SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.44As crianças no planeamento urbano participativo: perceções institucionais a partir dos municípios de Almada e SintraAssimetrias sociais, habitats de aprendizagem e capacitação para o Mundo VUCA: a “Casa da Inovação” como estudo de caso índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES vol.44  Lisboa jun. 2022  Epub 15-Jun-2022

https://doi.org/10.15847/cct.26181 

ARTIGO ORIGINAL

Ocupação urbana e enfrentamento à violência contra as mulheres: será a Casa de Referência da Mulher Tina Martins, em Belo Horizonte, MG -Brasil, um exemplo de práxis urbana transformadora?

Urban occupation and confronting violence against women: is Tina Martins Women's Reference House, in Belo Horizonte, MG-Brazil, an example of transformative urban praxis?

Lais Rolla Paula Mota1 
http://orcid.org/0000-0002-3218-7856

Daniela Abritta Cota1 
http://orcid.org/0000-0002-5508-7153

1Universidade Federal de São João del-Rei, Brasil. E-mail: lalarpmota@gmail.com


Resumo

Este artigo tem como enfoque as ações de suporte às mulheres em situação de violência promovidas pela Casa de Referência da Mulher Tina Martins, em Belo Horizonte - MG, Brasil. Este espaço coletivo que atua no acolhimento e abrigamento de mulheres teve origem numa ocupação urbana organizada em 8 de março de 2016, por uma articulação entre movimentos sociais feministas e urbanos, que operam para além do Estado. Desde 3 de junho de 2016 que a ocupação se consolidou como Casa de Referência da Mulher, estabelecendo formas próprias de atuação no enfrentamento à violência contra as mulheres. Buscamos neste trabalho realizar uma análise dessa experiência, por meio de dados empíricos obtidos, entre 2019 e 2020, em entrevistas com integrantes do movimento e observação participante em atividades realizadas no espaço da Casa Tina Martins, além da revisão bibliográfica de trabalhos que também tematizam esta experiência. A partir disso, construímos uma reflexão “empírico-teórica” sobre o que é necessário para que uma mulher sob violência tenha suporte de qualidade para se emancipar, se resguardar e obter uma vida digna - com destaque no papel da luta pelo espaço e pelo “direito à cidade” nesta conquista. Também buscamos refletir, em uma escala ampla, sobre o papel da luta pelo espaço no processo de ruptura das opressões sociais, ligadas a gênero, raça e classe, que dão origem e perpetuam as violências a que mulheres estão sujeitas. A partir de tais reflexões, suscitamos um questionamento: em que medida a forma de apropriação do espaço realizada por essa organização social de mulheres, pautada na coletividade e no verdadeiro uso social do espaço urbano, inaugura nova forma de práxis espacial urbana? Acreditamos que a Casa Tina Martins, ao se constituir como uma forma de “práxis espacial de enfrentamento à violência contra as mulheres”, poderá inspirar ações em outros contextos.

Palavras-Chave:

Abstract

This article focuses on the support actions for women in situations of violence promoted by the Tina Martins Women's Reference House, in Belo Horizonte - MG - Brazil. This collective space that acts in the reception and shelter of women, originated from an urban occupation, organized on March 8, 2016, by an articulation between feminist and urban social movements, which operate beyond the State. Since June 3, 2016, the occupation has been consolidated as a Women's Reference House, establishing its own ways of acting in the fight against violence against women. In this work, we seek to carry out an analysis of this experience, through empirical data obtained, between 2019 and 2020, in interviews with members of the movement and participant observation in activities carried out in the space of Casa Tina Martins, in addition to the bibliographic review of works that also thematize this movement. From this, we build an “empirical-theoretical” reflection on what is needed for a woman under violence to have quality support to emancipate herself, protect herself and obtain a dignified life - with emphasis on the role of the struggle for space and for the “right to the city” in this conquest. We also seek to reflect on a broad scale, on the role of the struggle for space in the process of breaking up social structures, linked to gender, race and class, which give rise to and perpetuate the violence to which women are subjected. Based on these reflections, we raise a question: to what extent does the form of space appropriation carried out by this specific social organization of women, based on collectivity and true social use of urban space, inaugurate a new form of urban spatial praxis? We believe that Tina Martins, by constituting itself as a form of “spatial praxis to face violence against women”, will be able to inspire actions in other contexts.

Keywords: Tina Martins Women’s Reference House; urban occupation; right to the City; intersectionality; Belo Horizonte-MG-Brasil

1. Introdução

No Brasil, a violência cometida contra mulheres ainda é recorrente e, contudo, invisibilizada pela sociedade patriarcal, racista, capitalista e pós-colonial. A opção de deixar suas casas, onde habitam com seus agressores, se apresenta como quase inviável para a maioria das mulheres brasileiras.

Apesar de contar com um recente aparato jurídico-legal de combate à violência cometida sobre as mulheres, tanto o Brasil quanto Belo Horizonte seguem apresentando índices alarmantes de feminicídios e de denúncias de violência doméstica e familiar - conforme abordaremos neste trabalho. Além disso, a experiência mostra que ainda há muito a fazer com relação à aplicabilidade e efetividade dos aparatos públicos previsto pela legislação brasileira.

A forma homogeneizada com que o Estado trata a gama de especificidades das situações de vida de cada mulher não é suficiente. Segundo Bastos (2020), para além de criticar o mau funcionamento dos espaços e as políticas públicas atuais, é importante ressaltar a dificuldade de divulgar as ações (mesmo que escassas) existentes sobre o suporte à violência bem como de realizar a denúncia por parte da maioria das mulheres violentadas. A subnotificação e os casos de desistência ao longo do processo de denúncia e busca de suporte são recorrentes, conforme disseram as entrevistadas.

Diante desse contexto, movimentos sociais em Belo Horizonte, MG, decidiram realizar a primeira ocupação autogestionada por mulheres da América Latina (Bastos, 2020). A Ocupação Tina Martins teve início em 8 de março de 2016, pelo Movimento de Mulheres Olga Benário - MG, com o apoio do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) e de lideranças feministas.

O Olga Benário (abreviação - Olga) é uma mobilização social de âmbito nacional que surge em 2011, impulsionado pela participação de um comitê de mulheres brasileiras, já organizadas em outros movimentos sociais, na 1ª Conferência Mundial de Mulheres de Base, realizada em Caracas, Venezuela, em março de 2010, contando com representantes de 8 estados brasileiros (Pará, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo). Assim, essas mulheres se organizaram com a intenção de construir um movimento que, de acordo com as entrevistadas na pesquisa, paute as demandas das mulheres, especialmente daquelas mais afetadas pelo sistema machista patriarcal e capitalista: as mulheres negras, periféricas, faveladas, estudantes, trabalhadoras, indígenas, quilombolas, ribeirinhas, diversas. Enquanto isso, o MLB se proclama um movimento social nacional que luta pela reforma urbana e pelo direito humano de morar dignamente. Foi fundado em 1999, primeiramente em Pernambuco, e depois se espalhou por outros estados do país, na medida em que os moradores dos bairros e comunidades pobres se viam sem direito à cidadania e a uma vida digna. Mais recentemente o MLB organizou em Belo Horizonte as Ocupações Eliana Silva, Paulo Freire e Carolina Maria de Jesus, além de atuar conjuntamente a outros movimentos em outras ocupações da cidade e região metropolitana (Lourenço, 2017, p. 204). Ao se juntarem, tais movimentos buscavam realizar “um ato político e de resistência” (idem), com a intenção primeira de dar visibilidade ao tema da violência contra a mulher e pressionar o Estado para a criação de mais casas abrigo, creches públicas nas periferias e delegacias 24 horas para mulheres. Ao longo dos primeiros meses de ocupação, em constante diálogo com a sociedade, a proposta do coletivo amadureceu e transformou-se num projeto para realizar ele mesmo ações de acolhimento a mulheres em situação de violência ao seu modo, buscando suprir as demandas das mulheres de forma ampla e flexível, construindo junto a cada uma delas saídas do ciclo de violência que viviam. Esse apoio envolve não só amparo legal e jurídico, mas também, espaço, tempo, amparo psicológico, tomada de consciência, abrigo, suporte à sua autonomia material, auxílio na busca de moradia, estudo, emprego, creche para seus filhos, etc. Após 87 dias de ocupação, muita luta e negociações com o Estado, a ocupação se transformou na Casa de Referência da Mulher - uma ação social que viabiliza e organiza o suporte às mulheres vítimas de vários tipos de violência (especialmente a doméstica), em 4 eixos: formação política; encaminhamento; acolhimento; abrigamento. A Ocupação Tina Martins inspirou, em seguida, o surgimento de outras duas ações sociais similares no Brasil: Ocupação Helenira Preta no centro de Mauá, São Paulo e a Ocupação Mulheres Mirabal, em Porto Alegre, ambas de 2016.

Assim, este artigo se propõe a analisar e a refletir sobre as experiências da Casa de Referência da Mulher Tina Martins, por meio de observação participante, compilação de informações obtidas em entrevistas semiestruturadas com integrantes do movimento e revisões bibliográficas.

A observação participante ocorreu entre os anos de 2019 e 2020, sendo que desde a primeira aproximação de uma das autoras deste artigo com a Casa foi estabelecido um vínculo de colaboração com o coletivo durante os períodos de presença. A principal forma de participação se deu nos núcleos de formação, em que as colaboradoras da Casa se subdividem em grupos menores para estudar e debater juntas textos relativos ao posicionamento político do grupo, além de dialogar sobre estratégias de atuação. Por vezes, também houve contribuição em atividades cotidianas da casa, que envolvem a partilha coletiva de tarefas como cozinhar, limpar, organizar, cuidar por um tempo de algumas das crianças (para que suas mães participem de reuniões, procurem por trabalho ou por creches), ajudar a organizar produtos que são vendidos nas feiras mensais, dentre outras. A partir de 2020, a observação participante ocorreu à distância, por meio da participação por videoconferência em eventos específicos do movimento, rodas de conversa, palestras e formações feministas, encontros e plenárias do movimento Olga Benário.

As entrevistas semiestruturadas foram realizadas em agosto do ano de 2020, com três mulheres1 que são integrantes do Movimento Olga Benário e autogestionam a Casa Tina Martins. As entrevistadas foram indicadas pelo próprio coletivo, de acordo a disponibilidade das integrantes do movimento. Para isso, foi construído um roteiro prévio com perguntas relativas ao histórico do movimento, aos modos de articulação e organização política, ao acesso à cidade e ao funcionamento e cotidiano da Casa, porém deixando a flexibilidade abarcar outros aspectos surgidos ao longo das conversas, que ocorreram por videoconferência, devido às circunstâncias da pandemia.

Além disso, a revisão bibliográfica de materiais empíricos ligados ao estudo de caso se deu a partir de artigo escrito por uma das integrantes autogestoras da Casa, no caso de Santana (2021), bem como de trabalhos realizados por outras pesquisadoras colaboradoras da casa, como Bastos (2016), Bettoni (2018) e Girundi (2017).

A partir da análise dessa experiência objetivamos construir uma reflexão empírico-teórica sobre o que se faz preciso para que uma mulher sob violência tenha suporte de qualidade para se emancipar, se resguardar e obter uma vida digna - com destaque ao papel da luta pelo espaço e pelo “direito à cidade” nesta conquista. Também buscamos refletir, em uma escala ampla, sobre o papel da luta pelo espaço no processo de ruptura das opressões sociais, ligadas a gênero, raça e classe, que dão origem e perpetuam as violências a que mulheres estão sujeitas. A partir de tais reflexões, suscitamos um questionamento: em que medida a forma de apropriação do espaço realizada por essa organização social específica de mulheres, pautada na coletividade e no uso social do espaço urbano, inaugura uma nova forma de práxis espacial urbana2? Acreditamos que a Tina Martins, ao se constituir como uma forma de “práxis espacial de enfrentamento à violência contra as mulheres”, poderá inspirar ações em outros contextos.

2. Para entender o contexto brasileiro e de Belo Horizonte sobre a violência contra a mulher

Os índices brasileiros sobre a taxa de feminicídios se mostram alarmantes. De acordo com dados do Atlas de Violência publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA (Cerqueira, 2020), em 2018, uma mulher foi assassinada no Brasil a cada duas horas, totalizando 4.519 vítimas. Entre 2008 e 2018, o Brasil teve um aumento de 4,2% nos assassinatos de mulheres. Nessa faixa temporal, mesmo nos períodos em que houve queda nas taxas de feminicídio, a redução foi menos significativa para mulheres negras, explicitando o racismo como componente marcante da violência contra as mulheres neste país. Já os registros policiais sobre os diferentes tipos de violência contra as mulheres indicam que são mais recorrentes as denúncias de violência doméstica e familiar, totalizando 78,96% dos registros de 2019, mais recorrentes entre as mulheres autodeclaradas pardas, com faixa etária entre 25 e 30 anos (SPM, 2019, p.31). Os dados para a cidade de Belo Horizonte3, são também preocupantes: segundo os registros de violência feitos pela Polícia Civil de Minas Gerais, o total de denúncias de mulheres vítimas de violência doméstica durante o ano de 2019, foi de 18.607. (PCMG, 2020, p.11). Em 2020, com o isolamento social de combate e prevenção ao coronavírus, muitas mulheres tiveram de permanecer próximas de seus agressores por mais tempo, o que acarretou o aumento do índice de violência doméstica e de feminicídios em 2% (Fórum, 2020). A questão de raça se evidencia quando observamos que 75% das mulheres que foram assassinadas nesse período eram negras:

3 em cada 4 mulheres que são assassinadas são negras; 3 em cada 5 mulheres mortas por feminicídio são negras; metade das mulheres vítimas de estupro são negras; metade das adolescentes e crianças vítimas de estupro de vulnerável4 são negras; metade das mulheres vítimas de lesão corporal em decorrência de violência doméstica são negras (Santana apud Velasco et al., 2020, p. 151) Nota nossa.

O Brasil é o 5º país que mais mata mulheres no mundo, atrás somente de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. A América Latina é considerada como a região mais perigosa no mundo para mulheres fora de uma zona de guerra (Orenstein, & Arcoverde, 2019). A brutalidade de tal cenário se soma ao fato de que as instituições públicas de enfrentamento à violência apresentam graves lacunas em sua atuação e se revelam insuficientes.

No Brasil, as legislações federais específicas de combate a todo tipo de violência cometida sobre as mulheres são extremamente recentes, sendo que até há pouco tempo a violência contra a mulher era tratada pela Lei Federal 9099/19955, o que significa que era considerada “crime de menor potencial ofensivo”. Apenas a partir de 2006, quando é criada a Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha6, é que o assunto passa a ser tratado com mais rigor, sendo considerado uma grave violação dos direitos humanos. Já a Lei de Feminicídio7 - nº 13.104, foi criada apenas em 9 de março de 2015, sendo essas as duas principais leis que tratam da questão atualmente.

O Estado brasileiro compreende a “violência contra mulher” como: “qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado” (Art. 1°). A definição é, portanto, ampla e abarca diferentes formas de violência contra as mulheres, tais como: a violência doméstica (que pode ser psicológica, sexual, física, moral e patrimonial), a violência sexual, o abuso e a exploração sexual de mulheres, o assédio sexual no trabalho, o assédio moral, o tráfico de mulheres e a violência institucional (Brasil, 2011). Baseada nestas definições, a Lei Maria da Penha, prevê a criação de mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, além de estabelecer meios para preservar a integridade física e psicológica da vítima (Brasil, 2012).

Mesmo dezesseis anos após a criação da Lei Maria da Penha, Belo Horizonte tem apenas uma delegacia especializada que funciona 24 horas - as demais funcionam apenas em horário comercial, sendo que os casos de violência doméstica são muito mais representativos à noite e nos finais de semana. O estado de Minas Gerais possui 853 municípios, 300 demandas computadas por abrigo diariamente, e apenas 13 casas de acolhimento no Estado (Bastos, 2020). Além disso, de acordo com as entrevistadas dessa pesquisa, as casas-abrigo do Estado atendem um perfil muito específico de situação, sendo apenas aqueles casos em que a mulher que está correndo um risco iminente de morte, de forma comprovada a partir de boletim de ocorrência. Há muitos casos de mulheres que registram o boletim de ocorrência relatando ameaças e violência psicológica, porém não recebem suporte de abrigo por serem considerados “casos de menor gravidade”. Tais mulheres não conseguem sair do ciclo de violência por não receberem um amparo de qualidade - algo que os movimentos que formaram a Tina Martins buscaram atacar ao proporem uma alternativa, dentro de seus territórios de atuação, às políticas institucionais insuficientes e pouco eficazes.

3. Perspectivas feministas e interseccionais: de quais mulheres estamos falando?

“Essas mulheres precisam ser donas de si mesmas, de sua vida, de seu destino, de suas decisões.”8

Para compreendermos o caso Tina Martins é necessário reconstruir as raízes das violações aos direitos das mulheres e os modos pelos quais estas violações se consolidam e se perpetuam. Assim, trazemos nesse item alguns conceitos e formulações de perspectivas feministas anticapitalistas e interseccionais.

As discussões sobre o conceito de “gênero” pela perspectiva feminista têm importante papel de descortinar as interpretações sociais que originam o poder dominante que oprime as mulheres. Joan Scott (1995, p.3) é importante referência nesta discussão, apresentando este conceito como marcador das relações de poder. De acordo com a autora, o conceito de gênero ressalta o caráter socialmente construído do que qualifica feminino e masculino, homens e mulheres, a partir da rejeição dos determinismos biológicos e da equivocada suposição de imutabilidade de tais qualificações. Assim, os sentidos sociais de gênero e de poder se constroem mutuamente e são passíveis de transformação.

Ao se revelar as descontinuidades da construção social de diferentes mulheres de distintas realidades, desconstrói-se o viés universalizante carregado até então pela própria categoria mulher: faz-se necessário reformular e ampliar para categoria das “mulheres”, de forma a abarcar as formas específicas de opressão a que mulheres de diferentes contextos estão submetidas. Segundo Piscitelli (2002), esta discussão não está situada exclusivamente no plano do conhecimento, sendo que o sentido desta reelaboração da categoria “mulher” é, acima de tudo, político, a fim de viabilizar a prática política.

Ao que cabe a este trabalho discutir, tal compreensão tem especial importância tendo em vista que as mulheres envolvidas no cotidiano da Casa de Referência da Mulher Tina Martins, acolhidas e “acolhedoras”, advém de diferentes contextos sociais e se implicam em complexas estruturas interseccionadas - de classe, raça e gênero - que conformam sua realidade como mulheres.

Outro conceito fundamental é de “violência de gênero” que, de acordo com Heleieth Saffioti (2001), se apresenta como uma ferramenta de manutenção das relações de poder que hierarquizam o gênero. Para a autora, este conceito está diretamente associado a dinâmica materialização dessas relações por meio do “patriarcado”9, que busca garantir o poder masculino de mando, ainda que auxiliado pelo uso da violência.

No exercício da função patriarcal, os homens recebem a autorização - ou pelo menos tolerância da sociedade - para regular a conduta das mulheres, crianças e adolescentes, podendo puni-los quando constatam qualquer desvio do prescrito pelas normas sociais. Saffioti (2001) argumenta que há uma “ideologia de gênero” que atravessa as veias mais finas das relações sociais, até que se torna estrutura, nos aparenta “natural”. O processo de dominação masculina é incorporado socialmente, na medida em que a visão androcêntrica se impõe, como suposta neutralidade, prescindindo de se enunciar para se legitimar. A necessidade do uso de violência para garantir o exercício do “projeto de dominação-exploração” masculina diz sobre o facto de “a ideologia de gênero” ser insuficiente para garantir a obediência das vítimas potenciais aos ditames do patriarca” (Saffioti, 2001, p. 115).

De acordo com a entrevistada Rosa, tal aspecto se faz perceptível no processo de acolhimento das mulheres na Tina Martins:

A gente tem uma procura grande de mulheres de todos os contextos, que vem até para entender a violência. Porque estamos falando de uma violência que é muito naturalizada, que é colocada na nossa sociedade como algo normal. Então muitas das vezes essa mulher nem entende que o que ela está sofrendo é uma violência, a não ser quando passa a ser uma violência física. Então assim, vários relacionamentos abusivos, de violência psicológica, violência moral.e violência patrimonial. A gente vê que nessa sociedade capitalista e patriarcal os homens usam muito da questão financeira para violentar as mulheres, para colocar as mulheres em situação de dependência econômica e a partir disso dependência psicóloga, enfim. (Rosa)

Catharine Mckinnon (1989) destaca o fato de que a justiça criminaliza qualquer tipo de violência, todavia permite a prática privada da justiça, já que relativiza a interferência jurídica no público e no privado, legitimando socialmente a violência de gênero, como bem expressa o ditado popular: “em briga entre homem e mulher, não se mete a colher”.

Segundo Sholz (2013), o conceito de “patriarcado” está intrinsecamente associado à questão de classe, já que junto ao estabelecimento do capitalismo, o patriarcado se refaz de forma específica, tornando-se co-emergente e indissociável da sua sustentação. O “patriarcado produtor de mercadorias” deve ser apreendido como modelo civilizacional, e não apenas como sistema econômico, portanto, têm de ser levadas em consideração as dimensões psicossocial e simbólico-cultural desta estrutura. Assim, a partir da universalidade da forma da mercadoria, as mulheres têm de se responsabilizar por todo o âmbito da reprodução, menos valorizado socialmente e não representável em dinheiro, enquanto os homens se ocupam da esfera da produção capitalista e do âmbito público. O esforço de Sholz (2013) traz importantes contribuições para argumentar que o patriarcado e capitalismo se condicionam e se constituem mutuamente, tanto na dimensão material, quando na dimensão simbólica.

Junto ao patriarcado e ao capitalismo, o racismo também é outro fator que nos ajuda a compreender a interdependência das relações de poder referentes a diversos eixos de dominação e opressão que operam na sociedade.

Lelia Gonzalez já havia chamado a atenção para a necessidade de reconhecer a implicação da raça nas nuances das diferentes “imagens de controle” (Collins, 2016, p. 103) destinadas às mulheres e seu lugar social na cultura brasileira, no que ela resume em um ditado popular: “branca para casar, mulata para fornicar, negra para trabalhar” (Gonzalez, 1988). Françoise Vergès (2020, p. 25) afirma que “o capitalismo produz inevitavelmente trabalhos invisíveis e vidas descartáveis”, e as mulheres racializadas, dentro dessa lógica, são as que sustentam as cidades, além de serem as que mais sofrem com a violência sistêmica operada pelas relações de poder e pela segregação urbana que lhes é imposta, refletindo no não direito à cidade por parte destes corpos.

A entrevistada Silvia revela que tais aspectos também são notáveis na experiência Casa Tina Martins:

A gente sempre fala que a violência doméstica é uma violência transversal. Ela não escolhe raça, não escolhe classe para acontecer, porém ela vai atingir mais intensamente as mulheres pobres e negras né. A gente vê o quanto que na prática, na dinâmica da vida das mulheres, a violência atinge de uma forma ainda mais perversa as mulheres negras e pobres né. Porque é isso, uma mulher branca, ou uma mulher de classe econômica que tenha uma condição social maior, vai conseguir se reorganizar em outro espaço. Inclusive a própria rede de acolhimento dessa pessoa é mais rica. (...). Já as mulheres pobres não têm, ou quando tem essa rede é muito frágil, economicamente também. (...). Então, acaba que as mulheres principalmente que são abrigadas no espaço da Casa são mulheres de classe econômica desfavorecida. (Silvia)

Assim, a perspectiva interseccional é fundamental para a análise que propomos a desenvolver sobre o caso Tina Martins. Considerando o contexto brasileiro, Carla Akotirene (2019, p.73), aponta que a interseccionalidade trata a forma pela qual as estruturas hegemônicas criam e interconectam as desigualdades sociais como as de gênero, raça e classe.

As desigualdades sociais, étnico raciais e de gênero conformaram a sociedade brasileira e permanecem muito presentes. O predomínio de uma elite agrária, proprietária e branca como grupo social dominante produziu profundas violências sobre as mulheres e especialmente as negras e indígenas. O patriarcalismo e a escravidão são constitutivos da sociabilidade burguesa e possuem expressões específicas em lugares como o Brasil e outros territórios colonizados. Mesmo com o fim histórico da colonização, esse modelo de “universalidade” persiste. Se o regime colonial foi rompido, não houve ruptura com as relações coloniais de poder.

Precisamos, portanto, considerar as relações de gênero, o patriarcado, o capitalismo e o racismo, enquanto articulação que configura o sistema violento a que se resiste. Na medida em que tais instituições hegemônicas atuam de forma interseccionada na reprodução da sociedade, seus efeitos se manifestam, por consequência, na produção social do espaço. Segundo Villagrán (2018), a cidade se apresenta como cenário contraditório, já que se expressa dialeticamente como limitação e potencial libertação para as mulheres. É limitação na medida em que a organização do espaço baseada na divisão sexual trabalho reforça a suposta dicotomia entre o público e privado e cerceia os deslocamentos no espaço público pelas mulheres, bem como sua apropriação. Entretanto, é também potencial de libertação na medida em que as mulheres podem transformar a ordem social-urbana e sua representação através de suas práticas coletivas.

Acreditamos, assim, que o olhar interseccional e o enfoque dialético sobre o espaço urbano são fundamentais para o entendimento das ações da Tina Martins e para refletirmos sobre suas práticas em direção a uma práxis urbana transformadora.

4. Produção do espaço urbano e a resistência contra-hegemônica: o caminho para o direito à cidade

Neste item buscamos trazer elementos de discussão sobre a problemática urbana, a produção do espaço e as possibilidades de resistência a partir das ocupações, a fim de contribuir para reflexão posterior sobre as conexões entre a luta feminista e as lutas urbanas pelo direito à cidade que permeiam a práxis urbana contra hegemônica realizada na Casa de Referência Tina Martins.

Henri Lefebvre (2003) conceitua o “espaço social” como produto e produtor de relações sociais. Neste contexto, podemos dizer que o espaço social abriga também uma dimensão política, já que usos e práticas no espaço estão sempre (e dialeticamente) em disputa. Portanto, a produção do espaço se dá por uma disputa dialética entre diversos atores sociais engajados na luta de classes.

Planejadores urbanos e urbanistas produzem a cidade funcional e fragmentada que privilegia a reprodução do capital em detrimento da reprodução da vida, das demandas da coletividade, da espontaneidade, da realidade urbana sensível experimentada em estruturas urbanas com valor de uso (e não apenas pelo valor de troca). De acordo com Karl Marx (2013, p.97), o valor de uso de um produto se efetiva na sua utilidade, enquanto o valor de troca aparece inicialmente como relação quantitativa. Na cidade capitalista, o valor de uso é tomado pela lógica do mercado e pela difusão da propriedade privada (da terra, do espaço, etc.) em função do valor de troca que cada espaço da cidade representa. Instaura-se, portanto, uma lógica hegemônica e homogeneizante de produção do espaço movida pela introdução do capitalismo na organização das sociedades, processo no qual o Estado possui especial atuação (Magalhães, 2016).

De acordo com a entrevistada Rosa a questão urbana se faz constante na experiência da Casa, já que o movimento se defronta constantemente com a lógica capitalista de produção do espaço. Isso se faz no processo de conquista e permanência da Casa Tina Martins em um imóvel localizado em bairro elitizado, e também no processo de amparo às mulheres em situação de violência, uma vez que, para a maioria delas, sair do ciclo de violência depende de obter uma moradia e ter acesso a outras formas de suporte - que, quando existentes, se espacializam em algum equipamento na cidade.

(...) a questão da moradia, da propriedade, está muito ligada ao sistema ao qual a gente vive. (...). A gente não vê uma saída de fato libertadora para as mulheres, para o povo trabalhador e para todas as pessoas dentro desse sistema que preza pela propriedade privada em detrimento da vida. Então dentro desse sistema a gente entende que é necessário que se tenha as políticas públicas, mas a gente também percebe que a gente tem que fazer as nossas lutas, independente de ter ou não uma política que atende a população (e a gente vê que não atende). É importante que a gente se articule, é importante que a gente se organize para garantir o mínimo, porque a gente está falando de direitos básicos, direitos que são os mais básicos dentro da nossa constituição. Moradia, saúde, educação, lazer, transporte de qualidade, enfim, são direitos que eram para todos, mas a gente sabe que não é. (...) São as contradições desse sistema falido. Por isso dizemos muito a frase “contra o Estado, com o Estado e para além do Estado. (Rosa)

Assim, Lefebvre (1969) conceitua o que seria o “direito à cidade”: este pressupõe a tomada radical da agenda urbana - que na história do mundo capitalista produz o espaço para o fluxo de mercadorias e de lucro - e a transformação dessa agenda, produzindo uma cidade que atenda às necessidades e demandas da classe trabalhadora. Significa, então, subsumir a lógica do valor de troca pelo valor de uso. Assim, a cidade seria o instrumento para a emancipação humana.

Segundo Henri Lefebvre (2003), há, no espaço, um conflito de projetos antagônicos entre o concebido pelo capitalismo e a apropriação, o espaço vivido das pessoas. Assim, o espaço homogêneo se fragmenta na medida em que as contradições da produção capitalista do espaço geram guetos, espaços informais, insurgências e novas práticas de uso do espaço que vão na contramão dos usos pré-estabelecidos pelo planejamento estratégico. Esse processo dialético de homogeneidade e fragmentação se estende do local ao nacional e as relações implicadas neste processo se imbricam e se implicam, ampliando os conflitos e as contradições (muito longe de eliminá-los). Além de Lefebvre, David Harvey lembra que “há no urbano uma multiplicidade de práticas prestes a transbordar de possibilidades alternativas” (2014, p.12). Este “possível” ao qual Harvey se refere são as possibilidades alternativas de apropriação e uso dos “oprimidos” no espaço concebido pelo capitalismo, para superar suas condições sociais de exclusão e desigualdade. Exemplos deste processo são as insurgências urbanas que reivindicam o espaço urbano e se apropriam dele para estabelecer com eles outro uso, como o caso das ocupações urbanas. Segundo Camila Diniz Bastos et al. (2017, p. 259) as ocupações são atitudes radicais que visam resgatar a vida cotidiana por meio da tomada de consciência dos entraves da produção do espaço urbano.

Para Lefebvre (1999), as possibilidades de emancipação social no urbano se fazem por meio de práxis urbanas que proponham outros usos do tempo e do espaço que estejam desvinculados da reprodução das relações capitalistas. Práxis estas que conformariam espaços diferenciais, ou seja, embriões de emancipação e superação das condições sociais da ordem imposta.

Neste sentido, o espaço é indispensável tanto para a hegemonia quanto para a resistência contra hegemônica. Tal noção dialética das relações espaciais enquanto opressoras ou emancipatórias se expressa não somente a partir de desigualdades de uso do espaço relacionadas à classe, como também ao gênero, a raça, a sexualidade ou a idade, que se impõem sobre os sujeitos de formas diferenciadas, a partir de relações de poder específicas e interseccionadas. É neste sentido que trazemos ao debate o caso da Tina Martins, em Belo Horizonte. Por nascer de uma luta pelo espaço urbano, mas também acolher as demandas de gênero, raça e classe, a ocupação - e posterior Casa de Referência - parece empreender novas reflexões para o debate sobre o “direito à cidade” ao se articular às perspectivas feministas e interseccionais.

As ocupações urbanas se constituem como ato de resistência à lógica capitalista de produção do espaço, questionando a propriedade privada e a desigualdade socioespacial. De acordo com Canettieri (2017, p.37), “embora, de fato, a casa e o morar sejam elementos centrais na articulação desses movimentos, seu alcance acaba por interrogar as formas de praticar e conceber as condições de existência na cidade”. Assim, as ocupações são não só uma alternativa de garantia do direito à moradia, face ao déficit habitacional brasileiro, como espaço de luta por transformação social. Com o apoio ou participação direta de movimentos sociais, as ocupações lutam tanto por moradia digna, quanto por educação, saúde, mobilidade urbana, participação social, realizando assim uma disputa ampla do “direito a cidade”. Para além disso, as ocupações urbanas buscam transgredir a lógica estatal da propriedade privada, na medida em que, concretizam uma forma de cidadania insurgente que toma para si a função de gestor público do espaço urbano, ora negligenciado pelo Estado, conforme ressalta Magalhães (2016, p. 232).

É importante destacar que as mulheres estão majoritariamente presentes nas ocupações urbanas e possuem papel decisivo na construção desses espaços de resistência. Isaías (2017, p. 2) destaca que “exercendo papéis de decisão e liderança dentro das ocupações, as mulheres desafiam não só a lógica capitalista de produção do espaço, como os lugares que as mulheres podem ou não ocupar”. A experiência das mulheres que construíram o movimento de mulheres Olga Benário e a Tina Martins não se fez diferente. A grande maioria delas atuava e permanece atuando nos espaços de ocupação por moradia, onde também se fazia notável a busca de se libertar da violência por parte de muitas das mulheres que se organizam nesses movimentos. Como relata a entrevistada Alexandra:

Nosso principal espaço de atuação é nas ocupações urbanas. A gente sempre teve esse contato com a violência contra a mulher por estar nesse espaço de grande vulnerabilidade. Por fazer parte dos movimentos de moradia, a gente via o quanto que grande parte das pessoas que buscam por moradia, e infelizmente a partir de ocupações, por causa da ausência das políticas públicas, são mulheres. Vemos que são essas mulheres a base do movimento. (Alexandra).

A Ocupação Tina Martins (que após 87 dias de seu início, tornou-se Casa de Referência da Mulher Tina Martins), possui especificidades que a diferenciam enquanto espaço coletivo de atendimento temporário a mulheres em situação de violência. Contudo sua origem está intimamente conectada à experiência das mulheres nos espaços de luta por moradia, além de que preserva consigo o caráter de ocupação, enquanto espaço de resistência e de proposição de novas formas apropriação e práxis urbanas. De acordo com as integrantes da casa, ainda que o Estado tenha cedido temporariamente o espaço para que elas possam atuar como Casa de Referência, não há uma garantia legal permanente quanto a essa concessão. O coletivo permanece sujeito a possibilidade de despejo, de acordo com interesses econômicos políticos que se interponham nesse processo, por isso precisam constantemente renegociar e lutar por sua permanência. Além disso, as formas de uso do espaço, a que se propõem o grupo, tem rompido a lógica privada, funcionalista, mercadológica e proposto uma apropriação do espaço pautada na coletividade e na transformação social. Por esses motivos, as mulheres da Tina se afirmam como movimento de ocupação, ainda que se classifiquem e atuem hoje como Casa de Referência da Mulher.

5. Tina Martins: de Ocupação à Casa de Referência - reflexões sobre uma práxis urbana transformadora

5.1. Histórico: de Ocupação à Casa de Referência

Há seis anos, Belo Horizonte (MG) se tornou palco de “uma ação tática e efetiva que propôs uma subversão da lógica imposta às mulheres - de menosprezo, violência, negligência e morte” (Santana, 2021, p. 153). O nome que personificou essa luta foi “Tina Martins”10 - resultado da articulação do Movimento de Mulheres Olga Benário, em conjunto com o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas que resolveram reagir a um crime de feminicídio, ocorrido na ocupação urbana belorizontina Eliana Silva, em 2014, com a ex-moradora Carina, 27 anos,

a qual, depois de dirigir-se até a delegacia e registrar o boletim de ocorrência, retornou à casa, encaminhada pela polícia, que não considerou seu caso grave o suficiente para proteção e abrigo; na mesma noite, contudo, foi assassinada a facadas pelo homem com quem chegou a dividir a vida por um tempo. Essa situação exemplifica uma realidade recorrente e deixa as mulheres expostas à violência, chegando ao último ato: o feminicídio. Assim, ambos os movimentos resolveram dizer um “basta!” a algo impossível de ser aceito e então ocorreu o estopim para a Ocupação Tina Martins nascer. (Santana, 2021, p. 156).

Essa atitude dos movimentos, articulando as lutas feministas e pela reforma urbana e que culminaram na criação da Ocupação Tina Martins exemplifica que o “direito à cidade” que, segundo Santana (2021, p.148):

(...) não pode ser proporcionado sem que nenhuma ruptura ocorra nas formas em que cidades são (re)produzidas e apropriadas. Para transformar essa lógica, é preciso ter o direito de habitar, usar, ocupar, produzir, governar e desfrutar das cidades de maneira equitativa, pelo olhar de gênero, raça e classe; a cidade enquanto encontro, enquanto potência de mudança social prática. (Santana, 2021, p. 149)

Foram justamente as contradições que se apresentaram nos espaços de convívio e militância, relacionadas às experiências alarmantes de violência a que mulheres se viam submetidas, em contraposição ao suporte escasso e limitado oferecido pelo Estado e pelas políticas públicas, que motivaram a Ocupação Tina Martins, em 8 de março 2016 na cidade de Belo Horizonte.

Realiza-se então a ocupação de um imóvel público, localizado na rua Guaicurus, região central da cidade, como ato político contra a violência e pela efetivação de serviços previstos na Lei Maria da Penha de atendimento às mulheres em situação de violência doméstica e familiar - como casas abrigo, creches, delegacias 24 horas de atendimento a mulheres, casas de referência - considerando que estes não são suficientes às demandas das mulheres em Belo Horizonte (Bettoni, 2018, p. 26). Com a chegada de mulheres em situação de vulnerabilidade na ocupação, o movimento passa a acolhê-las e a reivindicar a transformação do prédio, sem uso há 10 anos, em Casa de Referência da Mulher - diferentemente dos outros movimentos de ocupação de Belo Horizonte que reivindicavam o direito à moradia. Segundo Bastos el al. (2017, p. 258), “essa ação levou o princípio do “ocupar” além da luta pela moradia, em direção ao uso coletivo (...)”.

Foram promovidas atividades políticas e culturais, como rodas de conversa, apresentações de música, entre outros, a fim de dar visibilidade ao ato e ao espaço.

A Ocupação foi algo muito bem acolhido pela cidade, então a gente teve muita gente da cultura, da assistência, das universidades, vários apoiadores que vieram desde o início da ocupação. E aí a gente foi amadurecendo um pouco o que a ocupação poderia ser e qual era também a potência e a força que esse espaço tinha e podia construir mais da cidade. (Silvia)

Segundo Jéssica Santana, o fato de a ocupação ocorrer no centro também está relacionado à busca pelo “direito à cidade”:

(...) também estamos falando sobre uma urbanização que possua elementos que abarquem as mulheres de maneira plena, não somente favorecendo a sensação de segurança, mas também de uma possibilidade de desenvolver alternativas e serem protagonistas de ações que permitam que o espaço público e também o privado possam ser melhores para todos. A partir da construção de uma dinâmica da ocupação que mantinha uma vigília constante de 24 h, pela instabilidade com as autoridades governamentais, e também era aberta, acessível e disponível a uma gama enorme de maneiras de utilizar aquela estrutura para atividades de encontro, cunho político, acadêmico, lazer, acolhimento, fortalecimento e tantos outros - principalmente após uma força-tarefa de limpeza pelas ocupantes, criando modificações que transformaram o espaço, aumentando seu valor, potência e visibilidade em BH -, foi possível proporcionar temporariamente, a requalificação espacial a partir do uso constante de um elemento arquitetônico e o seu entorno imediato, mesmo que limitado, pelos olhos e mãos daquelas e daqueles que ocuparam. “Os olhos da rua” - que Jane Jacobs (apud Marcos, 2016) tanto enfatizava - estavam presentes. Tornando-se uma área um pouco mais atrativa e segura pelos que ali estavam, foi possível estimular diversos usos, atraindo as pessoas e se tornando um local, no tempo-espaço, que inspirou mais coletividade, segurança e resistência para toda a cidade. (Santana, 2021, pp. 160-161)

Após 87 dias de ocupação, permeados por tentativas de acordo em reuniões semanais do movimento com Superintendência da União, Secretaria dos Direitos Humanos e com a Secretaria da Mulher do Estado de Minas Gerais (Girundi, 2017), a primeira fase da ocupação teve seu fim. A resposta do Estado foi proclamar a irregularidade da posse, taxando o ato como uma violação à propriedade pública e expedindo ordem de despejo, em 19 de abril de 2016, a ser cumprida pela Polícia Federal.

A gente teve o mandato de despejo, porque o espaço era do governo federal. Nós já estávamos recebendo inclusive mulheres em situação de violência, muitas delas deixadas pelo poder público, às vezes carro da polícia deixava mulher lá na porta da ocupação. Era algo que a gente ficava brincando né, à noite a Polícia vem para deixar uma mulher em situação de violência e durante o dia vem para querer tirar a gente do espaço. (Silvia)

Foi complicado porque os três meses que a gente ficou lá na Guaicurus, a gente ficou em mesa de negociação com o Estado e o Governo Federal. Toda hora vinha uma tentativa de reintegração de posse, então a gente começou a fazer uma discussão. Nós falamos: ó, a gente já tem mulheres aqui dentro da ocupação que buscaram por ajuda, o Estado vai revitimizar essas mulheres, que já estão frágeis, que já estão num nível de vulnerabilidade muito grande? Porque enquanto movimento a gente sempre vai resistir, a gente tem um plano, a gente tem uma estratégia de ação, mas, essas mulheres estão aqui por um outro motivo: elas precisam de auxílio. Então no meio dessa discussão abriu uma brecha para a gente ir para outro espaço (...). Aí a gente conseguiu negociar de ir para essa casa que a gente tá hoje na Rua Paraíba. (Rosa)

A partir do despejo o movimento permaneceu em diálogo com o Estado, apresentando junto aos órgãos estatais um projeto de construção da Casa de Referência onde seria prestado pelas mulheres do movimento um serviço social essencial. Resulta assim um acordo autorizando o funcionamento das atividades da Tina Martins no bairro Funcionários, na Rua Paraíba, em BH, garantindo o fornecimento de água e luz.

Desde o início, o Estado quis que nós nos tornássemos um órgão oficial. Inclusive, no começo, a proposta do Estado era que a gente fizesse voluntariamente o trabalho para eles, propuseram que a gente se tornasse um equipamento do mesmo tipo dos que já existem, e fizéssemos o trabalho da mesma forma que já tem sido feita. Só que para nós, é um trabalho falho que tem sido feito. Eles simplesmente entregaram para a gente o modelo e falaram assim “ok, vocês podem existir, se fizerem dessa forma”. Então, a gente disse que não, a gente tinha uma ideia de uma outra construção, outro projeto, que era ser uma casa de acolhimento, e que nós, o Olga Benário, faríamos esse trabalho, exigindo que o Estado cedesse no mínimo o espaço. E foi o que conseguimos com muita disputa e diálogo (...). (Alexandra)

O imóvel público pertencia à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG -, e estava desocupado há quatro anos, sem cumprir nenhuma função social. Diferentemente do local anterior, o atual se inclui em uma das regiões mais elitizadas de BH. Permaneceu ocioso até então, a despeito do grande interesse do capital, via construtoras, de demoli-lo e construir um novo edifício. Devido à casa ser antiga e tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais - IEPHA, houve um impeditivo para sua negociação no mercado imobiliário. Assim, a Casa de Referência da Mulher Tina Martins se estabeleceu neste imóvel onde permanece desde 2016, mantendo seu caráter de ocupação, de resistência. A mudança de local consolidou a transformação da ocupação em “Casa de Referência da Mulher - Tina Martins”, que foi instituída oficialmente, no dia 3 de Junho de 2016,

(...) em uma localização muito mais privilegiada dentro da malha urbana belorizontina, o que traz pontos positivos. Porém a resistência e o corpo em alerta se mantêm presentes, por termos uma ideologia e realizarmos ações muito distintas da vizinhança de classe média alta que nos rodeia. (Santana, 2021, p.163).

5.2. Funcionamento e Ações

A “Tina” (abrev.) é autogerida voluntariamente por mulheres do movimento, moradoras acolhidas e apoiadoras. A Casa vive de doações de seus apoiadores e também de ações que geram alguma renda como a “Feira da Tina”11 (Figura 1).

Fonte: Acervo Casa de Referência da Mulher Tina Martins, 2019.

Figura 1 Casa de Referência da Mulher Tina Martins 

De acordo com as entrevistadas, atualmente 19 mulheres fazem trabalho voluntário como coordenadoras da Casa e se organizam por comissões de tarefas, se revezando em escalas de acordo com a disponibilidade individual. As advogadas e as psicólogas realizam atendimentos pontuais às acolhidas de acordo com a demanda e encaminhamento das coordenadoras da casa. A dinâmica de apoio se baseia em 4 eixos: 1 Formação política; 2 Encaminhamento (via Rede de Enfrentamento à Violência contra a Mulher); 3 Acolhimento; 4 Abrigamento.

A Casa de Referência passou também a integrar a Rede Estadual de Enfrentamento à Violência contra a Mulher e assim realiza também uma atuação conjunta às instituições do Estado. Esta rede diz respeito à atuação articulada entre as instituições/serviços governamentais, não governamentais e a comunidade, visando ao desenvolvimento de estratégias efetivas de prevenção e de políticas que garantam o empoderamento das mulheres e seus direitos humanos, a responsabilização dos agressores e a assistência qualificada às mulheres em situação de violência. (Brasil, 2011, p.8). Segundo as entrevistadas, a participação da Tina fez com que o campo de atuação da rede se ampliasse.

No ano de 2018, a Casa atendeu apenas uma mulher a mais do que toda rede estatal. Mesmo sem profissionais remuneradas, mesmo sem grande divulgação, mesmo com todas as limitações, fizemos um trabalho de extrema importância para a cidade. A grande parte das mulheres que a gente recebe são os próprios equipamentos do Estado que encaminham para a gente. Geralmente vem de violência doméstica (...). Mulheres que chegam com filhos, que deixaram tudo para trás, são sem dúvida os casos mais complexos que a gente recebe. (Alexandra)

De fato, a Tina Martins recebe casos que são reflexos da articulação interseccional entre as estruturas de opressão que configuram a o sistema violento a que as tais mulheres são submetidas.

5.3. Conexões entre a luta feminista e a luta urbana na experiência da casa

Como vimos, a dinâmica social brasileira se desdobra em um sistema violento de segregação espacial e divisão sexual e racial do trabalho. Recaem sobre mulheres, com destaque para as pobres e negras, as responsabilidades ligadas à esfera doméstica, a superexploração de seu trabalho e a falta de acesso a direitos básicos.

O perfil da grande maioria das mulheres que chegam na Tina são mulheres que sofrem violência doméstica, por marido, pai ou irmãos. A maioria são mulheres proletárias, negras, que não têm formação completa, geralmente somente a formação básica e que se casaram muito cedo. (Alexandra)

Após o acolhimento, o abrigamento poderá ocorrer em casos específicos, quando necessário e possível. A comissão de abrigamento que avalia as possibilidades de abrigar ou não a mulher em situação de violência. A Casa consegue abrigar, por tempo determinado, até oito mulheres em situação de emergência.

Eu falo muito que abrigar é a parte mais tranquila para gente; o difícil é a gente construir saídas para essa mulher. Então tem casos que por mais que a gente queira e perceba a necessidade daquela mulher, a gente não vai ter condições de articular uma saída para ela, a não ser que a gente tenha o auxílio e o apoio de outras políticas públicas, principalmente a política de habitação. É algo que está muito ligado. Eu acho que um dos maiores motivos para as mulheres se manterem numa situação de violência é a questão da moradia, da dependência, não só econômica, mas do espaço seguro para ela estar. Vemos muito isso: a mulher sai de uma situação de violência doméstica dentro do seu âmbito familiar e passa por uma situação de violência institucional, por não ter acesso a trabalho e renda, à escola pros filhos, à creche, à saúde e à habitação. São políticas que infelizmente não andam junto com a política de assistência. Várias mulheres que já passaram pela Tina Martins conseguiram sair da casa porque se organizaram no MLB e foram lutar por um espaço de moradia. (Silvia)

Segundo Jéssica Santana, a Casa de Referência e o Movimento Olga Benário continuam atuando na lógica “com o Estado, apesar do Estado e contra o Estado” (Souza, 2010, citado por Santana, 2021, p.164), indo além dele nas práticas cotidianas do corpo, do cuidado e da produção do espaço. Segundo a autora, o processo da práxis espacial e cotidiana continua proporcionando um amadurecimento tanto das políticas internas quanto externas à Casa Tina Martins, “visando melhorar, pouco a pouco, e qualificar diariamente os serviços que prestamos tanto às mulheres abrigadas, em estado emergencial, quanto às mulheres acolhidas como um todo que recorrem à Casa para obter orientações” (idem).

Ressalta-se também que a Casa dá suporte jurídico e psicossocial de maneira gratuita e acessível, além de encontros sociais importantes para as mulheres falarem sobre seus problemas, receios, dificuldades e poderem se ajudarem. A economia solidária tem sido uma alternativa, fortalecida “por produtos de serigrafia própria, bazar e gestão de eventos no local, proporcionando uma maior autonomia financeira à Casa” (idem, p.168).

No entanto, há muito a avançar: o espaço físico limitado impede o abrigamento a todas as mulheres que buscam a Casa; a dificuldade financeira, sem apoio/ investimento por parte do Estado; faltam profissionais para demandas específicas que envolvem saúde mental ou assuntos mais complexos; falta uma articulação com políticas públicas eficazes para geração de renda e emprego das vítimas (de violência) desempregadas, bem como articulação com as políticas de habitação. Além disso, o trabalho na Casa é realizado por mulheres de forma voluntária, seja pelas mulheres do Olga, as ocupantes, parceiras, etc. que acreditam na possibilidade de transformação social.

Diante disso, apesar de estar longe de ser a resolução do problema de maneira geral, é importante reforçar que os encontros, os acolhimentos e a prática pelo olhar coletivo, socialista, como mudança efetiva, com erros e acertos, é a potência para caminharmos construindo alternativas anticapitalistas, anti-imperialistas, antipatriarcais e antirracistas, que tenham como norte a libertação completa das mulheres. (Santana, 2021, p. 167)

6. Considerações Finais

(...) a Casa de Referência da Mulher Tina Martins: uma possibilidade. Uma possibilidade de mulheres terem acesso ao direito mais básico: a vida. (Santana, 2021, p. 168)

Este artigo pretendeu visibilizar e analisar as experiências da Casa de Referência da Mulher Tina Martins, em Belo Horizonte, MG, bem como verificar como se configura e para onde se orienta a práxis espacial realizada por essa organização social que atua no suporte à violência contra mulheres. A partir da discussão ora apresentada pudemos observar que a práxis espacial realizada na Tina Martins tem atuado, no âmbito cotidiano e em escala local, no sentido da transformação das condições materiais e subjetivas para as mulheres se reposicionarem na sociedade e se verem livres do ciclo de violência em que estavam. Nesse processo, elas buscam um acesso tanto a direitos básicos da cidade para restituição de uma vida digna, como a uma progressiva tomada de consciência sobre um modo de vida pautado na coletividade. Neste sentido, acreditamos que a “Tina” se apresenta, assim, como parte de um caminho que tem como horizonte o Direito à Cidade e a transformação das estruturas sociais de opressão.

Por se tratar de um movimento que não ataca diretamente o direito de propriedade, e também por prestar um serviço que o próprio Estado não realiza, essa ocupação apresenta menos enfrentamentos tanto por parte da sociedade quanto do poder público - o que não elimina, entretanto, a insegurança quanto à posse do imóvel.

Acreditamos que o exemplo desta ocupação de “mulheres cuidando de mulheres” não constitui efetivamente um espaço diferencial no dizer de Lefebvre, que viabiliza, inteiramente, o “direito à cidade” a essas mulheres - pois não representa a superação da condição imposta -, mas pode ser considerado um “desvio” (détour) (Lefebvre, 2000, p. 425 citado por Bastos et al, 2017, p. 255), ou seja, uma “prática intermediária entre a dominação e a apropriação, entre a troca e o uso” que pode estimular diferentes apreensões sobre a produção do espaço urbano, sendo um contraponto às formas (opressoras) de dominação instituídas e um incentivo a caminharmos para uma práxis urbana interseccional transformadora. Enfim, acreditamos que a experiência ora analisada contribui para a renovação da utopia lefebvriana, moldando espaços de esperança que transcendem a realidade na forma atual, mas que anunciam um futuro (melhor) ainda a ser construído.

Referências

Akotirene, C. (2019). Interseccionalidade. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen. [ Links ]

Bastos, C. (2016). Tina Martins: de ocupação a Casa de Referência. V!RUS, São Carlos, 13. http://www.nomads.usp.br/virus/virus13/?sec=5&item=73&lang=pt. [ Links ]

Bastos, C., Magalhães, F. N. C., Miranda, G. M., Silva, H., Tonucci Filho, J. B. M., Cruz, M. de M., Velloso, R. de C. L. (2017). Entre o espaço abstrato e o espaço diferencial: ocupações urbanas em Belo Horizonte. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais (online), Recife, 19(2), 251-266, https://rbeur.anpur.org.br/rbeur/article/view/5362/pdf. [ Links ]

Bettoni, I. A. (2018). Interseções entre gênero, espaço e direito: uma análise da Casa De Referência Da Mulher Tina Martins em Belo Horizonte. 43 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. [ Links ]

Brasil, Congresso Nacional (1995). Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Brasília. [ Links ]

Brasil (2011). Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres. [ Links ]

Brasil (2012). Lei Maria da Penha. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Conheça a lei que protege as mulheres da violência doméstica e familiar. Brasília: Secretaria de Políticas para as Mulheres . [ Links ]

Canettieri, T. (2017). O debate sobre ocupações urbanas revisitado: entre o vício (da virtude) e a virtude (do vício), a contradição. Revista e-metropolis, 29(8). [ Links ]

Cerqueira, D. et al. (2020). Atlas da Violência 2020. IPEA. [ Links ]

Collins, P. H. (2016). Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do pensamento feminista negro. Revista Sociedade e Estado, 31(1), 99-127. [ Links ]

Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2020). Anuário Brasileiro de Segurança Pública - 2020. https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-final.pdf. [ Links ]

Girundi, A. C. M. A. (2017). Casa de Referência da Mulher Tina Martins. Trabalho de conclusão de curso (Graduação) - Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. [ Links ]

Gonzales, L. (1988). Por um feminismo afrolatinoamericano. Revista Isis Internacional, Santiago, 9, 133-141. [ Links ]

Harvey, D. (2014). Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Tradução de Jeferson Camargo. São Paulo: Martins Fontes. [ Links ]

Isaías, T. L. S. (2017). Mulheres em Luta: feminismos e direito nas ocupações do Izidora. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal de Minas Gerais. [ Links ]

Jusbrasil (1940). Artigo 217A do Decreto Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940. https://www.jusbrasil.com.br/topicos/28003927/artigo-217a-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940. [ Links ]

Lefebvre, H. (2003). A produção do espaço - Prefacio, Estudos Avançados, 27(79). [ Links ]

Lefebvre, H. (2000 [1974]). La production de l’espace. Paris: Anthropos. [ Links ]

Lefebvre, H. (1969). O Direito à Cidade. São Paulo: Ed. Documentos. [ Links ]

Lefebvre, H. (1999). Revolução Urbana. Belo Horizonte: Ed UFMG. [ Links ]

Lourenço, T. C. B. (2017). Ocupações urbanas em Belo Horizonte: conceitos e evidências das origens de um movimento social urbano. Cadernos de Arquitetura e Urbanismo, 24(35), 182-217. [ Links ]

Magalhães, F. N. C. (2016). Ocupações e o embate pelo direito à cidade em Belo Horizonte: buscando saídas da cidade neoliberal. In C. Libânio (org.). Favelas e Periferias metropolitanas: exclusão, resistência, cultura e potência (pp. 223-235). Belo Horizonte: Favela é isso aí. [ Links ]

Mackinnon, C. (1989). Toward a Feminist Theory of the State. Cambrige, MA, Harvard Umiversity Press. [ Links ]

Orenstein, J., Arcoverde, L. (2019). A persistente violência contra mulheres: no Brasil e no mundo. Nexojornal [podcast]. https://www.nexojornal.com.br/podcast/2019/11/25/A-persistente-viol%C3%Aancia-contra-mulheres.-No-Brasil-e-no-mundo. [ Links ]

PCMG (2020). Diagnóstico de violência doméstica e familiar contra a Mulher nas Regiões Integradas de Segurança Pública de Minas Gerais. http://www.seguranca.mg.gov.br/images/2020/Maio/Diagnosticos/DIAGNSTICO_-_VDFCM_nas_RISPs_-_2_semestre-2019.pdf. [ Links ]

Piscitelli, A. (2002). Re-criando a categoria mulher?. In L. M. Algranti (org.). A prática feminista e o conceito de gênero (pp. 7-42). Campinas: IFCH/UNICAMP, v. 48. [ Links ]

Saffioti, H. (2004). Gênero, patriarcado e violência. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo (Coleção Brasil Urgente). [ Links ]

Saffioti, H. (2001). Contribuições feministas para o estudo da violência de gênero. Cadernos Pagu, 16. 115-136. [ Links ]

Santana, J. de C. (2021). Tina Martins - mulheres de luta: resistência e subversão como meios para o direito à cidade. In D. A. Cota, L. P. Mangili, M. S. Hirata, M. C. Santos, T. M. P. de Godoy (orgs). Realidade urbana Brasileira: problemas, desafios e possibilidades para a efetivação do Direito à Cidade (pp.147-173). Rio de Janeiro, RJ: Autografia. https://ufsj.edu.br/observatoriourbano/publicacoes.php. [ Links ]

Scott, J. (1995). Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. 20(2), 71-99. [ Links ]

Sholz, R. (2013). El patriarcado productor de mercancías: tesis sobre capitalismo y relaciones de género. Constelaciones: Revista de Teoría Crítica, 5, 44-60. [ Links ]

Souza, M. L. (2010). Com o Estado, apesar do Estado e contra o Estado: os movimentos urbanos e suas práticas espaciais, entre a luta institucional e a ação direta. Revista Cidades, 7(11), 13-47. [ Links ]

SPM - Secretaria Especial de Política para Mulheres (2019). Balanço Anual 2019. Brasília, DF. https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/maio/balanco-anual-ligue-180-registra-1-3-milhao-de-ligacoes-em-2019/BalanoLigue180.pdf. [ Links ]

Vergès, F. (2020). Um feminismo decolonial. São Paulo: Ubu Editora. 144 p. [ Links ]

Villagrán, P. S. (2018). Hacia la construcción de unas geografías de género de la ciudad. Formas plurales de habitar y significar los espacios urbanos en Latinoamérica. Perspectiva Geográfica, 23(2). [ Links ]

1 Optamos por usar nomes fictícios para resguardar a identidade das entrevistadas. Para tanto usamos nomes de mulheres vinculadas ao movimento marxista, utilizados também pelas mulheres do movimento Olga Benário - são eles Silvia, Rosa e Alexandra.

2Segundo Lefebvre, é no espaço vivido - no caso deste trabalho, na Casa de Referência Tina Martins - que se produz uma rebelião - silenciosa ou não, visível ou não, porém, crítica à estrutura da sociedade capitalista - que trataremos aqui como aquela que promove opressões ligadas a classe, gênero e raça. É a partir de estudos como este que poderemos vislumbrar possibilidades para alcançar a produção de espaços diferenciais na cidade, conforme abordaremos neste trabalho.

3Belo Horizonte é considerada uma das seis maiores metrópoles brasileiras. É a capital do estado de Minas Gerais, possui 2,722 milhões de habitantes (2020) e área urbana de 282,3 km².

4O conceito de “estupro de vulnerável” é previsto pelo artigo 217-A, da Lei 2848/40, do Código Penal brasileiro. De acordo com a legislação, o delito corresponde a “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos”, com pena - reclusão, de oito a quinze anos. O mesmo se aplica ao ato cometido contra “enfermo ou deficiente mental, que não tenha o necessário discernimento para a prática do ato sexual, assim como alguém que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência.” Assim, a lei considera vulnerável a pessoa incapaz de consentir validamente o ato sexual, ou seja, que é passível de lesão, despido de proteção. (Jusbrasil, 2022; nota nossa).

5Lei que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

6A Lei Maria da Penha (11.340/2006) estrutura-se em três eixos principais de intervenção: criminal; de proteção dos direitos e da integridade física da mulher; e de prevenção e educação. Assim, partir dessa lei, a rede de atendimento às mulheres em situação de violência passou a compreender outros serviços que não somente os Casas-abrigo e as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), tais como: centros de referência da mulher, defensorias da mulher, promotorias da mulher ou núcleos de gênero nos Ministérios Públicos, juizados especializados de violência doméstica e familiar contra a mulher, Central de Atendimento à Mulher (Ligue 180), entre outros.

7A Lei de Feminicídio - nº 13.104/2015 altera o Código Penal prevendo o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio e o incluindo no rol dos crimes hediondos (BRASIL, 2015).

8Fala da coordenadora do movimento Olga Benário durante a 1ª Plenária Nacional do Movimento de Mulheres Olga Benário, realizada via Google Meet, julho 2020.

9Para Saffioti (2004, p.44), patriarcado se refere especificamente ao regime de exploração-dominação das mulheres pelos homens.

10Segundo Jéssica Santana (2021), Espertirina Martins foi uma operária que participou de greves da classe trabalhadora, realizadas em 1917 - Porto Alegre (RS) -, sendo determinante no confronto e na efetividade de acesso a direitos para a população, a partir de uma resposta inesperada contra a violência policial da época: um “buquê-bomba” que intensificou a combatividade das movimentações de rua. Ela é exemplo para todas as mulheres, que são as maiores vítimas da sociedade patriarcal e machista.

11A Feira é um evento que ocorria mensalmente como local de potência e oportunidade para produtoras autônomas e locais gerarem renda, trocarem experiências e também poderem ter acolhimento no ambiente físico e com outras pessoas presentes. A feira foi interrompida na pandemia e voltou a funcionar em 11/12/2021.

Recebido: 12 de Fevereiro de 2022; Aceito: 18 de Maio de 2022

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons