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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.29 no.6 Lisboa nov. 2013

 

CARTA À DIRECTORA

A transversalidade do código de conduta ética da investigação, a propósito da fase específica do internato médico!

Ethical standards and the family medicine training program

Paula Broeiro*

*Assistente Graduada de Medicina Geral e Familiar

Coordenação de Internato de Medicina Geral e Familiar de Lisboa e Vale do Tejo

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

A coincidência temporal entre a revisão da Declaração de Helsínquia e a minha passagem pela Coordenação de Internato de Medicina Geral e Familiar de Lisboa e Vale do Tejo incentivaram esta reflexão!

A formação médica tendente à especialização em Portugal é ímpar e reconhecida na Europa pela sua qualidade, todavia, internamente, é duramente criticada. Quais as particularidades que têm contribuído para o sucesso? A integração da formação na prestação de cuidados (diversidade dos problemas de saúde), a sua dependência do Ministério da Saúde (potencial regulação da formação às necessidades de pessoal), a independência técnica dos órgãos do internato face às administrações, e a existência de um regulador externo - a Ordem dos Médicos (idoneidades, capacidades formativas e avaliação final).

Em 2013, pela primeira vez, o equilíbrio e respeito interinstitucional quase foi quebrado, mercê de não terem sido atempadamente implementadas medidas reguladoras da entrada na fase específica do internato médico, de acordo com a capacidade formativa dos serviços, as necessidades de pessoal médico e a salvaguarda da autonomia profissional. A demografia médica,1 a pertinência da prova de seriação2 e o (in)sucesso da formação específica, associados às baixas notas na referida prova, ainda por estudar, puseram de manifesto a aparente ausência de planeamento da formação médica e contribuíram para a precipitação dos acontecimentos (tentativa de ingerência da Administração na definição do mapa de vagas, sem cumprimento do regulamento e regime do internato médico).

Os tempos de maiores dificuldades põem a nu as fragilidades dos sistemas e a necessidade de códigos de conduta que definam os limites de atuação de cada um dos intervenientes e a sua aplicação. A minha vivência, curta e intensa, desta realidade das organizações públicas contrastou com a minha experiência profissional, conferida pela investigação e impôs, porque oportuna, esta reflexão.

Os princípios da Declaração de Helsínquia são transversais ao quotidiano da vida social, económica, científica, profissional e política. Incorporam os direitos humanos, tais como: o respeito pelo homem e os seus direitos; a proteção da dignidade, integridade e autodeterminação; o zelo pela transparência, coerência e manifestação de conflitos de interesses.3 Se vivemos numa sociedade civilizada, qual a necessidade de declarar princípios éticos? Talvez seja preciso declarar e amparar condutas éticas porque o comportamento ético não é inato.4

O conflito de interesses é um conceito social, político, económico, cultural e jurídico, configurados pela OCDE como reais, percebidos e potenciais.4,5 Apesar dos códigos de conduta, a definição de conflito de interesses é pessoal e resultante de um exercício reflexivo!

A regulação de conflitos de interesses tem sido objeto de vários diplomas, considerando-se necessário insistir na clarificação de regras e na definição precisa de condutas.4 Ao assumirem funções, as pessoas não deixam de ter os seus interesses e vulnerabilidades, assumindo-se, portanto, que os conflitos de interesse são inevitáveis.4 Na União Europeia, compete a cada Estado-membro garantir o bom funcionamento das instituições e promover a conduta ética nos serviços públicos. Para que isso seja alcançado, é necessário desenvolver e rever regularmente as políticas, procedimentos, práticas que influenciam a conduta ética; promover a manutenção dos padrões de conduta; incorporar a dimensão ética nas estruturas de gestão, assegurando práticas de gestão coerentes com valores e princípios; combinar os aspectos de ética de gestão e o respeito das regras.4

Avizinhando-se a publicação de um novo regulamento do internato, espera-se que sejam resolvidos, atempadamente, todos os constrangimentos e garantida a independência dos órgãos de formação, como salvaguarda de conflitos de interesses. Um investimento numa formação de qualidade terá o retorno, em ganhos de eficiência, a médio prazo. Não se podem confundir os objetivos formativos expressos no programa de internato (ex. Medicina Geral e Familiar, Portaria n.º 300/2009) com necessidades assistenciais imediatas. Voltando à Declaração de Helsínquia, no caso da formação em internato, o que está em causa é o respeito pelas pessoas que adoecem, pelos médicos internos e orientadores e pelos seus direitos.

Acredito que o futuro, à semelhança de outras áreas como a da investigação, nos traga transparência e manifestação pública de conflitos de interesses. O Regulamento do Internato deverá expressar claramente os limites da intervenção de cada um:

• Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), Administrações Regionais de Saúde (ARS), Orgãos do Internato Médico (incluindo as Coordenações de Internato) e Ordem dos Médicos;

• Conselhos de Administração, Direções Executivas, Direções Clínicas, Direções e Coordenações de Internato, Orientadores de Formação e Internos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Santana P. Estudo de Evolução Prospectiva de Médicos no Sistema Nacional de Saúde. Universidade de Coimbra, Junho 2013. Disponível em: http://www.medicointerno.com/Documentos/Estudo%20Evolucao%20Prospectiva%20Medicos_Relatorio%20Final.pdf (acedido em 17/12/2013).         [ Links ]

1. Pavão-Martins I. Admissão ao Internato Complementar em Portugal: análise dos resultados do Exame Nacional de Seriação entre 2006 e 2011. Acta Med Port 2013 Set-Out; 26(5):569-77.

2. World Medical Association. WMA Declaration of Helsinki - Ethical Principles for Medi-cal Research Involving Human Subjects. 1964 [updated 2013 Oct]. Disponível em: http://www.wma.net/en/30publications/10policies/b3/index.html.pdf?print-media-type&footer-right=[page]/[toPage] (acedido em 17/12/2013).

3. Quadros E. O Sistema Português de Suporte à Ética da Administração Pública. 2008. Disponível em: http://cegep.iscad.pt/index.php/noticias/50--o-sistema-portugues-de-suporte-a-etica-da-administracao-publica (acedido em 17/12/2013).

4. OCDE. Principles for managing ethics in the public service. 1998. Disponível em: http://www.oecd.org/gov/ethics/1899138.pdf (acedido em 17/12/2013).

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Paula Broeiro

Ed. Centro de Saúde de Sete Rios

Largo Prof. Arnaldo Sampaio

1549-010 Lisboa

paulabroeiro@gmail.com

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