Introdução
O Canto do Mar: jornal criativo em língua portuguesaé um periódico anual de escrita criativa, promovido e editado no âmbito do Programa de Ensino do Português, coordenado pela professora portuguesa Susana L. Maria Antunes, do Departamento de Espanhol e Português da Universidade de Wisconsin -Milwaukee, única docente de português implicada neste projeto de relevo na Lusofonia. Tem colaboração da comunidade e de alunos/autores de várias nacio nalidades falantes e aprendentes do português como língua estrangeira.
Resultado de um projeto pedagógico transdisciplinar, edita, anualmente, tra balhos escolares e académicos em “língua portuguesa: uma paixão que nos une” (Antunes, 2018, p. 3), agregando trabalhos de escrita criativa sobre múltiplas temáticas, de responsabilidade individual. Publica-se na Primavera, desde 2017, data do 1º número continuado por mais 3 editados nos anos seguintes, em suporte papel eonline, disponível em https://uwm.edu/spanish-portuguese/media/o-can to-do-mar/.
Como jornal aberto a quem quisesse e queira escrever em português,O Can- to do Maré assim chamado “porque o mar é um dos elementos que une todos os Países de Língua Portuguesa”. Surgiu da abordagem à Poesia em aulas de língua portuguesa e contagiou em sensibilidade e sabedoria, o entusiasmo e envolvi mento geral dentro e fora das aulas do semestre, expandindo-se nos encontros e conversas no “Bate-Papo” semanal (Antunes, 2017, p.2), iniciativa de apoio ao planeamento e organização desta publicação, construída em consensos coletivos de alunos e comunidade.
1. Uma leitura analítica deO Canto do Mar: jornal criativo em língua portuguesa
Chegou-se assim “à inevitável conclusão que era necessária uma publicação em português, destinada ao trabalho e exercício da língua dentro da Universidade de Wisconsin-Milwaukee (…) surgeO Canto do Marque passa a ideia exata do mundo lusófono, como no poema de Fernando Pessoa” (Filho, 2017, p.6):
“Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu.” Fernando Pessoa (s.d.). Mensagem - Mar Português.
Um vasto universo de falantes de português, grande potencial de colabora dores e públicos-leitores deO Canto do Mar, é assim perspetivado por Susana Antunes, (nº 2, 2018, p.3) nesta descrição introdutória:
“Nos dias de hoje, 236 milhões de pessoas espalhadas por cinco continentes (África, América do Sul, Ásia, Europa e Oceânia) falam a língua portuguesa, ultrapassando, ao longo dos séculos, todas as barreiras e usando as mais diversas formas na contínua divulgação de uma língua que se fala em Angola, no Brasil, em Cabo Verde, na Guiné-Bissau, em Goa (Índia), em Macau, em Moçambique, em Portugal, incluindo as ilhas dos Açores e da Madeira, em São Tomé e Príncipe e em Timor-Leste. (…) Até 2050, estima-se que serão 335 milhões de pessoas que falarão português no mundo, o que prova a dinâmica e a força da língua portuguesa - uma língua viva, em contínuo movimento e adaptação linguística, flexibilizando-se de acordo com as necessidades externas e intrínsecas dos seus falantes, o seu elo mais forte”.
Milwaukee, no Estado de Wisconsin é a cidade onde nasceu, se cria e donde nos chega, a cada Primavera,O Canto do Mar, periódico que compila e divulga trabalhos semestrais dos alunos, em que a escrita em língua portuguesa é primor dial no seu processo de aprendizagem, sendo trabalhada de uma forma interdisci plinar e integrante de todos os tipos de textos.
Pela prosa livre de um dos seus colaboradores, Anthony Heffron, universitá rio falante de português e futuro professor de inglês na China, vamos conhecer Milwaukee mais por dentro, através do seguinte texto de sua autoria:
“Por que escolhi Milwaukee Tenho tantas razões para escolher esta universidade e esta cidade. A maior razão pode ser representada através de números: UW-Milwaukee tem 26 centros de pesquisa, 78% dos estudantes graduados en- contram empregos nas suas áreas de estudo, a cidade está no top 5 de entre as cidades que apresentam um crescimento mais rápido nos EUA... Mas este número não tem nada a ver com as razões pelas quais eu gosto de Milwaukee. A razão mais importante são as pessoas, as pessoas que moramaqui. Cada pessoa nesta universidade está disposta a ajudar os outros. A cidade e seus bairros têm um caráter único. Professores, amigos, colegas de trabalho e das aulas - sem eles nunca poderia ter tido o sucesso que agora posso apreciar. Agora, tenho que olhar para o futuro. (…)” (O Canto do Mar, 2018, p.21).
Porém, à beleza acolhedora da Primavera, sucede-se “o verão que tenta es quecer o que o Outono faz lembrar”, ou seja, “O frio de Milwaukee”, título deste poema de Inverno, drástico e solitário de Dalila Fernandes de Negreiros, outra colaboradora deO Canto do Mar…( nº 3, 2019, p.31):
“Pode nevar sem parar por dias, Podem congelar dos lagos ao orvalho das folhas, As plantas hibernam em tons de cinza, Os olhos ardem, o ar é seco, o vento corta.
O inverno em Milwaukee é drástico, As pessoas morrem porque tem vazamento nas casas, As pessoas morrem por não ter onde morar, As pessoas morrem por falta de abrigo. O frio de Milwaukee separa, O frio de Milwaukee segrega, O frio de Milwaukee esconde Uma intencionalidade. A cada ano as escolhas se renovam, O verão tenta esquecer o que o outono faz lembrar, Que o inverno nunca passa, Porque reside na alma.”
Folhear os cinquenta e quatro textos polifacetados do número mais recente (nº4, 2020) deO Canto do Marjornal criativo em língua portuguesa e suas va riantes que usa em exclusivo e divulga, iniciativa pedagógica inovadora, também pela sua acentuada multiculturalidade e diversidade linguística e cultural, é como o rodar mágico de caleidoscópio intercultural de tradição-inovação que tem vindo a cada primavera, a fidelizar imaginativos colaboradores e surpreender mais lei tores, com revigorante juventude. Ler esta publicação de qualidade gráfica, acres cida de um vídeo de projetos dos alunos de português, em tempos de Covid-19, é imaginar «Passatempos…em três tempos!!!», degustando «salada de frutas», desafio de «aprender a brincar» da professora portuguesa Susana L.M. Antunes, coordenadora do Programa de Português do Spanish and Portuguese Depart ment, UM- Milewaukee, promotora e editora deO Canto do Mar, desde início.
Vários são os temas e géneros de escrita contemplados (poesia, música, arte e artes visuais, literatura, educação, história e cultura, economia, saúde, gastrono mia, desporto, etc.) e muitos os autores de diferentes trajetórias de vida, culturais e académicas. Decorre daqui um panorama significativo de opções expressivas e materiais substantivos cobertos nesta publicação, como se ilustra na seguinte sú mula de tópicos, conteúdos e escritores abordados nos quatro números entretanto editados:
Nº 1, Spring 2017 (Ed. University of Wisconsin - Milwaukee/Departement of Spanish and Portuguese, (S&P); Susana L. M. Antunes; Luís Filho: Poesia, Prosa Livre, Outro tempo - Electronic and Contemporary Music from Brazil 1978 1992. Nº 2, Spring 2018 (Ed. UWM/ S&P; Susana L. M. Antunes; Luís Filho): Azu lejos e o Galo de Barcelos - tradições portuguesas, Carnaval em Belo Horizonte, Tóquio, Milwaukee e Lago Michigan, curiosidades linguísticas, língua e despor to, falando português, todos nós, felicidade, reflexão, conflitos da vida, resenha de livros, Sophia de Mello Breyner Andersen, Clarice Lispector e Manoel de Barros. Nº3, Spring 2019 (Ed. UWM/ S&P; Susana L. M. Antunes; Luís Filho): Im portância da saúde mental, imaginação, emoções, o amor e a amizade, Cozido das Furnas, meus pratos brasileiros predilectos, Ensaios sobre o Samba e o Fado, Os cripto judeus de Portugal, Estamos juntos - Moçambique, Aicais e textos de expressão literária. Nº 4, Spring 2020 (Ed. UWM/ S&P; Susana L. M. Antunes): Dia Mundial da Língua Portuguesa, Ensinar, Influência portuguesa na Arte Macaense, a Arte e sua importância em nossas vidas, a importância da poesia e da literatura, violência doméstica no Brasil, isolamento quarentena Nighthawks e Covid19, Cabo Verde, enigmas alimentares, resenhas de livros, Clarice Lispector e Ana Luísa Amaral.
O português falado e escrito, aprendido e ensinado, amado em muitos cantos do mundo é o denominador comum de todos os trabalhos publicados pelos mais diversos autores neste jornal criativo unindo qualquer fronteira como claramente explica o textoA língua e o esportedo aluno Charles Organ (Port. 699) evocando o ditado “mente sã em corpo são”:
“Olá, Oi! Prazer! Meu nome é Charles Organ. Eu sou estudante da UWM estudando Marketing e Logística com um Minor em português. Estou formando nesse mês de maio. Minha vida pode ser vista em partes: esporte e língua. Bas quete faz parte da minha vida desde pequeno, mas recentemente a Língua Portu guesa entrou minha vida através de uma viagem de intercâmbio ao Brasil. Língua e esporte são coisas diferentes mais muito similares. Como? Vou explicar. Claro que o esporte é físico enquanto que a aprendizagem de uma nova língua é um exercício mental. No entanto, também há similaridades e a mais importante é que os dois conceitos conectam pessoas. Quando a gente joga basquete, é fundamen tal comunicar e saber as forças e as fraquezas dos seus colegas de equipe. Conhe cê-los te vai ajudar a jogar mais fluído para que todo mundo se sinta parte do time e essencial no jogo. Usualmente, o time que faz isso melhor vai ganhar. Esporte pode atravessar fronteiras que a política e a economia não podem atravessar. Es porte pode atravessar fronteiras raciais, nacionais e globais. Esporte foi sempre uma ferramenta que eu usei para me adaptar a um ambiente novo e conhecer gen te nova e, ao mesmo tempo, criando relacionamentos para toda a vida. Quanto à língua, o ponto mais importante é que pela língua se podem criar entendimentos entre pessoas diferentes. Quando você sabe uma língua, a gente pode conectar entre si num nível pessoal e profundo em vez de ser só por um momento. Enfim, eu quero dizer para você pensar em aprender uma nova língua não somente como mais um trabalho da faculdade e esporte não só como uma coisa que você assiste na televisão. Lembre que os dois são chaves de conexão que podem atravessar qualquer fronteira.” (O Canto do Mar, nº2, 2018, p. 9)
Este jornal, projeto de escrita e de ensino-aprendizagem de uma língua viva, o português como língua estrangeira, em ação e movimento, nasce e vive da ex periência, mãe de todas as coisas. De número para número, reinventa-se em mu dança e movimento próprios do autêntico “trabalho em equipa” que, para além de tudo, também é, redescobrindo-se na alquimia das palavras e nas emoções e vivências sugeridas, como se pode perceber neste curioso exercício de ensino -aprendizagem de contar/cantar à desgarrada em equilíbrio e harmonia,Pensa- mentosouPalavras e Expressões Portuguesas Preferidasde vários autores:
Minha palavra preferida em português é “OBRIGADO” Eu gosto de dizer “obrigado” todos os dias porque eu amo a vida. Muito obrigado! Gerard - Port 104 Minha palavra favorita é nefelibata, uma palavra deriva da palavra nephele (cloud) e batha (a place where you can walk). Nefelibata se refere a alguém que vive nos sonhos e na imaginação. Isabelle Kalmer - Port 104 O português tem muitas palavras bonitas, mas minha palavra preferida é ‘SORRISO’. Ainda que o sorriso seja uma das expressões mais bonitas de gratidão ou de felicidade, a fonética da palavra, pela suavidade do ‘s’ juntamente com a vibração do ‘rr’, é agradável para mim. Além disso, o fato de que a seu equivalente em espanhol seja uma palavra feminina faz ‘sorriso’ ser original e diferente. Como falante de espanhol, eu estou habituado a relacionar a palavra ‘sorriso’ com o universo feminino: as mulheres, a minha mãe e minhas amigas... Porém, em português, a palavra ‘sorriso’ consegue juntar o feminino e o masculino em três sílabas e de uma maneira muito simples. Manuel Zelada - Port 204 A minha palavra preferida é POUPAR porque é uma palavra nova para mim. Também é muito divertido dizer EU POUPO porque esta palavra não é semelhante à tradução no espanhol. Blanca Munoz - Port 204 A palavra que eu mais gosto da língua portuguesa hoje em dia é FICAR porque é uma palavra muito flexível. FICAR pode ser “estar”, “mudar”, “tornar” e “beijar” também. Josh Petrovish FORTUNA é a minha palavra preferida porque a fortuna traz tudo. Rosa Furtado Eu gosto da palavra CACHORRO porque eu tenho dois cachorros e eles me amam. John Aponte - Port 104 A minha palavra favorita é RESILIÊNCIA porque é a capacidade que uma pessoa tem de passar por algo muito difícil, mas conseguindo dar a volta por cima. Cristina Mercado - Port 104 SAPATOS é a minha palavra preferida porque eu gosto de colecioná-los. Eu também gosto de usar sapatos diferentes. Quando eu era criança eu não podia ter mais do que um par de sapatos. Quando fiquei mais velho, consegui comprar mais sapatos. Então, comecei a colecioná-los, Tomas Jerónimo - Port 104 A minha palavra favorita é MACAQUINHO porque soa engraçado, bonitinho e doce! Ema Santos - Port 104 BEIJINHOS é a minha palavra favorita em língua portuguesa. Para além de transmitir carinho e afeto, tem um som muito musical! Susana Antunes OCRE porque tem cheiro de terra. Giovanna Gobbi A minha palavra favorita é saudade, porque expressa muito bem os sentimentos nós emigrantes temos quando pensamos na nossa terra querida. Não é fácil de traduzir para outras línguas e eu acho que isso mostra bem que emigrar faz parte da nossa cultura. Eu penso que este sentimento particular é uma parte importante de quem somos. Laura Martinez-Geijo Roman Minha palavra favorita da língua portuguesa é saudade porque expressa um sentimento profundo que é difícil de traduzir. É também por isso que gosto do Fado. Kathleen Wheatley Minha palavra preferida é AMOR porque amor é unidade. É uma pura emoção que todo o ser humano pode sentir e curtir. Não importa se é amor de país, amigos ou de um relacionamento. Amor é a “cola” que esse mundo tão feio precisa! Bianca Turner - Port 204 Eu gosto de muitas palavras! Mas as duas palavras que eu mais gosto em português são saudade e fofo. Saudade porque não existe no espanhol. Fofo porque eu aprendi a usar esta palavra para bebés e para animais de estimação! E funciona! María Fernanda Valerio Capellá (AAV, “O Canto do Mar”, nº 3, 2018, p.p. 41-43)
Como quem tem de voltar de novo ao início, para, ciclicamente, desenvolver conhecimento, importa agora salientar o trabalho editorial empenhado deste jor nal, o que melhor se pode fazer através do depoimento escrito “Os Ciclos” do co-editor Luis Filho, aluno brasileiro, na primavera de 2017, que regressou ao seu país, após concluir a licenciatura. … Mais um bocadinho da história de “O Canto do Mar…”(nº 3, 2019, p.5):
“O relógio quase marca meia-noite. Acabei de revisar este Canto, em pontos como diagramação, ortografia e outros assuntos que só preo- cupam os editores. Assim que terminei fechei o índice, que se encontra a seguir a esta introdução, me lembrei de escrever este texto. Confesso um certo nervosismo em juntar as palavras neste momento. Por isso prefiro contar uma história. Um dia, após uma aula, comentei com Susana Antunes, minha eterna mestra e co-editora, da minha vontade de publicar algumas coisas que havia escrito. Pensava eu que isso seria complicado demais, trabalhoso, difícil. Susana me respondeu: “vamos fazer isso acontecer”, ou algo do gênero. Assim nasceu esta revista. O meu desejo se tornou muito maior do que jamais poderia pedir. Tanta gente boa escrevendo, se esforçando, demonstrando o amor por deitar tinta no papel. Três edições depois, não poderia me despedir de forma mais bonita. Entrego a edição d’O Canto para aqueles que, no futuro, continuarão a cultivar o amor pela escrita em nossa língua portuguesa. Continuarei observando de longe, e esperando que a cada primavera também floresça mais uma edição desta publicação. Até logo, leitor.”
Assim contribuindo para exercitar o ensino-aprendizagem das componentes do processo de escrita: planificação, textualização e revisão, em unicidade parti lhada no entrecruzamento de itinerários de vida e na língua que é nossa e dos que querem seja também a sua língua, fica o propósito de queO Canto do Mar, de co res cambiantes permeadas pelo verde esperança, continue por mais primaveras… a sua “escrita criativa” como um novo mundo de descoberta de novos caminhos habitualmente não percorridos.
Na verdade, esta publicação vai sendo construída através de um projeto cola borativo, experimental e renovador de métodos de ensino-aprendizagem, numa aventura coletiva de práticas criativas de expressão e teorias críticas de educação que contribuem para corporizar a promoção da língua e cultura portuguesa à es cala internacional. Modalidade de ensino audaz e persistente configura-se como projeto promissor do Programa de Português da UM-Milwaukee entretecido em árduo, mas gratificante trabalho de investigação-ação de falantes do idioma por tuguês, com múltiplas experiências de vida e dificuldades iniciais transformadas depois em rostos de sorrisos.
“Estudar Português é Como Fazer Exercício No início, é muito difícil e pode nos cansar, mas com tempo, seu conforto e confiança aumentam. Suas habilidades melhoram e as pessoas podem ver o resultado do seu esforço. Tudo se torna mais fácil e se torna uma ótima experiência. No final, seu rosto de luta se torna um rosto de sorrisos. “ (Naomi Esquivel, nº4, 2020, p.77)
Convém agora conhecer também o que se passa depois com este ensino-apren dizagem da língua portuguesa para fins específicos, contexto ambiental onde se origina e constrói este instrumento de seu uso e disseminação, através do teste munho de um recente colaborador deO Canto do Mar…, RJ Hayes, sobre a sua longa e apaixonante experiência de estudante de português, texto que vale a pena transcrever, na íntegra:
“De Português 101 até Microsoft 4 de maio, 2020 Como as aulas de Português influenciaram minha carreira. Uma década de ensino de português Eu nunca imaginava que português ia influenciar minha vida tanto, mas antes de explicar, vou falar um pouco sobre mim, meu nome é RJ Hayes e faço parte de uma família grande. Devo dizer que não somos brasileiros, nem portugueses, nem cidadãos ou descendentes de países lusófonos. Sou uma parte francês, uma parte irlandês e uma parte boêmio. Digo isso só para dizer que, na hora em que decidi aprender, ninguém na minha família falava português. Talvez esteja pensando agora, então como você fala português e por quê? Nesse artigo, gostaria de falar um pouco sobre minha jornada e como a língua de portuguesa dirigiu, e continua a dirigir, meu caminho. Vamos voltar uma década atrás, para agosto de 2010, eu estava na orientação de “freshmen” na Uni- versidade de Wisconsin - Madison. Eu tinha que escolher algumas aulas para matricular. Eu não fazia ideia do que eu queria estudar. Eu estava olhando um livro de opções para aqueles na mesma situação como eu, que não sabiam o que queriam estudar. Vi uma opção para escolher um “pacote” de aulas sobre a língua, a história e a sociedade do Brasil. Fiquei interessado... Decidi matricular nessas aulas e vou dizer que foi a melhor escolha da minha vida. Eu não fazia nenhu- ma ideia, na hora de matricular, a aventura em que português ia me levar. Depois de um semestre de português na UW-Madison, eu fiquei apaixonado pela língua. Minha professora, Jackie, era tão anima- da e divertida. Eu continuava com as aulas de português. Depois de dois anos a estudar português, eu fiz intercâmbio universitário na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em Belo Horizonte, Brasil. Todo amor que tinha pelo português e pela cultura brasileira multiplicou mil vezes em BH. Eu estudava antropologia e sociologia e fiz novas amizades com as pessoas da minha turma. Foi lá em Belo Horizonte que ganhei a confiança para falar português sem vergonha. Se você está tentando melhorar seu português, recomendo passar um tempinho num país lusófono - você vai ficar chocado com os resultados. Meu visto de estudante para ficar no Brasil era válido por 365 dias, e eu fiquei 364. Eu só tenho lem- branças boas do Brasil, da UFMG e dos meus amigos brasileiros. Para mim, esse foi o “ponto sem retorno.” Voltei para os Estados Unidos para terminar mais um ano de graduação na UW-Madison. Eu estava gostando das minhas aulas de português e queria continuar aprendendo. Então fiz inscrição para o mes- trado de literatura portuguesa na UW-Madison. Fiquei muito feliz quando fui admitido no programa. Esses dois anos do mestrado seriam o maior desafio da minha experiência com a língua portuguesa. Eu fui desafiado a analisar português de uma maneira nova e mais profunda. Eu não podia ler só para diversão, eu tinha que ler e mergulhar nas mensagens e no simbolismo atrás das palavras físicas. Não vou mentir, havia momentos que eu queria desistir, mas no final das contas, eu me senti em casa apren- dendo português e meus professores eram incríveis, então eu fiquei. Quando eu estava no último ano do mestrado, eu pensava nas maneiras em que eu podia continuar a usar meu conhecimento de português, mas não num ambiente acadêmico. Eu decidi fazer inscrição para o Corpo da Paz (Peace Corps) para trabalhar num país luso-africano. Para vocês quem não conhe- cem o Corpo da Paz - é uma organização do governo americano que manda voluntários para partes do mundo em desenvolvimento para fazer trabalho humanitário por dois anos nos setores de educação, da saúde, da agricultura e do desenvolvimento juvenil. Eu fui aceito para ser professor de inglês em Moçambique. Moçambique foi colônia de Portugal até 1975, então a língua oficial é o português. Eu fiquei lá durante dois anos, dando aulas de inglês, mas fazendo muitos outros projetos, tudo em português. No meu retorno em 2018, eu estava procurando um novo emprego. Não sabia o que queria fazer, nem quem queria me contratar. Para minha surpresa, eu fiquei sabendo que a empresa da Microsoft tinha uma nova vaga para alguém ser o recrutador em universidades do Brasil. Entre alguns pré-requisitos, essa pessoa tinha que saber falar português. Eu fiz a inscrição e fui contatado pelo recrutador. Depois de 6 entrevistas (uma em português com alguém no Brasil) eles me ofereceram o emprego. Agora, eu sou o recrutador e eu trabalho com as maiores universidades no Brasil durante o ano inteiro. Se você está apaixonado, seja por uma língua, uma arte, um passatempo, uma ciência aleatória - por favor, não desista por causa dos outros. Tantas vezes na minha carreira, pessoas me perguntaram: “O quê vai fazer com português?” Eu nunca tinha uma resposta certa para eles, mas eu sentia, no meu coração, que algo ia dar certo. Então espero que você também possa seguir a mensagem do seu coração e não seguir as opiniões/dúvidas dos outros.” (O Canto do Mar, 2020, p.p.1-2)
Mas o que, a nosso ver, mais abrangente e profundamente distingueO Canto do Marsão, no campo da estética, os «afetos», devires que transbordam do que passa por eles, e os «perceptos», sensações e perceções independentes dos que as sentem (Deleuze, Guattari, 1991) cuja circulação se espelha no seu firme lema de saber que “pelo sonho é que vamos” poema do jovem professor e am bientalistaavant la lettre, Sebastião da Gama, «o poeta da Serra da Arrábida», em cuja curta vida sempre guiada pelos afetos, tudo aconteceu muito cedo e de forma intensa.
“Pelo sonho é que vamos, comovidos e mudos. Chegamos? Não chegamos? Haja ou não haja frutos, pelo sonho é que vamos. Basta a fé no que temos. Basta a esperança naquilo que talvez não teremos. Basta que a alma demos, com a mesma alegria, ao que desconhecemos e ao que é do dia a dia. Chegamos? Não chegamos? - Partimos. Vamos. Somos. (Sebastião da Gama, 1951)
Assim com determinação e coragem rumo a um horizonte de sonho, tem ca minhadoO Canto do Mar, trabalho interativo de aulas e encontros semanais em “bate-papo” onde a “palava puxa palavra” para novas ideias e práticas do portu guês, como logo no seu início se salienta em “Algumas Palavras de Abertura” a esta revista transdisciplinar de atualidade multicultural e criatividade literária (Antunes, 2017, p.p. 3-4).
Por isso aos obreiros potenciais deO Canto do Mar, jornal cujo título evo ca, semiologicamente, uma vocação universal de fortes ressonâncias históricas portuguesas, plasmada na língua herança de que emana, abre-se um trajeto onde continuará a ecoar a matéria do sonho «que comanda a vida» (A. Gedeão -Pedra Filosofal, 1956) a par da pedagogia do “bom senso” (Freinet), da abertura à mu dança e ao sempre novo.
Aos seus leitores, amigos, professores e alunos falantes da língua portuguesa “uma paixão que nos une” (nº2, 2018, p. 3) auguram-se leituras inspiradas, uti lização e disseminação neste apreço intrínseco: “A minha pele é a minha língua. / Acoplada a mim e enlaçada com o mundo, /amo a minha língua.” (Antunes, 2018,p.6).
2. Projeto pedagógico plurifacetado
Após a precedente leitura analítica deO Canto do Mar…, importa agora fa zer uma abordagem conceptual ao contexto educativo de seu surgimento e con cretização, para melhor se compreender, como foi possível nos bastidores, fazer vingar esta proposta inicial da professora e editora Susana Antunes “vamos fazer isso acontecer”.
O ensino da língua portuguesa, pela sua natureza, envolve muitos fatores es senciais, desde a escolha e aplicação de metodologias pedagógicas consistentes e uso de recursos e materiais didáticos adequados a necessidades e problemas, até, em especial, a implementação de iniciativas e atividades educativas e sócio -culturais, de que é exemplo esta publicação, foco principal da seção anterior, sobretudo de natureza empírica.
Em nossa perspetiva, a construção e produção deste jornal de escrita criativa em língua portuguesa, onde interagem múltiplas competências sociais, diversas experiências culturais e várias formas de expressão e comunicação, beneficiam de um ensino-aprendizagem assente num suporte reatualizado de metodologias educativas de referência designadamente o método do “texto livre” de Freinet, fundador do movimento Escola Moderna, a «aprendizagem cooperativa» (Sha ran, 2014) e a «pedagogia da autonomia» (Freire, 2002), metodologias ativas/ participativas que confluem no novo modelo curricular, a «investigação-ação» (Stenhouse, 1975) .
a) Método do “texto livre”. A pedagogia do teórico Célestin Freinet (1896 1966), importante referência da educação de sua época, consubstancia uma nova orientação sócio-educativa cujas propostas continuam a ter grande ressonância no ensino-aprendizagem atual. Enfatiza a importância do meio ambiente na cons trução do conhecimento, assim como a conceção integral do ser humano e incen tiva a livre expressão dos alunos por meio de várias técnicas: aulas-passeio, jornal e imprensa escolar, roda da conversa, texto livre, etc. (Scarpato, 2017). Segundo este educador, aprende-se sendo levado pelo quotidiano, num desenvolvimento de forma natural. O texto livre, à base da livre expressão - poesia, prosa, pintura, desenho, ou outra linguagem - surge naturalmente a partir das impressões de cada um suscitadas pelo meio ambiente, sendo os alunos e orientação docente em co letivo, a determinar, em criatividade e espontaneidade, diálogo e sociabilidade, as formas, os temas e os tempos para a sua criação e construção que obedecem ainda a várias técnicas e estratégias educativas. Este o grande potencial pedagógico do princípio da expressão livre de C. Freinet, um dos muitos aspetos de destaque da sua proposta educativa assente no impulso criador do ser humano do qual decor rem ainda algumas práticas da “escrita criativa”.
b) Na «Pedagogia da autonomia», promovida pelo educador e filósofo bra sileiro Paulo Freire (1921-1977), cuja última obra publicada em vida tem pre cisamente esse título, o autor defende uma “ética universal do ser humano”, ou “ética educativa” essencial ao trabalho docente, para o qual apresenta propostas de práticas pedagógicas necessárias à educação. Esta é entendida como forma de construir a autonomia dos educandos, respeitando e valorizando a sua individua lidade, cultura e acervo de conhecimentos empíricos.
Notável pensador da história da educação e influenciador da chamada pedago gia crítica, Paulo Freire procura a integração do ser humano e a investigação de novos métodos, valorizando a curiosidade de educandos e educadores e refutando a rigidez ética dos interesses capitalistas e neo-liberais que marginaliza os menos favorecidos no processo de socialização. Analisa a prática pedagógica do profes sor em relação com a autonomia de ser e de saber dos alunos, sujeitos sociais e históricos. Considerando que “formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas” e que “ensinar não é transferir conheci mento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua constru ção”, releva a importância de os educadores abandonarem técnicas de ensino ul trapassadas e estimularem os educandos para uma consciencialização e reflexão crítica sobre a realidade económico-social em que estão inseridos e impulsiona.
Enfatiza aspetos essenciais como: humanismo, simplicidade, bom senso, esperança, nem sempre seguidos nas sociedades capitalistas de consumo e co municação de massas e de alienação coletiva. Acredita que a educação é uma forma de transformação da realidade, que não é neutra nem indiferente, mas que tanto pode destruir a ideologia dominante como mantê-la. Defende que os edu cadores, exercendo a sua autoridade e liberdade, numa relação dialética centrada em experiências estimuladoras de decisão e responsabilidade, deverão ensinar a pensar corretamente, do que faz parte a “disponibilidade para assumir o risco, a aceitação do novo e a utilização de um critério rigoroso para recusar o velho” e releva a importância de criarem condições para a construção do conhecimento em parceria, e para a socialização dos educandos enquanto seres históricos e so ciais que pensam, criticam, opinam, têm sonhos, se comunicam e dão sugestões.
Educadores e educandos devem ser respeitados em sua autonomia, o que exige compreensão da realidade, humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educandos, necessitando todos de estímulos que despertem a curiosidade e a busca para chegar ao conhecimento, incentivando a imaginação, intuição e senso investigativo.
Mas ensinar exige querer bem aos educandos, expressando a afetividade, pelo que a atividade docente é uma atividade também de caráter afetivo, para além de uma formação científica séria, juntamente com o esclarecimento político dos educadores. Estes, como seres históricos, políticos, pensantes, críticos e emotivos têm de saber escutar, crítica e pacientemente, e devem procurar mostrar o que pensam, indicando diferentes caminhos sem conclusões acabadas e prontas, para que o educando construa assim a sua autonomia.
Para Freire, a prática educativa, não obstante transmitir saberes, significando, construindo e redescobrindo os mesmos, pois fomos programados para aprender, ensinar, conhecer e intervir, é um constante exercício em favor da construção e do desenvolvimento da autonomia de professores e alunos.
Mas salienta ainda que a educação tem a política como característica inerente à sua natureza pedagógica, enfatizando que ensinar requer a plena convicção de que a transformação é possível porque a história deve ser encarada como uma possibilidade e não como um determinismo moldado, pronto e inalterável. O edu cador não pode ver a prática educativa como algo sem importância, sendo preciso lutar e insistir em revoluções e mudanças.
Para a “Pedagogia da Autonomia” de Paulo Freire,, não há docência sem dis cência, ou seja, ensinar não existe sem aprender e vice-versa e só aprendendo social e historicamente se descobre ser possível ensinar, o que não é transferir conhecimento, mas preparar o caminho da autonomia de quem aprende. Ensinar é uma especificidade humana em que há necessidade de conhecimento e afetivida de por parte do educador para que este tenha liberdade, autoridade e competência na sua prática, acreditando que a disciplina verdadeira não está no silêncio dos que são silenciados, mas no alvoroço dos inquietos, o que implica uma autori dade verdadeiramente democrática. Ensinar requer rigor, método e imaginação instigante; pesquisa, investigação e transformação; respeito pela autonomia e pe los saberes dos educandos; conhecimento de ser condicionado e consciência do inacabamento.
Em síntese, ensinar exige segurança, competência profissional, generosidade, comprometimento, compreendendo enfim que a educação é uma forma de inter venção no mundo e a missão do educador é “Educar para a vida”. Este axioma base da educação permite compreender melhor que o aprender precedeu do ensi nar, quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender, o que se traduz numa preparação para a total autonomia de quem aprende, formando cida dãos conscientes de seus deveres e direitos. O que nos remete à suma importância de sempre dever existir em quem ensina, uma vontade constante de aprender acompanhada de genuína vocação, forte garra, imaginação e, hoje, capacitação para adequar-se ao mundo tecnológico, digital e virtual em vertiginosa mudança.
c) Por sua vez, a “aprendizagem cooperativa”, e/ou “aprendizagem colabora tiva”, isto é aprender a aprender, cooperativamente, requer várias mudanças na perceção de aprendizagem, nas atitudes em relação ao ensino e à aprendizagem e nos seus comportamentos sociais e cognitivos em sala de aula. Neste processo de mudança, professores e alunos estão interligados e interdependentes e tomam juntos as medidas necessárias para se criar uma nova forma de ensino-aprendi zagem.
Trata-se de uma pedagogia genérica, minuciosamente abordada e investigada no campo da educação, tendo-se assim desenvolvido numa grande variedade de métodos (vias sistemáticas), modelos (seguidos ou adaptados de modo flexível) e procedimentos para facilitar o ensino-aprendizagem em pequenos grupos, com vista a um objetivo ou resultado comum, a partilhar um problema ou tarefa co mum, através de um comportamento interdependente que responsabiliza esforços e contribuições individuais e só assim conseguem fazer um trabalho cooperativo, de responsabilidade individual e coletiva pelos resultados. (Brody & Davidson, 1998, p. 8). Procedimentos de aprendizagem colaborativa vocacionados para a abertura à diversidade permitem que alunos de vários níveis académicos, diferen tes origens étnicas, religiosas, linguísticas e culturais, e patrimónios multicultu rais enriqueçam a aprendizagem significativa de todos, com base na experiência, conhecimento e compreensão de cada um do mundo, em cooperação intercultu ral. (Sharan, 2014, p.802)
A aprendizagem cooperativa assente na diversidade, composição heterogénea de diferentes grupos culturais e linguísticos e potencial de formas de pensamento alternativo, propicia ambientes culturalmente sensíveis à troca de ideias, pon tos de vista diversos e envolvimento ativo de diferentes estilos deback-grounds, numa aceitação entre pares e ganho de estatuto em relação recíproca com a inter culturação. (Cohen, 1994; Sharan e Sharan, 1992).
Tais oportunidades e perspetivas diversas de aprendizagem, convidam a res postas múltiplas e conduzem a uma transição gradual do ensino professor-aluno para a aprendizagem cooperativa, onde a aceitação da diversidade é a norma.
Desde atividades simples de interação mínima a modelos mais complexos como a investigação de grupo, a aprendizagem cooperativa fomenta competências e conhecimentos diferenciados. Professores e alunos, percebem, com o tempo e a prática, que os diferentes interesses, valores e capacidades dos membros do grupo enriquecem o conjunto de recursos para expansão de conhecimento partilhado.
Criar sentido de comunidade é um princípio que está no centro da aprendiza gem cooperativa. A sua construção alimentada pela comunicação interpessoal, pelo sentimento de responsabilidade mútua e pelas competências de ajuda e in ter-ajuda, que, no geral, se têm vindo a perder nas sociedades ocidentais onde domina o princípio do indivíduo e do trabalho dependente, é importante para tentar resolver a perda de um sentido de comunidade que por exemplo muitos imigrantes sentem nos seus novos países.
Por isso se tem vindo também a salientar a comunidade de construção inerente à aprendizagem cooperativa não apenas nas salas de aula mas ainda em muitas organizações que valorizam o trabalho em equipa e a cooperação já mobilizadas no domínio atual das redes e plataformas digitais e virtuais, cujo funcionamento eficaz exige uma sólida base de confiança mútua e colaboração.
d) As “metodologias ativas e participativas” favorecem uma aprendizagem e construção ativa e coletiva de conhecimentos e saberes, proporcionando um pensamento reflexivo e crítico sobre as vivências práticas no quotidiano, dos in divíduos e sua interligação com os objetivos da investigação /intervenção pro posta, pautada pelo diálogo de saberes e práticas de desenvolvimento educativo e formativo.
A introdução das metodologias ativas em muitos planos de estudo de várias áreas do ensino superior, tem acompanhado a mudança cultural registada nas universidades que prioriza a importância do processo de aprendizagem dos es tudantes. As metodologias ativas, (como por exemplo: a aprendizagem coopera tiva, já abordada; o projeto baseado na aprendizagem; a aprendizagem assistida por pares; o portefólio de ensino; etc.), melhoram o processo de ensino com o objetivo de conseguir que o aluno tome a iniciativa na sua aprendizagem. Usam técnicas, como o intercâmbio de notas ou a resolução de problemas, sessões de aprendizagem baseadas em projetos ou a sua combinação com grupos informais de trabalho cooperativo. Desenvolvem estratégias e procedimentos educativos que permitem aos alunos trabalhar de forma efetiva e coordenada entre si, em pequenos ou grandes grupos, ambientes semi-presenciais e equipas multidisci plinares, para realizarem tarefas académicas e aprofundar conhecimentos. Estes fatores podem ter diferentes impactos nas atividades realizadas à distância em plataformas virtuais que por sua vez podem ter impacto positivo nas aulas tradi cionais. Merecem ainda ser consideradas as competências transversais quer por fazerem parte do currículo, que por serem vetores de motivação e implicação dos estudantes nas aulas (Perez-Poch, 2019).
Como se pode observar através de vários estudos especializados tem-se re gistado um importante esforço generalizado para se facilitar uma mudança do sistema educativo nos Ensinos Superior e Universitário de modo a fazer-se fren te à globalização mundial e ajudar os estudantes a adquirir novas competências básicas exigidas pelas sociedades atuais muito baseadas nas tecnociências e no conhecimento.
Neste contexto verifica-se que as metodologias ativas mais importantes que têm sido usadas são: a aprendizagem cooperativa, onde a cooperação entre es tudantes e o trabalho em equipa são fundamentais; o projeto baseado na apren dizagem, onde esta se organiza em torno de projetos ou tarefas complexas que envolvem os estudantes no planeamento, resolução de problemas, tomada de de cisões e investigação de atividades; a aprendizagem assistida por pares, em que um estudante assume o papel de líder do grupo; A aprendizagem baseada em pro blemas, mais centrada na matemática e em situações comuns do meio industrial;
Portefólio de ensino e portefólio e aprendizagem reflexiva mais utilizados nos planos de estudo de engenharia; a aprendizagem holística de enfoque integrado onde a tecnologia está relacionada com um desenho centrado no ser humano (Perez-Poch, 2019:32).
Quanto às metodologias participativas podem definir-se como práticas de ensino-aprendizagem que envolvem os indivíduos no seu processo de aprender, fortalecem os mecanismos de comunicação através do encontro interativo entre as pessoas e possibilitam uma aprendizagem mais consistente e profunda que permite a alunos e professores tornarem-se “capazes de desenvolver novas for mas de pensar, novas maneiras de sentir, novas formas de relacionar-se e novas formas de atuar” em participação conjunta, cooperação e atuação responsável e democrática.
Designadamente no ensino universitário, a aplicação das metodologias par ticipativas, com suas vantagens e limitações, possibilita conjugar um modelo educativo centrado na interação e inter-relação de professores e alunos, na par ticipação dos alunos nas aulas, na aprendizagem de competências, habilidades e aptidões para o futuro desempenho profissional, assim como para o desenvolvi mento de uma avaliação contínua que estimula a própria responsabilidade do alu no, mobilizando conhecimentos da vida diária na ação social e educativa. Para os professores trabalhar a nível das competências obriga-os a rever as suas próprias competências, melhorar os conhecimentos, capacidades e atitudes para conseguir maior competência nos temas pedagógicos.
As avaliações das metodologias participativas conformam-se como processos de retroalimentação que perseguem a melhoria constante das práticas docentes, assim como permitem o conhecimento e aprofundamento de novas linhas de for mação específica. O que exige, entre outras questões, formular objetivos e com petências, medir o seu alcance, e avaliarem-se professores e alunos, os próprios protagonistas do processo, com base no sistema de aprendizagem baseado nas competências, que é aquele em que nos encontramos na atualidade (Rodríguez Casado e Rebolledo Gámez , 2017, p.p. 99-121)
e) A Investigação-Ação é genericamente uma metodologia que procura superar o habitual dualismo entre teoria e prática, havendo múltiplas aceções, propostas e práticas, pelo que não é possível encontrar uma definição única.
O método de “investigação-acção”que se considera ter sido desenvolvido no domínio da psicologia social por Kurt Lewi (1946) aproxima duas formas de conhecimento até então dissociadas: uma mais teórica (orientada para o problema do conhecimento), e outra mais empírica (virada para a acão). Esta “nova forma de fazer” distingue-se da ciência tradicional precisamente pela sua capacidade de combinar a produção teórica com a pesquisa direcionada para os problemas práticos. ( Ferreira, 2008) Trata-se assim também de uma estratégia de resolução de problemas, que procura encorajar os indivíduos a trabalharem em conjunto na busca de soluções para problemas.
A investigação-ação implica a tomada de consciência de que a construção de conhecimentos emerge do confronto e contraste dos significados produzidos no diálogo e na reflexão. Quando aplicada ao campo da educação estimula a capacidade de decisão para a mudança escolar, educativa e formativa. Supõe um trabalho pedagógico cooperativo e interventivo na comunidade que se reflete po sitivamente no funcionamento escolar e no processo de ensino-aprendizagem. Potencia a investigação empírica enquadrada por professores experientes a qual se revela interativa e motivadora na relação academia-ensino-sociedade.
A lnvestigação-ação consiste num processo contínuo de investigação e aprendizagem cujo principal objetivo é desenvolver ou descobrir aspetos do funcionamento da organização que possam conduzir à mudança e ao melhoramento. 0 fato de o processo implicar uma compreensão do sistema, definição de soluções, aplicação e modificação dessas soluções e confirmação dos resultados, acaba por envolver um espectro de atividades centradas na investigação, planeamento, teorização, aprendizagem e desenvolvimento, ligando, deste modo, os campos da «investigação» e da «ação». (Ferreira, 2008: 218)
Segundo alguns autores, a Investigação - Ação pode ser descrita como uma família de metodologias de investigação que incluem simultaneamente ação (ou mudança) e investigação (ou compreensão), com base num processo cíclico ou em espiral, que alterna entre ação e reflexão crítica, e em que nos ciclos poste riores são aperfeiçoados os métodos, os dados e a interpretação feita à luz da experiência (conhecimento) obtida no ciclo anterior. Para tal existem atualmente diferentes perspetivas, dependendo sempre da problemática a estudar, sendo que “o essencial na Investigação - Ação é a exploração reflexiva que o professor faz da sua prática, contribuindo dessa forma não só para a resolução de problemas como também (e principalmente) para a planificação e introdução de alterações nessa mesma prática” (Coutinho, et. al.,2009, 360).
No campo da educação, a Investigação - Ação procura fundamentalmente analisar a realidade educativa específica e estimular a tomada de decisão dos seus agentes para a mudança educativa, o que implica a tomada de consciência de cada um dos intervenientes (individualmente e do grupo).
De acordo com vários autores (Coutinho et al., 2009, p.363) a Investigação- Ação é uma metodologia de pesquisa essencialmente prática e aplicada que se rege pela necessidade de resolver problemas reais, que se reveste de algumas características fundamentais, como por exemplo ser participativa e colaborativa, prática e interventiva, crítica, cíclica e auto-avaliativa, porque as mudanças são continuamente avaliadas, numa perspetiva de adaptabilidade e de produção de novos conhecimentos. Tem por objetivos compreender, melhorar e reformular práticas; fazer uma intervenção em pequena escala no funcionamento de entida des reais e apresentar uma análise detalhada dos efeitos dessa intervenção. São suas metas: a) Melhorar e/ou transformar a prática social e/ou educativa, ao mes mo tempo que procura uma melhor compreensão sobre a respetiva prática; b) Ar ticular, de modo permanente, a investigação, a ação e a formação; c) Aproximar da mudança, veiculando a mudança e o conhecimento; d) Fazer dos educadores protagonistas da ação.
No presente contexto, perante ambientes pedagógicos cada vez mais diversifi cados e heterogéneos, a investigação-ação tem vindo a revelar-se como uma me todologia que permite operacionalizar uma diferenciação curricular e pedagógica inclusiva ao invés de uma diferenciação que retoma e reforça a uniformidade (Sanches, 2005, p.p. 127-142). Assim, e mais do que uma metodologia, a in vestigação-ação assume-se atualmente como uma parte fundamental da ativida de docente, ativando a consciência crítica do professor através da prática e da reflexão sobre a prática, contribuindo para a melhoria das atuações educativas mediante a aproximação dos intervenientes. A integração da investigação-ação na atividade docente revela-se, portanto, um importante suporte de desenvolvimen to profissional dos professores/educadores. O desenvolvimento de projetos de investigação-ação possibilitam que os professores participem colegialmente em processos de reflexão na ação e sobre a ação, resultando numa melhor compreen são de si próprios enquanto professores e na melhoria da sua prática educativa.
Nesta perspetiva, pode afirmar-se que o desenvolvimento da investigação-ação tem um impacto significativo na (re)construção colaborativa de conhecimentos relacionados com a prática educativa e com o processo investigativo, assim como pode favorecer o desenvolvimento de uma supervisão de natureza colaborativa (Barros, 2012, p.VII).
Considerações finais
Considera-se ter contribuído não só para divulgarO Canto do Mar…, periódi co de escrita criativa em língua portuguesa, fazendo-lhe jus enquanto publicação original com enfoque no ensino, uso e difusão da língua portuguesa, uma das lín guas mais faladas no mundo, mas também concorrer para que possa ser debatido e replicado, de modo reflexivo, crítico e abrangente, no universo da Lusofonia do qual em certa medida emerge e a que também se dirige.
Compaginam-se esses propósitos com a importância crescente da língua portuguesa à escala internacional, em que o ensino-aprendizagem do português se tem vindo a afirmar com o estabelecimento da cooperação multidirecional entre países de língua oficial portuguesa e outros países do mundo, sobretudo, para dar resposta ao aumento dos intercâmbios em contextos mais profissionais e específicos, facto que explica o crescimento do interesse pela aprendizagem da língua portuguesa entre muitas comunidades estrangeiras. O ensino do por tuguês tem sido considerado uma resposta pertinente a necessidades emergen tes desses outros públicos, quer se encontrem ou não em países de língua oficial portuguesa, e que procuram interagir com os falantes de português em con textos variados do quotidiano, e/ou em contextos profissionais. (Zhang, Han zi, 2015). Neste horizonte se compreende a necessidade de desenvolvimento sustentável do ensino-aprendizagem da língua portuguesa, ao nível prático e teórico de que são exemplo paradigmáticoO Canto do Mar: jornal criativo de língua portuguesae o projeto pedagógico plurifacetado de que emana e lhe serve de suporte.
Em suma, pode depreender-se da leitura analítica feita aO Canto do Mar… que o projeto ambicioso que o ancora, assente na actividade de ensino-aprendi zagem de grande abertura e alcance que se traduz, parcialmente, na sua produção regular, consiste numa reapropriação renovada e flexível do grande potencial que atravessa todas as propostas educativas aqui revisitadas nas quais se conjugam, entre tradição e inovação, pedagogias de referência clássica e “metodologias ati vas/participativas” mais recentes a par do modelo curricular da “investigação-a ção”.
A prática pedagógica de inegável vocação e determinação que impulsionaO Canto do Mare, em grande medida, o explica enquanto atividade editorial de relevo, não está dissociada das mudanças ocorridas nas sociedades atuais. Estas têm desencadeado um acréscimo de exigências para as escolas, professores e alu nos, e levado ao surgimento de novas realidades educativas em que se valorizam mais a capacidade de atualização, adaptação e intervenção autónoma, bem como o uso e aplicação ativa de conhecimentos, procedimentos e comportamentos mais do que a sua mera aquisição. Tal pressupõe também reconhecer a educação e o ensino cada vez mais como um projeto comum global.
É de salientar, por fim, queO Canto do Mar…, em seu surgimento, realiza ção e produto concretizado, quer enquanto projeto pedagógico de escrita criativa transdisciplinar e multicultural, quer enquanto projeto educativo multifaceta do de tradição-inovação, mobilizando várias metodologias, se pode configurar enquanto paradigma e exemplo a seguir no ensino-aprendizagem do português como língua estrangeira, podendo contribuir para a produção de mais valor cien tífico e sócio-cultural.