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Revista Internacional em Língua Portuguesa

versão impressa ISSN 2182-4452versão On-line ISSN 2184-2043

RILP vol.38  Lisboa dez. 2020  Epub 21-Mar-2021

https://doi.org/10.31492/2184-2043.rilp2020.38/pp.11-15 

Apresentação

Apresentação: Para uma ética, estética e poética das Artes na Comunidade da Língua Portuguesa, mas não só

Paulo Morais-Alexandre1 

Maria do Carmo Veneroso2 

1 Instituto Politécnico de Lisboa, Portugal;

2 Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil.


«Fundamentalmente apenas oferecer-vos uma mão cheia de imagens, pontos de reflexão, da leitura do universo das formas. Raízes de entendimento do panorama criativo ao nível dos significantes, sinais, símbolos e dos significados. Temporalidade, intemporalidade. Dialéctica de metamorfose, a terra e o mar. O percurso, a viagem, o equipamento, a comunicação, o erudito e o popular, o património, a defesa e a conservação, o restauro, a arqueologia, os objectos memórias, os materiais, a natureza, a água, a terra, o ar e o fogo. [...] Aqui lhes deixo uma última palavra: inicio de uma fascinante aprendizagem cuja intenção maior é sem dúvida a capacidade, a disponibilidade para olhar o mundo que nos envolve, saber ouvir, caminhar para a percepção total.» Lagoa Henriques (Araújo-Gomes, 2012:35-36)

Vem a Associação das Universidades de Língua Portuguesa publicar um novo número da Revista Internacional em Língua Portuguesa (RILP) dedicado às Artes Performativas e Imagem em Movimento. Paralelamente ao XXIX Encontro da AULP dedicado à Arte e Cultura na Identidade dos Povos, foi decidido lançar um número da Revista dedicado às Artes, tendo, nesse sentido, sido feito uma chamada de contribuições, sendo de tal maneira frutuosa e com um número tão significativo de artigos de qualidade, que se entendeu publicar dois números dedicados às Artes, o anterior, n.º 37 sob a epígrafe de Artes e Música e este dedicado às Artes Performativas e Imagem em Movimento, mas permitindo ainda outras abordagens mais heterodoxas.

O notabilíssimo escultor Lagoa Henriques remetia amiúde a necessidade de conciliação entre «[…] a técnica, a estética, a ética e a poética!», algo que considerava fulcral para a sua atividade artística, mas também fundamental ao pedagogo que era, mas que, sobretudo, no geral, refletia a sua forma de estar na vida (ibidem: 139). Urge não deixar morrer as palavras do mestre, urge aplicá-las também nas nossas vidas, também nas nossas pesquisas, também na nossa Arte.

Munidos destas ferramentas impõe-se, paralelamente, cumprir o desiderato postulado por Agostinho da Silva, curiosamente o mentor de Lagoa Henriques, que havia alertado para a necessidade de «[…] uma cultura geral pluriforme, lusófona, cujo objetivo seria o de ajudar o homem contemporâneo a realizar sua vocação de ser humano: vocação de se consagrar à vida criadora, nos campos das ciências, das artes, da cultura. Trata-se, para os povos lusófonos, de ajudar a humanidade a viver de modo mais livre, mais poética; trata-se de mostrar que a humanidade se exprime em cada homem, que ela “é uma só e única humanidade” e que esta unidade representa, no plano do espírito, o que outrora o mar representou: graças às navegações, a humanidade foi enfim compreendida como “um único Mar”, dado que os oceanos se comunicam entre si.» (César, 2015: s.p.) e tal como bem expressou Neuza Guareschi, uma cultura da lusofonia, concebida e entendida, «[…] como constituidora de sujeitos, produtora de identidades e da relação com o outro […]» (2009 : p. 14) e, neste caso, evidenciada através de uma produção artística por um lado profundamente diversa, mas, por outro, com claros denominadores comuns. De alguma forma a RILP em geral e este número, bem como o anterior, em particular, são, sem dúvida pedras nesta construção cujas fundações já existem e importa desenvolver.

Cumpre agradecer a todos os que colaboraram neste volume, em primeiro lugar aos autores que disponibilizaram as suas pesquisas para publicação, algumas que já decorrem há vários anos, a todos os revisores que com elevado grau de exigência analisaram, avaliaram e sugeriram correções aos artigos que lhes foram submetidos, à Professora Doutora Cristina Sarmento que sabiamente assegurou a coordenação editorial, à Dr.ª Pandora Guimarães e à Doutora Patrícia dos Santos Oliveira, cujo empenho e apoio foram inexcedíveis, bem como a todos que participaram na presente edição deixamos expressa a nossa gratidão.

O mais difícil, mas por outro lado mais frutuoso da edição é colocar artigos, sobretudo muito díspares, em diálogo e considera-se que tal foi atingido. Desta edição deriva ação e interação de um número significativo de investigadores e docentes de instituições de ensino superior e de unidades de investigação da Lusofonia.

Não se pode deixar de registar uma lacuna, a inexistência de colaborações oriundas de todos os países da lusofonia. Alguns há ainda, onde a investigação em Artes não está muito desenvolvida, o que evidencia que muito há ainda a fazer e que nos cumpre, como irmãos, apoiar o desenvolvimento da investigação sobre as Artes, da investigação através das Artes e da própria produção artística, porque é disso que se trata, em todos os países que têm como língua oficial o português.

Não se busca nesta edição uma uniformização de análises ou sequer de temas, considerando-se que os discursos muito diferenciados que se apresentam são enriquecedores, assim como as manifestas diferenças entre investigadores, tendo sido possível verificar, até na fase de revisão científica, que há uma multiplicidade de abordagens possíveis, mas sempre com o denominador da qualidade.

Registe-se e é importante deixar tal claramente explicitado que a arbitragem a que os artigos foram sujeitos não foi uma mera formalidade, mas que foi efetiva e exigente, pelo que houve artigos que, por não se compaginarem com os elevados padrões de exigência estabelecidos, foram excluídos.

Tem-se a certeza que há artigos que trazem novas visões e que, no seu cruzamento, se prova que há efetivamente um espaço lusófono artístico, não meramente decorrente de um passado comum, mas vocacionado para a cooperação e para um percurso paralelo com vários pontos de encontro que permanecerá na construção de um futuro. Porque é disso que se trata: construir um futuro comum através, também, da Arte.

No número 38 são reunidos 9 artigos que se podem agrupar por áreas, sendo um primeiro dedicado à reflexão fundamentada de como pode ser definida uma política escolar para as artes, um estudo de Denise Perdigão Pereira, Maria Teresa Guimarães de Medina e Aracy Alves Martins, “A Formação Artística em Cabo Verde desenvolvida pela Mindelo - Escola Internacional de Arte: pesquisa aplicada como estratégia de política radical e resistência estética”, onde se analisa uma instituição particular, mas reconhecida pelo Ministério da Educação e Valorização dos Recursos Humanos de Cabo Verde, que tem uma muito estreira relação com os trabalhos de desenvolvimento sócio-comunitários realizados pela ONG Atelier Mar, sendo a única instituição de formação artística superior em Cabo Verde.

Lucas Rossi Gervillan estrutura o seu artigo “Site-specific: Trabalhos direcionados para um lugar predeterminado” tendo como base os desenvolvimentos primeiro designados por Land Art, mas que pelo desenvolvimento que teve até ao presente se prefere a designação de Earth Art, já que a primeira está muito associada a um período muito específico, ligando a esta o aparecimento de trabalhos de vídeo com características site-specific.

No território da Dança, são apresentados três estudos:

De Mônica Medeiros Ribeiro, "A dança que nos escapa-o instante da presença", sobre a dança como pensamento-sentimento do corpo e sua relação com a presença do sujeito no instante da improvisação inventiva. Seja aqui permitido que se chame a atenção para a análise feita sobre o tempo na dança, bastante pertinente e esclarecedora. Fernando Crêspo em “A força da gravidade e a origem do movimento” disseca a relação que o corpo estabelece com a força da gravidade que considera estar no centro da ação performativa, um desenvolvimento do seu doutoramento que trabalhou as ações do corpo no campo da coreologia e da produção artística multidisciplinar. Por fim, Maria José Fazenda, apresenta um estudo histórico que examina e documenta um dos períodos-chave para a dança contemporânea em Portugal, que ocorreu na sequência das profundas reformas que a revolução de abril motivou: “Do desenvolvimento da dança teatral em Portugal no pós-25 de abril de 1974: circunstâncias, representações, encontros”, um tempo de mudança que viu a “reforma” do Ballet Gulbenkian e suas consequências, a criação da Companhia Nacional de Bailado e, também, a diversidade “Nova Dança Portuguesa”.

David Antunes, o autor de um fundamental estudo sobre a magnanimidade da teoria, estabelece um cruzamento tão curioso quanto inédito onde partindo de um comum evento quotidiano, faz deste uma leitura como se de uma performance se tratasse, o que leva até à discussão dos limites da Arte.

Marta Cordeiro parte da hipótese de Paul Ricoeur relativamente a uma possível “identidade narrativa”, feita da mesmeidade e da ipseidade e escalpeliza o trabalho do artista plástico Ugo Rondinone, na série I Don´t Live Here Anymore, chegando a chamar à colação as premissas teorizadas por Paul Grice.

Celso Prudente, numa área de investigação que vem desenvolvendo há alguns anos, que se funda na perceção da menorização no cinema do “ibero-ásio-afro-ameríndio” pelo “euro-hétero-macho-autoritário”, permitindo sem dúvida o cinema negro brasileiro, mas não só, como se verá, resgatar uma imagem positiva do não dominante.

Encerram este número Leonardo Charréu e Ana Charréu num artigo que, a partir da obra cinematográfica experimental de Hans Richter e da sua ligação ao dadaísmo, nomeadamente às propostas de Jean/ Hans Arp, evidencia uma convivência num mesmo ecossistema estético das linguagens da pintura e o do cinema.

Num espaço de discussão tão rico e variado, de análises e pesquisas tão diferenciadas em alguns casos até sobre questões fora da lusofonia, fica a pertinente pergunta se, nesta riqueza de identidades muito diversas, com múltiplos denominadores, haverá um que seja comum e permita afirmar que há também uma forma de pensar Arte em português.

Referências

1. Araújo-Gomes B. (2012). Lagoa Henriques : O Coleccionador e a Casa-Museu dissertação de mestrado. Lisboa : Universidade de Lisboa. [ Links ]

2. César C. (2015). A Lusofonia e a Universalidade nas Cartas de Agostinho da Silva. In Pontes de Vista : Revista de Filosofia e Literatura. Porto, 1. [ Links ]

3. Guareschi N. (2009). Cultura, Identidades e Diferenças. In Reflexão & Ação, v. 16, 2. [ Links ]

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