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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES vol.45  Lisboa dez. 2022  Epub 29-Dez-2022

https://doi.org/10.15847/cct.26570 

ARTIGO ORIGINAL

Refugiados de África e do Médio Oriente em Portugal: notas sobre o acesso à habitação e direito à cidade

Refugees from Africa and the Middle East in Portugal: Notes on access to housing and the right to the city

Sílvia Leiria Viegas1 
http://orcid.org/0000-0002-3265-3108

1Centro de Investigação em Artes e Comunicação, Universidade do Algarve, Portugal, sbviegas@ualg.pt


Resumo

Este artigo versa sobre o problema do acesso à habitação de refugiados de África e do Médio Oriente em Portugal. Refere-se ao período desafiante da pandemia de Covid-19, em 2020/2021. Usa, também, como referência o período imediatamente anterior, incluindo no que toca aos impactos das lutas pelo direito à habitação de uma franja da sociedade urbana, igualmente empobrecida e racializada, a (sobre)viver em bairros precários auto-produzidos da Área Metropolitana de Lisboa. O trabalho visa, portanto, dar a conhecer este problema, como percecionado pelos refugiados; ajudar a construir uma contra-narrativa crítica sobre o assunto e seu significado, a partir das suas posições de desvantagem e perspetivas de desprivilegiados; e, destacar o seu papel participativo e colaborativo na construção de horizontes de esperança. Metodologicamente, usa-se o conceito de direito à cidade e a investigação-ação participada e colaborativa para alcançar conhecimento situado no Fórum Refúgio Portugal, uma rede para a construção de novos mecanismos de inclusão para refugiados. Trata-se de um espaço para o diálogo, resolução de problemas, construção epistemológica e desenho de estratégias de mobilização, promovido por refugiados com académicos ativistas, em articulação com decisores políticos e instituições, entre outros atores. Em tom de remate, apontam-se conclusões sobre o acesso à habitação em diálogo com outros recursos, ou seja, o produto, e a obra; sobre produtivismo estatal e manutenção do sistema estrutural dominante; e sobre a construção de relações sociais e novos modos de vida apontados para a transformação urbana, ao nível do espaço e da sociedade, e para a desejada estabilidade.

Palavras-chave: refugiados; habitação; direito à cidade; investigação-ação participada; decolonização epistemológica

Abstract

This article deals with the problem of access to housing for refugees from Africa and the Middle East in Portugal. It refers to the challenging period of the Covid-19 pandemic, in 2020/2021. It also takes as reference the immediately preceding period, including with regard to the impacts of the struggles for the right to housing of a fringe of the urban society, equally impoverished and racialised, living in self-produced neighbourhoods in the Lisbon Metropolitan Area. The work, therefore, aims to raise awareness of this problem as perceived by refugees; to help build a critical counter-narrative about the problem and its meaning, from their disadvantaged positions and perspectives as underprivileged; and, to highlight their participative and collaborative role in building horizons of hope. Methodologically, the concept of the right to the city, participatory action research and collaborative methods are used, so as to grasp knowledge situated in the Refugee Forum Portugal, a network for building new inclusion mechanisms for refugees. It is a space for dialogue, problem solving, epistemological construction and mobilisation strategies, promoted by refugees with academic activists, articulated with decision-makers and institutions amongst other stakeholders. Finally, some conclusions are drawn on access to housing in dialogue with other resources, that is, on the product and the work; on state productivism and the maintenance of the dominant structural system; and, on building social relationships and new ways of life aimed at urban transformation, at the level of space and society, and for long-desired stability.

Keywords: refugees; housing; right to the city; participatory action research; epistemological decolonization

1. Introdução

O artigo aborda o problema do acesso à habitação de migrantes forçados em situação de vulnerabilidade, nomeadamente pessoas refugiadas, vindas de África e do Médio Oriente, geralmente racializadas, que visam reconstruir suas vidas na Europa. Refere-se ao período desafiante da pandemia de Covid-19, 2020/2021. Todavia, recua também ao período anterior (2015-) a partir da chamada crise europeia dos refugiados. Sublinha-se que, sabendo-se as diferenças legais - requerentes de asilo, refugiados, beneficiários de proteção subsidiária e temporária1 -, utiliza-se o termo refugiado para referir todos e todas os/as que necessitam de acolhimento.

O artigo usa ainda como referência uma franja da sociedade urbana empobrecida, também racializada, a (sobre)viver em bairros precários auto-produzidos da Área Metropolitana de Lisboa (AML), entre 2017/2018. Refere-se, portanto, a Portugal, país que é palco de fortes dinâmicas urbanas e habitacionais excludentes (Tulumello & Allegretti, 2020; Mendes, 2022, para referir alguns autores). Neste caso, a pandemia de Covid-19 revelou ser lente ampliadora dos problemas estruturais e quotidianos existentes (Viegas, 2019a; Antunes, & Seixas, 2019); bem como das (re)ações de franjas desapossadas da sociedade civil que buscaram melhores oportunidades e condições de vida (Mendes, 2021).

O artigo versa, sobretudo, sobre a inclusão dos refugiados sem apoio de Programas Europeus e Acordos Internacionais de acolhimento. Não fala, contudo, sobre as suas trajetórias (Palminha, 2019) ou suas vivências em campos de refugiados, com informalidades e espaços marginais específicos (Sanyal, 2014), sequer da “campização” de espaços de alojamento para os refugiados nas capitais europeias (Kreichauf, 2018). Usa, antes, como referencial, as ideias de cidade como santuário (Darling, 2016), na ótica das comunidades de apoio que atuam de forma invisível - sobretudo no que toca à violência estrutural e quotidiana a que, por norma, são sujeitos, e à relevância da sua existência no que se refere a oportunidades de inclusão -, e que falham em desafiar o status quo excludente da imigração, ou do urbano enquanto terreno fértil para a crítica contra a exclusão; recorre, também, à ideia do asilo como cidade (Idem, 2020), designadamente, como produto de ontologia política que contesta orientações autoritárias de governação, ou da manifestação urbana da dispersão, ligado a um desejo de quietude e de estabilidade nas condições turbulentas da mobilidade.

Colocam-se, neste quadro, as seguintes questões: como é que estes refugiados, a partir da sua posição, veem o seu acesso à habitação, entre outros recursos urbanos no quadro abrangente do direito à cidade? Como é que se organizam para resolver problemas e fazer chegar a sua voz à esfera pública, institucional e política? Quais as respostas habitacionais produzidas ou em produção? São estas as perguntas a que se visa aqui responder. Para isso, presume-se que os refugiados, na sua diversidade, são atores importantes para a construção de novas narrativas públicas sobre o seu acesso a oportunidades, e para a construção de novos espaços tangíveis de inclusão.

Procura-se: dar a conhecer o problema do acesso à habitação e direito à cidade tal como percecionado pelas bases; ajudar a construir uma contra-narrativa crítica sobre este problema, de importância para os refugiados, e o seu significado, a partir das suas posições de desvantagem e perspetivas de desprivilegiados; e destacar o seu papel participativo e colaborativo na construção de horizontes inclusivos.

Metodologicamente, usa-se o conceito de direito à cidade (Lefebvre, 1968), a investigação-ação participada (Rowel et al., 2017) e o trabalho colaborativo (Turner & Baker, 2020) para alcançar conhecimento situado no Fórum Refúgio Portugal, a partir de 2019, uma rede de construção de mecanismos de inclusão para os refugiados. Trata-se de um espaço para o diálogo, resolução de problemas, construção epistemológica e desenho de estratégias de mobilização, promovido por refugiados com académicos ativistas, em articulação com decisores políticos e instituições, entre outros atores. Estes refugiados assumem-se como tradutores e mediadores socioculturais (ver informação detalhada sobre o aparecimento e as atividade desenvolvidas nas secções 3 sobre o quadro empírico e 5 sobre mobilizações sociais).

Por sua vez, são vários os refugiados que diariamente procuram o apoio do Fórum Refúgio Portugal, somando um total de 525 pessoas em cerca de 2 anos (2020/2021). Nesse contexto, recolheram-se vários testemunhos ligados a problemas de acesso habitacional através de voluntariado2. Além disso, recolheu-se informação em grupos de trabalho e em reuniões com representantes de órgãos institucionais, técnicos e decisores. Foram também feitas dezassete entrevistas semiestruturadas e mais de trinta reuniões, recolhendo-se registos privados de vídeo, áudio e de imagem. Foram organizados eventos sobre acolhimento e habitação contando com refugiados, membros do governo, entidades de acolhimento e academia3. Os relatos mais representativos4 são reproduzidos neste trabalho. Com este conhecimento, emanado das bases, cruzado com outras áreas do saber, foram produzidas propostas de projetos e relatórios colaborativos. Alguns textos científicos autorais foram revistos e comentados pelos principais intervenientes5.

Tratando-se de uma abordagem multi-métodos, tendo em conta a referida franja da sociedade urbana empobrecida, também racializada, em 2017/2018, antes do trabalho no Fórum Refúgio Portugal e da pandemia da Covid-19, já tinham sido feitas visitas e atividades de extensão com comunidades a viver em bairros auto-produzidos em situação de precariedade na AML6. Os principais problemas encontrados ligam-se à falta de acesso a recursos: habitação condigna e infraestruturada (água, luz, etc.), saúde, emprego, escolaridade, etc. Neste caso, a observação foi feita de forma direta e participada. Foram organizados dois grupos focais7, integrada uma mobilização político-social8 - para penetrar as referidas reações da sociedade civil - e produzido um registo iconográfico (fotografias e mapas). Este conhecimento situado e acumulado foi destilado e articulado no âmbito da Rede Nacional de Estudos da Habitação9, uma rede colaborativa de estudos ligada a contextos ativistas não-académicos.

Esta abordagem beneficiou do cruzamento integrado de saberes sobre o tema em contextos diferenciados. Também ganhou com a construção e consolidação de redes de partilha do conhecimento sobre habitação e direito à cidade, numa perspetiva de diversidade. Além disso, favoreceu partilha crítica com refugiados, por vezes ocorrida nos eventos antes identificados. Estes cruzaram realidades diferenciadas de pessoas e comunidades também racializadas (na linha de Picker 2017; Magano & Mendes, 2021). Situaram-se problemas colocados, aí, em perspetiva, identificaram-se necessidades, desejos e vontades, e pensaram-se soluções comuns e individualizadas. Esta abordagem ajudou os refugiados a perceber Portugal enquanto país de acolhimento e que o problema do acesso à habitação e à cidade não é exclusivo da sua excecionalidade.

2. Quadro teórico-metodológico

Lefebvre (1968) formulou a ideia de direito à cidade como um direito superior. Refere-se aos recursos urbanos que, quando ativados pelas práticas sociais, podem transformar a realidade quotidiana. Incluem-se, aqui, produto e obra: habitação (com infraestruturas), educação, saúde, lazer, entre outras dimensões relevantes associadas, e espaço enquanto valor; e atividade participante: “[o direito à cidade] só pode ser formulado como o direito à vida urbana, transformada, renovada” (Ibid., p. 108). Para Lefebvre (1974) o espaço social resulta, pois, da reprodução automática de relações sociais com valor de mercado com momentos de realização social.

Relativamente ao produto, Lefebvre (1970) refletiu sobre o urbanismo enquanto instrumento político e de poder do Estado, exercido como forma de representação, seguindo as estratégias espaciais que seguem e reproduzem lógicas de classe - Brenner (2008) aponta como a lente de Lefebvre ajuda a descodificar o produtivismo estatal -; ou como alguns grupos sociais são submetidos a uma racionalidade uniformizadora movida pela sociedade burocrática de consumo dirigido, geralmente apontada para alimentar o sistema capitalista estrutural existente (Lefebvre, 1974).

Sobre a obra, Lefebvre (1974) refere-se às manifestações tangíveis das relações sociais estabelecidas, diferentes consoante a sua natureza; e como os sujeitos renovam modos de vida através da apropriação do espaço e poder, e das suas interações com a materialidade. Assim, os espaços sociais são múltiplos, a cada um correspondendo uma certa performance. Como refere Lefebvre (1974, p. 103) “não existe um espaço social, mas vários espaços sociais, uma multiplicidade indefinida da qual o termo «espaço social» denota um conjunto incontável”. Portanto, o referido sistema estrutural é permeável à influência das pessoas e comunidades, seus ritmos e existências (Lefebvre, 1970).

A investigação-ação participativa visa compreender e mudar o mundo. Aqui, a construção do conhecimento decorre da prática sendo esta informada por esse conhecimento, num contínuo processo colaborativo entre investigadores e participantes, onde todos são co-construtores de conhecimento e transformação (exemplos em Rowell et al., 2017). Esta pesquisa visa a democratização dos saberes. Não é neutral, nem objetiva pessoas ou práticas de observação. Os sujeitos são antes convidados a analisar criticamente a sua realidade e posição no mundo e a explorar a construção de novos significados (como apontam Braden & Mayo, 1999, apudKindom, 2003), através da criação de novas políticas do saber, tornando-se produtores das suas representações.

A decolonização10 epistemológica (na linha de Mignolo & Walsh, 2018), por sua vez, critica o sistema de conhecimento ocidental hegemónico. Procura explorar saberes, significados e métodos alternativos e, assim, construir e legitimar outros sistemas de conhecimento. Como afirmam Keikelame e Swartz (2019, p.1), “a metodologia de pesquisa decolonizadora é utilizada para desafiar os métodos de pesquisa eurocêntricos que minam o conhecimento e as experiências locais dos grupos marginalizados”, referindo-se, principalmente, “aos espaços que podem viabilizar o processo de investigação e que, deste modo, contribuem para a transformação das identidades dos investigadores”.

O direito à cidade e a investigação-ação participativa para uma decolonização epistemológica definem, assim, o quadro teórico-metodológico deste estudo. O direito à cidade para todos na perspetiva da diversidade configura a paisagem conceptual que norteia a transformação da sociedade urbana e a construção de novos mundos alternativos. É, portanto, um conceito estruturante do pensamento crítico e da ação transformadora. A investigação-ação participativa reforça esta abordagem. Assim, este quadro teórico-metodológico é usado para categorizar e reinterpretar os problemas estruturais e quotidianas, como percecionados no Fórum Refúgio Portugal.

Estes novos saberes organizam-se segundo as seguintes dimensões de análise: acesso à habitação em diálogo com outros recursos (educação, trabalho, saúde, lazer, etc.) e a obra; produtivismo estatal e manutenção do sistema estrutural dominante; e construção de relações sociais e novos modos de vida apontados para a transformação do sistema tendo em conta práticas quotidianas. Isto ocorre no universo temporal da pandemia de Covid-19, que também configura um marcador essencial.

Ainda sobre a obra, atividade participante e de realização social, especificamente sobre a performance da apropriação do espaço e de poder, sublinha-se o carácter agregador do Fórum Refúgio Portugal no que se refere às associações e pessoas que o constituem (secção 3), mas sobretudo às práticas que o animam (secção 5). Ali potencia-se o acesso a outras geografias criticamente informadas de ação orientada, os tais espaços de esperança apontados por Harvey (2000) e evidenciados no pensamento filosófico de Freire (1992). É, também, nesse espaço que “nós, enquanto pesquisadores, podemos ser empoderados e transformados no processo de pesquisa” (Keikelame e Swartz, 2019, p.6).

3. Quadro empírico e político

3.1. O contexto recente do refúgio em Portugal, entidades de acolhimento e associações de refugiados

Entre 2015 e 2021, Portugal recebeu 9.774 pedidos de proteção internacional (SEF, 2020, 2022). Nestes incluem-se 1.550 pessoas que vieram da Grécia e de Itália via Programa Europeu de Recolocação, entre 2015 e 2018; 100 pessoas ao abrigo do Acordo de Recolocação Bilateral Portugal-Grécia, até 2021; 199 crianças através da Recolocação Voluntária de Menores Não Acompanhados, desde 2020; 264 Recolocações Ad Hoc de Barcos Humanitários; e, mais recentemente, 768 pessoas provenientes do Afeganistão pelo Programa de Admissão Humanitária11, em 2021 (Oliveira, 2022). Além destes, vieram 142 pessoas ao abrigo do Acordo União Europeia/Turquia 1x1, em 2016 e 2017; e outras 930 da Turquia e Egito através do Programa de Reinstalação da União Europeia, entre 2020 e 2021 (Ibid.; SEF, 2021, 2022). Por via destes Programas Europeus e Acordos Internacionais, Portugal recebeu quase 4.000 pessoas, sobretudo de África e do Médio Oriente12 13. Antes da pandemia de Covid-19, destas, 56% tinha deixado voluntariamente o país (ACM, 2019), a maioria devido a movimentos migratórios secundários.

O Alto Comissariado para as Migrações (ACM) é o responsável pelo apoio à integração de refugiados em Portugal. Fá-lo através da execução de políticas públicas. Para estes programas e acordos o ACM assinou protocolos de colaboração com entidades de acolhimento para suporte técnico-financeiro: €6.000/7.000 por adulto e €4.000 por menor. Estes, por sua vez, receberam apoio em espécie e pecuniário: €150/mês por adulto e €75/mês por menor14, durante 18/24 meses (Graça, 2018; Oliveira, 2020). As entidades e consórcios envolvidos são o Conselho Português para os Refugiados (CPR), a Cruz Vermelha Portuguesa, a Plataforma de Apoio a Refugiados (PAR) e a União das Misericórdias Portuguesa. Organizações Não-governamentais, Religiosas e Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) também participam. Além disso, seguindo lógicas de desconcentração territorial - para diminuir a pressão na capital, repovoar o interior e áreas rurais - entre 2018 e 2021, 214 municípios acolheram refugiados (Oliveira, 2020). A narrativa oficial de acolhimento de refugiados em Portugal tem sido, por norma, positiva.

Por sua vez, emergiram quatro associações locais formadas por refugiados: Associação de Refugiados em Portugal (ARP), em 2010; União de Refugiados em Portugal (UREP) e Associação de Apoio a Migrantes e a Refugiados em Portugal (APIRP), em 2013; Associação Family of Refugees (FR), em 2016. São associações de microescala, metade de natureza familiar, constituídas por pessoas de África e Médio Oriente, que se organizaram em sistema de autorrepresentação. Não são entidades de acolhimento, contudo procuram ajudar outros refugiados no processo de integração (aqui entendida na linha de Ager & Strang, 2008 15; Penninx & Garcés-Mascareñas, 2016)16. Em 2018, a Secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade17 convidou estas quatro associações18 a formar o Fórum Refúgio Portugal e a trabalhar no espaço Co-Work, situado no edifício do Centro Nacional de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM), em Lisboa. Desde 2019, o Fórum Refúgio Portugal interage quase exclusivamente com a UREP, sediada em S. João da Talha (AML), a associação de refugiados que mais opera nesse espaço institucional.

3.2. Dificuldades de acesso à habitação em Portugal, incluindo para os refugiados

Antes do aparecimento da pandemia da Covid-19, já tinham sido documentados, em Portugal, relevantes problemas habitacionais: o IHRU (2018) identificou 25.000 agregados a necessitar de realojamento19 (55% destes estavam na AML). Mas os problemas habitacionais existentes eram maiores do que os apontados. No levantamento não foram considerados casos de coabitação e sobrelotação, dificuldades de pagamento de rendas e perda de contratos, e altíssimas taxas de esforço individuais ou familiares (Estevens et al., 2021). De fato, devido às fortes dinâmicas imobiliárias instaladas, e aos crescentes processos de renovação, gentrificação, turistificação, periferização e atração de capital estrangeiro (Viegas, 2019ª; Tulumello & Allegretti, 2020), o valor da venda e arrendamento das casas continuou a subir, sobretudo na AML (Antunes, & Seixas, 2019; Mendes, 2022). Por sua vez, as respostas públicas eram, à data, limitadas, com a provisão de habitação social, por exemplo, a cumprir 2% do stock nacional (Xerez et al., 2019; OECD, 2020). A verdade é que, com a pandemia da Covid-19, os problemas estruturais habitacionais e de exclusão agravaram-se. Voltaram, inclusive, a despontar novos bairros auto-produzidos (Malta, 2021).

No que se refere ao problema de acesso à habitação dos refugiados, importa sublinhar que os centros de acolhimento temporário na AML há muito estão ocupados acima da sua limitada capacidade20. Além disso, para os refugiados, é muito difícil arranjar uma habitação condigna (Freitas et al., 2021). No início da pandemia de Covid-19, Oliveira (2020), porta-voz do Observatório das Migrações do ACM, frisava que as dificuldades habitacionais destes refugiados eram maiores em Lisboa (56%) e somava, ao problema, a desconfiança dos arrendatários, a falta de casas no mercado, e a pouca oferta de habitação social e de valores de apoio. Recentemente, a autora (Idem, 2022, p.162) afirmou que “a habitação tem sido apontada como um dos principais desafios no acolhimento e integração […] comprometendo a autonomização dos refugiados em Portugal.” Além disso, em período pandémico, a Secretária de Estado para a Igualdade e Cidadania, Rosa Monteiro, reconheceu que “as mulheres migrantes e refugiadas […] enfrenta[va]m de forma mais dura as dificuldades de vida em condições de forte precariedade habitacional.” (Comunicação, 12 de novembro, 2020). A verdade é que, tirando situações pontuais, não existe um levantamento articulado à escala nacional sobre as condições de vida dos refugiados em Portugal.

O chamado problema habitacional em Portugal é, pois, relevante e está na origem de uma importante mobilização e reivindicação social. Na AML, os atores-chave são a Associação de Inquilinos Lisbonenses e a Habita, e as iniciativas Morar em Lisboa e a Stop Despejos. O movimento ativista da Caravana pelo Direito à Habitação (Falanga et al., 2019) foi, ainda, fundamental, instigando a produção governamental da Nova Geração de Políticas de Habitação (NGPH), em 201821, e da Lei de Bases da Habitação22 de 2019. Estes instrumentos, desenhados antes da pandemia, apontam para um levantamento municipal dos problemas23 e sua resolução através de orçamento nacional, não havendo, ainda, dados articulados e harmonizados sobre os territórios e pessoas abrangidas. Com o aparecimento da Covid-19, as lutas urbanas sobre a habitação acirraram-se (Mendes, 2021). Além das respostas governamentais de urgência para grupos vulneráveis24, surgiu um grande instrumento de financiamento europeu: o Plano de Recuperação e Resiliência. Resta compreender como estes instrumentos de diferentes escalas, os primeiros fomentados por essas mobilizações sociais, a partir dos problemas habitacionais enfrentados por grupos a viver em precariedade, respondem a problemas semelhantes, do contexto específico dos refugiados.

3.3. Respostas públicas para o acesso à habitação com menção aos refugiados

O 1.º Direito25 - Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, lançado em 2018 no quadro estratégico-político da NGPH, quer encontrar soluções para “pessoas que vivem em condições habitacionais indignas e não dispõem de capacidade financeira para suportar o custo do acesso a habitação adequada”. Aqui, o artigo 10º refere como situações específicas as pessoas mais vulneráveis, incluindo os requerentes e os beneficiários de proteção internacional. Neste caso específico, o ACM pode ser chamado a colaborar com o Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) na análise e avaliação do projeto habitacional; por outro lado, o artigo 26º reconhece como entidades beneficiárias as entidades gestoras de respostas de acolhimento para esses requerentes e beneficiários de proteção internacional. O apoio, por sua vez, depende de sinalização municipal nas Estratégias Locais de Habitação (ELH)26, sendo estas condição para o acesso a financiamento. Contudo, um primeiro retrato esboçado por Jorge (2022) refere que nenhum dos municípios então analisados considerou as necessidades habitacionais destes beneficiários.

O Porta de Entrada27 - Programa de Apoio ao Alojamento Urgente, do mesmo ano e quadro estratégico-político quer responder a “pessoas que se vejam privadas, de forma temporária ou definitiva, da habitação ou do local onde mantinham a sua residência permanente ou em risco iminente de ficar nessa situação, em resultado de acontecimento imprevisível ou excecional”, nomeadamente catástrofes e movimentos migratórios. O artigo 5º identifica como possíveis beneficiários as pessoas sem alternativa habitacional adequada, com indisponibilidade financeira imediata e sem património mobiliário relevante. O programa é protocolado entre o Instituto Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) e os municípios/regiões autónomas, com opções habitacionais provisórias, de permanência ou apoio financeiro. Este mecanismo foi sendo timidamente ativado para refugiados28.

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR, 2021-2026), financiado pela Comissão Europeia (M€16.600), foi desenhado para amenizar o impacto económico-social da pandemia de Covid-19. Prevê-se, neste quadro, um forte investimento público na habitação para os próximos anos. Estão, neste âmbito, a ser ativados o Programa de Apoio ao Acesso à Habitação (M€ 1.211) e uma Bolsa Nacional de Alojamento Urgente e Temporário (M€ 176/2.000 fogos). No entanto, o PRR foi criticado por membros da Rede H por só querer colmatar necessidades habitacionais identificadas antes da pandemia com o dinheiro externo (Estevens et al., 2021). Efetivamente, o Programa de Apoio destina-se aos beneficiários diretos do 1.º Direito e suas entidades promotoras. Além disso, como referem Cachucho et al. (2021), não se percebem as diferenças entre a Bolsa Nacional e o Programa Porta de Entrada. Ao mesmo tempo, como referem Estevens et al. (2021), este Plano não fala da articulação do acesso à habitação adequada nas áreas de baixa densidade e rurais para a redução de desigualdades territoriais. Perdem-se, aqui, importantes oportunidades para os refugiados, principalmente os que vivem em áreas desconcentradas pelos Programas Europeus e Acordos Internacionais.

4. Análise dos discursos situados no Fórum Refúgio Portugal29: acesso à habitação e direito à cidade

4.1. Narrativas e recursos urbanos: quadro conceptual

Até 2020, as narrativas públicas dos refugiados geralmente apontavam para cenários de bom acolhimento: “Gostamos muito de Portugal, tem segurança, tem paz, tem tudo o que queremos” (Testemunho 1). Estes discursos relacionam-se com fatores como a esperança inicial de encontrar segurança num país europeu, o sentimento de dívida sentido para com o país acolhedor, e o receio de represálias das instituições de acolhimento e opinião pública, com implicações no quotidiano. Dois fatores contribuíram para a adoção de narrativas críticas: o fecho dos referidos programas e acordos (18/24 meses) e, com isto, o suporte em espécie ou pecuniário; o aparecimento da pandemia de Covid-19: “Há, agora, muita dificuldade, a nossa vida ficou mais difícil.” (Testemunho 2).

São muitos e diversificados os problemas apontados nestes seus discursos, sendo que estes configuram a perda dos vários direitos inscritos no quadro amplo do direito à cidade, na tal perspetiva da diversidade. Estes, por sua vez, condicionam o acesso à habitação e o direito ao espaço habitacional. Ou seja, a leitura deste direito e sua privação depende da compreensão dos demais fatores que o influenciam ou condicionam, nomeadamente dos recursos urbanos que configuram outros espaços de valor (Lefebvre, 1968, 1974). No que toca aos refugiados que procuram o Fórum Refúgio Portugal (no espaço Co-Work ou via associações de refugiados) os recursos urbanos geralmente apontados são: trabalho, educação e saúde. Estes dependem da compreensão da língua, e do reconhecimento e construção de competências académicas e profissionais.

Por sua vez, as narrativas destes refugiados sobre acesso à habitação não podem ser lidas isoladamente, uma vez que estes recursos urbanos, junto com as condicionantes do sistema estrutural - resultantes de um produtivismo estatal apontado para manter lógicas de classe (Lefebvre, 1970; Brenner, 2008) - condicionam esse acesso. Ao mesmo tempo, a análise das perceções e vozes dos refugiados sobre acesso à habitação informa sobre o impacte das várias lacunas ao nível dos recursos. Isto é, o acesso à habitação relaciona-se com os vários direitos perdidos que o regulam. Ao mesmo tempo geram-se outros problemas ao nível do acesso e vivência. Os primeiros relacionam-se com a questão financeira (acesso a recursos) e lógicas de mercado (a questão sistémica); o outro liga-se aos consumos e infraestruturas (água, luz, etc.). Juntos estes problemas apontam para a referida racionalidade uniformizadora movida pela sociedade burocrática de consumo dirigido que alimenta o sistema urbano (Lefebvre, 1974).

4.2. Problemas da vida quotidiana: perceções e vozes dos refugiados

Os refugiados falam da sua dificuldade em aprender português, por falta de aulas/professores disponíveis e dificuldades de compreensão: “a língua é a primeira chave para a integração” (Testemunho 3). Referem-se ao primeiro obstáculo encontrado, muitas vezes relacionado com outros problemas decorrentes, nomeadamente de acesso à educação.

Como os meus filhos aprenderam tudo em árabe, a transição para o português está a ser difícil. Gostava que alguém os ajudasse. Eu [também] ainda não aprendi. Estou à espera há um ano e quatro meses para ter aulas de português, e recebo sempre a mesma resposta: tens de esperar. Quero aprender a falar português e tirar um curso profissional para conseguir encontrar um emprego. (Testemunho 4)

Além disso, apontam muitos bloqueios no reconhecimento das competências académicas e profissionais antes adquiridas. Isto condiciona o acesso ao trabalho mais especializado, tendo a questão da empregabilidade sido extraordinariamente afetada com o recente aparecimento da pandemia de Covid-19.

Depois do aparecimento do Corona[vírus] ficámos os dois sem emprego. Não foi fácil, porque ficámos sem ordenado e subsídio. Inscrevi-me no Rendimento Social de Inserção (RSI) mas chamaram-me para ir trabalhar na quarentena. Eu não podia trabalhar, porque era perigoso, e tinha os meus meninos em casa [porque fecharam as escolas]. Por isso, disse-lhes que não, e cortaram o RSI. (Testemunho 5)

Somam-se ainda, a estes, outros problemas, nomeadamente ao nível do acesso aos cuidados de saúde.

Tenho tido problemas com os hospitais em Portugal porque preciso de fazer exames. Estou isenta de pagar estes exames devido ao meu estatuto. Mas pediram-me para pagar. Disse ao médico que era refugiada, mas ele não me ajudou. Precisei fazer exames, porque estou doente, e pediram-me para pagar. Comprei medicamentos e pediram-me para pagar. Isto é muito difícil. Disseram que em Portugal iam ajudar-me, mas não ajudam. (Testemunho 6)

Surgiram também relatos sobre estranheza cultural, étnica e religiosa. Alguns ligam-se a temas como racismo e xenofobia. Efetivamente, algumas ideologias ultranacionalistas têm emergido e consolidado em Portugal30, como na Europa, influenciando discursos de ódio (Vrysis et al. 2021, Arcila-Calderón et al. 2022) contra grupos minoritários e racializados (Gans, 2017; Gržinić, 2021).

Eu, o meu marido e os meus [3] filhos saímos da Síria em 2015. [...] Nos primeiros dois anos, aqui, dentro do programa de acolhimento, estava tudo bem. Até fizemos uma entrevista na televisão a falar de amor sem língua. Mas foi muito difícil. As pessoas [viam o hijab31]. perguntavam: - São muçulmanos? Quando saía de casa, tinha muita vergonha. Depois disseram para sair do lugar onde estávamos. (E., 2020, p.19)

Sublinha-se, no que toca aos problemas vividos e, antes, enunciados, tal como formula Lefebvre (1968; 1974), que a obra, enquanto modo de vida, incorpora a segregação de determinados momentos de vida e existências. A produção desse conhecimento por via participada, no Fórum Refúgio Portugal - como espaço de investigação -, onde os refugiados, enquanto pessoas marginalizadas, são agentes das suas próprias representações (na linha de Rowell et al., 2017) contribui para decolonizar saberes (Mignolo & Walsh, 2018). Fala-se, pois, da desconstrução de fronteiras que torna essas margens possíveis e visíveis, tangíveis e efetivas, materializadas e sentidas, e que produz espaços e pessoas específicos (Lancione, 2019). Isto é relevante porque informa sobre perdas de direitos que minam o acesso à habitação enquanto produto (Lefebvre, 1968; 1974).

4.3. Dificuldades no acesso à habitação e precarização do direito habitacional

Uma vez desconcentrados, os refugiados também falam de alienação social e cultural, acompanhados de sentimentos de solidão, experiências estas ampliadas pelas medidas de isolamento adotadas em pandemia. Muitos rumaram para a AML, apesar das dificuldades apontadas.

O principal motivo pelo qual saí de [32] foi pelos meus filhos, que precisam ter acesso a uma escola secundária e ao ensino superior, o que não existe nesse local. A outra razão é porque, lá, não há trabalho. Não quero ficar sentada à espera. Tenho uma licenciatura em gestão e quero um emprego na minha área. (Testemunho 7)

Sobre o acesso à habitação, começaram-se a ouvir testemunhos sobre elevados preços de rendas incompatíveis com baixos rendimentos pessoais ou familiares, sobretudo na AML. Seguiram-se pedidos de apoio para pagamento da prestação mensal - “Só preciso que me ajudem com [o pagamento d]a renda, porque o resto eu consigo fazer.” (Testemunho 8) - e histórias de discriminação pelos proprietários por receio de eventual incumprimento. O problema é evidente para quem não tem apoio institucional33: “Tinha protocolo com o CPR de 18 meses onde eles pagavam a renda. Mas o programa acabou e estou muito preocupada com o meu futuro” (Testemunho 9).

Além disso, algumas pessoas têm vivido situações habitacionais traumáticas, ligadas a despejos forçados, por vezes recorrendo-se a forte aparato policial, com pouco tempo de preparação e sem alternativas condignas. Outras têm sofrido cortes no fornecimento de infraestruturas, por falta de pagamento, apoiando-se noutros refugiados: “Vêm tomar banho e lavar a roupa na nossa casa, porque cortaram a luz e vão ser despejados ” (Testemunho 10).

Relataram-se, também, outros problemas: a impossibilidade de acesso a crédito bancário para compra de casa; dificuldade de assinatura de contratos de renda por excesso de burocracia, falta de documentação e baixos rendimentos; dificuldade em encontrar fiador(es), por falta de laços com membros de grupos de maiores recursos e de apoio institucional nesta matéria; exigência do valor de depósito-caução muito elevado, para pagamento antecipado de vários meses de renda; e a inexistência de programas habitacionais públicos a preços acessíveis, apontados para as necessidades dos refugiados.

No que se refere ao direito ao lugar e à habitação destaca-se aqui, na linha de Lefebvre (1968; 1974), que os refugiados renovam seus modos de vida através da apropriação do espaço (na procura de urbanidade), e as suas interações com a materialidade concretizam-se por via da atividade participante (na interação com o Fórum Refúgio Portugal). Aqui, em privação dos recursos e da vida urbana, contactam formas de solidariedade e ativam uma certa forma de realização social - legitimando as suas experiências locais enquanto grupos marginalizados (Keikelame & Swartz, 2019) -, ao mesmo tempo construindo espaços sociais de acordo com necessidades e performances. Isto é radical porque informa sobre as dificuldades de acesso à habitação e outros recursos, que alimentam as estratégias que os animam na busca de diversos direitos (Lefebvre, 1968; 1974).

5. Estratégia de mobilização do Fórum Refúgio Portugal: participação-ação e direito à cidade

5.1. Práticas de realização social: quadro conceptual

Entre 2019 e 2021, foram várias as ações imediatas e os projetos de visibilidade, apoio e solidariedade alavancados pelo Fórum Refúgio Portugal e os refugiados/associações que o constituem. Estas consistem em iniciativas reativas para apoio individual ou familiar, e iniciativas abrangentes e estruturadas. As primeiras são diversificadas e visam ajudar a ultrapassar as dificuldades identificadas. Durante a pandemia de Covid-19 os apoios intensificaram-se, fornecendo-se alimentos, produtos de higiene, medicamentos, transporte e apoio pecuniário. As segundas relacionam-se com estas, consistindo no desenho de projetos que visem o seu financiamento, por exemplo: o Plano de Apoio ao Contexto de Emergência da Covid-19 (2020), custeado pelo ACM e Fundação Calouste Gulbenkian; o projeto Bairro Refúgio. Empoderamento de Refugiados e Nacionais de Países Terceiros34, para o programa nacional Bairros Saudáveis (2020); o projeto da Iniciativa de Empoderamento das Mulheres em Situação de Refúgio35 (2021). Estas ações dependem de financiamento externo, ficando a concretização subordinada à capacidade e vontade de outras estruturas.

Os problemas que estes refugiados visam resolver relacionam-se, portanto, com a privação de acesso a vários recursos urbanos, com impacte no acesso à habitação. A lente ampliadora da pandemia da Covid-19 iluminou, então, dimensões do produto relacionadas com questões de sobrevivência e de exclusão. Neste quadro, a leitura das atividades desenvolvidas depende do reconhecimento da importância do acesso generalizado aos vários direitos, das práticas que o animam, e da obra (Lefebvre, 1968; 1974) transformadora da realidade quotidiana, sendo esta apontada para as tais geografias criticamente informadas de ação orientada, aqui apelidadas de espaços de esperança (Freire, 1992; Harvey, 2000). Estas relacionam-se, uma vez mais, com a habitação (vivência e acesso), mas também com uma abordagem metodológica participada e colaborativa (Rowell et al., 2017; Turner & Baker, 2020).

Para além da resolução de problemas quotidianos, os refugiados do Fórum Refúgio Portugal também visam interagir com os decisores institucionais e políticos, influenciando-os para essa transformação. Realmente, como referiu Harvey (2012, p. 4): “a questão que tipo de cidades queremos não se pode dissociar da questão que tipo de pessoas queremos, que tipos de relações sociais buscamos”, e ainda como queremos fazê-lo. Esta passagem à ação é fundamental na abordagem de Lefebvre (Schmid, 2008). Para Lefebvre (1968), a construção do direito à cidade implica o colmatar de um processo de urbanização onde participante não é apenas habitante. A obra, momento irrepetível de direito à vida urbana, transformada e renovada, ou seja, o lugar da realização social (Ibid.), complementa a reprodução de relações sociais ligadas aos recursos urbanos.

5.2. Ações participadas e colaborativas com impacto no problema habitacional (na vivência e acesso)

No que se refere a respostas imediatas a questões de vivência e más condições habitacionais, a iniciativa de recolha de cobertores e agasalhos junto da Cáritas Portugal é bom exemplo de construção de redes de apoio e solidariedade. Neste caso, diversas famílias com crianças sobreviviam com frio extremo devido a más características construtivas, patologias várias ou falta de aquecimento, seja por falta de aparelhos ou de capacidade de pagar a conta da eletricidade. A iniciativa deu origem ao projeto Doe Calor, Doe Amor, articulado com o projeto Residências Refúgio36, financiado pela Câmara Municipal de Lisboa/BipZip (2021), uma ação montada para apoiar a integração de refugiados através de práticas culturais participadas. Noutra esfera, foram angariados móveis em segunda mão junto de voluntários. Mesmo tendo acesso a uma habitação condigna, muitos refugiados carecem de condições para o conseguir equipar. Alguns dormem no chão enquanto a situação não é ultrapassada.

No que toca ao apoio ao acesso à habitação condigna, requerentes de asilo foram sendo temporariamente colocados em alojamentos sobrelotados. Aqui o Fórum Refúgio Portugal contribuiu fornecendo bens de primeira necessidade, fazendo trabalho de acompanhamento e mediação cultural. Noutra situação, refugiados pediram apoio para identificar oportunidades de arrendamento municipal a preços acessíveis. No que toca aos Programas Arrendamento Apoiado e Renda acessível do município de Lisboa, as condições de admissão obrigavam a residência na capital; os valores por tipologia/agregado eram desajustados.

Relativamente a projetos estratégicos e de natureza colaborativa, o Fórum quer desenvolver o projeto Housing for and by Refugees. Visa formar refugiados na área da construção civil, em português, para aprendizagem da língua, para que possam reabilitar e, depois, residir em casas sociais partilhadas. Estas habitações, localizadas em municípios periféricos da AML, onde os preços são por norma mais acessíveis, serão adquiridas pela UREP. Os refugiados-formadores poderão formar outros refugiados, aumentando a sua empregabilidade. Foram já inauguradas conversas com potenciais parceiros. Entretanto, a UREP começou a arrendar casas para os refugiados.

A sociedade urbana, na perspetiva de Castells (1972), configura o sistema de valores, normas e relações sociais, geradas no cenário urbano, com caráter e lógicas próprias de organização e transformação. O tecido urbano que a transporta reúne dinâmicas únicas de natureza social e cultural (Lefebvre, 1968). Dessa forma, no que toca ao produto (recursos urbanos, incluindo habitação), as ações participadas e colaborativas do Fórum Refúgio Portugal também dão significado às referidas respostas públicas para o acesso à habitação com menção a refugiados (secção 3.3) sendo estas o eco da testemunhada privação de recursos. Entretanto, através das interações com os problemas da materialidade constrói-se, no apoio e solidariedade, um conjunto incontável (uma multiplicidade indefinida) de espaços sociais que apontam para o conceito de direito à cidade como direito superior (Ibid.). Neste caso, a construção de novos significados sobre as experiências locais dos refugiados enquanto grupos marginalizados é potenciada (Keikelame & Swartz, 2019).

5.3. Advocacy para a defesa dos direitos: informando e influenciando os atores para a transformação

A 1ª Assembleia do Fórum Refúgio Portugal, realizada a propósito da comemoração do seu primeiro ano de atividade em 2019, sobre o mote Construção da Cidadania, centrou-se nos seguintes temas: (1) o direito de asilo, (2) capacitação, empoderamento e formação de mulheres refugiadas, (3) acesso ao ensino superior, (4) acesso à saúde, (5) direito à cidade e habitação, (6) boas práticas de colaboração com a academia, e (7) ações de empreendedorismo37. Participaram aqui vários refugiados, académicos, representantes de instituições de acolhimento e/ou de acompanhamento de refugiados em Portugal e governantes. O relatório com as vozes das associações dos refugiados apresentado alinhava-se com as dificuldades e esperança atrás identificados. Nessa altura, os problemas apontados não tinham ainda sido enfatizados pela pandemia de Covid-19.

A 2ª Assembleia do Fórum Refúgio Portugal, dedicada ao Futuro do Acolhimento em Portugal, ocorreu aproximadamente um ano depois, em plena pandemia, e focou-se em temas complementares: (1) desafios enfrentados pelo sistema de acolhimento ao longo dos anos, (2) o futuro dos programas nacionais, e (3) construção de um novo plano de ação com vários atores a trabalhar com o sistema de asilo em Portugal, em contexto de pandemia. Estes tópicos consideravam, como agregador, o referido crescimento dos discursos de ódio em Portugal e Europa.

Adotando uma perspetiva de género, a Iniciativa de Empoderamento das Mulheres em Situação de Refúgio organizou a iniciativa: Mulheres na Pandemia de COVID-19: Forças em Situação de Vulnerabilidade. A sessão dialogou com o projeto de investigação Como ficar em Casa? (Lages & Jorge, 2020). Aqui, várias mulheres refugiadas partilharam suas dificuldades em período de distanciamento social.

O Fórum Refúgio promoveu ainda o IV Fórum Aberto para a Celebração do Dias Mundial do Refugiado (AML/online, 17-20 de junho, 2021). Além disso, os refugiados participaram em iniciativas promovidas por outras organizações, questionando políticas e práticas públicas em emergência, ao mesmo tempo procurando alternativas, incluindo habitacionais. Alguns exemplos nacionais são o projeto sobre Violência de Género, da ACNUR Portugal (15 de abril, 2021), o Fórum Comunitário Mulheres Refugiadas em Portugal, Análise de Género, Intersecionalidade e Políticas Públicas em Portugal (online, 12 fevereiro, 2021)38. Outros exemplos internacionais são a BeVisible Refugee School (online, 25 de março, 2021), para partilhar questões diversas com outros refugiados na Europa; e o Webinar do International Rescue Commitee, sobre integração inicial (online, 25 de fevereiro, 2021).

Como referido, o sistema estrutural é permeável à influência das pessoas e das comunidades (Lefebvre, 1970). Todavia, a construção de um quadro local participativo e colaborativo não confere, por si, aos refugiados autonomia pois, como se sabe, a produção organizada de conhecimento coletivo, ainda que suportado por mecanismos de empoderamento, nem sempre resulta na total autonomização dos sujeitos. Por outras palavras, não é por um refugiado ser conhecedor das suas limitações e capacidades, e as conseguir comunicar, que as consegue ultrapassar; foge-se, neste caso, ao pensamento estruturalista, corroborando-se o pensamento de Lefebvre (1968) quando identifica o poder das práticas sociais. Todavia, também se reconhece a força do sistema estrutural capitalista (vivência e acesso) no que se refere a condicionar oportunidades.

6. Conclusões

Procurou-se, neste artigo, sistematizar a compreender o problema do acesso à habitação por refugiados de África e do Médio Oriente, a partir da análise dos discursos situados no Fórum Refúgio Portugal, e suas estratégias de mobilização social. No primeiro caso, abordaram-se as perceções destes refugiados no que toca aos problemas da vida quotidiana, com impacto na precarização do direito habitacional. No segundo, abordaram-se respostas à privação de recursos com impacto nesse problema, ao nível da vivência e acesso, e as estratégias de advocacy utilizadas para ampliar o acesso a esses recursos, e que configuram forma de realização social. A análise foi conduzida dentro do quadro teórico-metodológico do direito à cidade e da investigação-ação colaborativa e visou a construção de outro conhecimento sobre estes grupos marginalizados no que toca ao produto e obra. Efetivamente, os meios de produção do conhecimento utilizados têm impacto no tipo de conhecimento produzido.

1. Sobre o problema habitacional em diálogo com os outros recursos e com a obra: o reconhecimento dos problemas vividos pelos refugiados em estudo e sua segregação, assim como do significado das suas intervenções, ainda que tímidas, no que se refere à procura de cenários de inclusão - ou seja, o reconhecimento dos seus momentos e modos de vida, e das suas existências (Lefebvre, 1968; 1974) -, contribui para a crítica contra a exclusão (Darling, 2016), e a construção de novas epistemologias a partir de casos concretos em lugares objetivos da estrutura social (Keikelame & Swartz, 2019). As suas vidas e mobilizações num quadro normalizado de marginalização são, em si mesmo, formas contra-normativas de resiliência emergentes numa sociedade urbana organizada em transformação (Castells, 1972) que advoga e visa praticar a inclusão.

2. Sobre o produtivismo estatal e a manutenção do sistema estrutural: o reconhecimento das respostas habitacionais recentes às acirradas lutas urbanas impulsadas por outros grupos sociais, incluindo estas o eco dos referidos problemas e ações tais como percecionados e iluminados no Fórum Refúgio Portugal, contribui para a monitorização dessa transformação social e urbana (Castells, 1972) com enfoque nas intenções e práticas. O aparecimento da pandemia de Covid-19 ampliou estas mobilizações e as respostas sistémicas, canalizando-se recursos financeiros para a resolução de problemas estruturais entretanto por si ampliados. Realmente, o direito à cidade implica maior controlo sobre a produção e distribuição dos excedentes de capital (Lefebvre, 1968). Neste quadro norteador, a projeção das vozes locais que, dentro ou fora do quadro institucional normalizado, afirmem necessidades pode resultar numa melhor e mais equilibrada afetação de recursos, e de maior escala.

3. Sobre a construção das relações sociais e de novos modos de vida: o reconhecimento da participação dos refugiados do Fórum Refúgio Portugal nos processos de reconceptualização e reorganização da comunicação com a esfera pública e institucional implica a reflexão sobre o alcance dos seus discursos e práticas no tempo e espaço (conceptual e tangível). Estes falam da transformação do sistema a partir de respostas a necessidades quotidianas, e da procura de estabilidade (Darling, 2020). De fato, até à data, o Fórum Refúgio Portugal não configura um espaço autonomizado das realidades institucionais na origem a sua emergência. Tampouco, para a construção de outros espaços materiais, colaborativos e participados, tais como perspetivados a partir da sua visão intrínseca sobre formas de construção da sociedade. Porém, apesar da sua pequena escala, do curto tempo de atuação e reduzido espaço de influência, destaca-se enquanto espaço de partilha e de projeção de vozes de minorias, num continuado exercício de construção de novos significados coletivos e de cidadania. A sua existência configura, portanto, a obra - atividade participante e de práticas sociais -, paulatino movimento de busca pelo direito à vida urbana, transformada e renovada, com impactes na materialidade futura (Lefebvre, 1968; 1972), de que é exemplo o referido eco no produtivismo estatal. Entretanto, transformam-se vidas e constroem-se novos sentidos de comunidade, norteados por ideais de integração (Ager & Strang, 2008; Penninx & Garcés-Mascareñas, 2016), apontados para a construção de novos espaços de esperança (Freire, 1992; Harvey, 2000).

Agradecimentos

Ao Alexander Kpatue Kweh, coordenador do Fórum Refúgio Portugal e à Enas Fathallah, coordenadora da Iniciativa de Empoderamento das Mulheres em Situação de Refúgio, do Fórum Refúgio Portugal.

O artigo resulta da convergência dos seguintes projetos de investigação: “INSEhRE 21. Inclusão sócio-espacial e habitacional dos refugiados na Europa de hoje: Lições da diáspora africana em Portugal” (SFRH/BPD/118022/2016 - FSE/POCH, 2017-2022), concluído no Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra (CES-UC); e “Refugee Research for (Post)Covid-19. National Measures and Local Actions in the Algarve: A Digital Tour for Access to Adequate Housing and Living Conditions” (2021.03008.CEECIND, 2022-2028), em desenvolvimento no Centro de Investigação em Artes e Comunicação, Universidade do Algarve (CIAC-UAlg), ambos financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).

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1 Quem procura proteção internacional; alvos de violação de direitos humanos no país de origem; prováveis alvos ofensa grave; Ucranianos a fugir da guerra (2022-).

2Em formato presencial até 2020 e online após o aparecimento da pandemia de Covid-19.

3Tais como identificados na secção 5.3. Advocacy para a defesa dos direitos, tendo a autora colaborado na organização de alguns.

4Por exemplo de mulheres vindas da Síria, Sudão, Eritreia e Somália, aqui anonimizadas e identificadas por testemunho 1, 2, 3, etc.

5Por exemplo este artigo, Viegas (2019b), Viegas (2023 sub.), para além da entrevista a Kweh (2023, no prelo).

6Sobretudo no bairro da Torre, em Camarate (Loures), mas também no bairro da Cova da Moura e bairro 6 de Maio, na Amadora (Lisboa).

7No quadro do GESTUAL/FA-UL. http://gestual.fa.ulisboa.pt/

8A Caravana pelo Direito à Habitação. https://caravanapelahabitacao.wordpress.com/

9 https://www.redehabitacao.pt/

10Opta-se, aqui, pela grafia ‘decolonizar’ em vez de ‘descolonizar’ (esta última na linha de Quijano & Ennis, 2000). Enquanto a segunda se refere às lutas anti-coloniais e de superação do colonialismo e das relações de opressão mantidas, a primeira implica antes questionar a hegemonia do Eurocentrismo e desafiar a colonialidade do poder e saber.

11Estes refugiados vieram na sequência da entrada dos Talibãs no Afeganistão em Agosto de 2021.

12Por exemplo da Síria, Iraque, Etiópia, Sudão, Eritreia e Somália.

13Número reduzido comparando com os cerca de 42.000 ucranianos que chegaram entre fevereiro e junho de 2022 (Oliveira, 2022), após a invasão russa.

14No caso de agregados familiares, o valor a conceder ao segundo e restantes adultos é de €107,50.

15Nos setores principais do emprego, habitação, educação e saúde; práticas de cidadania e de acesso a direitos; conexão social entre grupos comunitários; e barreiras estruturais ligadas à língua, cultura e ambiente local.

16Contrária à ideia de assimilação, como ferramenta de análise e de política.

17A Secretaria de Estado para a Integração e as Migrações só foi criada em 2019.

18E a Refugees Welcome Portugal, entretanto desativada em Lisboa.

19A habitar em construções que tinham de ser demolidas, removidas ou desocupadas; onde existisse precariedade habitacional; e que fossem residência permanente das pessoas identificadas.

2024 pessoas no Centro de Acolhimento Temporário da CML; 120 pessoas nos Centros de Acolhimento Temporário (I e II) e 13 menores na Casa de Acolhimento da Criança Refugiada do CPR.

21https://www.portaldahabitacao.pt/nova-geracao-de-politicas-de-habitacao

22https://dre.pt/dre/detalhe/lei/83-2019-124392055

23Por exemplo, nas Estratégias Locais de Habitação, do Programa 1º Direito (NGPH), e nas Carta Municipais de Habitação, da Lei de Bases da Habitação.

24Moratórias sobre o pagamento das rendas e empréstimos bancários, suspensão dos despejos, suspensão de pagamentos de serviços básicos, etc.

25Decreto-Lei n.º 37/2018 - Diário da República n.º 106/2018, Série I de 4 de Junho.

26Os critérios são: precariedade, insalubridade e insegurança, sobrelotação e inadequação.

27Decreto-Lei n.º 29/2018 - Diário da República n.º 86/2018, Série I de 4 de Maio.

28Por exemplo em Leiria. https://observador.pt/2021/11/18/municipio-de-leiria-acolhe-familia-migrante-afega/

29Testemunhos de refugiados da Síria, Sudão, Eritreia e Somália (como referido na introdução).

30André Ventura, presidente do partido de extrema-direita CHEGA, alcançou o terceiro lugar nas eleições presidenciais de 2021, com 11,90% (496.773 votos). Em 2022, o CHEGA tornou-se a terceira força política no parlamento, após ter 7,15% dos votos nas eleições legislativas, elegendo 12 deputados.

31Véu islâmico.

32Localidade no interior, com cerca de 5.000 pessoas, situada junto à fronteira com Espanha, a cerca de 200 km do litoral.

33Apesar de também terem sido registados relatos e fotos de más condições de habitabilidade em programas de acolhimento.

34O projeto não foi financiado. https://candidaturas.bairrossaudaveis.gov.pt/candidatura/index.htm?pp=1;n=311

35Através da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género; o concurso ficou suspenso.

36Projeto do consórcio Largo de Residências/Fórum Refúgio/Fundação Aga Khan. https://www.largoresidencias.com/projectos/residencias-refugio

37E.g. projeto Tayybeh (Viegas, 2019b).

38https://www.om.acm.gov.pt/documents/58428/177157/Suma%CC%81rio+Estudo+71.pdf/efa245fe-e74c-43b7-a8fd-204242d25968

Recebido: 25 de Fevereiro de 2022; Aceito: 27 de Dezembro de 2022

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