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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.28 no.4 Lisboa jul. 2012

 

CLUBE DE LEITURA

Rastreio do Cancro Colo-rectal: colonoscopia versus pesquisa de sangue oculto nas fezes

A. Daniela Costa*; Raquel Briosa*

*Internas em formação específica MGF, USF S. João do Porto

 


Quintero E, Castells A, Bujanda L, Cubiella J, Salas D, Lanas A, et al. Colonoscopy versus fecal immunochemical testing in colorectal-cancer screening. N Engl J Med 2012 Feb 23; 366 (8): 697-706.

As estratégias de rastreio do cancro colo-rectal (CCR) englobam duas categorias distintas: a análise das fezes, nomeadamente a pesquisa de sangue oculto nas fezes (PSOF) e os exames endoscópicos/imagiológicos do cólon e recto.

Este estudo pretende demonstrar que a realização de PSOF (por método imunoquímico) a cada dois anos não é inferior ao rastreio por colonoscopia única no que respeita à redução da taxa de mortalidade a 10 anos relacionada com CCR.

Métodos

Ensaio clínico aleatorizado, multicêntrico, envolvendo indivíduos assintomáticos entre os 50 e os 69 anos. Foi estabelecido como outcome primário a eficácia da colonoscopia única e da PSOF bianual na redução da taxa de mortalidade a 10 anos por CCR.

Este artigo pretende descrever os resultados preliminares deste estudo, designadamente taxas de participação, achados diagnósticos e ocorrência de complicações major da primeira fase do estudo.

Foi seleccionada uma amostra aleatória de 57 404 indivíduos, estratificada por idade e género. A amostra foi aleatorizada em dois grupos de acordo com o teste de rastreio: PSOF por método imunoquímico (em amostra única de fezes) e colonoscopia. Os indivíduos que aceitaram participar no estudo foram avaliados em consulta, tendo-lhes sido dada a oportunidade de escolher o outro método de rastreio disponível («crossover»). Deste modo, os resultados obtidos foram analisados não só de acordo com o grupo de estudo inicialmente atribuído («intention-to-screen») mas também de acordo com a técnica de rastreio que foi, de facto, utilizada («as-screened»).

Resultados

Da amostra de 57 404 indivíduos, foram seleccionados 26 703 para realização de colonoscopia (idade média 59,2 ±5,5 anos; 53,5% do sexo feminino) e 26 599 para PSOF (idade média 59,3 ±5,6 anos; 54,3% do sexo feminino). A taxa de participação foi significativamente mais elevada no grupo seleccionado para PSOF (34,2% versus 24,6%, P <0,001).

Do grupo dos participantes seleccionados para realizar colonoscopia (n=7 368), 5 649 aceitaram o método proposto e 1 706 optaram por realizar PSOF (crossover de 23%). Daqueles a quem foi proposto a realização de PSOF (n=9 512), 9 353 aceitaram e 117 (crossover de 1%) solicitaram a realização de colonoscopia. A taxa de crossover foi significativamente superior no grupo de indivíduos seleccionados para realizar colonoscopia (P <0,001).

Foram encontrados 30 casos de CCR (0,1%) nos indivíduos propostos para colonoscopia e 33 (0,1%) nos indivíduos do grupo da PSOF (odds ratio 0,99; intervalo de confiança [IC] 95%, 0,61 a 1,64; P = 0,99).

Foram identificados adenomas avançados em 514 indivíduos (1,9%) seleccionados para colonoscopia e em 231 indivíduos (0,9%) seleccionados para PSOF (odds ratio 2,30; IC 95%, 1,97 a 2,69; P <0,001) e adenomas não avançados em 1 109 indivíduos (4,2%) propostos para colonoscopia e em 119 indivíduos (0,4%) propostos para PSOF (odds ratio 9,80; IC 95%, 8,10 a 11,85; P <0,001).

A análise dos dados por grupo de estudo («intention-to-screen») e por técnica utilizada («as-screened») permitiu obter resultados idênticos.

A taxa de complicações major foi significativamente superior no grupo de indivíduos seleccionados para colonoscopia (odds ratio 4,81; IC 95%, 2,26 a 10,20; P <0,001).

Conclusões

À semelhança de outros ensaios realizados em contextos idênticos, a taxa de participação identificada neste ensaio clínico foi baixa em ambos os grupos de rastreio, podendo limitar a generalização dos resultados encontrados.

O resultado mais relevante obtido com esta avaliação preliminar prende-se com o facto de que o rastreio com PSOF foi semelhante ao rastreio com colonoscopia no que diz respeito à taxa de detecção de CCR, não tendo ainda sido encontradas diferenças estatisticamente significativas no estádio ou localização do tumor para cada um dos métodos de rastreio utilizados.

A comparação da eficácia da colonoscopia e da PSOF na redução da taxa de mortalidade por CCR será avaliada no final do presente estudo, que termina em 2021.

COMENTÁRIO

O CCR é uma das principais causas de morbi-mortalidade por cancro em Portugal, sendo actualmente recomendado que o seu rastreio seja efectuado a partir dos 50 anos, ou a partir dos 40 anos nos indivíduos de risco aumentado.1 A prevenção primária constitui assim uma estratégia que se tem verificado efectiva e custo-eficaz na redução da incidência e mortalidade por CCR.2,3,4

São elencadas várias opções aceitáveis no que diz respeito à boa prática no rastreio do CCR, nomeadamente a PSOF anual ou bianual, pelo método do guaiaco («HemmOccult») ou imunoquímico, a recto-sigmoidoscopia flexível, o enema baritado com duplo contraste, a colonoscopia total e a colonoscopia virtual.1,2,3,4

No que diz respeito à análise das fezes, a PSOF por método imunoquímico tem vindo a revelar maior exactidão na detecção de CCR e adenomas em fase avançada comparativamente à PSOF pelo método do guaiaco, sendo a primeira considerada técnica de primeira linha.5

Embora exista ainda alguma controvérsia no que diz respeito ao método mais efectivo e custo-eficaz, é cada vez mais consensual que, independentemente da abordagem, o rastreio do CCR apresenta vantagens incontornáveis comparativamente com o não rastreio. Deste modo, tem-se sugerido uma prática centrada nas preferências do doente assente num modelo clínico de decisão partilhada, focado em estratégias que aumentem a adesão ao rastreio.2,3

Tendo em consideração que, quando informados das vantagens e desvantagens de cada método, uma proporção muito significativa dos doentes prefere métodos de rastreio menos invasivos, como a PSOF, em detrimento de outros com maior exactidão diagnóstica, importa perceber o impacto real na redução da incidência e mortalidade dos vários métodos de rastreio.3,6,7

É neste contexto que este grupo de investigadores se propõe a analisar o impacto na redução da mortalidade a 10 anos, das duas abordagens de rastreio do CCR mais comuns na nossa prática clínica – a PSOF bianual e a colonoscopia total de 10 em 10 anos.

Embora este estudo não esteja concluído, os resultados preliminares permitem já algumas conclusões que importa considerar. Desde logo, e à semelhança dos resultados obtidos nos vários programas de rastreio europeus e americanos, é de salientar uma baixa adesão à participação no rastreio do CCR, bem como uma adesão ao rastreio por colonoscopia significativamente inferior ao rastreio por PSOF.

No que diz respeito aos métodos de rastreio utilizados, verificou-se não existirem diferenças significativas na taxa de detecção, estádios ou localização de tumores encontrados. De notar, no entanto, que um maior número de casos de CCR pode ter sido prevenido no grupo de indivíduos que realizou colonoscopia, devido ao maior número de adenomas identificados e removidos (considerados precursores da doença). Assim, este facto pode constituir uma potencial vantagem deste método de rastreio, não apenas na diminuição da taxa de mortalidade, mas também da incidência do CCR. Por outro lado, esta aparente vantagem pode ser diminuída pela menor taxa de participação neste grupo de indivíduos, bem como pelo carácter recorrente da PSOF.

Ainda relativamente à PSOF, é de salientar que, se por um lado, é expectável que ao longo do estudo venha a detectar mais casos de CCR e de adenomas, existe também o risco de nem todos os indivíduos concluírem o estudo com as cinco pesquisas realizadas, aproximando a adesão ao rastreio por PSOF à do grupo da colonoscopia.

Até que o estudo seja concluído e o impacto na mortalidade de ambas as abordagens possa ser determinado, permanecem algumas questões: será que adesão ao rastreio por PSOF bianual será assim tão superior comparativamente à realização de uma colonoscopia a cada 10 anos? Qual seria o impacto nos resultados obtidos para o grupo da PSOF se esta tivesse sido efectuada de acordo com que é habitualmente realizado na prática clínica (duas amostras em três dias consecutivos)? Se considerarmos que as principais desvantagens do rastreio por colonoscopia se prendem com o custo e o risco de complicações e, tendo em conta a evolução natural da maioria dos adenomas intestinais, não será de facto uma vantagem a baixa detecção de adenomas não avançados pela PSOF e consequente diminuição do número de colonoscopia realizadas desnecessariamente?

Se actualmente existe algo de consensual é que, para qualquer rastreio de base populacional, a adesão constitui um dos pilares do sucesso.8,9 Se consideramos a análise de custo-eficácia realizada pela US Preventive Services Task Force,3 segundo a qual, num cenário de adesão de 100% quer à PSOF por teste imunoquímico quer à colonoscopia, o ganho em anos de vida foi semelhante, torna-se incontornável repensar as estratégias, descentrando-as das opções técnicas e focando-as na adesão da população.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Carvalho A, Ferreira P, Henriques S, Lopes MR, Rua A, Silva M, et al. Cancro do cólon e do recto – Recomendações do Núcleo de Actividades Preventivas da APMCG. Disponível em: http://www.mgfamiliar.net/colon.pdf [acedido em 09/06/2012].         [ Links ]

2. Rex DK, Johnson DA, Anderson JC, Schoenfeld PS, Burke CA, Inadomi JM; American College of Gastroenterology. American College of Gastroenterology guidelines for colorectal cancer screening 2009 Am J Gastroenterol 2009 Mar; 104 (3): 739-50.         [ Links ]

3. US Preventive Services Task Force. Screening for colorectal cancer: U.S. Preventive Services Task Force recommendation statement. Ann Intern Med 2008 Nov 4; 149 (9): 627-37.         [ Links ]

4. Levin B, Lieberman DA, McFarland B, Andrews KS, Brooks D, Bond J, et al; American Cancer Society Colorectal Cancer Advisory Group; US Multi-Society Task Force; American College of Radiology Colon Cancer Committee. Screening and surveillance for the early detection of colorectal cancer and adenomatous polyps, 2008: a joint guideline from the American Cancer Society, the US Multi-Society Task Force on Colorectal Cancer, and the American College of Radiology. Gastroenterology 2008 May; 134 (5): 1570-95.         [ Links ]

5. Hol L, van Leerdam ME, van Ballegooijen M, van Vuuren AJ, van Dekken H, Reijerink JC, et al. Screening for colorectal cancer: randomised trial comparing guaiac-based and immunochemical faecal occult blood testing and flexible sigmoidoscopy. Gut 2010 Jan; 59 (1): 62-8.         [ Links ]

6. Ling BS, Trauth JM, Fine MJ, Mor MK, Resnick A, Braddock CH, et al. Informed decision-making and colorectal cancer screening: is it occurring in primary care? Med Care 2008 Sep; 46 (9 Suppl 1): S23-9.         [ Links ]

7. DeBourcy AC, Lichtenberger S, Felton S, Butterfield KT, Ahnen DJ, Denberg TD. Community-based preferences for stool cards versus colonoscopy in colorectal cancer screening. J Gen Intern Med 2008 Feb; 23 (2): 169-74.         [ Links ]

8. Lin GA, Trujillo L, Frosch DL. Consequences of not respecting patient preferences for cancer screening: opportunity Lost. Arch Intern Med 2012 Mar 12; 172 (5): 393-4.         [ Links ]

9. Levin TR. The importance of choosing colorectal cancer screening tests: comment on “Adherence to colorectal cancer screening”. Arch Intern Med 2012 Apr 9; 172 (7): 582-3.         [ Links ]

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