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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES vol.44  Lisboa jun. 2022  Epub 15-Jun-2022

https://doi.org/10.15847/cct.25238 

ARTIGO ORIGINAL

Políticas emigratórias, perceções e práticas de gestão dos regressos durante a ditadura portuguesa (1945-1974)

Emigration policies, perceptions, and practices of the returns management during the Portuguese Dictatorship (1945-1974)

Yvette Santos1 

1Instituto de História Contemporânea, NOVA-FCSH, Portugal. E-mail: yvettedossantos@gmail.com


Resumo

Este artigo pretende explorar o modo como o regresso dos emigrantes (ou a sua intencionalidade) foi concebido pelo Estado Novo. A bibliografia centrada nesta temática tem incidido no período posterior ao 25 de abril de 1974/à Revolução dos Cravos. Embora se tenham registado movimentos de regresso após a Segunda Guerra Mundial, evidenciou-se a inexistência de uma política estruturada com esse intuito por parte das autoridades competentes. Recorrendo às fontes históricas, o propósito do presente artigo é demonstrar os paradoxos entre o discurso e as diligências do Estado Novo. Para todos os efeitos, a questão do regresso esteve presente no pensamento e nas ações institucionais da ditadura portuguesa. Por um lado, a racionalidade aplicada na gestão das saídas legais a partir de 1945 revela uma preocupação em gerir o fluxo dos regressos desejados e indesejados. Por outro lado, a emigração para os países europeus permitiu reconsiderar o papel dos emigrantes regressados, dentro do quadro das mudanças de mentalidade institucional sobre a sua utilidade na sociedade de origem, uma visão que, ainda hoje, em democracia, repercute nas políticas migratórios do Estado português.

Palavras-chave: regressos portugueses; movimentos transatlânticos e europeus; política ditatorial

Abstract

This article aims to analyse how the return of emigrants (or their intention to return) was conceived by Estado Novo. Studies on return have focused on the period after 25th April 1974 and, although after the Second World War there were movements of return, it is considered that there was no clear return policy. The purpose of this article is to show that, despite the lack of this policy, the question of the return was present in the thinking and institutional actions of the Portuguese dictatorship. Using historical sources, it is intended to demonstrate, on the one hand, that the rationality applied in the management of legal exits from 1945 onwards reveals a concern with managing the flow of desired and undesired returns. On the other hand, emigration to European countries made it possible to reconsider the role of returnees, within the framework of changes in the institutional mentality about their usefulness in the society of origin, a vision that, even today, marks that of the Portuguese State on the return of emigrants.

Keywords: Portuguese returns; Transatlantic and European moments; dictatotial politics

Introdução

Este artigo procura contribuir para o debate sobre o papel do Estado de origem no enquadramento do movimento de regresso de emigrantes residindo em países transatlânticos e europeus. Pretende-se aqui compreender o modo como a ditadura portuguesa concebia a manutenção dos laços com as comunidades de emigrantes e colocava o regressado como ator do desenvolvimento socioeconómico do país de origem, preocupações que ainda se verificam nas políticas atuais de regresso.

Os anos 1970 são perspetivados pela literatura como um marco importante na determinação de políticas de regresso, sugerindo a ausência de uma intencionalidade de enquadramento estatal deste movimento durante o período ditatorial. Este artigo quer reconsiderar a pertinência deste marco temporal e conferir a existência de um interesse estatal no acompanhamento deste movimento durante o Estado Novo. Os anos 1970 e 1980 foram marcados pelos retornos massivos e forçados decorrentes do processo de descolonização e, também, das políticas imigratórias europeias mais restritivas à presença de estrangeiros nos seus territórios e incentivadoras ao regresso (Pires, 1984; Delaunay, 2019; Poinard, 1983; Silva, 1984). A partir destes contextos tensos, num quadro mais alargado de crise económica nacional e internacional, foi repensado o papel do Estado de origem na relação com os emigrantes, em geral, e no enquadramento dos regressos, em particular.

O objetivo era proporcionar condições de acolhimento e planear a reintegração socioeconómica para “rentabilizar” a vinda dos regressados para Portugal enquanto atores axiais do desenvolvimento socioeconómico nacional (Oliveira et al., 2016; Poinard, 1983). Desde então, este papel manteve-se até a atualidade, por intermédio de programas de estímulo ao regresso dos emigrantes mais capacitados para facilitar a reintegração bem-sucedida em Portugal (por exemplo, o atual Programa Regressar, cf. Pinho at al., 2022, deste número). Os regressos dos anos 1970 e 1980 obrigaram a repensar o papel do Estado no regresso dos emigrantes. Porém, a construção desta função partiu de uma experiência prévia de gestão da emigração transatlântica e europeia que incluiu os movimentos de regresso, uma constante da experiência migratória portuguesa apesar de serem por vezes difíceis de traçar e poucos estudados.

Isabel Tiago de Oliveira (2007) desmistificou a ideia de que a emigração portuguesa provocou uma hemorragia demográfica para a sociedade portuguesa, ao evidenciar a dinâmica dos movimentos de regresso e de remigração entre 1890 e 1939. Por seu turno, Marcelo J. Borges demonstrou em que medida o projeto emigratório português para a Argentina, desde o século XIX até aos anos 1930, se inseriu numa tradição antiga de migração pendular e sazonal, apesar da distância geográfica entre o emigrante e Portugal (Borges, 2018). A emigração e o regresso inscreviam-se num projeto familiar e de ascensão social, com uma temporalidade e uma circularidade variáveis. Jorge Fernandes Alves apontou igualmente a importância de analisar o movimento de regresso como parte integrante do processo migratório, a despeito da sua pouca visibilidade nos discursos políticos portugueses durante o século XIX, mais interessados na análise das causas e dos impactos da “sangria demográfica” provocada pela emigração. Alves confirma a presença de uma diversidade de perfis de regressados do Brasil (de fracasso, de conservadorismo, de jubilação, de inovação) e reitera a pertinência em não cingir o regresso aos bem-sucedidos, ou seja, aos “brasileiros” ricos e filantropos (1994, p. 22).

Estas abordagens justificam que sejam repensadas e avaliadas as várias formas de regresso e que se inscreveram em ciclos migratórios distintos antes de 1974. Esta posição é corroborada pelos estudos mais atuais sobre o regresso, que evidenciaram a complexidade do objeto de estudo e a necessidade de multiplicar as abordagens científicas possíveis (Oliveira et al, 2016). Dentro delas, está intrínseca a importância de olhar para o processo migratório na sua íntegra, para o papel dos Estados de origem no seu delineamento e na sua concretização. A pertinência em abordar esta perspetiva já foi levantada nos casos espanhóis e italianos, e até mexicanos (Douki, 2013; Lázaro, 2015; Enciso, 2017), uma vez que as suas políticas emigratórias assumiram a vontade de um controlo estatal sobre o processo migratório, desde a saída até ao eventual regresso dos emigrantes. A determinação das políticas de regresso pelos Estados de origem parece ter sido um processo longo e acompanhou o envolvimento destes Estados nas mobilidades, em geral na vida económica e social nacional. A situação de fragilidade de emigrantes no estrangeiro em contexto de instabilidade e de crise política e económica também poderá ter facilitado o questionamento do papel dos Estados de origem na proteção dos seus cidadãos no estrangeiro e estimulado políticas de enquadramento de regresso (Enrica, 2017; Lázaro, 2015). Se olharmos para as várias formas do regresso (temporário/pendular, definitivo, pacífico e bem-sucedido, regressos forçados) e pela intencionalidade governamental em controlar todas as fases do processo emigratório, é legítimo questionar se o regresso não estaria já na preocupação do governo português durante a ditadura.

Em Portugal, a preocupação estatal no regresso e no seu impacto a nível interno já existia desde o século XIX, ao estar implicitamente presente nas diretivas sobre a organização e a vigilância das saídas e das atividades da intermediação. No entanto, os estudos sobre as políticas emigratórias portuguesas adotadas até 1974 não colocaram o regresso como objeto de análise, porquanto se centravam na identificação dos interesses em jogo, das causas e dos impactos socioeconómicos da emigração em Portugal, assim como nos mecanismos e nas práticas administrativas reguladoras das saídas, em que o Estado e as suas instituições públicas ganharam destaque enquanto principais gestores (Pereira, 1983; Leeds, 1984; Pereira, 2012; Santos, 2014). A partir destas perspetivas, evidenciaram-se os interesses nacionais. Entre eles se destacava a correção do excesso demográfico, a luta contra as práticas irregulares de saídas, a manutenção de uma mão de obra necessária no território para garantir a produção económica nacional ou de indivíduos para cumprir o serviço militar, finalmente a atração pelas remessas dos emigrantes (Lains, 2003, pp. 156-166; Baganha, 1988, p. 123; Pereira, 2012, pp. 76-98).

Se o movimento de regresso fez parte integrante do projeto migratório, e apesar dos dados estatísticos oficiais confirmarem o nível aparentemente reduzido desde o fim da Segunda Guerra Mundial (Silva, 1984, pp. 49-60), justifica-se questionar como é que ele foi entranhado pelo Estado e pelas suas instituições. Como é que a preocupação do controlo sobre todo o processo migratório poderá ter impactado o regresso? Em que medida a posição do Estado português poderá ter sido alterada de acordo com o destino e as formas de aproveitamento da emigração para a sociedade e a economia portuguesa?

A escolha da análise do pós-Segunda Guerra Mundial permite evidenciar o posicionamento do regime ditatorial português perante dois tipos de correntes migratórias, com imperativos nacionais distintos e com uma relação temporal tradicional diferenciada ao regresso. Por um lado, a emigração transatlântica, que esteve ligada a um projeto nacional assente no modelo económico salazarista dos anos 1950 e a um projeto migratório duradouro. Por outro, a emigração europeia, perspetivada como de curta duração, terá servido de estímulo ao questionamento do status quo económico nacional. Apesar de se reconhecer o impacto importante da emigração irregular em Portugal, não devemos minimizar o peso e o significado das saídas legais na política de emigração. A análise da saída legal permite compreender o tipo de regresso perspetivado e desejado pelo governo português, assim como o seu grau de envolvimento no enquadramento dos regressos múltiplos. De facto, a análise do regresso posicionar-se-á a partir de definições estabelecidas pelas instituições públicas portuguesas, desde a regressos definitivo, temporário, sazonal ou pendular a movimentos propiciados por situação de precariedade familiar e socioeconómica (a repatriação). A periodicidade da estadia no estrangeiro, as motivações individuais registadas pelas instituições públicas e os meios disponibilizados para organizar o regresso determinam as diferentes categorias de regresso.

Ao longo do artigo, demonstraremos que a subjugação do emigrante aos interesses nacionais e o controlo sobre o seu perfil tiveram como propósito assegurar a saída dos indivíduos considerados mais capacitados à experiência e ao sucesso do projeto emigratório, de maneira a proporcionar um regresso bem-sucedido e evitar um retorno indesejado, nomeadamente pela via da repatriação. Evidenciaremos igualmente que a preocupação do regresso e dos seus impactos na sociedade de origem estiveram sempre assentes na organização da emigração portuguesa para os países europeus, num contexto de tensões internas para a reconversão da estrutura económica e a industrialização do país. A proximidade geográfica dos países europeus levou a que os emigrantes mantivessem a ligação com o país de origem e ativa a ideia do regresso. Nela esteve presente nas opções tomadas na organização da emigração legal e ajudou a redefinir o papel do emigrante na sociedade portuguesa. A partir dessa reformulação a função do emigrante bem-sucedido e regressado foi modernizada, ao ser claramente considerado como ator central do desenvolvimento socioeconómico do país de origem, uma função que se mantém ainda hoje.

A realização deste trabalho baseia-se na consulta e no confronto de três arquivos principais de instituições diretamente envolvidas nas questões migratórias durante o regime ditatorial, entre 1945 e 1974: os arquivos do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) e do Ministério do Interior (MI), bem como o arquivo da Junta da Emigração (JE), por ser o órgão de coordenação económica responsável pela execução, no quotidiano, da política emigratória salazarista de 1947 até 1970. A análise quantitativa dos movimentos emigratórios baseia-se na consulta dos boletins da JE (1955-1969) e do Secretariado Nacional da Emigração (1970-1974). O estudo do regresso limitar-se-á, por um lado, aos países transatlânticos, uma vez que estes boletins providenciam informações, muito escassa, sobre este movimento proveniente dos países europeus. Por outro, as estatísticas utilizadas neste artigo nem sempre permitem realizar uma análise contínua e completa do regresso desde os países transatlânticos, faltando anos, definição de categorias ou informação mais pormenorizada por cada país de destino.

1. Selecionar o emigrante para evitar o regresso indesejado: a emigração transatlântica dos anos 1950

O Estado Novo não determinou uma postura política aberta e estimuladora ao regresso, tal como se verifica com as políticas atuais. Quer se tenha recorrido um regresso bem ou mal sucedido, o enquadramento oficial para a reintegração dos emigrantes portugueses na sociedade de origem tão-pouco foi prioridade clara das políticas ditatoriais1. Porém, a falta direta dela não impediu que o regresso e os seus impactos na sociedade de origem não estivessem nas preocupações das autoridades portuguesas. Esta preocupação verificou-se logo na Constituição de 1933, que restringia a liberdade individual de emigrar aos interesses socioeconómicos nacionais. A sujeição do indivíduo emigrante acentuava o caráter útil deste fenómeno, a realizar de acordo com as prioridades nacionais e com as políticas imigratórias dos países de acolhimento. A partir daí, determinaram-se regras de seleção abaixo referidas e alicerçadas numa máquina administrativa articulada pela JE desde 1947 para controlar todos os momentos da emigração, desde a saída até ao hipotético regresso a Portugal2. O regresso indesejado de uma emigração mal sucedida, que se podia transformar num encargo, devia ser evitado de maneira a aumentar, em contrapartida, as probabilidades de garantir um regresso bem-sucedido caso se proporcionasse.

Este organismo veio assumir o papel principal na organização das saídas (Santos, 2014, pp.142-154). O domínio sobre o processo migratório exigia a utilização de uma rede pública oficial e repartida no território nacional e no estrangeiro (câmaras municipais e rede consular). O envolvimento dos organismos corporativos na organização da emigração só se realizou mais tardiamente, nos anos 1960. Dois objetivos eram considerados prioritários antes de optar pela solução da emigração para aliviar a pressão demográfica nacional (Bandeira, 1996, p. 153) e evitar, assim, situação de desemprego e de tensões sociais3: assegurar uma mão de obra suficiente para a realização das obras públicas e dos projetos de colonização branca em África (Santos, 2014, pp.127-131). A vontade governamental de reforçar a colonização branca tinha ganhado maior peso nas políticas de gestão do excesso populacional (Castelo, 2007, p. 127), ao ponto de determinar mecanismos legais que desincentivassem a emigração para os países estrangeiros. O I Plano de Fomento estimava, aliás, que uma média anual máxima de 30000 indivíduos podia sair do país, sem que fosse prejudicada a situação demográfica portuguesa e, consequentemente, garantir mão de obra suficiente para a economia nacional, incluindo nas colónias.

Ao mesmo tempo, a JE tinha de ter em consideração as políticas imigratórias e as condições de vida e de trabalho oferecidas no estrangeiro. O conhecimento produzido sobre a situação da comunidade portuguesa no estrangeiro, com o Brasil como principal país em análise, demonstrava a preocupação das autoridades portuguesas em garantir uma emigração de sucesso, dentro das condições por vezes difíceis (entre outros, na inserção dos trabalhadores migrantes no mercado de trabalho ou no envio de remessas a partir de 1952)4. No Brasil, a entrada pela emigração espontânea mantinha-se limitada desde a instauração do governo provisório e da Constituição brasileira de 1934 durante a Era Vargas (1930-1936). Até 1950, a lei das cotas de 1934 restringia a entrada anual a 2% sobre o número de nacionais entrados no país entre o dia 1 janeiro de 1884 até ao dia 31 de dezembro de 19335. Outra dificuldade estava na rigidez da aplicação do regulamento sobre imigração no Brasil, que obrigava os agricultores imigrantes a trabalhar no mesmo setor de atividade, apesar de estarem principalmente interessados em trabalhar nos espaços urbanos. De acordo com a política económica brasileira e com as recomendações internacionais sobre imigração e povoamento, a política imigratória privilegiava também a vinda de famílias migrantes inteiras para colonizar as terras agrícolas e reservava o acesso aos empregos das cidades aos nacionais brasileiros e à mão de obra qualificada estrangeira (Damilakou e Venturas, 2015, pp. 300-301; Santos, 2018).

Perante a política de imigração brasileira, Portugal recusava servir os projetos de colonização agrícola e deixar sair uma mão de obra especializada e qualificada, considerada necessária ao país. Ao medo do rompimento do vínculo entre os emigrantes e o país de origem vinham juntar-se os problemas de integração dos emigrantes nas terras agrícolas, que a experiência com os emigrantes italianos, ao provocar um movimento de regresso, tinha evidenciado. Esta realidade demonstrava as fragilidades brasileiras e a sua incapacidade em garantir as condições necessárias para a instalação e o desenvolvimento da atividade agrícola6. Apesar das dificuldades, a JE não deixou de organizar uma emigração dita espontânea ou livre (não subsidiada) preferencialmente orientada para os países da América Latina, com o Brasil como principal destino, sem ultrapassar muito os valores determinados no Plano de Fomento. Se olharmos para as estatísticas oficiais no gráfico 1, a saída legal raramente ultrapassou o quantitativo estimado pelo I Plano de Fomento, a partir de 1953.

Fonte: (MI) - JE (1964), Boletim da Junta da Emigração. Ano de 1963, Lisboa: JE, 15 e 17.

Gráfico 1 Saída legal dos emigrantes portugueses segundo o destino, 1944-1964 

A seleção baseava-se nas redes migratórias construídas entre Portugal e o Brasil, que deviam ser capazes de garantir aos indivíduos a sua manutenção e o seu sustento através dos familiares e dos conhecidos já instalados no Brasil.

A preocupação com o tipo de regresso esteve também subjacente na opção governamental em não favorecer uma emigração europeia durante os anos 1950. A literatura já identificou as reticências governamentais em desenvolver uma emigração legal para França (Pereira, 2012, pp. 43-46, 148 e pp. 307-311). Contrariamente aos outros destinos, os candidatos à emigração para França eram obrigados a possuir o nível escolar da 3ª classe, o que limitava muito a saída legal, e, em contrapartida, favorecia a via irregular. O principal objetivo deste condicionamento era justificado pelo medo da contaminação comunista e sindical, que poderia transformar os emigrantes portugueses em indivíduos mais reivindicativos, com um comportamento social considerado inadequado aquando do regresso ao país de origem (Pereira, 2012, p. 206). A título de exemplo, podemos confirmar que os efeitos negativos de um regresso hipotético provindo de França eram tidos em consideração para orientar os movimentos migratórios e dar preferência a destinos considerados mais adequados.

De acordo com as funções da JE, de controlo de todas as fases do processo emigratório, o movimento de regresso e organizado depois de um ano de estadia no estrangeiro era suficientemente relevante para ser registado anualmente, apesar da sua grande diferença com os valores de saída, tal como consta no gráfico 2. Segundo este gráfico, o movimento mais significativo de regresso registou-se entre 1945 e 1950, em reação às dificuldades da Segunda Guerra Mundial. A partir de 1951, os regressos definitivos registados mantêm-se residuais.

Fonte: Ministério do Trabalho - Secretariado Nacional de Emigração (1975), Boletim do Secretariado Nacional da Emigração, Ano de 1975, Lisboa: SNE, 4-5.

Gráfico 2 Movimento de saída legal e de regresso definitivo, para todos os destinos, 1945-1964 

Além deste regresso definitivo, registou-se igualmente o regresso temporário, caracterizado por uma viagem turística ou de visita ao local de origem (ver abaixo gráfico 3). O ato de registar o movimento de regresso não assistido e pago pelo próprio emigrante deve ser interpretado como uma forma de vigilância policial sobre a população portuguesa em movimento. As idas e as voltas tinham de ser autorizadas pela JE, com a intenção de evitar a emigração irregular e transgressões cometidas pelas companhias de navegação (Santos, 2014, pp. 130-145). Esta atividade também permitiu acumular um conhecimento acerca dos comportamentos migratórios dos emigrantes portugueses a partir dos quais se podiam avaliar as condições de vida e de trabalho no estrangeiro e, consequentemente, afunilar as regras legais de saída, ao ponto de proibir ou de restringir as saídas, se necessário, para determinados países dos emigrantes não ou mal preparados.7

Em paralelo, a repatriação dos emigrantes, ou movimento assistido (ver abaixo gráfico 3), procedente dos países transatlânticos, também foi registada. Já desde 1919, o governo português tinha assumido o dever de proteção e de assistência social aos emigrantes em situação de precariedade socioeconómica através da repatriação, uma linha de conduta mantida pelo Estado Novo. A repatriação proveniente dos países transatlânticos foi realizada na base de um sistema que garantia o compromisso das companhias de navegação na organização do regresso. Ao ser-lhes concedida a autorização de transportar emigrantes portugueses na ida, estas companhias eram obrigadas a repatriar uma percentagem de portugueses, mediante passagens gratuitas ou com desconto. Por sua vez, o governo português podia contribuir financeiramente. Porém, esta assistência oficial tinha um preço para o repatriado: a obrigatoriedade do reembolso dos custos associados, e a dificuldade administrativa acrescentada para poder remigrar depois da chegada a Portugal (deferimento condicionado ao parecer do consulado que repatriou), por ser considerado um indivíduo inapto à emigração. Estas duas condicionantes devem ser vistas como um meio para limitar os pedidos da repatriação. A proibição da remigração levou a que, provavelmente, muito desses indivíduos recorressem à via clandestina para sair do país.

Os gráficos 3, 4 e 5 dão conta do quantitativo dos diferentes regressos desde os países transatlânticos, do tempo de estadia no estrangeiro dos emigrantes regressados definitivamente assim como da sua situação.

Fonte: MI - JE, Boletim da JE, de 1952-54 a 1964, Lisboa: JE.

Gráfico 3 Diferentes formas de regressos por via marítima em 3ª classe, desde os países transatlânticos, 1950-1964 

Os países transatlânticos: continente americano, África do sul. O regresso temporário aqui referido é de novo uma categoria da JE referente aos emigrantes que decidiram regressar no seu país de residência depois de uma estadia de longa ou curta duração em Portugal. Os dados estatísticos não identificam o tempo da permanência em Portugal.

Fonte: MI - JE, Boletim da JE, de 1955 a 1964, Lisboa: JE.

Gráfico 4 Tempo de permanência, no estrangeiro, dos emigrantes regressados definitivamente, entre 1955 e 1964 

Fonte: MI - JE, Boletim da JE, de 1955 a 1964, Lisboa: JE.

Gráfico 5 Emigrantes legais regressados definitivamente de acordo com a situação económica, social e familiar no estrangeiro, 1953-1964 

A JE não define claramente as características de cada situação referida. Porém, sabemos que são determinadas de acordo a situação económica dos emigrantes. (Ano de 1953, p. 137)

Os movimentos dos regressos apresentados nestes três gráficos permitem desmistificar a visão sobre a emigração para os países transatlânticos (que inclui os países da América do Norte e do Sul, com uma representatividade significativa do Brasil). Ela confirma o quantitativo reduzido dos regressos registados como definitivos e, em contrapartida, a maior representatividade dos regressos temporários. Estes dados vêm também pôr em causa a ideia de uma longa temporalidade da experiência migratória com contacto reduzido com Portugal e tradicionalmente associada à emigração transatlântica. De acordo com os gráficos 4 e 5, o regresso definitivo revela sobretudo uma experiência migratória de pouca duração e realizada a partir dos anos 1940, em que a maioria deles regressa com uma situação regular. Neste sentido, podemos afirmar que a emigração dos anos 1950 para os países transatlânticos perpetuaram padrões evidenciados por M. J. Borges e associados a um projeto de ascensão socioprofissional.

Quando o projeto migratório falhava, e perante a impossibilidade do regresso ao país pelos seus próprios meios, restava às autoridades portuguesas assegurar a repatriação, baseado num trabalho prévio de seleção nos consulados. De acordo com o gráfico 3, o número de repatriados ficou muito reduzido. Esta situação pode ser explicada por vários motivos: uma boa gestão das saídas legais pela JE e a utilização de alternativas pelos emigrantes, tendo em consideração as condicionantes impostas pelo governo português no acesso à repatriação, finalmente no indeferimento de muitos pedidos que só uma análise aprofundada dos processos da repatriação poderia confirmar. Olhando para as causas da repatriação, verificamos uma diversidade de motivações no gráfico 6.

Fonte: MI - JE, Boletim da JE. Anos de 1955 a 1964, Lisboa: JE.

Gráfico 6. Principais causas da repatriação, 1948-1964 

A prioridade foi dada aos doentes e aos idosos. A repatriação por experiência migratória falhada é mais difícil de evidenciar, mas supõe-se estar integrada na categoria de indigência, de desemprego ou má remuneração, e na categoria inadaptação. Finalmente, convém referir que a repatriação dos indivíduos que acompanham familiares, assim como na categoria outras causas, representa um número significativo de repatriados. Além das dificuldades inerentes à integração socioeconómica do emigrante, a instabilidade socioeconómica e o endurecimento das políticas imigratórias do Brasil e da Venezuela no início dos anos 1960 foram também fatores que fragilizaram a situação dos emigrantes portugueses. De acordo com as estatísticas oficiais, a repatriação por desemprego/má remuneração aumentou constantemente até chegar a ser o principal motivo da repatriação em 1963 e 1964, ao ponto de levar as autoridades portuguesas recorrer à remigração para a Venezuela, para as colónias africanas, ou para França8.

2. A emigração para os países europeus e a reconfiguração do pensamento estatal sobre o regresso

A saída para os países europeus veio corresponder a novos objetivos económicos nacionais. A temporalidade da experiência migratória e do momento do regresso era percecionada de maneira distinta em comparação com a emigração transatlântica, ao pressupor uma estadia de curta duração nos países europeus, facilidades de regresso definitivo devido à redução das distâncias geográficas ou maior circularidade sem ter de abdicar das condições de emprego oferecidas por um país industrializado (Antunes, 1966, p.12). Dadas as suas características, a emigração portuguesa para os países europeus e os seus novos parâmetros obrigaram a rever a política adotada desde 1947. O modus operandi na organização das saídas e a relação do emigrante com a sociedade de origem, foram questionados, apesar das reticências da JE. Perante as pressões exercidas pela ala modernizadora do governo, o organismo continuava a querer manter um sistema que lhe permitisse ter um controlo numérico sobre a emigração em geral, sobre a saída da mão de obra especializada e qualificada e sobre o reagrupamento familiar.

Nenhuma indicação, nas fontes arquivísticas, permite afirmar que a questão do regresso tivesse sido uma prioridade da JE para determinar o perfil do potencial emigrante. Ao problema do regresso indesejado de trabalhadores repatriados em situação de precaridade socioeconómica, os acordos de emigração e as convenções sobre a segurança social colocavam na entidade patronal estrangeira uma maior responsabilidade na garantia das condições de trabalho ou na procura de emprego alternativo9. Esta situação permitia que as autoridades portuguesas tivessem menos responsabilidade em caso de regressos forçados. A prioridade da JE estava sobretudo no controlo dos efeitos da saída, em particular nas tensões nacionais que a emigração e a perda de mão de obra em determinados setores de atividade poderiam provocar (agricultura, alguns setores industriais). Permanecia, no entanto, o medo da contaminação da população portuguesa às ideias comunistas e sindicais a partir dos regressados de França. A JE não deixou também de procurar desenvolver outros fluxos migratórios europeus que garantissem o regresso regular dos emigrantes ao local de origem e que reduzissem a emigração irregular para França. Segundo Michel Poinard, as políticas imigratórias europeias, ao negar a instalação definitiva no país de destino, tinham levado os países de origem a pensar formas de garantir uma rotação dos trabalhadores migrantes entre os dois Estados (1983, pp.29-30).

Em 1964, a JE incentivou a assinatura de um acordo de emigração com a República Federal Alemã (RFA)10. O interesse explicava-se porque a RFA rejeitava ser considerado como um país favorável à emigração definitiva dos emigrantes trabalhadores e das suas famílias, que passava pela presença permanente na sociedade de acolhimento e pela exclusão de um regresso ao país (Triadafilopoulo e Schönwalder, 2006)11. Pelo contrário, o acordo possibilitava a organização de uma emigração temporária e pendular, que assegurasse a manutenção dos laços com o local de origem12. O acordo devia igualmente permitir o regresso de uma mão de obra necessária no local de origem, com competências profissionais reforçadas e adquiridas no estrangeiro, enquanto reduzia as tensões sociais e o desemprego sazonal.

Ao mesmo tempo que a JE procurava manter o seu sistema de organização das saídas, afirmou-se, dentro do governo português, uma nova conceção da função da emigração defendida pela ala mais modernizadora (do Ministério das Corporações e da Previdência Social-MCPS) e que vinha romper com os objetivos e as projeções do I Plano de Fomento (Pereira, 2012, pp. 57-95). As saídas irregulares e descontroladas vieram questionar as suas causas e os seus impactos socioeconómicos nacionais assim como a racionalidade adotada na organização da emigração legal. A rentabilidade da emigração para a economia ficou no centro dos debates sobre as políticas sociais e económicas nacionais, as quais apostavam na maior abertura às relações externas e na industrialização para chegar ao desenvolvimento económico português. A emigração era considerada necessária enquanto se mantivesse o subemprego e o desemprego nas zonas de maior pressão demográfica, até reduzir as diferenças salariais entre Portugal e os restantes países da Comunidade Económica Europeia (CEE) enquanto os setores agrícola, industrial e comercial fossem incapazes de absorver a mão de obra excedentária13. Com o propósito de garantir o crescimento económico, impossível sem o equilíbrio do mercado de trabalho, a transferência rápida da mão de obra agrícola para a indústria e os serviços tornava-se imprescindível, sustentada pela criação urgente de emprego e pelo desenvolvimento da formação profissional. Neste sentido, uma política ativa de mão de obra devia conjugar política de emprego e de emigração.

Embora de forma ainda muito tímida, a ala modernizadora também questionou o impacto do regresso na economia portuguesa, o que permitiu sustentar as críticas à gestão da emigração legal pela JE. A imprevisibilidade da corrente emigratória e a dependência do movimento quanto à procura de mão de obra nos países europeus impediam, segundo Mário Murteira, funcionário do Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra do MCPS (FDMO-MCPS), determinar um raciocínio claro sobre a situação do momento e fazer projeções. M. Murteira já antevia, embora de forma leve, a possibilidade de contar com um regresso massivo de emigrantes, que justificava ainda mais a necessidade de integrar a emigração dentro da política de emprego. Esta política devia ser operacionalizada pelo Serviço Nacional de Emprego (SNE) e a partir de um trabalho interministerial (MI, MCPS, MNE), de maneira a realizar uma emigração de acordo com a política económica e social, mas também para fomentar o regresso de emigrantes (Murteira, 1965, p. 265; 1966, p. 115). Pelo seu lado, Maria Antunes, também do FDMO-MCPS, veio reforçar a posição de Mário Murteira, ao apontar alguns efeitos negativos possíveis aquando do regresso perante os impactos mitigados da emigração em Portugal14: na inadaptação do emigrante que, de acordo com a formação e a experiência profissional adquirida, podia estar impossibilitado de aplicar os seus conhecimentos em Portugal, dada a falta de oportunidades de emprego no local de regresso e, ao mesmo tempo, provocar o seu desenraizamento (Antunes, 1966, p. 19).

No âmbito dos trabalhos desenvolvidos para a elaboração do III Plano de Fomento, as conclusões das reuniões do Conselho de Ministros de 1964-1965 vieram confrontar perspetivas opostas e ajudar a delinear os contornos de uma nova política de emigração15. Apesar dos efeitos conturbados da emigração, a ala modernizadora defendia a liberalização progressiva e cautelosa do movimento. O objetivo era diminuir os valores da emigração irregular e aperfeiçoar o sistema de seleção para deixar sair exclusivamente os elementos considerados “inúteis” para Portugal, que eram oriundos principalmente da agricultura, e para manter a mão de obra qualificada no território nacional. Esta racionalização do capital humano era considerada preferível para atenuar os possíveis impactos negativos sobre os setores de atividade economicamente mais frágeis.

Para tal, as mudanças administrativas eram necessárias, através da reformulação das funções da JE, bem como da sua rede de colaboradores (as câmaras municipais), e do reforço da responsabilização do MCPS, SNE e dos órgãos corporativos, para uma boa adequação entre a política de emprego e de emigração16. O movimento emigratório devia servir de fator de pressão para a modernização e a racionalização dos meios de produção nos setores de atividade. Este processo de transformação devia ser acompanhado de perto pelas instituições regionais do Estado para avaliar as suas consequências sobre a mão de obra e para orientar os pedidos de trabalhadores nacionais para determinadas regiões e categorias profissionais, sempre com a finalidade de limitar os prejuízos ao interesse nacional. Perante a visão mais moderna da emigração, a JE continuava a defender a contenção numérica e qualificada das saídas a partir da sua rede de colaboradores públicos que davam autorização à saída legal a partir de critérios subjetivos que as elites locais tinham sobre as vantagens e os inconvenientes económicos da emigração.

Apesar das resistências da JE, a liberalização cautelosa do movimento migratório foi executada a partir de 196617. Dificilmente conseguimos medir o seu impacto, uma vez que os valores de saída legal de 1965 (89056) e de 1966 (120239) incluem emigrantes regularizados pelas autoridades portuguesas após terem saído irregularmente18. Porém, foi a partir de 1966, Portugal começou a ressentir os primeiros efeitos da retração do mercado de trabalho europeu. Excecionalmente, a JE registou, no ano seguinte, a repatriação de 1231 de emigrantes portugueses a partir da França19. Muito dos emigrantes na RFA ficaram também em situação de precariedade, tendo tido a opção de regressar a Portugal sem custos (suportados pela entidade patronal alemã) ou de se manter no estrangeiro com o subsídio de desemprego equivalente a 60% do seu salário até arranjar um novo contrato de trabalho, mas sem direito ao alojamento fornecido pela entidade patronal20. Esta ameaça de regresso foi vista, pela JE, como um sinal e uma justificação para limitar drasticamente as saídas legais a partir de abril de 1967 e pôr um fim ao levantamento das condicionantes de 1966. Mais do que uma resposta ao aumento da precariedade dos emigrantes no estrangeiro e à ameaça de um regresso massivo (Pereira, 2012, pp. 223-235), a decisão da suspensão temporária da emigração, em maio de 1967, tal como foi evidenciado por Victor Pereira, teria sido causada pelo aumento da contestação das elites agrícolas e industriais face à liberalização da emigração legal e às falhas na repressão das saídas irregulares. Do lado do MCPS, esta tomada de decisão foi vista, mais uma vez, como um meio para travar o processo de modernização do tecido industrial e agrícola nacional (Santos, 2014, p. 362).

Em 1969, e no seguimento das recomendações de 1964-1965, tinha-se como propósito dar um passo importante na reforma da política de emigração. As saídas tinham de ser liberalizadas, mas realizadas dentro dos acordos de emigração que deviam ser renegociados. A adequação da política de emprego com a política de emigração era claramente assumida, e o governo colocava exclusivamente nas mãos do SNE a articulação das saídas com o Secretariado Nacional de Emigração que a sua criação, em 1970, tinha posto fim às atividades da JE e das Câmaras Municipais. De 1969 a 1974, o regresso dos emigrantes continuava a ser assumido como provável, dada a constatação de uma próxima saturação do mercado europeu de mão de obra. Considerando as políticas imigratórias aplicadas, a entrada de trabalhadores emigrantes irregulares começava a ser dificultada no início dos anos 1970 (Viet, 1998; Spire, 2005, pp. 240-241). O regresso continuava a ser receado perante a lentidão na reconversão do tecido produtivo português e da sua modernização, que ameaçava dificultar a reinserção profissional dos emigrantes portugueses regressados, de acordo com as competências profissionais adquiridas e as expectativas salariais. O projeto do IV Plano de Fomento (1974-1979) vinha confirmar estes receios.

O reencaminhamento desta mão de obra para as colónias africanas, ou a remigração, ainda era apresentado como uma alternativa para aliviar os impactos do regresso em Portugal21. A integração do espaço colonial como zona potencial de redireccionamento dos emigrantes regressados integrava-se num projeto mais vasto de racionalização da mão de obra portuguesa no território nacional e de política de emprego concertada entre o espaço nacional e colonial. Porém, tinha-se consciência das vulnerabilidades estruturais e conjunturais coloniais que as tornavam pouco atraentes, tal como a dificuldade em assegurar as condições salariais equiparáveis às dos restantes países europeus industrializados, apesar dos esforços nacionais de investimento22. Por outro lado, e apesar do trabalho de propaganda realizada junto dos emigrantes para estimular a ida para as colónias, este esforço não pareceu ter sido suficiente.

O IV Plano de Fomento veio também consolidar a posição do reforço necessário dos laços com os emigrantes portugueses, numa intenção de colocar a população, emigrantes incluídos, como participante ativo para atingir o bem-estar social em Portugal. Tratava-se de consolidar as vantagens financeiras e socioeconómicas da emigração e preparar os emigrantes para um eventual regresso ao local de origem. Os mecanismos de manutenção dos laços passaram nomeadamente pela negociação de acordos e de convenções com as autoridades estrangeiras para garantir a proteção dos emigrantes, pelo reforço da presença da rede consular, em particular em França, assim como pelo aumento do apoio social e cultural, nomeadamente através da organização de cursos de língua portuguesa23. Neste aspeto, esforços significativos foram realizados com o Secretariado Nacional de Emigração, nomeadamente por meio da ação dos funcionários nos consulados portugueses (Pereira, 2012, pp. 342-350). Previa-se finalmente a construção e o desenvolvimento de meios e instrumentos que pudessem facilitar as transferências de dinheiro para Portugal e tornar os emigrantes atores centrais de mudança e corretores das desigualdades socioeconómicas regionais, ao adquirir uma capacidade produtiva no estrangeiro24. Esta prioridade poderá registar-se numa preocupação em garantir o envio das remessas devido às reconsiderações, da parte das autoridades francesas, de limitar as possibilidades de envio de dinheiro para o estrangeiro e à conjuntura económica instável que precedia à crise petrolífera de 1973 (Pereira, 2012, p. 66).

Conclusão

Os anos 1970 foram um momento importante na redefinição do papel do Estado português na emigração e no repatriamento, devido à complexidade da gestão da situação socioeconómica em crise e do processo de descolonização, que gerou o regresso na urgência de milhares de colonos portugueses. A situação era tal que o governo chegou ao ponto de solicitar a contenção temporária aos emigrantes no regresso a partir dos países europeus até a situação do país melhorar (Pereira, 2014, p. 44). Esta transformação foi possível porque existiu uma predisposição a esta mudança. Houve uma intencionalidade de vigiar os regressos e, nalguns casos, de organizá-los, nomeadamente aquando da repatriação, durante o Estado Novo, apesar da inexistência de políticas claras de reintegração proporcionadas aos migrantes regressados com experiência migratória bem ou mal sucedida. Talvez esta situação se devesse à falta de um movimento quantitativamente significativo destes regressos, independentemente dos países estrangeiros de proveniência que obrigasse a repensar de forma profunda a função do Estado no regresso e na reintegração, tal como aconteceu com os retornados portugueses e o processo de descolonização.

A política de emigração dos anos 1950, marcada pelas saídas para os países transatlânticos, caracterizou-se pela preocupação da contenção numérica das saídas legais e de uma seleção de indivíduos, que tanto tinha de satisfazer as exigências estrangeiras como os imperativos nacionais. Os mecanismos administrativos e os condicionamentos construídos em Portugal pretenderam filtrar e deixar sair aqueles considerados mais capacitados, de maneira a garantir o sucesso do projeto migratório e sob a condição de preservar os interesses nacionais e locais. O regresso esteve integrado na execução da política de emigração, ao procurar evitar que voltasse um número relevante de emigrantes indesejados e sem condições económicas.

Durante os anos 1960, a ideia do regresso manteve-se. Porém, dificilmente se podia fazer projeções sobre os impactos da emigração em Portugal e do movimento de regresso, dentro de um contexto muito favorável às saídas. A questão do regresso não deixou de estar presente nos estudos sobre a emigração e sobre a política a adotar, e sobre o seu papel no desenvolvimento económico nacional. Conceber uma política de regresso privilegiando o emigrante como ator central das mudanças socioeconómicas nacionais nos anos 1970 e 1980 passou por uma alteração progressiva da mentalidade governamental ligada aos conceitos de desenvolvimento económico, de modernização e de bem-estar social da população. A regionalização da gestão socioeconómica do país foi importante para perceber o papel que o emigrante regressado poderia ter como agente de mudança do seu local de regresso, durante os anos 1970 e 1980 (Silva, 1984).

A natureza da emigração portuguesa para os países europeus, assim como o contexto socioeconómico nacional, permitiu o questionamento das suas causas e dos impactos conturbados e, consequentemente, a função da emigração na sociedade de origem. Ela passou pela alteração da visão da emigração como um fenómeno conturbado para Portugal, ao ponto de o considerar como imprescindível pela ala modernizadora, por abalar a estrutura socioeconómica tradicional e sustentar a necessária reconversão do tecido produtivo nacional. A preocupação do regresso dos emigrantes e da reinserção na sociedade de acolhimento deveu-se também ao debate e à preocupação em adotar um sistema de racionalização da mão de obra portuguesa.

O artigo confirmou também que, no âmbito da emigração portuguesa para os países europeus e, ao longo dos anos 1960, a temática do regresso e dos efeitos negativos possíveis de um movimento massivo foram utilizados como meio de pressão para adotar medidas sobre as saídas ou sobre políticas económicas e sociais nacionais. Podia servir tanto para restringir a liberdade de emigrar, satisfazendo assim os interesses da ala conservadora, que defendia o condicionamento migratório instaurado desde 1947, como para favorecer e pressionar a modernização da economia portuguesa e atingir o desenvolvimento económico defendido pela ala modernizadora.

Por último, verificamos o uso de estratégias políticas transversais às diferentes correntes e ciclos migratórios, para evitar o regresso. Além de confirmar a preocupação em gerir o regresso indesejado, podemos ver nesse esforço uma preocupação em procurar evitá-lo, ao operacionalizar a remigração entre países transatlânticos, europeus e colónias portuguesas.

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1 Exceção foi feita para os deslocados portugueses que, com a independência das colónias portuguesas na Índia em 1961, foram assistidos pela JE. Esta assistência incluiu a reintegração profissional em Portugal. In MI - JE (1964), Boletim da JE. Ano de 1964, Lisboa: JE, 145-148.

2Decreto-lei (DL)nº36558 do MI-Gabinete do Ministro. Diário do Governo (DG), Iª Série, nº250, 28 de outubro de 1947.

3“Proposta de Lei”, in Plano de Fomento. Proposta de lei. Propostas adicionais. Decreto da Assembleia Nacional. Pareceres da Câmara Corporativa. Programas de investimentos. Vol I e II, Ed. dos Ministérios da Economia e do Ultramar, 1953, p.14.

4Vice-cônsul de Portugal em Manaus Figueiredo da Cruz para Norton de Matos, Conselheiro Encarregado de Negócios - Embaixada de Portugal no Brasil, nº 5 - Proc 6, 23 de fevereiro de 1948. In Ministério dos Negócios Estrangeiros/Direcção Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas/Arquivo da Junta da Emigração (MNE/DGACCP/AJE), 5 - EEIR - 1: Assuntos de emigração. Informações e relatórios acerca dos países de imigração: Brasil - 1.

5DL nº7967 de 18 de Setembro de 1945, in Arquivo Histórico-Diplomático/Ministério dos Negócios Estrangeiros (AHD/MNE), 2º Piso - Maço 44 (7) - Armário 39: Emigração - 1946.

6“A colocação de imigrantes europeus na lavoura brasileira. Tenta-se envolver o CIME na repetição do erro de 1952”, in Constantino Ianni, Folha da Manhã, 17 de Novembro de 1956. AHD/MNE, 2º Piso - Maço 455 - Armário 66: Emigração e Imigração. 1957. Pasta 2: MNE - RQE - Proc 43,6: Diversos.

7Esta regra aplica-se a qualquer destino dos emigrantes (América, Europa), caso as condições não fossem consideradas como adequadas.

8António Manuel Baptista para a Direcção-Geral dos Negócios Económicos e Consulares, nº951/64-S, 28 de fevereiro de 1964, in AHD/MNE, EEA, Maço 139.

9Ver, por exemplo, o acordo de mão-de-obra assinado entre a França e Portugal assinado em 28 de janeiro de 1964, in Aviso do MNE - Direcção-Geral dos Negócios Económicos e Consulares, DG, Iª Série, nº33, 8 de fevereiro de 1964.

10Ofício da JE para a DGNEC-MNE, nº2399/63-S, 28 de junho de 1963, in AHD/MNE: EEA 135. 1960-1965.

11Ver também a análise portuguesa sobre a política alemã, no Ofício da Embaixada de Portugal em Bonn para o MNE, Proc. 4,4, nº345, 21 de setembro de 1963, in AHD/MNE: EEA 135. 1960-1965.

12Ver por exemplo a Convenção Geral entre Portugal e a França sobre segurança social e o Acordo sobre a prestação de abonos familiares aos trabalhadores migrantes, 8 de fevereiro de 1957, in AHD/MNE, Emigração - 43,13 - 1958: 2º Piso - Maço 558 - Armário 7: Repartição das questões económicas - Proc nº 43,13 - 1958: França. Pasta nº1: França - Diversos.

13“O regime legal e a situação de facto da emigração portuguesa na actualidade”. Parecer de Carlos Fernandes, DGNEC para a Comissão interministerial para o estudo dos problemas da emigração portuguesa, Lisboa, 15 de setembro de 1964, in AHD/MNE: EEA 134. 1963-1968.

14Como vantagens, Maria Antunes refere-se ao aumento e à melhor repartição do rendimento, da produtividade, do consumo e dos investimentos internos; à diminuição do desemprego/subemprego; ao equilíbrio da balança de pagamentos; finalmente à aquisição de qualificações profissionais e técnicas, e de uma mentalidade favorável ao desenvolvimento do país de origem. Sobre inconvenientes, são referidos os efeitos demográficos no desenvolvimento, o empobrecimento regional, as penúrias de mão-de-obra; a criação de novos ricos; a inadaptação do emigrante formado profissionalmente aquando do regresso.

15Ver os documentos, no AHD/MNE, pasta Emigração - Proc nº 43,11 - Ano de 1963 a 1968 - EEA - Maço 134: MNE - Repartição das Questões Económicas - Proc nº 43,11 Pasta nº 11.

16Ata-resumo nº7 da reunião da comissão encarregue do estudo dos problemas da emigração, Lisboa, 29 de outubro de 1964, in AHD/MNE: EEA 134. 1963-1968.

17Aboliu-se a obrigatoriedade das habilitações literárias e da ligação do 3º grau de parentesco para os contratos nominativos.

18Ministério do Trabalho, Secretaria de Estado da Emigração (1975), Boletim anual, 1974, Lisboa: SNE, 5.

19MI - JE (1968), Boletim da Junta da Emigração. Ano de 1967, Lisboa: JE, 144. No total foram 1256 emigrantes repatriados a partir dos países europeus (RFA, Países Baixos, Espanha, Itália, Luxemburgo) e de Marrocos.

20Ofício do consulado de Portugal em Düsseldorf para o MNE, nº 67DEE1/768, 24 de maio de 1967, in MNE/DGACCP/AJE, ref. 14.5/152, MNE-Repartição da Europa América-DGNE-Proc 41/POR/4.2.7.1/RFA Pasta 4. .

21Apreciação do Gabinete do Ministro do MNE acerca do relatório sobre os problemas da emigração, Lisboa, julho de 1969, in MNE/DGACCP/AJE, ref. 14.5/6. MNE - Repartição da Europa América/Direcção Geral dos Negócios Económicos - Proc nº 41/POR/4.2.2 -Pasta nº 1/A.

22Intervenção do Ministro do Ultramar sobre o Projeto de Resolução do Conselho de Ministros, s.d., in MNE/DGACCP/AJE, ref. 14.5/5, MNE - Repartição da Europa América/Direcção Geral dos Negócios Económicos - Proc nº 41/POR/4.2.2/Amnistia - Pasta 1.

23Presidência do Conselho (1974), Plano de Fomento: 1974-1979, volume 1, Lisboa: Imprensa Nacional, 139.

24Presidência do Conselho (1974), Plano de Fomento: 1974-1979, volume 1. Lisboa: Imprensa Nacional, 148, 154, 160.

Siglas

AHD: Arquivo Histórico Diplomático

AJE: Arquivo da JE

DG: Diário do Governo

DGACCP: Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas

DL: Decreto-Lei

FDMO: Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra

JE: Junta da Emigração

MCPS: Ministério das Corporações e da Previdência Social

MI: Ministério do Interior

MNE: Ministério dos Negócios Estrangeiros

RFA: República Federal Alemã

SNE: Serviço Nacional de Emprego.

Recebido: 02 de Agosto de 2021; Aceito: 18 de Abril de 2022

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