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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.29 no.5 Lisboa set. 2013

 

CLUBE DE LEITURA

Efeitos da vacinação de profissionais de saúde contra influenza no risco associado a doentes internados com idade igual ou superior a 60 anos

Influenza vaccination for healthcare workers who care for people aged 60 or older living in long-term care institutions

Nuno Basílio

Interno em formação específica de Medicina Geral e Familiar

UCSP Barcarena - ACeS Lisboa Ocidental e Oeiras


 

Thomas RE, Jefferson T, Lasserson TJ. Influenza vaccination for healthcare workers who care for people aged 60 or older living in long-term care institutions. Cochrane Database Syst Rev 2013 Jul 22; 7: CD005187.

 

RESUMO

Os idosos internados em instituições de saúde e sob o risco de infeção a influenza podem ser contagiados pelos profissionais de saúde. Sobre estes últimos não existem dados comprovados laboratorialmente acerca da taxa de infeção a influenza. Assim, a vacinação desta população poderá reduzir o número de infeções a este vírus. Como os sinais e sintomas associados são similares a outras patologias respiratórias, é importante identificar laboratorialmente a etiologia para comprovar o efeito da vacinação na prevalência e incidência deste vírus.

Foram selecionados três estudos randomizados e controlados num total de 5.896 participantes e que apresentaram resultados que vão ao encontro dos objetivos propostos para esta revisão.

Risco de enviesamento: randomização com baixo risco de enviesamento em dois estudos e pouco clara em um; ocultação e alocação pouco claras em todos os três ensaios; baixo risco de resultados incompletos num ensaio clínico e alto em dois; baixo risco de descrição seletiva em todos os três estudos; alto risco de viés de adesão em todos os três ensaios (vacinação de profissionais de saúde contra a gripe incompleta nos grupos de intervenção). Não houve relato de eventos adversos em qualquer estudo.

A vacinação dos profissionais de saúde não demonstrou qualquer efeito na infeção a influenza em utentes internados com 60 anos ou mais ou suas complicações (infeção do trato respiratório inferior, hospitalização ou morte devido a doença do trato respiratório inferior).

Esta revisão não encontrou informações sobre outras intervenções utilizadas em associação à vacinação (higiene das mãos, utilização de máscaras, deteção laboratorial precoce de influenza, quarentena, evitar novos internamentos, terapêutica precoce com antivirais e redução do contacto entre utentes e profissionais de saúde com sintomas sugestivos de gripe).

Não há evidência que a vacinação de profissionais de saúde previna a infeção por influenza ou suas complicações (infeções do trato respiratório inferior, hospitalização ou morte devido a infeção do trato respiratório) em indivíduos internados com 60 anos ou mais, não existindo indicação para a vacinação obrigatória destes trabalhadores. Outras intervenções, como higiene das mãos, utilização de máscaras, deteção precoce de influenza com zaragatoa nasal, terapêutica precoce com antivirais, quarentena, restrição de visitas e do contacto entre utentes e profissionais de saúde com sintomas sugestivos de gripe, podem proteger os indivíduos internados com 60 anos ou mais.

São necessários ensaios clínicos randomizados de alta qualidade para testar a combinação entre as várias intervenções disponíveis.

COMENTÁRIO

Peter Doshi, ao analisar a realidade americana, levanta questões importantes sobre a influência do marketing e das campanhas de saúde pública no aumento exponencial nos últimos 20 anos do número de doses de vacina contra Influenza administradas.1 Segundo dados publicados pela World Health Organization (WHO), a comercialização a nível global da vacina atingiu em 2011 os $2,9 biliões, sendo que as estimativas para 2018 estimam um aumento para $3,8 biliões. Ainda no mesmo documento, as razões apontadas para este crescimento prendem-se com o padrão de consumo nos países desenvolvidos, a aposta em novos mercados de países em desenvolvimento e o preço crescente das novas vacinas comercializadas.2 De facto, instituições como a WHO, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC)3 e o National Institute for Health and Care Excellence4 recomendam a vacinação de grupos de risco e dos profissionais de saúde envolvidos nos seus cuidados. Estas recomendações baseiam-se em artigos que apontam para uma redução na transmissão da infeção dos profissionais de saúde para utentes internados.5 Mas uma revisão sistemática, publicada em 2008 pela Cochrane, veio identificar diferenças significativas entre a eficácia reportada em estudos financiados por indústrias farmacêuticas e estudos financiados por entidades públicas, com maior eficácia nos primeiros.6 Por outro lado, Juan Gérvas, num documento intitulado «Algumas razões para dizer «Não, obrigado!» à vacina da gripe», explora as diferenças entre a reduzida ou inexistente evidência científica apresentada em publicações da Cochrane, British Medical Journal ou Lancet e as guidelines internacionais defendidas por entidades como o CDC ou a European Center for Disease Prevention and Control para este assunto.7 As conclusões retiradas desta revisão realizada pela Cochrane e de outros artigos8 põem em causa as indicações sobre a importância da vacinação dos profissionais de saúde. Outro dado interessante e transversal a vários países é a fraca adesão à vacinação dentro deste grupo de pessoas. Num estudo de 2011, realizado em Florença (Itália), que envolveu estudantes e profissionais de saúde de três hospitais universitários, verificou-se que a perceção do risco de contágio da infeção aos doentes por parte dos indivíduos questionados era baixa e que a maior parte dos que aceitaram ser vacinados o fizeram para proteção pessoal.9

Tendo em conta que grande parte destes profissionais se encontra fora dos grupos de risco definidos para a vacinação e em simultâneo a vantagem para os utentes não se apresenta clara, urge construir novos estudos que supram esta lacuna. Enquanto o conhecimento científico não comprovar assertivamente os benefícios clínicos desta intervenção para os utentes e profissionais de saúde, devemos pautar a nossa prática segundo o princípio de primum non nocere e agir com cautela.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Doshi p. Influenza: marketing vaccine by marketing disease BMJ 2013 May 16; 346: f3037.         [ Links ]

2. Kaddar M. Global Vaccine Market Features and Trends. Disponível em: http://who.int/influenza_vaccines_plan/resources/session_10_kaddar.pdf (acedido em 18/10/2013).         [ Links ]

3. Centers for Disease Control and Prevention. Recommendations: Prevention and Control of Influenza with Vaccines. Disponível em: http://www.cdc.gov/flu/professionals/acip/2013-summary-recommendations.htm (acedido em 18/10/2013).         [ Links ]

4. Tappenden P, Jackson R, Cooper K, Rees A, Simpson E, Read R, et al. Amandine, oseltamivir and and zanamivir for the prophylaxis of influenza (includind a review of existing guidance no. 67): a systematic review and economic evaluation. Health Technol Assess 2009 Feb; 13 (11): 1-246.         [ Links ]

5. Dolan GP, Harris RC, Clarkson M, Sokal R, Morgan G, Mukaigawara M, et al. Vaccination of healthcare workers to protect patients at increased risk of acute respiratory disease: summary of a systematic review. Influenza Other Respi Viruses 2013 Sep; 7 Suppl 2: 93-6.         [ Links ]

6. Jefferson T, Rivetti A, Di Pietrantonj C, Demicheli V, Ferroni E. Vaccines for preventing influenza in healthy children. Cochrane Database Syst Rev 2012 Aug 15; 8: CD004879.         [ Links ]

7. Gérvas J. A few reasons to say no, thanks, to influenza/flu vaccines (Evidence-based Cochrane Reviews versus industrial base CDC and ECDC remomendations”. Madrid: CESCA; 2012.

8. Dolan GP, Harris RC, Clarkson M, Sokal R, Morgan G, Mukaigawara M, et al. Vaccination of health care workers to protect patients at increased risk for acute respiratory disease. Emerg Infect Dis 2012 Aug; 18 (8): 1225-34.         [ Links ]

9. Bonaccorsi G, Lorini C, Santomauro F, Guarducci S, Pellegrino E, Puggelli F, et al. Predictive factors associated with the acceptance of pandemic and seasonal influenza vaccination in health care workers and students in Tuscany, Central Italy. Hum Vaccin Immunother. 2013 Aug 16; 9(12). (Epub ahead of prin).         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

O autor declara não ter conflito de interesses.

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