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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES vol.au22  Lisboa out. 2022  Epub 26-Out-2022

https://doi.org/10.15847/cct.26224 

RESENHA

MORE. Expanding architecture from a gender-based perspective

1Darq-Uiversidade de Coimbra

2CIEG/ISCSP-ULisboa, Portugal, liapantunes@gmail.com


More, Mais, Más, Più. O título indica-nos, logo à partida, um desejo de um passo em frente, de superação, uma vontade de ir além de. MORE é também o acrónimo de Merge, Open, Resignify, Expand. Em português, o mote seria «unir, abrir, ressignificar, expandir».

MORE. Expanding architecture from a gender-based perspective (2020) fala-nos de espaços, arquiteturas, género, feminismos e transformação. No caminho começado pelos eventos ArquitectAs1 (Sevilha, 2014) e Matrices (Lisboa, 2015), o livro é a materialização do 3º Congresso Internacional Arquitectura e Género que teve lugar na Escola de Arquitetura da Università degli Studi di Firenze (UniFi, Forença, Itália) entre 26 e 28 de janeiro de 2017. Com o apoio da editora da Universidade, didapress, esta coletânea foi pensada e escrita a diversas mãos e reúne artigos, conferências, vídeo-ensaios e workshops apresentados e desenvolvidos ao longo de três dias de trabalho.

Publicado em versão trilingue - inglês, espanhol e italiano2 -, o conjunto da obra apresenta-nos olhares diversos sobre a historiografia e a História da Arquitetura e do Urbanismo, a teoria crítica urbana, o projeto arquitetónico e as práticas quotidianas e urbanísticas. É, portanto, teoria e prática, alicerçadas nos estudos sobre as mulheres, de género e feministas, e na constante proposta de revisão crítica das bases epistemológicas, teórico-conceptuais e metodológicas das áreas disciplinares relacionadas com o espaço e o território.

A diversidade de geografias3, tanto de origem das autoras e autores como dos objetos de estudo, é fundamental para os feminismos interseccionais e enriquece a obra e a discussão. A Europa do Sul é o ponto de partida destes congressos, que se entrelaça com artigos do Norte Global (Europa do Norte e EUA)4 e do Sul Global (América do Sul). Os tempos dos relatos são igualmente distintos e, apesar do foco na contemporaneidade do século XX e XXI, estes também se fazem à luz das condições urbanas e de vida das mulheres em séculos passados.

São quase seiscentas páginas e cerca de seis dezenas de textos e de autorias. Imagino o enorme esforço na preparação de um documento complexo e denso que não tem a pretensão de ser uníssono. Nem poderia sê-lo: os Feminismos são, na sua essência, lugares que não procuram consensos latos, mas antes debate crítico, interno e externo, que permitem avançar, na teoria e na prática. Tal é assumido pela comissão organizadora/editoras da obra ao exporem, logo na introdução, que

We value diversity; therefore, even if sometimes the opinions expressed in this publication by the authors may not reflect the editors’ point of view, we decided to include them to celebrate the plurality of voices that come together. We think that difference, heterogeneity and asymmetry are a source of richness to continue the (always) unfinished conversation. We strongly believe that this project was needed to bring critical feminist thinking to architecture, to disseminate good practices and to cultivate the culture of inclusivity and participation in our society. (Amoroso et al., 2020, p. 18)

O livro estrutura-se em quatro partes, com pesos diferentes, que correspondem aos blocos organizadores do programa do congresso: Introductions, Lectures, Cities best practices e Workshops. Estas são introduzidas por textos escritos pelas editoras que dialogam com as organizadoras dos dois congressos antecedentes, as arquitetas e académicas Nuria Álvarez Lombardero e Patrícia Santos Pedrosa. Ao mesmo tempo que assumem claramente a pertença a esta genealogia de encontros e de redes, entendidas como «ferramentas de reivindicação» (Álvarez Lombardero, 2020, p. 25), o congresso MORE e os artigos incluídos nesta antologia propõem avanços, sobretudo no que concerne às desigualdades e opressões estruturais de género (e, mais pontualmente, a classe social e as questões raciais e étnicas) em relação às diversas escalas do habitar.

O capítulo Lectures compõe-se de trabalhos apresentados no congresso por investigadoras e investigadores, jovens e séniores, e de pessoas ligadas a diversas práticas profissionais. Os quatro grandes blocos são sempre More than/Mais do que, no tal comprometimento de superação de algo. Eu diria que falamos sempre da desconstrução, destabilização e o avanço sobre as relações de poder assimétricas em sociedades patriarcais e capitalistas, mais ou menos (in)visíveis nos espaços e histórias que habitamos.

More than Objects. A primeira parte pretende destabilizar, ampliar e/ou subverter o discurso canónico da arquitetura. Oito artigos convocam a justiça socio-espacial, baralham os limites da casa e do espaço público e estendem o conceito de domesticidade, tanto a partir de vivências de mulheres migrantes em Espanha como de trabalhos de arquitetas já reconhecidas. Falam ainda de desordem, de eliminar fronteiras e representações baseadas em estereótipos de género, e da crítica feminista à sobrevalorização dos ícones arquitetónicos e da ideia de edifícios como objetos isolados.

More than Cities. O segundo bloco de treze trabalhos propõe-se a, por um lado, repensar categorias urbanas essenciais à vida quotidiana, a partir dos corpos que se movem no espaço urbano, do medo e do desejo, e a partir de cidades como São Paulo, Atenas, Dar es Salaam e Nairobi, e Limassol. Cidades italianas são ainda cenário para a exposição (e objetificação) de corpos de mulheres, apropriados pela publicidade turística e arquitetónica. Por outro lado, procura fixar narrativas de mulheres marginalizadas, tanto arquitetas e urbanistas pioneiras como mulheres anónimas que lutaram por causas urbanas em Nova Iorque ou trabalhadoras domésticas exploradas.

More than Academia. A terceira parte compõe-se de quatorze reflexões críticas sobre práticas pedagógicas, educacionais e historiográficas com enfoque de género, em relatos vindos, por exemplo, do Brasil, Argentina, Arábia Saudita, Itália, Alemanha e EUA. Desenham-se metodologias e estratégias feministas para repensar os espaços do dia-a-dia e o conceito de igualdade e equidade dentro da profissão, também desde ações de associações de mulheres5.

More than Humans. A quarta e última parte, mais breve, é um esforço de entender a arquitetura como mediadora na reformulação de categorias políticas de humanos, natureza e animais, e de estabelecer novas possibilidades para humanos, não-humanos e os territórios que habitamos e sentimos. Ou ainda More-than-human architectures, como formula a académica em arquitetura Karin Reisinger (2020, p. 439). Lançou-se assim, ainda que timidamente, a grande temática das propostas ecofeministas para imaginarmos «um outro mundo possível»6.

Finalmente, a secção Cities best practices, que agregou especialistas em mainstream de género aplicado ao planeamento urbano das cidades de Viena, Santa Coloma de Gramenet, Santiago de Compostela, Sassari, Bogotá e Florença, coloca de facto a ênfase na prática e nas políticas públicas. As notas sobre os dois workshops encerram esta compilação de atividades: AMORE, uma proposta de confissão colaborativa sobre os sentimentos íntimos em relação à cidade de cada participante, e uma caminhada urbana em Figline e Incisa Valdarno que chama a atenção para a importância da análise dos espaços do quotidiano locais a partir de uma perspetiva de género, coordenada pelo coletivo catalão Equal Saree.

Dificilmente este livro será lido na íntegra. Mas pode e deve ser lido segundo outras lógicas: as temáticas e teóricas, as metodológicas e as provocações que oferece. Abanando algumas estruturas hegemónicas disciplinares, dá-nos pistas para vários caminhos possíveis, na teoria e na prática. Afigura-se, portanto, como uma leitura incontornável para teóricas e ativistas feministas, para investigadoras e investigadores, para estudantes e profissionais ligados à prática do projeto de arquitetura, ao planeamento regional e urbano e aos estudos urbanos, à administração pública e ao corpo técnico municipal. No fundo, para quem deseje transformar o mundo pela justiça, equidade e emancipação.

Referências

Álvarez Lombardero, N. (Ed.) (2015). ArquitectAs: Redefiniendo la profesión. Málaga: Recolectores Urbanos Editorial. http://ilibri.casalini.it/toc/3154413Links ]

Álvarez Lombardero, N. (2020). MORE and LARGER. The network as a vindication tool. Em S. Amoroso, E. Saree, D. Saldanã, H. Cardona, J. Goula, M. Novas, & A. Vilaplana (Eds.). MORE. Expanding architecture from a gender-based perspective (pp. 25-30). Didapress. Dipartimento di Architettura DIDA dell’Università degli Studi di Firenze. https://issuu.com/dida-unifi/docs/more._expanding_architecture_from_a_gender-based_pLinks ]

Amoroso, S., Saree, E., Saldanã, D., Cardona, H., Goula, J., Novas, M., & Vilaplana, A. (2020 ). MORE. Expanding architecture from a gender-based perspective. Didapress. Dipartimento di Architettura DIDA dell’Università degli Studi di Firenze. https://issuu.com/dida-unifi/docs/more._expanding_architecture_from_a_gender-based_pLinks ]

Pedrosa, P. S., Oliveira, C., Santos, E. S., Antunes, L., Paiva, L., Sequeira, J., & Souto, M. H. (Eds.). (2021). Acção! V CIAG V Congresso Internacional Arquitectura e Género. Acção! Feminismos e a espacialização das resistências. Livro de Resumos. CIEG/ISCSP-Universidade de Lisboa. https://warch.iscsp.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2021/04/v-ciag-2021-book-abstracts.pdfLinks ]

Puleo, A. (2011). Ecofeminismo para otro mundo posible. Cátedra. [ Links ]

Reisinger, K. (2020). Connective Oscillations: Wondrous architectures between the devil and the deep blue sea. Em S. Amoroso, E. Saree, D. Saldanã, H. Cardona, J. Goula, M. Novas, & A. Vilaplana (Eds.). MORE. Expanding architecture from a gender-based perspective (pp. 25-30). Didapress. Dipartimento di Architettura DIDA dell’Università degli Studi di Firenze. https://issuu.com/dida-unifi/docs/more._expanding_architecture_from_a_gender-based_p. [ Links ]

1 Do primeiro congresso resultou o livro ArquitectAs: Redefiniendo la profesión (2015), focado sobretudo na desconstrução do discurso hegemónico e masculinizado da disciplina e na História e no futuro da profissão para as arquitetas.

2Apesar do esforço em proporcionar um evento e um objeto multilingues, o inglês destaca-se claramente, contabilizando 75% dos textos. A língua portuguesa não foi um idioma do congresso, ainda que existam propostas a partir de Portugal e do Brasil.

3Falta África(s), falta sempre África(s).

4Onde se enquadram, por exemplo, as intervenções das duas keynote speakers, a arquiteta do coletivo britânico muf, Liza Fior, e a professora e psicóloga ambiental finlandesa, Liisa Horelli.

5Noto que a associação Mulheres na Arquitectura, nascida em Portugal em 2017, foi inspirada nas partilhas destas associações durante este congresso.

6Expressão emprestada pelo título do livro «Ecofeminismo para outro mundo posible» da filósofa argentina Alicia Puleo (2011). Este tema foi depois resgatado e aprofundado (mas não esgotado) no V Congresso em Arquitectura e Género (Lisboa, 2021), ACÇÃO! Feminismos e a espacialização das resistências, do qual resultou um livro de resumos homónimo (2021).

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