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CIDADES, Comunidades e Territórios

versão On-line ISSN 2182-3030

CIDADES  no.sp23 Lisboa abr. 2023  Epub 10-Abr-2023

https://doi.org/10.15847/cct.30324 

TESTEMUNHO

A Economia Política do turismo

1Universidade de Barcelona, Departamento de Antropologia Social, Espanha, claudiomilano@ub.edu


O turismo tem registado um crescimento sem precedentes desde o início do novo milénio e tem sido acolhido nos destinos turísticos como uma fonte de desenvolvimento económico. O objetivo de moldar sociedades ligadas e móveis tem promovido globalmente mais fluxos de visitantes internacionais e maior circulação de capital turístico. Neste sentido, as cidades e o crescimento da economia urbana desempenharam um papel fundamental na concentração do capital turístico. Juntamente com a reestruturação espacial da cidade, e as transformações regulamentares do final da década de 1970, o segmento das cidades surgiu como consumo turístico em meio urbano. As cidades deixaram de ser lugares de reprodução social para se tornarem parte integrante da dinâmica das relações de produção e de consumo. Neste contexto, o turismo tem sido proposto como um dispositivo essencial para o funcionamento da economia urbana no âmbito das práticas de acumulação de capital em que as cidades que se tornaram meras atrações turísticas.

O turismo desde finais dos anos 1980 tem garantido ganhos de capital, acumulação de capital e arranjos espaciais. Estes fluxos de capital reinventaram e transformaram física e simbolicamente os espaços. A externalização das cidades tem feito parte da abordagem neoliberal que tem oscilado entre sucessos, excessos, crises, desigualdades e instabilidades. Para tal, a insaciabilidade das práticas de fixação de capital tem vindo a resolver crises internas através da expansão geográfica e da reestruturação (Harvey, 1981). Do mesmo modo, o capital turístico tem-se mostrado dependente, tanto na expansão geográfica como na mudança tecnológica, e num crescimento económico sem fim através da fixação do capital em novos espaços com potencial turístico transformador. Embora muito se fale da velocidade de acumulação de capital turístico, os conflitos gerados residiram nos fundamentos do crescimento económico. A mais recente crise financeira global de 2008 levou à introdução do chamado «capitalismo de plataforma», o que significou mais um passo para a liberalização e concentração do capital turístico global. Por exemplo, a proliferação e liberalização das licenças de apartamentos turísticos acelerou o fenómeno da gentrificação, expropriação, expulsão e especulação imobiliária (Gravari-Barbas & Guinand, 2017; Wachsmuth & Weisler, 2018). Os recentes debates sobre a turistificação da cidade e a excessiva dependência da economia do visitante mostraram como o turismo pode ser associado a processos de exclusão social, bem como a empregos de baixa qualidade, contratos de zero horas e condições precárias para as empresas do sector (Cañada, 2018).

Historicamente e globalmente, mais turistas têm sido sempre sinónimo de sucesso, sendo os indicadores quantitativos formas privilegiadas para essa medição. No entanto, as cidades contam com novas identidades flutuantes e móveis, tais como nómadas digitais, migrantes, residentes temporários e estudantes internacionais, que fazem parte da complexidade das cidades turísticas contemporâneas. Por conseguinte, é também difícil separar o que pode ser definido como turístico do que não é. O turismo pode ser visto como a ponta do iceberg de questões sociais subjacentes mais profundas, que requerem de medidas e abordagens que tenham em conta a questão de classe e das desigualdades estruturais para regular uma máquina que se alimenta de muitos outros âmbitos e sectores. Tais transformações precisam de ser realizadas para além do turismo e abordar questões como a habitação, espaço público, desigualdades de género, regime laboral, mobilidade e transição ecológica. Contudo, como domínio multissectorial, o turismo apresenta efeitos negativos relacionados com responsabilidades mais vastas da agenda política urbana.

Se os excessos turísticos são uma reação exagerada ou, simplesmente um problema de gestão, é um ponto discutível. A verdade é que em destinos populares por todo o mundo, a reação dos residentes, de movimentos sociais, de organizações de base e cada vez mais autoridades governamentais, têm vindo a reconhecer que os efeitos do turismo exagerado são perturbadores, marginalizantes, excludentes e podem provocar mudanças permanentes (Milano, Cheer & Novelli, 2019). Em grande parte, foi isto que impulsionou inicialmente os contra-protestos nas cidades de destino mais populares, e a resistência tem-se agora repercutido em ilhas, parques nacionais, e locais patrimoniais, entre uma série de outros que demonstram que as questões relacionadas com o turismo excessivo não estão apenas ligadas aos contextos urbanos (Colomb & Novy, 2016). Em suma, os fatores subjacentes aos excessos de turismo e crises de sobre acumulação encontram-se, sem dúvida, nas mobilidades globais acrescidas sem precedentes, juntamente com o aumento da procura por experiências que têm tido o efeito de turistificar o quotidiano e lesar os direitos das comunidades de acolhimento.

Recentemente, com a crise da COVID-19, o mundo passou da hipermobilidade e do sobreturismo para um subturismo. Os efeitos da crise de imobilidade induzida pela COVID-19 em cenários turísticos abriram o debate sobre os limites do modelo de crescimento bem como o futuro do turismo. Alem disso a crise serviu para realçar o paradoxo da excessiva dependência de uma monocultura turística (Milano & Koens, 2021). Dentro deste cenário global, assistiu-se a uma reapropriação material e a uma resignificação simbólica de espaços historicamente turistificados. As disputas pelos espaços turísticos representaram um cenário multifacetado e complexo entre interesses internacionais e efeitos à escala local. Para lidar com esse contexto de crise, as autoridades locais e as empresas nacionais de turismo concentraram-se na reativação da cadeia de valor do sector do turismo. A este respeito, a maior parte da ajuda pública tem sido de natureza fiscal, tais como reduções, isenções fiscais e moratórias legais. Embora muitas iniciativas e políticas tenham sido propostas, observa-se uma falta de mudanças estruturais profundas para melhorar as condições de vida dos grupos sociais mais frágeis afetados pelo turismo. Atualmente, há necessidade de utilizar abordagens multi-ator baseadas na estreita cooperação entre os sectores turístico e não-turísticos, bem como comunidades locais, a fim de enfrentar estratégias de longo prazo em termos de recomendações políticas e interligá-las com uma transição de baixa mobilidade e de redução das emissões de carbono, criar economias turísticas locais com condições de trabalho justas; e diversificar as economias locais ao mesmo tempo que se transita para uma governação turística mais inclusiva que reduza as externalidades sociais negativas do sector do turismo.

A dependência económica da mobilidade global pôs em evidência a concentração de capital, as estratégias de arranjos espaciais e as crescentes desigualdades estruturais. Portanto, o estudo do turismo necessita de uma lente analítica mais ampla que possa abordar criticamente de uma perspetiva de economia política a natureza das desigualdades de classe produzidas pelo turismo (Mosedale, 2011; Eisenschitz, 2016; Bianchi, 2018). Desta forma, será possível oferecer um espaço de diálogo para repensar a agenda política e de investigação sobre os novos desafios das imobilidades turísticas nas sociedades contemporâneas. Na era das novas tecnologias, de um caminho pouco claro para um compromisso global de emergência climática e de novos paradigmas na ecologia política que questionam o atual regime neoliberal, o futuro do turismo enfrenta as crescentes desigualdades e externalidades nos destinos. Finalmente, a proliferação da classe turística dos millennials e o recente aumento dos custos energéticos convidam a questionar modelos alternativos de crescimento e/ou decrescimento do turismo nos destinos de acolhimento.

Agradecimentos

O autor agradece a Hugo Pinto o apoio na tradução e revisão deste texto.

Referências

Bianchi, R. (2018). The political economy of tourism development: A critical review. Annals of Tourism Research, 70, 88-102. https://doi.org/10.1016/j.annals.2017.08.005. [ Links ]

Cañada, E. (2018). Too precarious to be inclusive? Hotel maid employment in Spain. Tourism Geographies, 20(4), 653-674. [ Links ]

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Milano, C., Cheer, J. M., & Novelli, M. (Eds.) (2019). Overtourism: Excesses, discontents and measures in travel and tourism. Wallingford: CABI. [ Links ]

Mosedale, J. (2011). Political Economy of Tourism: A Critical Perspective. London: Routledge. [ Links ]

Wachsmuth, D., & Weisler, A. (2018). Airbnb and the rent gap: Gentrification through the sharing economy. Environment and Planning A: Economy and Space, 50(6), 1147-1170. [ Links ]

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