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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.28 no.4 Lisboa jul. 2012

 

CLUBE DE LEITURA

Diabetes tipo 2 insulinotratada: associação com metformina ou monoterapia?

Joana Neto*, Lígia Torres Lima*

*Internas de formação específica em Medicina Geral e Familiar, USF São João de Sobrado

 


Hemmingsen B, Christensen LL, Wetterslev J, Vaag A, Gluud C, Lund SS, et al. Comparison of metformin and insulin versus insulin alone for type 2 diabetes: systematic review of randomised clinical trials with meta-analyses and trial sequential analyses. BMJ 2012 Apr 19; 344: e1771.

Questão clínica

Em doentes com Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2), o tratamento com metformina associada a insulina comparado com insulina em monoterapia leva à redução da mortalidade?

Introdução

A metformina é largamente utilizada como tratamento de primeira linha da DM2. A sua manutenção é recomendada na grande proporção de casos em que, a dada altura, é necessária a introdução de insulinoterapia, devido à progressão da doença. Esta indicação para associação dos dois fármacos baseia-se nos prováveis efeitos metabólicos benéficos, nomeadamente, redução da glicemia e do peso corporal. Contudo, a indicação para manutenção de antidiabéticos orais, após introdução de insulina, continua por esclarecer.

A natureza progressiva da DM2, com declínio da secreção de insulina endógena, poderá resultar numa similaridade com a diabetes tipo 1, na qual a combinação metformina-insulina não demonstrou melhoria no controlo glicémico. Assim, independentemente das recomendações internacionais para o uso desta associação na DM2 e consequente globalização deste regime terapêutico, os dados existentes são insuficientes e contraditórios.

Face a estas considerações e tendo em conta o número cada vez mais elevado de doentes com DM2 com indicação para iniciar insulina, este estudo compara os riscos e benefícios da associação metformina-insulina e insulina isolada em ensaios clínicos aleatorizados.

Metodologia

Foi realizada uma pesquisa sistemática de ensaios clínicos aleatorizados, publicados até março de 2011, em qualquer língua, que comparassem a combinação metformina-insulina versus insulina isolada (com ou sem placebo), em doentes com idade igual ou superior a 18 anos e cuja intervenção fosse superior a 12 semanas. Dois autores selecionaram os artigos, de forma independente, e verificaram o risco de vieses, de acordo com a Cochrane Collaboration. Foram excluídos os grupos de intervenção em que ocorresse administração de outros fármacos hipoglicemiantes, que não a metformina ou a insulina.

Os outcomes primários avaliados foram mortalidade por todas as causas e mortalidade cardiovascular. Foram avaliados vários outcomes secundários, nomeadamente doenças micro e macrovasculares, eventos adversos, qualidade de vida, custos da intervenção, dose de insulina, controlo glicémico e peso.

Foi realizada análise estatística dos dados obtidos e análise sequencial.

Resultados

Foram seleccionados 26 ensaios clínicos aleatorizados (n=2 296) e, destes, apenas 23 (n=2 117) continham informação relevante para o estudo pretendido. Todos os ensaios demonstraram elevado risco de vieses.

Relativamente aos outcomes primários, a associação metformina-insulina versus insulina isolada não afetou significativamente a mortalidade por todas as causas [risco relativo (RR): 1.30, intervalo de confiança (IC) 95%: 0.57-2.99] ou a mortalidade cardiovascular (RR: 1.70, IC 95%: 0.35-8.30). A análise sequencial demonstrou que seriam necessários mais ensaios clínicos para tirar conclusões mais fidedignas, apesar destes resultados.

No modelo de regressão de efeito fixo (mas não no modelo de efeito aleatório), a hipoglicemia grave foi significativamente mais frequente com a combinação metformina-insulina do que com a insulina isolada (RR: 2.83, IC 95%: 1.17-6.86).

Por outro lado, no modelo de regressão de efeito aleatório a associação metformina-insulina resultou numa menor dose de insulina administrada (diferença média: −18.65 unidades/dia, IC 95%: −22.70 a −14.60, P<0.001), maior redução da hemoglobina glicada – HbA1c – (diferença média: –0.60%, IC 95%: −0.89% a −0.31%, P<0.001) e menor ganho de peso (diferença média: −1.68 kg, IC 95%: −2.22 a −1.13, P<0.001), comparando com a insulina isolada. A análise sequencial demonstrou evidência suficiente para apontar uma redução de HbA1c em 0.5%, redução de 1 kg no peso e redução de 5 unidades/dia na dose de insulina.

Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas relativamente às complicações micro ou macrovasculares, efeitos adversos ou qualidade de vida.

Discussão

Os resultados parecem apoiar a prática atual de continuar a metformina nos doentes com DM2, que necessitam de iniciar insulina. No entanto, os autores referem que os dados são limitados e todos os ensaios apresentavam elevado risco de vieses. Afirmam que estes resultados poderiam levar a uma sobrestimação sistemática dos efeitos benéficos e subestimação dos efeitos adversos.

A associação metformina-insulina conduz à redução significativa de parâmetros como a HbA1c, ganho de peso e dose diária de insulina, comparando com a insulina isolada. Contudo, a maioria dos estudos era de curta duração (menor que 2 anos), não tendo sido possível verificar se estes efeitos metabólicos desapareceriam, manter-se-iam ou tornar-se-iam mais pronunciados. Além disso, estes são efeitos orientados para a doença e não para o doente.

Por outro lado, os relatos de outcomes relevantes para o doente nos ensaios foram escassos e, portanto, não pôde ser estabelecida a influência da associação metformina-insulina versus insulina isolada na mortalidade por todas as causas ou mortalidade cardiovascular.

Em conclusão, são necessários estudos de longa duração para determinar se a manutenção de metformina nos doentes com DM2 que iniciam insulina interfere beneficamente na mortalidade.

COMENTÁRIO

Na DM2 um tratamento precoce e eficaz é importante na prevenção de complicações crónicas.1 É consensual o início da terapêutica com metformina (quando não existem contraindicações), associada a alterações do estilo de vida. No entanto, até à data, não existe evidência clara que guie a escolha de um segundo agente, quando necessário.2

De acordo com alguns estudos, face à falha terapêutica com metformina, deve optar-se pela introdução de outro antidiabético oral ou de insulinoterapia, esta última principalmente na presença de valores de HbA1c > 8,5%.3,4 Outros autores defendem uma introdução ainda mais precoce da insulina, nos doentes com DM2, uma vez que a sua administração imediatamente após o diagnóstico demonstrou normalização da glicemia, preservação da função das células beta e induziu remissão da doença.5

A insulina basal associada à metformina tem-se revelado mais eficaz do que qualquer antidiabético oral na redução da HbA1c.4,6 Contudo, para justificar uma introdução precoce de insulina nestes doentes, quando esta tem vindo a ser admitida como uma opção terapêutica “de último recurso” (barreiras tanto da parte do doente como da parte do médico), são necessários outros argumentos, para além do benefício no controlo glicémico, nomeadamente, orientados para o doente.2,7

Tal como este, outros estudos demonstraram um melhor controlo glicémico com a associação metformina-insulina do que com a insulina em monoterapia, com a vantagem de menor aumento de peso.4,7 Não é claro, no entanto, se o aumento de peso é clinicamente importante em comparação com a redução das complicações microvasculares na insulina em monoterapia.7

Existem, ainda, poucos estudos com outcomes clinicamente importantes, tal como a mortalidade cardiovascular e mortalidade por todas as causas, pelo que são necessários mais ensaios randomizados no sentido de esclarecer a evidência do provável efeito superior da associação em relação à monoterapia, perspetivando a quantificação da redução de eventos/complicações macro e microvasculares, ou seja, o ganho final para o doente em termos de morbimortalidade.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Holman RR, Paul SK, Bethel MA, Matthews DR, Neil HA. 10-year follow-up of intensive glucose control in type 2 diabetes. N Engl J Med 2008 Oct 9; 359 (15): 1577–89.         [ Links ]

2. Inzucchi SE, Bergenstal RM, Buse JB, Diamant M, Ferrannini E, Nauck M, et al. Management of hyperglycemia in type 2 diabetes: a patient-centered approach. Position statement of the American Diabetes Association (ADA) and the European Association for the Study of Diabetes (EASD). Diabetes Care 2012 Jun; 35 (6): 1364-79.         [ Links ]

3. Liu SC, Tu YK, Chien MN, Chien KL. Effect of antidiabetic agents added to metformin on glycemic control, hypoglycemia and weight change in patients with type 2 diabetes: a network meta-analysis. Diabetes Obes Metab 2012 Apr 9. doi: 10.1111/j.1463-1326.2012.01606.x  [Epub ahead of print].         [ Links ]

4. McCulloch DK. Management of persistent hyperglycemia in type 2 diabetes mellitus. In: Uptodate; 2012, revisto em 15/06/2012. Disponível em: http://www.uptodate.com/contents/management-of-persistent-hyperglycemia-in-type-2-diabetes-mellitus [acedido em 10/07/2012].

5. Weng J, Li Y, Xu W, Shi L, Zhang Q, Zhu D, et al. Effect of intensive insulin therapy on β-cell function and glycaemic control in patients with newly diagnosed type 2 diabetes: a multicentre randomised parallel-group trial. Lancet 2008 May 24; 371 (9626): 1753-60.         [ Links ]

6. Aschner P, Chan J, Owens DR, Picard S, Wang E, Dain MP, et al; EASIE Investigators. Insulin glargine versus sitagliptin in insulin-naive patients with type 2 diabetes mellitus uncontrolled on metformin (EASIE): a multicentre, randomised, open-label trial. Lancet 2012 Jun 16; 379 (9833): 2262-9.         [ Links ]

7. UKPDS Group. Glycaemic control with diet, sulfonylurea, metformin, or insulin in patients with type 2 diabetes mellitus: progressive requirement for multiple therapies (UKPDS 49). JAMA 1999 Jun 2; 281 (21): 2005-12.         [ Links ]

 

Artigo escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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