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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.29 no.6 Lisboa nov. 2013

 

CLUBE DE LEITURA

Rastreio no Cancro de Ovário: será que os benefícios superam os riscos?

Ovarian cancer screening: do the benefits exceed the risks?

Diana Ferreira

Interna de Medicina Geral e Familiar, UCSP da Mealhada


 

Reade CJ, Riva JJ, Busse JW, Goldsmith CH, Elit L. Risks and benefits of screening asymptomatic women for ovarian cancer: a systematic review and meta-analysis. Gynecol Oncol 2013 Sep; 130 (3): 674-81.

 

Introdução

O cancro de ovário é a neoplasia ginecológica com maior mortalidade, apresentando 26,9% de sobrevivência a 5 anos, quando diagnosticado nos estádios III e IV (segundo a Classificação da FIGO). O objetivo do rastreio do Cancro de Ovário é o diagnóstico da doença em estádios iniciais, com vista a diminuir a agressividade do tumor e consequentemente a mortalidade. No entanto, o diagnóstico precoce não implica necessariamente uma diminuição na mortalidade se, no processo de rastreio, forem identificados os subtipos histológicos menos agressivos. Assim, o objetivo primário de qualquer programa de rastreio deverá ser sempre a redução da mortalidade.

O diagnóstico de cancro de ovário recorre fundamentalmente a dois meios complementares de diagnóstico, a ecografia endovaginal e o doseamento do marcador CA-125, sendo que nenhum deles é perfeitamente sensível ou específico para este tipo de cancro. Considerando que o diagnóstico definitivo exige a remoção cirúrgica dos ovários com seccionamento patológico, a existência de falsos positivos pode resultar em sérios riscos, exames e cirurgias desnecessárias.

Apesar das guidelines contraindicarem a realização do rastreio em mulheres com risco médio-baixo de cancro de ovário, o mesmo continua a ser prática corrente em muitos centros. Um estudo realizado ao nível dos cuidados de saúde primários dos EUA mostrou que um terço dos médicos de família nos EUA acredita no rastreio e 24% oferece-o sistematicamente a mulheres assintomáticas, quer seja para satisfazer a vontade da doente quer pela prática da medicina defensiva. Dado que este estudo não inseriu a mortalidade nos resultados, foram realizados posteriormente três ensaios clínicos randomizados: o Shizouka Cohort Study of Ovarian Cancer Screening (SCSOCS), no Japão, que incluiu 82.487 mulheres durante um período de 9,2 anos, o Prostate, Lung, Colorectal and Ovarian Cancer Screening Randomized Controlled Trial (PLCO), com 78.216 mulheres norte-americanas durante 12,4 anos e o UK Collaborative Trial of Ovarian Cancer Screening (UKCTOCS), incluindo 202.638 mulheres no Reino Unido por 3-7 anos.

Com vista a determinar os riscos e benefícios do rastreio do cancro de ovário em mulheres assintomáticas, os autores do artigo em discussão realizaram uma revisão sistemática e meta-análise de ensaios clínicos randomizados.

Objetivo

Quantificar os riscos e benefícios resultantes da realização de rastreio do cancro de ovário em mulheres assintomáticas.

Métodos

Fontes de dados:

Pesquisa sistemática de artigos publicados desde 1 de janeiro de 1979 até 5 de fevereiro de 2012 nas seguintes bases de dados: MEDLINE, CINAHL, EMBASE e CENTRAL, suplementada por pesquisa das referências bibliográficas e citações incluídas nos mesmos e contacto com investigadores de ensaios clínicos em curso.

Critérios de seleção:

Ensaios clínicos incluindo mulheres assintomáticas (baixo ou alto risco de cancro de ovário) que realizaram rastreio, educação para a saúde ou nenhum tipo de intervenção.

Recolha e análise de dados:

Dois autores extraíram os dados de forma independente, avaliaram o risco de viés para cada ensaio clínico selecionado e contactaram autores para obter informação adicional. As discordâncias foram resolvidas por consenso. Foram analisados os outcomes primários relativamente à mortalidade total e por doença específica, e os outcomes secundários tendo em consideração o número de cirurgias realizadas para detetar um caso de cancro de ovário, número de falsos positivos, complicações associadas a cirurgias desnecessárias, número de casos de cancro de ovário diagnosticados em estádios III ou IV (FIGO), nível de ansiedade relacionado com o risco de cancro de ovário e qualidade de vida, através de meta-análise.

Resultados

Foram incluídos 10 ensaios clínicos randomizados, conduzidos com baixo risco de viés, que decorreram entre 1994 e 2011. Foi demonstrado que o rastreio no cancro de ovário não reduziu a mortalidade total (risco relativo (RR) de 1,0; intervalo de confiança de 95% (IC) 0,96-1,06), a mortalidade causada especificamente por cancro de ovário (RR de 1,08; IC de 95% de 0,84-1,38) ou o risco de diagnóstico em estádio avançado (RR de diagnóstico em estádios III-IV (FIGO) de 0,86; IC de 95% de 0,68-1,11).

A ecografia endovaginal deu origem a uma média de 38 cirurgias por diagnóstico de cancro de ovário (IC de 95% de 15,7-178,1), enquanto o doseamento de CA-125 conduziu a 4 cirurgias (IC de 95% de 2,7-4,5). A cirurgia foi associada a complicações graves em 6% das mulheres (IC de 95% de 1%-11%).

Relativamente à qualidade de vida, ficou demonstrado que a mesma não foi afetada pelo rastreio, no entanto, as mulheres com resultados falsos-positivos apresentaram maior ansiedade diretamente relacionada com o cancro em comparação com as que possuíam resultados normais (odds ratio (OR) de 2,22; IC de 95% de 1,23-3,99).

Conclusões

O rastreio de mulheres assintomáticas no cancro de ovário não mostrou qualquer benefício na redução da mortalidade ou do risco de diagnóstico em estádio avançado, conduzindo mesmo a cirurgias desnecessárias e consequentes complicações cirúrgicas.

COMENTÁRIO

O cancro de ovário é a neoplasia ginecológica com maior mortalidade e a quinta causa de morte em mulheres.1 A sua letalidade está relacionada com o facto de ser uma doença frequentemente assintomática em estádios iniciais, pelo que o seu diagnóstico é apenas realizado, na maioria dos casos, em estádios avançados. Anualmente, 200.000 mulheres em todo o mundo são diagnosticadas com cancro de ovário e cerca de 62,5% não sobrevivem à doença.2

Ao longo das últimas décadas, os avanços da medicina centraram-se não só na descoberta de terapêuticas inovadoras como também na investigação de formas de prevenção e diagnóstico precoce das doenças com maior potencial de malignidade e consequentemente de mortalidade. De um modo geral, a prevenção secundária/rastreio tem como finalidade a deteção de uma patologia em fase precoce de forma a reduzir a sua mortalidade no grupo rastreado. Assim sendo, as patologias que constituem maioritariamente o alvo dos programas de rastreio são as doenças crónicas, em particular as neoplasias, pela sua elevada taxa de mortalidade.

Em vários tumores sólidos tais como mama, pulmão, endométrio, próstata e do trato gastrointestinal já é possível realizar o diagnóstico precoce, no entanto, no caso específico do tumor de ovário, essa meta ainda não foi alcançada apesar dos inúmeros estudos que vão sendo realizados.3

Existe concordância a nível mundial relativamente ao facto de não existirem estudos clínicos que tenham demostrado que os benefícios em realizar rastreio no cancro de ovário superem os riscos existentes. A Sociedade Portuguesa de Ginecologia publicou em 2003 o Consenso sobre Cancros do Colo, Corpo do Útero e Ovário,4 que visa uniformizar a prática clínica a este nível, tendo referido que não existe prevenção secundária para o cancro de ovário, embora se possam admitir estudos clínicos em populações selecionadas. Acrescenta também que, no caso de risco acrescido por predisposição hereditária (mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, Cancro Hereditário não polipoide do cólon/Síndrome de Lynch ou história familiar de cancro de mama e/ou ovário), deverá ser realizado exame pélvico, ecografia endovaginal e doseamento do marcador CA-125 a cada 6 meses a partir dos 25 anos até efetuar anexetomia. Infelizmente, mesmo este rastreio, de certa forma intensivo, não mostrou uma diminuição da mortalidade por cancro de ovário em populações de alto risco.5

Concluindo, e mantendo o enfoque, quer no artigo alvo de discussão, quer na literatura existente, existem alguns pontos a considerar:

• Os estudos existentes não demonstraram que o rastreio no cancro do ovário, com recurso à ecografia endovaginal e ao doseamento do marcador CA-125, seja benéfico na redução da mortalidade total nem da mortalidade específica da doença. Mostrou mesmo um aumento do número de procedimentos invasivos desnecessários associados à terapêutica instituída.6

• A maioria das massas ováricas detetadas em contexto de rastreio por ecografia endovaginal são benignas, pelo que o número de falsos positivos é elevado. É fundamental a criação e posterior uso de critérios morfológicos na caracterização dos tumores de forma a reduzir os resultados falsos positivos.7

• É necessário apostar na crescente compreensão acerca da etiologia e subtipos de tumores no cancro de ovário e na investigação com vista a descobrir novos marcadores que possam melhorar o desempenho do CA-125 no rastreio.8

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. American Cancer Society. Cancer Facts and Figures 2012. Atlanta, GA: American Cancer Society; 2012.         [ Links ]

2. Parkin DM, Bray F, Ferlay J, Pisani P. Global cancer statistics, 2002. CA Cancer J Clin 2005 Mar-Apr; 55 (2): 74-108.         [ Links ]

3. Ricci S, Shih I. Screening for ovarian cancer: a reality check. Curr Obstet Gynecol Rep 2013 Jun 1; 2 (2): 73-5.         [ Links ]

4. Sociedade Portuguesa de Ginecologia. Consenso sobre Cancros do Colo, Corpo do Útero e Ovário. Lisboa: Sociedade Portuguesa deGinecologia; 2003.         [ Links ]

5. Diaz E, Burky III RE, Hummel CS, Farias-Eisner R. Early detection of ovarian cancer. Expert Rev Obstet Gynecol 2013 Mar; 8 (2): 169-79.         [ Links ]

6. Buys SS, Partridge E, Black A, Johnson CC, Lamerato L, Isaacs C, et al. Effect of screening on ovarian cancer mortality: the Prostate, Lung, Colorectal and Ovarian (PLCO) Cancer Screening Randomized Controlled Trial. JAMA 2011 Jun 8; 305 (22): 2295-303.         [ Links ]

7. Rauh-Hain JA, Krivak TC, Del Carmen MG, Olawaiye AB. Ovarian cancer screening and early detection in the general population. Rev Obstet Gynecol 2011; 4 (1): 15-21.         [ Links ]

8. Gentry-Maharaj A, Menon U. Screening for ovarian cancer in the general population. Best Pract Res Clin Obstet Gynaecol 2012 Apr; 26 (2): 243-56.         [ Links ]

 

Conflitos de Interesse

A autora declara não ter conflito de interesses.

Artigo escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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