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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.29 no.4 Lisboa jul. 2013

 

CLUBE DE LEITURA

Tratar a fibrilhação auricular previne a demência?

Does treatment of atrial fibrillation prevent dementia?

Ricardo de Matos Ferreira, Filipa Frias

Internos em formação específica de Medicina Geral e Familiar

USF Valbom, AceS Grande Porto II – Gondomar


 

Kalantarian S, Stern TA, Mansour M, Ruskin JN. Cognitive impairment associated with atrial fibrillation: a meta-analysis. Ann Intern Med 2013 Mar 5; 158 (5 Pt 1): 338-46.

Introdução

A fibrilação auricular (FA) tem sido associada a um aumento do risco de comprometimento cognitivo e demência. O objetivo deste estudo foi realizar uma meta-análise de estudos examinando a associação entre FA e disfunção cognitiva (DC).

Métodos

Foi realizada pesquisa nas bases de dados bibliográficas da MEDLINE, PsycINFO, Cochrane Library, CINAHL e EMBASE e busca manual de referências de artigos. Foram selecionados estudos prospetivos e não prospetivos com estimativas de risco para a associação entre FA e DC. Os dados foram extraídos por dois avaliadores independentes que selecionaram dados sobre características do estudo, as estimativas de risco, métodos de classificação de FA, outcomes e qualidade metodológica.

Resultados

Foram incluídos vinte e um estudos na meta-análise. A FA foi significativamente associada com um maior risco de DC em pacientes, com história (primeiro evento ou recorrente) de acidente vascular cerebral (AVC) – [risco relativo (RR), 2,70; IC 95% 1,82-4,00] - e na população em geral, incluindo os pacientes com ou sem história de AVC (RR, 1,40; IC 95% 1,19-1,64). A associação no último grupo, permaneceu significativamente independente do antecedente de AVC (RR 1,34; IC 95% 1,13-1,58). No entanto, verificou-se heterogeneidade significativa entre os estudos na população em geral (I2 = 69,4%). Limitando a análise aos estudos prospetivos, os resultados foram semelhantes (RR 1,36; IC 95% 1,12 - 1,65). Restringindo a análise aos estudos de demência, eliminou-se a heterogeneidade de forma significativa (P< 0,137), mas não se alterou a estimativa combinada de forma substancial (RR 1,38; IC 95% 1,22-1,56).

Limitações

Há um viés inerente por causa de variáveis de confundimento nos estudos observacionais. Verificou-se uma heterogeneidade significativa entre os estudos incluídos.

Discussão

A evidência sugere que a FA está associada a um maior risco de DC e demência, com ou sem história de AVC. São necessários mais estudos para elucidar a associação entre a FA e os diferentes subtipos de demência, bem como a causa de DC.

COMENTÁRIO

Nos últimos anos têm surgido na literatura vários estudos que procuram estabelecer uma correlação entre FA e DC, ou mais frequentemente, ente FA e demência.

Algumas revisões descrevem que, na generalidade, os estudos transversais mostraram uma associação significativa entre FA, DC e demência. No entanto, estes estudos são particularmente sensíveis aos diferentes vieses.

Neste contexto, encontram-se na literatura estudos longitudinais recentes, de maior nível de evidência, para avaliar a ligação entre a FA e demência.1-4

Na última década, vários fatores de risco vascular (hipertensão, obesidade e síndrome metabólico, hipercolesterolémia, sedentarismo) têm sido associados com demência vascular, com a doença de Alzheimer,1 ou DC a longo prazo.5 Na sua maioria, os estudos transversais mostraram uma associação significativa entre a FA, DC e demência. No entanto, estes estudos são particularmente sensíveis aos diferentes vieses, daí a realização de estudos longitudinais.1

Então, qual é a importância e implicação clínica da FA e de que forma é consistente a sua associação com desenvolvimento de disfunção cognitiva? A presente meta-análise procurou congregar informação disponível pretendendo chegar a uma conclusão sólida.

A FA é uma patologia com uma prevalência importante, estimando-se que mais de 25% dos indivíduos com mais 40 anos nos Estados Unidos desenvolverão FA até ao final da vida.6

Sendo que uma parte significativa da população portuguesa tem uma idade média de 41,8 anos,7 esta patologia poderá ter implicações relevantes em termos de saúde pública.

Contudo, de acordo com os dados, verifica-se a existência de uma percentagem relevante de doentes sem diagnóstico de FA. A acrescentar, mesmo quando diagnosticada, uma parte significativa não estará com terapêutica instituída. Num estudo multicêntrico, verificou-se que a prevalência da FA não diagnosticada previamente em indivíduos com mais de 60 anos de idade foi de 20,1%.8 No mesmo trabalho, 23,5% dos diagnosticados não recebiam tratamento com anticoagulantes orais.8

O adequado tratamento apresenta uma primordial importância na terapêutica preventiva da FA. No entanto, é de ressalvar que o tratamento excessivo poderá ser prejudicial.9 Por outro lado, o tratamento anticoagulante em doentes com FA terá influência positiva ao nível do prognóstico de desenvolvimento de disfunção cognitiva.10 Este facto alerta-nos para a importância do tratamento anticoagulante nos intervalos terapêuticos devidos.

Assim, qual será a importância do risco relativo de disfunção cognitiva na presença de FA, entre 1,5 e 2,5 atribuído nesta meta-análise? Terá este implicações clínicas? O que se verifica é que esta relação é mais premente nos estudos prospetivos, com maior robustez e evidência. A implicação clínica será relevante, considerando a prevalência significativa da FA e tal tenderá a agravar-se com envelhecimento da população.

Contudo, nesta meta-análise foram observados vários pontos fracos. O estudo em causa poderá apresentar viés do observador, uma vez que os dados dos estudos foram recolhidos por dois observadores independentes.

Notório foi também o viés de confundimento e heterogeneidade de classificação dos doentes. Tal ocorreu na presença de co-morbilidades, bem como nos diferentes métodos de designação de FA e outcomes definidos (demência versus DC).

Um outro ponto será o facto de a história de AVC ter sido determinada por registos médicos e raramente por avaliação imagiológica, o que se poderá traduzir num viés de má classificação.

A análise de subgrupos de demências, que separa demência de Alzheimer e demência vascular, deve ser observado com reservas, pela necessidade de autópsia confirmatória.

Avaliando os pontos fortes, salienta-se a pesquisa na literatura e originalidade do estudo, único com resultados isolados para demência e DC. A inclusão de estudos de diversas regiões geográficas permite também a generalização dos resultados. Por fim, o vasto número de eventos observado e o uso de critérios objetivos para determinação do risco de viés são elementos de valorização deste artigo.

Assim, há alguma evidência de que a FA pode estar associada com a diminuição cognitiva e demência, mas esta deve ser suportada por estudos longitudinais a longo prazo mais consistentes.

Concluindo, o contributo desta meta-análise é de extrema pertinência e congrega a evidência presente da correlação entre FA e disfunção cognitiva. No entanto, deve ser interpretada considerando as fragilidades dos estudos incluídos.

O outcome de défice cognitivo deve passar a ser primordial, ao invés de demência (o mais utilizado nos estudos antecedentes). O outcome de demência é menos abrangente e pressupõe gravidade, relativamente a défice cognitivo leve/moderado. Assim, conclusões futuras mais sólidas da relação entre FA e DC permitirão preconizar atitudes de prevenção efetivas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Duron E, Hanon O. Fibrillation atriale et fonctions cognitives. Psychol Neuropsychiatr Vieil 2010 Sep; 8 (3): 209-14.         [ Links ]

2. Dublin S, Anderson ML, Haneuse SJ, Heckbert SR, Crane PK, Breitner JC, et al. Atrial fibrillation and risk of dementia: a prospective cohort study. J Am Geriatr Soc 2011 Aug; 59 (8): 1369-75.         [ Links ]

3. Elias MF, Sullivan LM, Elias PK, Vasan RS, D’Agostino RB Sr, Seshadri S, et al. Atrial fibrillation is associated with lower cognitive performance in the Framingham offspring men. J Stroke Cerebrovasc Dis 2006 Sep-Oct; 15 (5): 214-22.         [ Links ]

4. Bunch TJ, Weiss JP, Crandall BG, May HT, Bair TL, Osborn JS, et al. Atrial fibrillation is independently associated with senile, vascular, and Alzheimer’s dementia. Heart Rhythm 2010 Apr; 7 (4): 433-7.         [ Links ]

5. Gorelick PB, Scuteri A, Black SE, Decarli C, Greenberg SM, Iadecola C, et al. Vascular contributions to cognitive impairment and dementia: a statement for healthcare professionals from the american heart association/american stroke association. Stroke 2011 Sep; 42 (9): 2672-713.         [ Links ]

6. Kalantarian S, Stern TA, Mansour M, Ruskin JN. Cognitive impairment associated with atrial fibrillation: a meta-analysis. Ann Intern Med 2013 Mar 5; 158 (5 Pt 1): 338-46.         [ Links ]

7. Instituto Nacional de Estatística. Censos 2011 (Internet). Disponível em: http://www.ine.pt/ngt_server/attachfileu.jsp?look_parent- Boui=150331034&att_display=n&att_download=y (acedido em 22/07/2013).         [ Links ]

8. Virta JJ, Heikkilä K, Perola M, Koskenvuo M, Räihä I, Rinne JO, et al. Midlife cardiovascular risk factors and late cognitive impairment. Eur J Epidemiol 2013 May; 28 (5): 405-16.         [ Links ]

9. Van Deelen BA, van den Bemt PM, Egberts TC, van ’t Hoff A, Maas HA. Cognitive impairment as determinant for sub-optimal control of oral anticoagulation treatment in elderly patients with atrial fibrillation. Drugs Aging 2005; 22 (4): 353-60.10.         [ Links ]

10. Puccio D, Novo G, Baiamonte V, Nuccio A, Fazio G, Corrado E, et al. Atrial fibrillation and mild cognitive impairment: what correlation? Minerva Cardioangiol 2009 Apr; 57 (2): 143-50.         [ Links ]

 

CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores declaram não apresentar conflitos de interesse.

Artigo escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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