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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

Print version ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.28 no.1 Lisboa Jan. 2012

 

CLUBE DE LEITURA

Efectividade do tratamento da obesidade ao nível dos Cuidados de Saúde Primários – revisão sistemática da U.S. Preventive Services Task Force

Hélder Aguiar

Interno de Medicina Geral e Familiar, USF Vale do Vouga – S. João da Madeira


 

Leblanc ES, O’Connor E, Whitlock ED, Patnode CD, Kapka T. Effectiveness of Primary Care-Relevant Treatments for Obesity in Adults: a Systematic Evidence Review for the U.S. Preventive Services Task Force. Ann Intern Med 2011;155:434-447

 

Contexto

O excesso de peso e a obesidade são comuns no adulto e afectam negativamente a saúde em múltiplos domínios. O objectivo desta revisão sistemática consistiu em resumir a efectividadee os efeitos negativos das intervenções dirigidas à perda de peso relevantes para os Cuidados de Saúde Primários (CSP).

Métodos

Inicialmente, foram pesquisadas revisões sistemáticas e meta-análises publicadas após a última revisão da U.S. Preventive Services Task Force (USPSTF), tendo sido identificadas duas revisões cujos critérios de inclusão e exclusão eram concordantes com os desta revisão sistemática, com resultados até ao ano de 2005. Posteriormente, foi realizada uma pesquisa nas bases de dados da Pubmed, PsycINFO e Cochrane, para artigos publicados de 2005 a 9 de Setembro de 2010, que, para a população de adultos (≥18 anos), incluíssem programas de rastreio ou intervenções, farmacológicas e não farmacológicas, relacionadas com os CSP (conduzidas pelos CSP ou que, em teoria, pudessem ser implementadas num sistema de saúde no qual os médicos de família pudessem referenciar) dirigidas à perda de peso em adultos e comparadas com o placebo. Os outcomes avaliados foram a perda de peso, a melhoria de aspectos clínicos (pressão arterial, diabetes mellitus, dislipidemia, eventos cardiovasculares, morte, cancro, osteoartrose, asma, apneia do sono, depressão, funcionalidade física/psicológica e incapacidade) e efeitos adversos. Para os primeiros dois outcomes foram apenas incluídos ensaios clínicos aleatorizados (ECAs) e, para o último, foram também incluídos estudos observacionais. A qualidade metodológica de todos os artigos foi avaliada por dois investigadores independentes, segundo os critérios definidos pela USPSTF, e um terceiro investigador esclareceria eventuais discrepâncias. Os artigos foram classificados em boa, razoável ou fraca qualidade metodológica, tendo sido estes últimos excluídos. Foram conduzidas meta-análises para cada intervenção e outcome, com estratificação do risco dos indivíduos (cardiovascular, sub-clínico e de baixo risco), tendo em conta a heterogeneidade dos estudos e a influência de factores externos para o efeito encontrado.

Resultados

Foram identificados 648 estudos, tendo sido seleccionados 58 estudos. Após a sua análise e aplicação de meta-análise quando possível verificou-se que não foram encontrados estudos comparando programas de rastreio com a ausência deste. Por outro lado, as intervenções comportamentais (incluídos 7343 indivíduos de 21 estudos) estão associadas a uma perda de peso média de 3.0 kg (IC 95%: –4.0 a –2.0, p<0,001) aos 12 a 18 meses, correspondendo a perda de cerca de 4%. A utilização de orlistat com a intervenção comportamental (incluídos 5190 indivíduos de 12 estudos) está associada a uma perda de 3.0 kg (IC 95%: –3.9 a –2.0, p<0,001) quando comparado com o placebo após 12 meses. A utilização de metformina (incluídos 2518 indivíduos de 3 estudos) com a intervenção comportamental mostrou tendência para uma perda de 1.5 kg (IC 95%: –2.8 a –0.2, p=0,056) quando comparado com o placebo, porém no limiar da não significância estatística. As intervenções com maior número de sessões (12 a 26 num período de 12 meses) associaram-se a maior percentagem de perda de peso, mas não foi encontrada associação entre nenhum tipo específico de intervenção e o efeito. Todas as intervenções reduziram a incidência de diabetes (em 50%), glicemia em jejum (5.4, 5.5 e 12.1 mg/dl com intervenções comportamentais isoladamente, combinação com metformina e combinação com orlistat, respectivamente), pressão arterial (redução média de -2 mmHg aos 12 a 18 meses; redução de risco de diagnóstico de hipertensão em 34% e 22%, aos 12 ou 18 meses, respectivamente, para aqueles com pré-hipertensão submetidos a terapia comportamental) e perímetro abdominal. O colesterol LDL diminuiu apenas com o uso de orlistat (-11.4 mg/dl, IC 95%: -15.8. a -7.0, p<0.001). Indivíduos alocados ao grupo do orlistat ou metformina tinham mais probabilidade de desistirem do estudo por distúrbios gastrointestinais. Não foram registados efeitos adversos severos.

Discussão

A qualidade metodológica dos estudos de intervenção comportamental foi, de um modo geral, de elevada qualidade, enquanto que os que utilizaram o orlistat foram, geralmente, de qualidade inferior. A maioria dos estudos epidemiológicos não conseguiu provar que perdas de peso inferior a 9 kg, como as obtidas com as intervenções-alvo desta meta-análise, se associem a redução na mortalidade, doença cardiovascular, hospitalizações ou depressão. Como limitações desta revisão destacou-se o facto de poucos estudos reportaram efeitos clínicos da perda de peso. Por outro lado, as intervenções comportamentais foram heterogéneas e os seus elementos específicos não foram bem descritos, assim como cerca de um terço dos estudos não puderam ser englobados na meta-análise por informação insuficiente relativamente aos resultados. Por fim, os estudos de efeitos adversos tiveram uma elevada taxa de abandono e um poder insuficiente para efeitos raros. De realçar ainda que poucos estudos foram conduzidos pelos CSP, sendo a maioria das intervenções intensivas e de difícil aplicabilidade em CSP.

Conclusão

As intervenções comportamentais associadas ou não a orlistat ou metformina são seguras e efectivas para a perda de peso clinicamente significativa. O conhecimento dos efeitos a longo prazo para o peso e para a saúde são, neste momento, insuficientes e devendo ser prioridade para futuros estudos.

Comentário

Segundo a OMS, a obesidade é a epidemia do século e a segunda causa de morte evitável a seguir ao tabagismo.1 O seu tratamento envolve uma alta dose de empenho e motivação do doente em alterar, muitas vezes radicalmente, os seus estilos de vida. Atendendo à sua alta prevalência e cronicidade na sociedade, os CSP estão, obviamente, numa posição fundamental para o seu rastreio e controlo. Contudo, vários factores dificultam a sua intervenção na obesidade. Estudos demonstram que os médicos de família e os doentes têm visões diferentes do problema – o médico de família apontando a factores intrínsecos do doente, e este apontando a factores extrínsecos como causa do problema.2 Por outro lado, a complexidade psicológica dos casos, a elevada taxa de recorrência, a percepção de insuficiente eficácia das intervenções, a falta de tempo e de recursos e a falta de opções de referenciação são barreiras reais ao envolvimento efectivo dos CSP.2

Previamente a esta revisão, existia conhecimento da evidência sólida de intervenções dietéticas, comportamentais, de exercício físico e farmacológicas (metformina, orlistat) para a diminuição do peso.2,3 No entanto, as intervenções comportamentais são muito variáveis (auto-monitorização, estabelecimento de objectivos, terapia cognitiva, resolução por problemas e gestão do ambiente psicossocial), tendo em comum um seguimento estruturado destes doentes num número variável de sessões. Esta revisão sistemática procurou rever o conhecimento das intervenções efectivas para o controlo da obesidade e com aplicabilidade no contexto dos CSP. Seguiu um protocolo metodológico de elevado rigor, de acordo com as recomendações PRISMA4 para a elaboração de revisões sistemáticas, incluindo critérios de inclusão e exclusão bem estabelecidos, métodos de classificação da qualidade metodológica dos estudos seleccionados e de diminuição do risco de viéses.

Sendo um estudo dirigido ao interesse dos CSP, e face ao conhecimento prévio, a questão que se coloca é qual o tipo de intervenções que terão o melhor perfil de aplicabilidade/eficácia. Esta revisão acabou por falhar, não acrescentando nada de muito novo, face ao conteúdo de revisões recentes anteriores. Reforçou porém a evidência para o benefício das intervenções comportamentais na diminuição do peso em indivíduos obesos ou com excesso de peso, mas, ao descriminar as intervenções, não encontrou nenhuma associação entre cada uma destas com o tamanho do efeito. Reforçou ainda a evidência do pequeno benefício adicional passível de ser obtido com o orlistat ou a metformina.

O teor dos resultados apurados torna difícil retirar ilações passíveis de recomendação para o médico de família de forma isolada. Para que se reproduzam resultados semelhantes no domínio dos CSP, é necessário um envolvimento estruturado e multidisciplinar, num período temporal dedicado e específico. Tendo em conta a evidência crescente nesta área, reforçada pelo aumento progressivo da epidemia da obesidade, é cada vez mais premente que as autoridades competentes possam estabelecer um plano adequado para adereçar a obesidade e o excesso de peso a nível nacional. Para este plano ser viável e se traduzir em resultados, os CSP estão, sem dúvida, numa posição privilegiada para rastrear e coordenar os cuidados, mas é fundamental a integração e apoio de profissionais de outras áreas relevantes, como da nutrição ou actividade física. O Programa Nacional de Combate à Obesidade,5 caducado em 2010, estabelecia efectivamente como prioridade a elaboração de uma “proposta de desenvolvimento multidisciplinar ao obeso, nomeadamente na área da nutrição, nos cuidados de saúde primários”. Os resultados sustentados na evidência e reforçados nesta revisão aclamam para a concretização na prática das ideias já expostas na circular normativa da DGS.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. The World Health Report 2000. Obesity: preventing and managing the global epidemic. Geneva: WHO; 2000.         [ Links ]

2. National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE). Obesity: guidance on the prevention, identification, assessment and management of overweight and obesity in adult s and children. Clinical Guideline 2006; 43: 1-84.         [ Links ]

3. Desilets AR, Dhakal-Karki S, Dunican KC. Role of metformin for weight management in patients without type 2 diabetes. Ann Pharmacother 2008 Jun; 42 (6): 817-26.         [ Links ]

4. Moher D, Liberati A, Tetzlaff J, Altman DG, The PRISMA Group. Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses: The PRISMA Statement, 2009. PLoS Med 6 (6): e1000097. doi:10.1371/journal.pmed1000097        [ Links ]

5. Direcção Geral de Saúde (DGS). Programa Nacional de Combate à Obesidade. Circular Normativa nº 03/DGCG de 17/03/2005. Disponível em: http://estilosdevida.anirsf.pt/folder/questao/doc/12_Programa.pdf [acedido em 02/02/2012].

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