lurdes em relação ao marido não é apenas económica. Ele está consciente das dificuldades que a esposa enfrenta, é ele, aliás, que puxa o assunto:

“Para ela, é muito mais complicado, dado que viveu 30 anos no centro de uma cidade e agora veio para o campo (…) estou saturado da cidade, gosto muito de Genève, muito linda, muito bonita, a Suíça é muito disciplinada, tudo isso, mas, hum… quis refugiar-me aqui. Ela, sente prisão. Eu sou um refugiado, ela ’tá presa. Porque eu tenho autonomia de pegar no carro e sair, ela, precisa de mim para sair. Não está dentro de uma vila onde possa sair à hora que quer e lhe apetece sem… ir ao café ou discutir com umas amigas, não sei quê.”

A entrevista decorreu na casa onde ele cresceu e que ele próprio reabilitou, situada num alto verdejante, com vista ampla para planícies a leste e florestas a oeste. Vista daqui, a vila parece distante. Na realidade, o centro está a menos de dez minutos de carro, mas a pé ainda é uma longa caminhada, sobretudo quando a saúde já não é o que era. Lurdes conforma-se com a sua reduzida liberdade de movimentos e vai-se ocupando da casa, das refeições e de todas as rotinas que ritmam a vida doméstica, porém, também “tenho o jardim, certas coisas da vinha, às vezes vou ajudá-lo”. Existe um entendimento tácito relativamente às esferas de poder de cada membro do casal. O marido clarifica isso mesmo quando pergunto como tem sido a experiência de passar mais tempo a dois:

Ele: Passa-se bem porque temos esta separação. Eu tenho a rua e ela tem a casa.

Ela: Eu também tenho a rua!

Ele: Mas eu não tenho a casa. Ela tem a rua e a casa e eu tenho só a rua. (…) Ela é uma excelente dona de casa, não preciso de pensar em nada, absolutamente nada.

Ambos concordam que a experiência de vida como casal reformado tem-se revelado positiva porque, apesar de ter perdido alguma liberdade, Lurdes não contesta o papel de doméstica que já era o seu antes de regressarem. Quanto ao marido, organizou o quotidiano em torno de rotinas que lhe permitem passar boa parte do dia fora do espaço doméstico: “vou dar a minha voltinha, tomo o pequeno-almoço, e depois faço 2-3 horas na agricultura. Consegui integrar-me num grupo de reformados (…) vou beber o meu aperitivo com eles”. Na prática, continua a existir, dentro do casal, uma divisão espacial e de tarefas, coincidente com a vida anterior à reforma - pois Lurdes já era doméstica há cerca de duas décadas - e coerente com as normas de género da sociedade envolvente16. Contudo, o regresso ao meio rural colocou Lurdes em desvantagem comparativa em relação ao meio urbano onde vivia anteriormente, que possibilitava uma maior autonomia, como analisa o marido, consciente da perda de liberdade que a mudança de contexto de vida significa para a esposa:

“[Na Suíça], ela tinha liberdade de se levantar de manhã e fazer o que queria e neste momento já não tem essa liberdade. Faz o que quer, mas depende de mim. Não dependia de mim, porque eu trabalhava e ela saia de manhã (…) não precisava de me dizer. Fazia a vida dela, como fez sempre. O problema é que, aqui, é dependente e lá não era.”

Já no caso dele, é a permanência na Suíça, após a reforma, que representa uma perda de liberdade e um fechamento de horizontes. O marido rejeita uma vida de reformado de apartamento, sem ocupações ao ar livre. Mudar-se para Portugal significou, para ele, uma vida em liberdade e com espaço.

“[Na Suíça, os] amigos trabalham… não sinto saudades de me ver fechado num apartamento (…) Neste momento, não tenho saudades. Levantar-me de manhã e ter que ir ao café, ler o jornal, voltar para casa para almoçar… ir jogar às cartas duas horas, voltar para casa para dormir a sesta, ver televisão… nem isso faz parte da minha cultura. Tinha saudades disto [em Portugal], da minha liberdade… apetece-me, faço, não me apetece, não faço. Livre, completamente livre, autónomo.”

5. Discussão: A migração de regresso na reforma e a influência do género no processo de tomada de decisão

Quer se trate de uma migração laboral ou de uma migração de regresso, nem sempre a mudança de país é consensual no casal. Os quatro casos apresentados na secção anterior focam-se precisamente em situações de divergência e expõem alguns dos motivos de discordância entre marido e mulher relativamente a um eventual regresso a Portugal. Nalguns casos, essas divergências já existiram no passado, quando se deu a primeira migração, nos anos 1980. Mais concretamente, nos quatro casos aqui apresentados, os maridos foram os iniciadores da emigração: partiram primeiro, sozinhos, com ou sem contrato de trabalho. Em todos estes casos, as mulheres juntaram-se aos maridos pouco tempo depois, acompanhadas, ou não, pelas suas crianças. Mais de três décadas depois, para alguns destes casais, a história repete-se, desta vez em sentido contrário.

Uma abordagem superficial poderá concluir que as mulheres desempenham um papel passivo de seguidoras nestes processos migratórios - até porque foram apresentados quatro exemplos em que os maridos desejam regressar, contrariamente às esposas; contudo, por vezes sucede o oposto, como veremos mais à frente nesta secção. Uma abordagem mais aprofundada permite realçar contornos menos visíveis, reveladores da capacidade de ação destas mulheres migrantes, já casadas e mães quando emigraram17. Na realidade, tanto a sua ida (emigração) como a sua vinda (regresso) resultam de uma escolha própria, colocando por vezes em xeque os projetos dos cônjuges, como no caso de Simão, que regressou a Portugal sozinho e vive, contrariado, uma conjugalidade à distância, ou no caso de Mariana, cujo marido foi aceitando a escolha dela e foi ficando. A posição negocial dos dois membros do casal é, porém, muitas vezes, desigual. O caso de Lurdes é disso exemplo: a sua curta trajetória profissional devido a um problema de saúde coloco-a na dependência financeira do marido e tolheu-lhe autonomia de decisão, tendo ela ficado “surpreendida” com o súbito regresso decidido pelo marido. Já no caso de Catarina, a decisão de regressar permanentemente foi tomada num tempo mais lato, tendo ela inicialmente optado por ficar junto da filha, graças à sua parca pensão. Porém, percebe que “para lá ficar, não dava” financeiramente, além de que não lhe faz sentido viver esta fase do ciclo de vida longe do marido.

As entrevistas revelam a diversidade dos fatores ponderados durante o processo de tomada de decisão, tais como a família (a sua composição e a sua dispersão geográfica), o estado de saúde dos membros do casal, o património/ bens imobiliários (herdados ou adquiridos), os territórios de referência em ambos os países (urbano/ rural), os rendimentos de que dispõem ou irão dispor no fim da vida ativa ou ainda os regimes fiscais num e noutro país. Estes fatores tanto podem conduzir a uma decisão favorável ao regresso ao país de origem, a uma fixação no país de residência, ou ainda à mobilidade entre dois ou mais lugares de referência.

Na hora de decidir, é feito o balanço entre recursos disponíveis (monetários, materiais e afetivos), por um lado, e constrangimentos (custos com saúde e habitação, fiscalidade, distância da família), por outro. No processo de tomada de decisão, além dos membros do casal, intervêm frequentemente as filhas e os filhos que, quando podem e se necessário, apoiam financeiramente os pais para que possam ficar na Suíça após a reforma. Netos e netas, sobretudo quando são pequenos/as, desempenham também um papel importante na fixação dos avós no país de residência. Durante o trabalho de terreno, verifiquei que o nascimento de um/a neto/a é um evento que concorre para o adiamento do regresso. “A mulher até agora queria ir para Portugal, mas agora nasceu a [primeira] netinha…” conta Augusto, que vai e vem regularmente entre os dois países desde que obteve a reforma antecipada, há cerca de quatro anos, enquanto a mulher, bastante mais nova, continua empregada. Perante o alargamento inesperado da família, partir para Portugal quando ele completasse 65 anos tornou-se um horizonte incerto.

À primeira vista, este exemplo encaixa no cliché “as mulheres não querem regressar porque estão mais ligadas às/aos filhas/os”. Os dados recolhidos revelam, porém, que o mesmo sucede no masculino. Sérgio tinha completado 39 anos de trabalho na Suíça quando o conheci, faltava-lhe menos de um ano para a reforma e planeava regressar a Portugal nessa ocasião, em 2020. No entanto, o projeto foi alterado poucos meses depois, quando se tornou avô pela primeira vez: “Vou ficar aqui por agora”, admitiu, feliz por partilhar a boa notícia. De repente, a reforma passou a ser projetada “cá” [na Suíça] e já não “lá” [em Portugal], contrariamente ao previsto. Quando o visitei, em abril de 2021, Sérgio era o principal cuidador da neta, enquanto a esposa, mais nova, continuava ativa profissionalmente. Afinal, se foi capaz de tomar conta dos filhos quando eram pequenos (já em contexto migratório), será, também hoje, capaz de tomar conta da neta, retorquiu confiante, quando lhe perguntei como se sentia no papel de reformado-avô-educador.

Verifica-se, portanto, que os avôs desempenham um papel tão ou mais importante do que as avós. Tal situação deve-se ao facto de frequentemente os homens alcançarem a idade da reforma mais cedo do que as suas esposas (seja porque existe uma diferença etária no casal, sendo ele mais velho, seja porque nalguns setores, como a construção, se alcança a pré-reforma aos 60 anos) e ficarem, por isso, com mais disponibilidade para cuidar das netas e dos netos. Este papel de cuidador e a forte ligação afetiva que vão criando com as/os netas/os pode interferir nas intenções iniciais e, até, inverter a atitude perante o regresso no seio do casal. Tiago, por exemplo, mostra-se renitente em regressar porque não se vê a viver longe dos netos de quem cuida há largos anos. Já, a esposa, que está prestes a reformar-se, ambiciona regressar. Os netos já estão crescidos, uns adolescentes, outros em idade escolar e, portanto, não sente que precisem dela, nem tão pouco desenvolveu com eles uma relação tão sólida quanto o marido.

Na análise do processo de tomada de decisão, revela-se indispensável aceitar o repto de Pereira (no prelo) e ir além de uma utilização binária do género, uma vez que “essa abordagem tende a exagerar a homogeneidade interna de cada categoria. Como tal, negligencia as diferenças entre pessoas da mesma categoria”. No caso que nos ocupa, trata-se de ir além da dicotomia “homens/regressar vs. mulheres/ficar”, alcançar um olhar mais complexo e fazer surgir as diversas nuances que compõem o fenómeno migração de regresso. Importa assim analisar as diferenças dentro de cada categoria (mulheres/homens), bem como as semelhanças entre ambas as categorias, tal como sugere Pereira. Tomando o exemplo do care, constatamos que é uma tarefa assumida tanto por mulheres como por homens e que, quando assim é, a relutância em regressar está presente tanto nas mulheres como nos homens. Na literatura, o desejo de ficar no país de residência atribuído às mulheres tem implícita a ideia (patriarcal) de que elas estão mais ligadas à família, já que o domínio do cuidar é “feminino”. Este pressuposto não corresponde à verdade, como vimos, e subentende uma rigidez dos atributos de género quando, na realidade, no contexto migratório em análise, é possível observar uma fluidez do género, mesmo em gerações mais velhas. Uma constatação feita também em estudos sobre famílias portuguesas emigradas na Alemanha e em França. Efetivamente, Leandro (2002) observa que “os papéis masculino-feminino são agora menos delimitados” (p.61) e constata “uma maior permuta dos papéis domésticos atribuídos, tradicionalmente, aos homens e às mulheres e a passagem de uma forma familiar hierarquizada para uma outra mais igualitária” (Leandro, 2002, p. 63). Perante novas realidades, a ausência de uma rede de apoio familiar e o assalariamento das mulheres18, os homens foram tendo uma maior participação na esfera doméstica e nos cuidados às crianças. Assim, as minhas observações corroboram as de Leandro. De realçar também que esta flexibilização dos papéis sociais tradicionais decorre de um consenso familiar que sustenta o projeto migratório, o qual se resumiu, para grande parte dos casais nascidos entre finais dos anos 1940 e início dos anos 1960, na tríade trabalhar-poupar-regressar e favoreceu o trabalho assalariado das mulheres, comprometendo a sua disponibilidade na esfera doméstica. O que alguns exemplos aqui trazidos mostram é que o recorte das esferas trabalho produtivo/trabalho reprodutivo não é assim tão linear, nomeadamente nos casais em que elas continuam a trabalhar e são eles que dispõe de tempo para cuidar das crianças. E, portanto, não só a diversidade é maior dentro do grupo “homens” e de grupo “mulheres”, como as semelhanças entre mulheres e homens são mais acentuadas, em contexto migratório, do que muitas análises dão a entender.

Antes de concluir, importa salientar ainda três aspetos que assumem particular relevância nos casos analisados na secção 4 do artigo. Cada um explica, até certo ponto, as posturas observadas perante o regresso: determinação do marido, resistência da mulher e cedência de um ou outra perante o cônjuge.

Primeiro aspeto, o momento em que decorre a tomada de decisão relativamente ao regresso - a transição para a reforma - é um momento crítico na vida de qualquer pessoa. No caso de pessoas que migraram previamente, a passagem à reforma pode (re)ativar a ideia de regresso, implicando uma negociação entre cônjuges potencialmente conflituosa. Nesta negociação estão em jogo não só a decisão de regressar/ficar/circular, mas também a reorganização da vida do casal depois da reforma, no mesmo ou num outro contexto de vida, e as respetivas esferas de poder. Ora, o poder e a autonomia de cada membro do casal são também função da capacidade financeira de cada qual. Todavia, elas estão geralmente em desvantagem neste plano, devido a percursos profissionais mais precários, como vimos na secção 2. Além disso, a passagem à reforma implica uma reconfiguração identitária, isto é, transitar da categoria “no ativo” para outra categoria. Nas mulheres, a transição para a reforma é marcada por uma certa continuidade no plano familiar e doméstico, ficando elas com mais tempo para as atividades que já vinham desempenhando além do trabalho pago e ganhando tempo para outras, de lazer. Já, no caso dos homens, são muitos aqueles que têm uma identidade construída e fortemente ancorada em torno do papel de “trabalhador migrante”. Consequentemente, o fim da vida profissional corresponde, para eles, mais frequentemente a uma rutura identitária. Assim, quando não encontram uma atividade de substituição (p.ex. apoio à família, associativismo, jardinagem, desporto), a permanência na Suíça deixa de lhes fazer sentido.

Segundo aspeto, a mudança de contexto urbano-rural tem implicações concretas no bem-estar individual. Enquanto o regresso ao mundo rural é geralmente vivido com entusiasmo pelos homens, ele vem suscitando resistências por parte de muitas mulheres. Na verdade, as mulheres reticentes em regressar não contestam a mudança de país, em si, mas antes os efeitos produzidos pela instalação no mundo rural - disso mesmo testemunha Mariana (caso 3). Efetivamente, as observações realizadas com casais já regressados, em particular os que se fixaram em meios mais pequenos e pouco cosmopolitas, permitem observar uma reintegração diferenciadas nas mulheres e nos homens, que se traduz, no caso das mulheres, num enfraquecimento da sociabilidade e uma reduzida circulação autónoma no espaço público, enquanto, no caso dos homens, se observa um efeito contrário. Tal situação deve-se aos efeitos conjugados da reforma com a mudança de país, que também coincide amiúde com uma mudança urbano/rural. Assim, mais do que um efeito da migração de regresso, esta será uma consequência de uma migração entre contextos (urbano/rural) onde vigoram normas de género distintas. O meio rural carateriza-se por um maior interconhecimento e um controle social mais forte, especialmente para as mulheres, as quais, no estrangeiro, viviam geralmente em maio urbano e de forma independente, sem estarem submetidas ao escrutínio da vizinhança ou família. Acima de tudo, os papéis de género não são permanentes, são antes negociados de acordo com o contexto. Se o contexto migratório foi propício a uma maior flexibilidade e permuta de papéis, o regresso às localidades de origem pode, no entanto, voltar a alterar a ordem de género, ou, como dizia Massey (1994): “geography matters to gender” (p.177).

Último aspeto, a importância da unidade “casal” numa fase da vida em que filhas/filhos saíram de casa, em que a rede de relações vai enfraquecendo à medida que amigas/amigos partem19 e em que a sociabilidade através do emprego se esvaiu. Ao mesmo tempo, toma-se consciência das vulnerabilidades presentes e futuras. Assim, o compromisso de regressar/ficar também deve ser lido na perspetiva de preservar a conjugalidade e a coabitação do casal na velhice, como forma de prevenir uma solidão futura cujos contornos se adivinham.

6. Conclusão

Neste artigo, procurou-se evidenciar o carater plural, complexo e “genderizado” das experiências migratórias, colocando o foco nas tensões e negociações que decorrem no casal quando, no momento da reforma, se reativa a possibilidade de regressar a Portugal. A análise decorreu num quadro hétero-normativo, tendo como pano de fundo papéis sociais de género herdados da sociedade rural e salazarista, na qual foram socializadas/os as/os participantes desta pesquisa. Foi adotada uma perspetiva relacional, possibilitando uma dupla análise dos efeitos do género na migração e inversamente. O artigo pretendeu mostrar de que forma o género pode influenciar a decisão de migrar/regressar e que, por sua vez, a migração/regresso influencia as relações e identidades de género, sendo percetível uma certa fluidez nos papéis assumidos dentro da família em diferentes momentos do ciclo de vida. O género como categoria de análise permite ir além de ideias polarizadoras taken for granted sobre mulheres/homens migrantes, também relativamente ao regresso, tema central deste artigo.

O campo de estudos “género e migrações” está hoje bastante consolidado. Porém, são ainda escassos os trabalhos em que as/os investigadoras/es abandonam os esquemas mentais incorporados - como uma continuidade sexo/género - que, em certa medida, impedem a deteção de modos de ser e fazer que escapam às representações tipificadas (e muitas vezes essencializadas) mulheres/homens. O que leva Morokvašić (2014, pp.367-368) a realçar o seguinte paradoxo: “although many studies insist on both gains and losses, the conventional wisdom has been that a woman’s bargaining power and autonomy increases in migration”. Desta ideia decorre o entendimento de que as mulheres têm a perder com o regresso ao país de origem. Convém, porém, não transpor apressadamente determinadas conclusões para outros terrenos de pesquisa, mas antes situar a análise nos contextos de partida e de chegada específicos de cada migrante, considerando as forças sociais, políticas e económicas que ela/ele enfrenta/ou. Caso contrário, incorremos no risco de nos deixarmos guiar por “gendered imaginaries” e “imaginaries about migration and migrants” (Morokvašić, 2014, pp.360-362) em vez da realidade observável. Assim, nem tudo o que vem na literatura pode servir de ponto de comparação para a análise da situação dos casais portugueses. Tampouco os resultados aqui apresentados são generalizáveis a migrantes portugueses com trajetórias educacionais, profissionais, migratórias e uma socialização de género distintas das que foram aqui analisadas. Outros estudos são necessários para aferir de que forma o género impacta na emigração e regresso de portuguesas/es que saíram do país mais recentemente e com outro perfil socioeconómico. Nas gerações mais jovens, várias questões já não se colocarão da mesma forma; será pouco provável, por exemplo, que a mulher não conduza e dependa do marido para se deslocar da aldeia à cidade. Aliás, podemos pôr a hipótese de que os regressos para o mundo rural serão menos comuns nas gerações mais jovens, atendendo ao perfil mais diferenciado de migrantes portuguesas/es neste século.

Concluo com uma citação de Agustina, que viveu na Suíça entre 1979 e 2017. Durante esse período, ela e o marido emigraram três vezes em cada sentido, somando outros tantos regressos. O cônjuge que iniciava a migração ia alternando, consoante a fase do ciclo de vida e a (in)satisfação decorrente das respetivas situações de trabalho e da escolaridade das filhas.

“O meu homem, primeiro, não gostava da Suíça, era eu que gostava. Depois, era ele que gostava e era eu que me queria vir embora. E andávamos assim, era um para cada lado. (…) E agora, ele gostava de lá estar, e eu [disse]: vamos embora, não estamos aqui a fazer nada, vamos embora”.

Esta citação realça o facto de as migrações serem processos dinâmicos e relacionais e sublinha a vantagem de uma perspetiva longitudinal, que possibilita ter em conta uma temporalidade mais lata e uma leitura mais fina destes processos. Evidencia também o que Morokvašić (1984; 2014) e Monteiro (1994) há muito enfatizaram: não podemos ceder a afirmações estereotipadas eles isto, elas aquilo, uma vez que os papéis de género não são imutáveis mas, sim, constantemente negociados e redefinidos.

Financiamento

Este artigo enquadra-se numa pesquisa doutoral financiada pela FCT (Ref.ª SFRH/BD/128722/2017 e Ref.ª COVID/BD/152361/2022) e acolhida pelo CIES-Iscte, em Portugal, e pelo Swiss Migration Forum da Universidade de Neuchâtel, na Suíça.

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1 Neste estudo, participaram mulheres e homens que vivem em conjugalidade, a maioria está casada/o e algumas/alguns vivem em união de facto, após um divórcio ou separação. Todos os casais são heterossexuais.

2No estudo de populações migrantes, uma análise de género tem de incluir o contexto espácio-temporal em que as pessoas cresceram e em que partem para outro país. No caso da emigração portuguesa, as normas de género incorporadas são diferentes quando se cresceu em Portugal nos anos 1950-60 ou nos anos 1980-90, quando se viveu no meio rural ou no meio urbano, no Norte ou no Sul do país, e poderão variar ainda consoante a classe social. Importa ter em consideração estes elementos, porque influenciam a forma como o poder se negoceia dentro do casal e como as decisões são tomadas (relativamente à participação de cada cônjuge no mercado de trabalho e na vida familiar por exemplo, e, claro, relativamente às decisões migratórias). Assim, se o mesmo estudo se realizar com uma população que migrou de Portugal para a Suíça mais tardiamente, possivelmente os resultados serão diferentes dos que aqui se apresentam, uma vez que o perfil da chamada “nova emigração” (sobre este assunto, ver Pereira & Azevedo, 2019) é mais diversificado: são pessoas nascidas no Portugal democrático, grande parte proveniente de zonas urbanas, com um nível de qualificação mais elevado e práticas culturais distintas das pessoas que emigraram nas últimas décadas do século XX. Pois a rápida transformação da sociedade portuguesa ao nível socioeconómico e cultural após a revolução democrática de 1974 e a integração europeia em 1986 contribuiu para alterar as normas de género em Portugal (embora a ritmos diferentes consoante os territórios). Assim, as normas de género incorporadas por primo-migrantes dos anos 2000 não são idênticas àquelas incorporadas por primo-migrantes dos anos 1970-80, apesar de poderem subsistir algumas similitudes.

3Hoje, a literatura sobre mulheres e migrações/género e migrações é vasta. Não havendo espaço nem sendo o propósito fazer uma revisão geral dessa literatura, este artigo limita-se a sintetizar o que existe relativamente aos estudos sobre “emigração portuguesa”.

4Este número, fornecido pelo gabinete suíço de estatística, engloba quem nasceu na Suíça e tem nacionalidade portuguesa e exclui quem nasceu em Portugal tendo, entretanto, adquirido a nacionalidade suíça.

5Para que lhe fosse concedida uma autorização de residência anual, um/a trabalhador/a saisonnier (sazonal) tinha de perfazer quatro contratos anuais, de nove meses cada um, e regressar ao seu país os restantes três meses do ano.

6Devido às fortes restrições legais, muitos pais/mães deixaram as suas crianças, em Portugal, ao cuidado de avós ou tias; outros optaram por levá-las consigo, vivendo em situação de clandestinidade, ficando conhecidas como “les enfants du placard” (as crianças do armário).

7Para mais detalhes sobre a política migratória suíça no século XX, ver D’Amato (2008)

8O sistema de reforma suíço é baseado em três pilares: um 1º pilar corresponde à previdência do Estado (equivale, em Portugal, à pensão de velhice do regime geral de Segurança Social); um 2º pilar corresponde à previdência profissional (em que são feitos descontos pela entidade empregadora e o/a trabalhador/a quando este/a ganha acima de 21.510 fracos por ano - valores atuais); e um 3º pilar que corresponde à previdência individual (facultativo). Entre as pessoas que participaram neste estudo, todos os homens descontaram para um 2º pilar enquanto a maior parte das mulheres não.

9Para mais detalhes sobre os fluxos migratórios Suíça/Portugal, ver também Working Paper da autora (em preparação) no site do Observatório da Emigração.

10Na Suíça, a reforma das mulheres é aos 64 anos e a dos homens é aos 65. No entanto, em alguns setores, há esquemas de pré-reforma aos 60 anos.

11Nos cantões de Vaud, Valais, Neuchâtel, Fribourg e Genève

12Em certos casos, foi entrevistado somente um membro do casal, enquanto noutros casos participaram ambos, situação que se deveu ao contexto de cada uma das entrevistas, cujo local e hora foi deixado ao critério dos/das participantes.

13Todos os nomes foram alterados para preservar o anonimato das pessoas.

14A esmagadora maioria dos/das participantes neste estudo começou a trabalhar muito cedo, entre os 10 e os 13 anos de idade, tendo frequentado a escola primária (3 ou 4 anos) apenas, alguns/algumas frequentaram o segundo ciclo (6 anos). Relembre-se que o Estado Novo limitou a escolaridade obrigatória a três anos de ensino primário e que a quarta classe foi tornada obrigatória em 1956, para os rapazes, e em 1960 para as raparigas.

15De acordo com Lahire (2011 [1998]), as pessoas são portadoras de disposições incorporadas - esquemas de perceção e de ação adquiridos nas diferentes instâncias de socialização - que podem ser ativadas em determinados contextos ou no seguimento de determinados eventos. Algumas disposições são ativadas em momentos de crise ou de ruturas biográficas, como são a passagem à reforma e a migração.

16Normas que remetem para uma divisão tradicional “esfera pública/masculino” vs. “esfera privada/feminino”, dicotomia que sustenta uma ordem de género desigual nas sociedades modernas ocidentais (Aboim, 2012).

17O papel da mulher no projeto migratório inicial não é o tema deste artigo, importa no entanto clarificar que, entre as mulheres participantes na pesquisa na qual este artigo se baseia, várias emigraram ainda solteiras. As que eram casadas e se juntaram aos maridos na Suíça, fizeram-no essencialmente por dois motivos: evitar que eles desistissem do empreendimento logo no primeiro ano (salvar o projeto migratório) ou evitar uma não desejada desunião que pudesse resultar de um afastamento prolongado (salvar o casamento). Em ambos os casos, elas tiveram um papel ativo e apesar de não iniciarem o projeto migratório, fizeram-no seu e moldaram-no ao longo do tempo. No momento de decidir acerca de um eventual regresso, as que têm alguma autonomia financeira dispõe de uma margem de manobra que usam para adiar ou travar a decisão e, por vezes, optam por viver parte do ano longe do marido, em vez de regressarem juntamente com eles.

18N.B: todas as mulheres participantes nesta pesquisa trabalhavam antes de emigrarem, a maioria, porém, no âmbito da economia familiar ou informal.

19Umas/uns mudam-se para outras regiões ou países, ou regressam eventualmente ao seu país de origem, outras/outros falecem.

Recebido: 24 de Janeiro de 2022; Aceito: 03 de Junho de 2022

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