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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.29 no.4 Lisboa jul. 2013

 

CLUBE DE LEITURA

Inibidores Selectivos da Recaptação de Serotonina: Uma opção segura no tratamento da depressão durante a gravidez?

Selective serotonin reuptake inhibitors: A safe option for treatment of depression in pregnancy?

Catarina T. Fernandes

Interna em formação específica de Medicina Geral e Familiar

USF Espinho


 

Stephansson O, Kieler H, Haglund B, Artama M, Engeland A, Furu K, et al. Selective Serotonin Reuptake Inhibitors during pregnancy and risk of stillbirth and infant mortality. JAMA 2013 Jan 2; 309 (1): 48-54.

Introdução

A doença psiquiátrica materna está associada a resultados adversos para a gravidez. O uso de inibidores selectivos da recaptação de serotonina (ISRS) durante a gravidez foi associado à ocorrência de anomalias congénitas, síndrome de abstinência neonatal e hipertensão pulmonar persistente do recém-nascido. No entanto, o risco de nado-morto e mortalidade infantil em caso de doença psiquiátrica materna prévia permanece desconhecido.

Objectivo

Avaliar o risco de nado-morto ou de mortalidade infantil associada ao uso de ISRS durante a gravidez.

Métodos

Foi realizado um estudo de coorte de base populacional em todos os países nórdicos (Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia), em diferentes períodos, desde 1996 até 2007. O estudo incluiu mulheres com gestações únicas. A informação relativamente ao uso materno de ISRS foi obtida através de registos de prescrição. A caracterização materna e da gravidez e os resultados neonatais foram obtidos através dos registos médicos das pacientes e dos nascimentos.

Resultados

Entre os 1 633 877 nascimentos únicos do estudo, 6 054 foram nados-mortos; 3 609 mortes neonatais e 1 578 mortes pós-natais. Foram prescritos IRSR durante a gravidez a um total de 29 228 (1,79%) mães. As mulheres expostas aos ISRS apresentaram uma taxa de nados-mortos mais elevada (4,62 vs 3,69 por 1000, P=0,01), bem como de morte pós-neonatal (1,38 vs 0,96 por 1000, P=0,03). A taxa de morte neonatal foi semelhante nos dois grupos (2,54 vs 2,21 por 1000, P=0,24). No entanto, em modelos com variáveis múltiplas, o uso de ISRS não foi associado à ocorrência de nados-mortos (odds ratio ajustado (OR), 1,17; Intervalo de confiança (IC) de 95%, 0,96-1,41; P=0,12), morte neonatal (OR ajustado 1,23; IC de 95%, 0,96-1,57; P=0,11), ou morte pós-neonatal (OR ajustado 1,34; IC de 95%, 0,97-1,86; P=0,08). Estas estimativas foram ainda atenuadas quando estratificadas de acordo com hospitalizações anteriores por doença psiquiátrica das mães. O OR ajustado relativo à taxa de nados-mortos em mães com hospitalizações prévias devidas a doença psiquiátrica foi de 0,92 (IC de 95%, 0,66-1,28; P=0,62) e de 1,07 (IC de 95%, 0,84-1,36; P=0,59) para as mães não sujeitas a hospitalização prévia. Relativamente à morte pós-neonatal, os valores de OR foram de 1,02 (IC de 95%, 0,61-1,69; P=0,95) para mulheres que foram hospitalizadas e de 1,10 (IC de 95%, 0,71-1,72; P=0,66) para as mulheres que não o foram.

Conclusões

Não foi encontrada uma associação estatisticamente significativa, nas mulheres com gravidezes únicas dos países nórdicos, entre o uso de ISRS durante a gravidez e o risco de nados-mortos, mortalidade neonatal ou pós-neonatal. No entanto, a decisão relativamente ao uso destes fármacos durante a gravidez deve ter em consideração outros resultados perinatais, bem como os riscos que advêm da doença mental materna.

COMENTÁRIO

A depressão na gravidez é uma patologia comum nos países desenvolvidos, com prevalência entre os 7 e os 19%.1 O uso de antidepressivos nas grávidas constitui um problema devido aos potenciais riscos de toxicidade destes fármacos e consequentes efeitos adversos peri e pós-natais, tais como ocorrência de parto pré-termo, anomalias congénitas, dificuldade respiratória do recém-nascido, entre muitos outros.1 No entanto, a interrupção ou não instituição de tratamento em mulheres com patologia depressiva também acarreta vários riscos para a mãe e para o bebé.2

Idealmente, a decisão quanto à utilização de fármacos antidepressivos durante e após a gravidez deveria ser tomada ainda antes da concepção, avaliando os riscos e benefícios em cada caso, sendo sempre preferível a monoterapia em altas doses.2 Em casos de depressão ligeira, está preconizada apenas uma abordagem não farmacológica.3 Nas situações de depressão major o tratamento farmacológico com ISRS é o mais utilizado actualmente.4

De acordo com os critérios da Food and Drug Administration, usados pelo Infarmed para classificação dos níveis de evidência de segurança de fármacos a utilizar na gravidez, os ISRS são fármacos de categoria C (risco fetal desconhecido, por falta de estudos alargados) e deverão ser usados apenas se o benefício potencial for superior aos riscos.5

A norma relativa à «Saúde mental pré e pós-natal», do National Institute for Health and Care Excellence, faz referência ao menor risco de toxicidade fatal dos ISRS quando comparados com os antidepressivos tricíclicos, sendo a fluoxetina o mais seguro.6 Esta recomendação é coincidente com a Norma de Orientação Clínica da Direcção-Geral de Saúde, em que a fluoxetina e a sertralina são considerados os antidepressivos de menor risco no tratamento da depressão na grávida (Nível de evidência A, grau de recomendação I).4

O estudo aqui apresentado vem demonstrar que não existe associação estatisticamente significativa entre a utilização de ISRS e o risco de nados-mortos e de mortalidade infantil, o que permite considerá-los como opção válida na terapêutica da depressão na grávida, conferindo alguma segurança na sua utilização durante a gravidez.

Ainda assim, a decisão quanto à utilização de antidepressivos durante a gravidez permanece muito controversa e deve ser ponderada e individualizada, tendo em conta não só a toxicidade dos fármacos mas também os riscos para a mãe e para o bebé, no caso de não tratamento destas situações. No entanto, dos dados disponíveis e das recomendações preconizadas pelas diferentes sociedades, os ISRS parecem ser o grupo farmacológico mais seguro no tratamento da depressão das grávidas e com menos riscos para os seus filhos. Contudo, são necessários mais estudos para avaliar a segurança dos antidepressivos disponíveis para utilização durante a gravidez.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Stephansson O, Kieler H, Haglund B, Artama M, Engeland A, Furu K, et al. Selective Serotonin Reuptake Inhibitors during pregnancy and risk of stillbirth and infant mortality. JAMA 2013 Jan 2; 309 (1): 48-54.         [ Links ]

2. Armstrong, Carrie; ACOG Guidelines on Psychiatric Medication Use During Pregnancy and Lactation; Am Fam Physician. 2008 Sep 15; 78 (6):772-8.         [ Links ]

3. Direcção Geral de Saúde. Norma de Orientação Clínica nº 041/2011, de 23/12/2011 – Prescrição de antidepressivos. Lisboa: DGS; 2011.         [ Links ]

4. Direcção Geral de Saúde. Norma de Orientação Clínica nº 034/2012, de 30/12/2012 - Terapêutica Farmacológica da Depressão major e da sua Recorrência no Adulto. Lisboa: DGS; 2012.         [ Links ]

5. Prontuário - Anexo 1 - Fármacos e gravidez. Disponível em: http://www.infarmed.pt (acedido em 24/07/2013).         [ Links ]

6. National Institute for Health and Clinical Excellence. NICE Clinical Guideline 45 - Antenatal and postnatal mental health; Clinical management and service guidance. London: NICE; 2007.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

A autora declara não possuir qualquer conflito de interesse.

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