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Revista Internacional em Língua Portuguesa

versión impresa ISSN 2182-4452versión On-line ISSN 2184-2043

RILP vol.31  Lisboa jun. 2017  Epub 28-Jul-2021

https://doi.org/10.31492/2184-2043.rilp2017.31/pp.15-19 

Apresentação

Língua portuguesa em África: políticas linguísticas e crioulos em debate

Alexandre António Timbane1  2 

Sabrina Rodrigues Garcia Balsalobre3 

1 Academia de Ciências Policiais - Moçambique.

2 Universidade Federal de Goiás- Brasil .

3 Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Brasil.


Os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) são plurilíngues, com uma convivência conflituosa entre a língua portuguesa (com estatuto de língua oficial), as línguas africanas (incluindo crioulos), as línguas asiáticas, as línguas de sinais e outras línguas europeias. Há pouca clareza (sob o ponto de vista da política linguística) em relação ao uso e à importância das línguas africanas, pois as Constituições dos seis PALOP deixam margem e possibilidades de interpretações. Por exemplo, a República da Guiné Bissau e a República Democrática de São Tomé e Príncipe não fazem nenhuma alusão ao uso e ao estatuto das línguas faladas nesses países. Outros países tratam as línguas africanas como ‘línguas nacionais’ (a exemplo de Moçambique e de Angola) ou ainda como ‘línguas aborígenas’ (como é o caso da Guiné-Equatorial). Agravando o quadro, observa-se que os crioulos são línguas da maioria populacional nos países onde são falados (como Cabo Verde, Guiné Bissau e São Tomé e Príncipe), mas ainda não são reconhecidos como oficiais.

O português, apesar de ser língua de origem europeia, é língua nacional e responde plenamente as necessidades comunicativas dos ‘palopianos’. Ao se fazer essa constatação, de imediato é possível associarmos com o fato de que, naturalmente, o mundo está em constante transformação. Dessa forma, as línguas também mudam com o tempo - e a cultura não fica à margem. Língua e cultura são, portanto, elementos intimamente relacionados e, por isso, as mudanças não ocorrem apenas na cultura, mas também nas línguas em uso. Inicialmente, destaca-se que a obra se divide em duas partes: a primeira, dedicada à discussão de Políticas linguísticas e línguas africanas agregando cinco textos e a segunda, sobre os crioulos de base portuguesa nos PALOP.

No primeiro capítulo da primeira parte é da autoria de Rajabo Alfredo Mugabo Abdula, Alexandre António Timbane e Duarte Olossato Quebi. Nele se faz uma reflexão sobre As políticas linguísticas e o desenvolvimento endógeno nos PALOP. No estudo, os autores levantam as ideias do pensador africano Joseph Ki-Zerbo e analizam diferentes constituições da república dos PALOP mostrando a importância das línguas no desenvolvimento endógeno dos povos, revelando o valor de cada língua e sua contribuição para o desenvolvimento da comunidade. Os autores apontam a relevância da oficialização das línguas africanas nos espaços onde ocorrem, bem como incentivam o seu uso para que não desapareçam ao longo do tempo. Desse forma, asseveram que é preciso desenhar novas políticas que priorizam a educação bilíngue em línguas africanas e em crioulo, para que haja valorização e uso dessas línguas na cultura, na economia, na política etc., por forma a reinventar uma nova África que se desenvolve endogenicamente.

O segundo texto de Ilídio Macaringue versa sobre as Políticas linguísticas de Moçambique: controvérsias e perspectivas. O capítulo analisa o contexto histórico, político-ideológico e sociolinguístico, a partir do qual Moçambique adoptou as suas políticas linguísticas, tendo em conta a diversidade linguístico-cultural naquele país. Para além disso, o texto problematiza a eficácia decorrente das ambivalências geradas em torno da oficialização do Português sem nacionalizar as línguas autóctones. Conclui-se que o português está nativizado e endogeneizado à ecologia sociocultural e linguística concomitante à moçambicanidade, pelo que devia ser normatizado e consagrado como língua oficial de Moçambique, já que a norma-padrão europeia é uma hipóstase e, cada vez mais, pouco inteligível com as dinâmicas sociolinguísticas e culturais em curso.

O terceiro texto, de Eduardo David Ndombele faz uma Reflexão sobre as línguas nacionais no sistema de educação em Angola. Por meio de exemplos práticos, Nombele mostra que o português angolano observado em alguns municípios da Província do Uíge, denuncia a situação do multilinguismo, revelenado a relevância da língua lingala na vida prática das populações naquele espaço geográfico. Defende que as políticas linguísticas podem ser elaboradas por grupos que desempenham papéis distintos na organização social, mas que isso não acontece porque o Estado tem o poder e os mecanismos de decidir em nome do resto da população. O capítulo apoia o estudo e a descrição das línguas angolanas, a sua preservação e o ensino nas etapas primárias, através da educação bilíngue.

O quarto capítulo, O plurilinguismo em Moçambique: debates e caminhos para uma educação linguística inovadora, é da autoria de Alexandre António Timbane e José Gil Vicente. O texto avalia determinadas atitudes na concepção e na representação das línguas no espaço onde elas ocorrem e também propõe formas de ultrapassar a visão colonial construída sobre a relação entre as línguas do colonizador e do colonizado. O estudo aponta que a independência política já foi alcançada, mas falta a independência linguística, nos moldes como Ki-Zerbo (2006) advoga. Além disso, o texto descreve as formas como a política e o planejamento linguístico interferem na situação linguística atual. Os autores tentam demonstrar como o plurilinguismo interfere no ensino médio e fundamental fato que conduziria para uma proposta possível que possa proporcionar uma educação linguística inovadora.

O último capítulo da parte I é apresentado por Ezra Alberto Chambal Nhampoca que disserta sobre Os ideofones da língua changana em Moçambique e o princípio da marcação. Neste trabalho, Nhampoca apresenta o funcionamento dos ideofones da língua changana e o princípio da marcação, partindo das perspectivas de Givón (1995 e 2001) e Bybee (2010). Os dados para essa análise foram extraídos de dois instrumentos lexicográficos: a) uma base de dados de ideofones do Changana, elaborada no âmbito da pesquisa de Mestrado; e b) outra base extraída do dicionário Changana-Português de Sitoe (2012). Por meio dessa análise, Nhampoca chega à conclusão de que embora os ideofones desempenhem a função de predicadores (tal qual o fazem os verbos), eles são predicadores marcados que descrevem eventos/ações na língua. Além disso, para se ativar os elementos periféricos e acessar o significado dos ideofones, há necessidade de se recorrer às categorias linguísticas e comunicativas em que os idiofones são usados, tais como o contexto, a finalidade e a intenção dos locutores.

A segunda parte, inicia com o capítulo do professor Mário Vilela cujo título é O cabo-verdiano visto por cabo-verdianos ou contributo para uma leitura da situação linguística em Cabo Verde. Não é um texto inédito, mas importante para os estudos sobre os crioulos na atualidade, pois traz a ‘fotografia linguística’ de Cabo Verde, mostrando o valor que os cabo verdianos dão ao crioulo e a suas variedades. O texto revela a importância do crioulo na vida prática daquele povo, evidenciando a necessidade da sua oficialização para que possa ser usado com liberdade plena em todas as esferas e atividades socioculturais dos cabo-verdianos.

O segundo texto é de autoria de Shirley Freitas denominado O Kabuverdianu moderno: alguns aspectos fonológicos. O texto discute características fonológicas do kabuverdianu moderno, focando na variedade falada em Santiago, que surgiu logo no início da colonização do país e que teria dado origem às demais variedades faladas no arquipélago. Com relação ao sistema vocálico, o texto apresenta o quadro de fonemas e discute (i) o estatuto das vogais com o traço [nasal]; (ii) a oposição entre vogais médias-altas e médias-baixas na classe gramatical a que uma determinada palavra pertence e; (iii) o inventário de ditongos. A existência de consoantes pré-nasalizadas no crioulo também é questionada neste texto. Finalmente, o texto trata da estrutura silábica, mencionando os elementos que podem ocupar as posições de núcleo, onset e coda. Segundo a autora, apenas o núcleo deve ser obrigatoriamente preenchido e o onset é a única posição que permite a combinação de elementos, encontrando-se clusters com dois ou mesmo três segmentos.

O terceiro texto, de Hildo Honório do Couto e da Elza Kioko Nakayama Nenoki do Couto, apresenta uma discussão sobre a Ecologia das relações espaciais: as preposições do crioulo-português da Guiné-Bissau. O texto, inicialmente, estabelece um panorama geral acerca da ‘ecolinguística’, que é a ciência dedicada ao estudo das relações entre língua e meio ambiente. Os autores discutem os conceitos de ecossistema fundamental da língua (social, mental e natural) para, depois, observarem as inter-relações entre esses meios ambientes. Mais adiante, o texto trata da Ecologia das Relações Espaciais, exemplificando-a com preposições portuguesas e crioulas. Além disso, investiga-se o que Bernard Pottier chama de ‘uso nocional’ das preposições e exemplifica com usos de preposições espaciais crioulas de base portuguesa. Por fim, propõe-se analisar as relações espaciais examinadas nas seções precedentes, uma vez que, no senso comum, acredita-se que as preposições, como palavras funcionais que são, não teriam nenhuma relação com o mundo fora da língua.

O quarto texto é da autoria de Ana Lívia dos Santos Agostinho e Manuele Bandeira, acerca das Línguas nacionais de São Tomé e Príncipe e ortografia unificada. O texto reflete sobre práticas e instrumentos linguísticos como a ortografia unificada (o Alfabeto Unificado para as Línguas Nativas de São Tomé e Príncipe, ALUSTP) e sua importância para os falantes das três línguas autóctones de São Tomé e Príncipe: santome, lung’Ie e angolar. O alfabeto adotado é de base fonético-fonológica, em detrimento de um alfabeto etimológico. Além da ortografia unificada, o estudo tratou da inclusão do lung’Ie no currículo das escolas da ilha do Príncipe, apostando em duas práticas linguísticas: o planejamento e a padronização linguística como estímulos ao ensino do lung’Ie, assim como a produção de materiais didáticos. As autoras concluem que o estabelecimento de grafias oficiais e a inclusão da língua no currículo escolar garantiriam voz aos falantes de lung’Ie.

O quinto e último texto deste capítulo é da autoria de Ciro Lopes da Silva e de Pascoal Jorge Sampa, cujo título é A língua portuguesa na Guiné-Bissau: influência do crioulo e a identidade cultural no português. O texto discute questões sociolinguísticas da Guiné-Bissau, focando a importância do crioulo na vida dos guineenses. Os autores analisam a importância do crioulo não só para a população em geral, como também para excluir o receio de errar no espaço público, como acontece com grande parte dos guineenses quando fala o português. Nesse contexto, de acordo com os autores, o crioulo oferece aos guineenses dois suportes fundamentais, um racional e outro expressivo, necessários para o desenvolvimento intelectual de qualquer indivíduo. Os autores acreditam que o crioulo deveria ser a língua oficial da Guiné-Bissau a par com o português, até porque é a língua com que o guineense mais se identifica.

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