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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.29 no.6 Lisboa nov. 2013

 

CLUBE DE LEITURA

Rastreio da Hipertensão Primária em Crianças e Adolescentes: Recomendações da United States Preventive Services Task Force

Screening for Primary Hypertension in Children and Adolescents: Recommendations of the United States Preventive Services Task Force

Raquel Meireles

Interna de 2º Ano de MGF, CS de Bragança I - Sé


 

Moyer VA, U.S. Preventive Services Task Force. Screening for primary hypertension in children and adolescents: U.S. Preventive services task force recommendation statement. Ann Intern Med 2013 Nov 5; 159 (9): 613-9.

 

Este artigo visa atualizar a recomendação de 2003 da United States Preventive Services Task Force (USPSTF) acerca do rastreio da Hipertensão Arterial (HTA) em crianças e adolescentes.

Estima-se atualmente que a prevalência da HTA em crianças e adolescentes nos Estados Unidos se situe entre 1 e 5%. Esta percentagem tem vindo a aumentar ao longo das últimas décadas, provavelmente associada ao aumento da prevalência do excesso de peso e da obesidade infantil, uma vez que um elevado índice de massa corporal (IMC) é o maior fator de risco para a HTA nesta faixa etária. No entanto, existem outros fatores de risco, como baixo peso à nascença, sexo masculino, etnia e história familiar de HTA.

O facto de, segundo a USPSTF, o aumento da prevalência da HTA nas crianças e adolescentes se dever ao aumento da obesidade infantil sugere que a identificação e o tratamento da HTA irão constituir um problema significativo de saúde. O objectivo de identificar e tratar crianças e adolescentes com HTA primária pode, no entanto, ser também abordado num quadro mais abrangente de redução do risco cardiovascular global do adulto, que inclui outros factores de risco cardiovascular, como o IMC, o perfil lipídico e a glicemia.

Uma das razões advogadas para efetuar este rastreio nas crianças e adolescentes prende-se com o fato de a identificação precoce da HTA primária nessas idades permitir adotar medidas para o seu controlo, reduzindo o risco de eventos cardiovasculares e morte na idade adulta. Por outro lado, o rastreio visa também identificar os casos de hipertensão secundária, uma entidade rara que pode ser subjacente a várias causas, nomeadamente doença do parênquima renal ou doença renovascular. Todavia, é pouco provável que a HTA seja, nestas situações, a única manifestação clínica presente, e o tratamento neste caso visa essencialmente tratar a causa subjacente.

Neste artigo, a USPSTF efectuou uma revisão de todas as recomendações existentes desde 2003 relativas ao rastreio e tratamento da HTA em crianças e adolescentes.

Assim, no que diz respeito ao diagnóstico da HTA através da utilização do esfigmomanómetro, a USPSTF não encontrou qualquer evidência relativamente à precisão deste método.

A USPSTF também não encontrou evidência direta de que o rastreio da HTA em crianças e adolescentes identifique aqueles que têm risco elevado de vir a sofrer de doença cardiovascular ou HTA na idade adulta.

Relativamente ao tratamento da HTA em crianças e adolescentes, não foi encontrada evidência suficiente para determinar se este tratamento resulta numa diminuição sustentada da pressão arterial (PA) na infância, uma vez que os estudos efectuados nesta área são de curta duração.

Quanto aos benefícios para a saúde, a USPSTF não encontrou evidência que suporte a associação entre o tratamento da HTA nas crianças e adolescentes e quaisquer benefícios para a saúde. No entanto, a USPSTF também não encontrou evidência adequada que permita avaliar os potenciais malefícios do rastreio da HTA nas crianças e adolescentes, ou do seu tratamento farmacológico e não farmacológico. Ainda assim, o tratamento farmacológico não é considerado como primeira linha, sendo o mais apropriado a modificação dos estilos de vida, nomeadamente perda de peso, atividade física e diminuição da ingestão de sódio.

Desta forma, a USPSTF conclui que a evidência para o rastreio da HTA em crianças e adolescentes é insuficiente para recomendar a favor ou contra o rastreio, uma vez que não é possível determinar o balanço entre os benefícios e os danos. Esta recomendação aplica-se apenas às crianças e adolescentes que não apresentem sintomas de hipertensão arterial.

COMENTÁRIO

A USPSTF fez uma revisão dos estudos publicados desde 2003 para a avaliação da PA nas crianças e adolescentes e concluiu que não existe evidência que suporte a sua medição em crianças e adolescentes assintomáticos. Para além disso, não encontrou evidência da eficácia do tratamento nestas situações, declarando não conseguir determinar adequadamente a relação entre as vantagens e as desvantagens deste rastreio. Esta recomendação contradiz o recomendado pelo National High Blood Pressure Education Program (NHBPEP) de 2004: medir a PA em crianças a partir dos 3 anos de idade pelo menos uma vez em cada consulta de saúde infantil ou juvenil.1

A publicação deste artigo conduziu a diversos comentários por parte de algumas entidades, como é o caso da American Society of Pediatric Nephrology (ASPN). Esta associação acredita que esta recomendação poderá desencorajar os médicos de família a avaliar rotineiramente a PA em crianças e jovens, conduzindo a uma redução da deteção de HTA em crianças e jovens.2 No seu parecer, a ASPN exemplifica que, apesar do NHBPEP recomendar até ao momento a medição da PA em crianças e jovens desde os 3 aos 17 anos de idade pelo menos uma vez em cada consulta, os dados demonstram que, em média, os profissionais de saúde apenas medem a pressão arterial duas em cada três consultas de vigilância e uma em cada três consultas por doença.2

A medição da PA em crianças e jovens desde os 3 aos 17 anos de idade é também a recomendação ainda em vigor por várias outras associações e organismos, às quais a própria USPSTF faz referência, nomeadamente a American Academy of Pediatrics e a National Heart, Lung, and Blood Institute’s Expert Panel on Integrated Guidelines for Cardiovascular Health and Risk Reduction in Children and Adolescent.

A nível europeu destacam-se as recomendações da European Society of Hypertension e da European Society of Cardiology, que sugerem a medição regular da PA em crianças e adolescentes.3

Concretizando em Portugal, o que está preconizado no Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil (PNSIJ) de 2013 é a avaliação da PA nas consultas de vigilância de saúde em todas as crianças a partir dos 3 anos de idade.4 Contudo, a medição deve iniciar-se antes dessa idade se estiverem presentes fatores de risco, nomeadamente história familiar de doença renal congénita, patologia neonatal, cardiopatia congénita, nefropatia, uropatia, doença sistémica associada a HTA e medicamentos que possam estar relacionados com a elevação da PA. O PNSIJ enfatiza ainda a importância da aplicação de medidas preventivas indispensáveis, assim como o diagnóstico e a terapêutica precoce da HTA, tendo em vista a diminuição dos riscos, nomeadamente os cardiovasculares.4

Ora, se considerarmos que esta revisão da USPSTF não conseguiu determinar as vantagens em efetuar o rastreio da HTA primária em crianças e adolescentes, o médico de família pode ver-se confrontado com o dilema de cumprir ou não o recomendado pela Direção-Geral da Saúde (DGS) no PNSIJ. Se intuitivamente parece benéfico realizar o rastreio, por outro lado somos confrontados com a incerteza da utilidade do diagnóstico de HTA, podendo incorrer em risco de iatrogenia. Assim verifica-se que esta recomendação da DGS acerca da medição da PA nas crianças e adolescentes não está de acordo com a melhor evidência disponível no momento, baseando-se em opiniões de peritos.

Importará portanto realizar mais estudos com vista a melhor compreender a importância de efetuar ou não um rastreio em idades tão jovens, de forma a minimizar os falsos diagnósticos e suas repercussões na saúde dos indivíduos e no custo social envolvido.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. National High Blood Pressure Education Program Working Group on High Blood Pressure in Children and Adolescents. The fourth report on the diagnosis, evaluation, and treatment of high blood pressure in children and adolescents. Pediatrics 2004 Aug; 114 (2 Suppl 4th Report): 555-76.         [ Links ]

2. Task Force Statement on Hypertension Screening in Children concerns pediatric nephrologists. Disponível em: http://www.nephrologynews.com/articles/109812-task-force-statement-on-hypertension-screening-in-children-concerns-pediatric-nephrologists (acedido em 10/11/2013).         [ Links ]

3. Mancia G, Fagard R, Narkiewicz K, Redón J, Zanchetti A, Böhm M, et al. 2013 ESH/ESC Guidelines for the management of arterial hypertension: the Task Force for the management of arterial hypertension of the European Society of Hypertension (ESH) and of the European Society of Cardiology (ESC). J Hypertens 2013 Jul; 31 (7): 1281-357.         [ Links ]

4. Direcção-Geral da Saúde. Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil 2013. Norma de Orientação Clínica nº 10/2013.         [ Links ]

 

Conflitos de Interesse

A autora declara não ter conflito de interesses.

Artigo escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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