SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.29 número2Os exames gerais de saúde salvam vidas?Atividade física de lazer de intensidade moderada a intensa e mortalidade: análise de uma coorte alargada índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.29 no.2 Lisboa mar. 2013

 

CLUBE DE LEITURA

Cancro do colo do útero: um novo paradigma no rastreio?

Cervical cancer screening: a new paradigm?

Raquel Meireles

Interna de 2.o Ano de Medicina Geral e Familiar, Centro de Saúde de Bragança I – Sé


 

Saslow D, Solomon D, Lawson HW, Killackey M, Kulasingam SL, Cain J, et al. American Cancer Society, American Society for Colposcopy and Cervical Pathology, and American Society for Clinical Pathology screening guidelines for the prevention and early detection of cervical cancer. CA Cancer J Clin 2012 May-Jun; 62 (3): 147-72.

 

Introdução

O rastreio do cancro do colo do útero (CCU) conseguiu diminuir com sucesso a sua incidência. Este artigo actualiza as normas de orientação clínica (NOC) da American Cancer Society (ACS).

Enquadramento

O rastreio através de colpocitologia reduziu acentuadamente a mortalidade por carcinoma de células escamosas, que engloba 80-90% do total de cancros cervicais. Essa redução na mortalidade deve-se a um aumento da detecção precoce de cancro invasivo e à detecção e tratamento de lesões pré-invasivas.

A infecção persistente com serotipos de vírus do papiloma humano (VPH) de alto risco é necessária para o desenvolvimento de CCU e do seu precursor, a lesão pré-maligna designada neoplasia intraepitelial cervical (NIC) de grau 3. A quase totalidade dos casos de CCU é positiva para VPH, sendo os serotipos 16 e 18 os mais carcinogénicos, responsáveis por cerca de 70% dos casos.

Cerca de 90% das infecções por VPH são transitórias, tornando-se indetectáveis em um a dois anos. As mulheres cujas infecções persistem são as que estão em risco significativo de desenvolver lesões pré-cancerosas. Uma estratégia de rastreio óptima deve identificar os percursores que possam evoluir para cancros invasivos e evitar a detecção e tratamento desnecessário de infecções transitórias por VPH.

Uma crescente compreensão da associação entre o VPH e o risco de cancro levou ao desenvolvimento de testes moleculares para o VPH de alto risco. Estes testes podem prever mais adequadamente do que a citologia as mulheres que irão desenvolver NIC de grau 3 ou lesões mais graves nos próximos 5 a 15 anos. A incorporação de testes de VPH em estratégias de rastreio tem o potencial de permitir um aumento da detecção e aumentar o tempo dos intervalos de rastreio.

No desenvolvimento da presente revisão, considerou-se o risco-benefício do rastreio em diferentes idades e modalidades de rastreio.

Métodos

Foi efectuada uma revisão sistemática da evidência disponível por um grupo de peritos nas principais bases de dados da literatura. Incluíram-se estudos de rastreio para as mulheres em geral, excluindo-se grupos de risco. Foram pesquisados artigos de 1995 a Julho de 2011. Utilizou-se a escala GRADE para a avaliação do nível de evidência.

Posteriormente, os artigos seleccionados foram disponibilizados para 6 grupos de trabalho, cada um deles debruçando-se sobre um tópico diferente. Foram abordados 6 tópicos: intervalos óptimos de rastreio; estratégias de rastreio para as mulheres com 30 ou mais anos; orientação de resultados discordantes entre citologia e teste de VPH; saída de mulheres do rastreio; impacto da vacinação contra o VPH no rastreio futuro; utilidade potencial do rastreio molecular, nomeadamente teste de VPH como rastreio primário.

Após a revisão, os resultados preliminares foram divulgados para discussão pública.

Resultados

O intervalo de rastreio deve ter em conta a idade e o historial clínico da mulher. Assim, são feitas as seguintes recomendações:

* Mulheres com idade inferior a 21 anos não devem fazer rastreio;

* Mulheres com idades compreendidas entre os 21 e os 29 anos devem fazer o rastreio apenas com citologia de 3 em 3 anos. Não se recomenda a utilização do teste do VPH, independentemente de ser feito de forma isolada ou acompanhado de citologia, dado que existe alta prevalência de VPH nesta faixa etária. Não existe evidência que justifique intervalos maiores, mesmo na presença de duas ou mais citologias prévias negativas;

* Mulheres com idades entre os 30 e os 65 anos devem fazer o rastreio do cancro do colo do útero de preferência com citologia e teste de VPH (“co-teste”) a cada 5 anos. A adição do teste de VPH aumenta a identificação das mulheres com carcinoma do colo do útero e seus precursores. No entanto, também se considera aceitável o rastreio com citologia isolada a cada 3 anos. O rastreio «co-teste» em intervalos menores que 3 anos aumenta o número de colposcopias e tratamentos, devido a resultados equívocos de citologias;

* Mulheres com VPH positivo e citologia negativa não devem ser encaminhadas directamente para colposcopia. Devem repetir o «co-teste» após 12 meses e fazer imediatamente o genótipo específico para o VPH 16 ou VPH 16/18. Se o «co-teste» for positivo em ambos (VPH positivo e citologia com lesão intraepitelial escamosa de baixo grau – LSIL – ou mais grave), deve fazer-se colposcopia; caso seja negativo em ambos (VPH negativo e citologia com células atípicas de significado indeterminado – ASCUS – ou negativa), a mulher deve retomar o rastreio de rotina. Após a determinação do genótipo do VPH, se VPH 16 positivo ou VPH 16 positivo/VPH 18 positivo, deve fazer-se colposcopia; caso seja VPH 16 negativo ou VPH 16 negativo/VPH 18 negativo, deve repetir-se o «co-teste» após 12 meses. Não devem ser testados outros genótipos diferentes do 16 e 18;

* Mulheres com VPH negativo e citologia com ASCUS devem continuar com o rastreio de acordo com as orientações específicas para a sua idade;

* Mulheres com idade superior a 65 anos com evidência de rastreio prévio negativo e sem antecedentes de NIC de grau 2 nos últimos 20 anos não devem ser rastreadas. Assim que o rastreio é interrompido não deve ser retomado;

* Mulheres com idade superior a 65 anos e história prévia de NIC de grau 2, NIC de grau 3 ou adenocarcinoma in situ, após regressão espontânea ou tratamento, devem continuar o rastreio por pelo menos 20 anos após a detecção, mesmo que ultrapassem os 65 anos de idade;

* Mulheres histerectomizadas e sem história prévia de NIC de grau 2 não devem ser rastreadas para cancro vaginal, uma vez que uma citologia vaginal anormal raramente tem importância clínica.

COMENTÁRIO

Conforme referido no artigo, a metodologia usada na elaboração destas recomendações representa uma etapa de transição no desenvolvimento de NOC para a ACS. A principal diferença residiu na utilização dos princípios do processo GRADE, de forma a avaliar mais formalmente a evidência disponível e incorporar a qualidade desta evidência nas recomendações. Uma vantagem da utilização deste processo é que facilita a identificação de necessidades-chave de pesquisa.

Numa primeira análise, a força de recomendação deste artigo parece ser baixa, já que é baseada num consenso de peritos. Todavia, estas recomendações têm por base uma revisão sistemática extensa da bibliografia existente. Assim, poderão ter uma força de evidência bastante superior.

A possibilidade deste rastreio combinado parece ser vantajosa nos Estados Unidos da América, onde cerca de metade dos casos de CCU ocorrem em mulheres que nunca foram rastreadas, que vivem com fracos recursos médicos ou financeiros, pelo que o «co-teste» lhes confere um maior intervalo entre rastreios.

Em Portugal, o Plano Nacional de Prevenção e Controlo das Doenças Oncológicas 2007/2010 recomenda a realização do rastreio do CCU por citologia cervico-vaginal nas mulheres entre os 25 e os 60 anos, com um intervalo de rastreio de 3 anos após dois exames anuais negativos.1 Não é feita qualquer referência ao rastreio utilizando o VPH. Também a Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar recomenda o rastreio do CCU exclusivamente por citologia cervical em mulheres que tenham iniciado a sua vida sexual e com colo uterino. Deve ser aplicado 2 a 3 anos após o início da vida sexual, cada 3 anos, após duas citologias anuais consecutivas normais.2 O teste de ADN do VPH reserva-se para situações especiais. Por seu lado, também a Sociedade Portuguesa de Ginecologia, em concordância com as NOC europeias, recomenda que o rastreio organizado deve continuar a recorrer à citologia como teste preferencial do rastreio. Deve ser iniciado entre os 25 e os 30 anos e terminar aos 65 anos, com uma periodicidade de 3 a 5 anos.3

Sendo a infecção cervical pelo VPH o principal factor etiológico do CCU, seria importante a realização de estudos de custo-benefício de forma a ponderar a inclusão do teste do ADN do HPV no rastreio do CCU em Portugal. Por outro lado, dada a incorporação da vacina do VPH no Plano Nacional de Vacinação, importará avaliar a mortalidade por CCU e o impacto financeiro desta medida, de forma a melhor adequar as estratégias de rastreio.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Ministério da Saúde. Plano Nacional de Prevenção e Controlo das Doenças Oncológicas 2007/2010. Lisboa: Ministério da Saúde, Alto Comissariado da Saúde; 2007.         [ Links ]

2. Rosendo I, Ribeiro E, Almada-Lobo F, Martins C. Recomendações do Núcleo de Actividades Preventivas da APMCG: Cancro do Colo do Útero. Lisboa: AMPCG, s/d.         [ Links ]

3. Sociedade Portuguesa de Ginecologia. Consenso sobre infecção HPV e lesões intraepiteliais do colo, vagina e vulva. Cascais: Sociedade Portuguesa de Ginecologia; 2011.         [ Links ]

 

CONFLITOS DE INTERESSE

A autora declara não possuir qualquer conflito de interesse.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons