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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.30 no.1 Lisboa fev. 2014

 

EDITORIAL

Revisão baseada na evidência - um falso positivo ou um verdadeiro positivo para a nossa prática clínica?

Carla Lopes da Mota,* Helena Beça**

*Assistente de Medicina Geral e Familiar, UCSP Barão do Corvo II - Pólo Afurada - ACeS Gaia

**Assistente de Medicina Geral e Familiar, USF Espinho - ACeS Espinho/Gaia

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

A Medicina Baseada na Evidência (MBE), citada pela primeira vez em 1991 por Guyatt,1 pretende que a prática clínica seja norteada pelo melhor conhecimento científico disponível, a experiência clínica, os valores dos doentes e as suas circunstâncias.2 A necessidade diária de informação credível e actualizada, a desadequação das fontes de informação tradicionais, a escassa disponibilidade para a leitura e estudo de publicações recentes, o número elevado destas e as lacunas existentes entre a evidência e a prática clínica têm suscitado um interesse crescente nesta área. A sua influência tem vindo a ser reconhecida ao longo do tempo, tendo sido apontada pelo British Medical Journal como um dos 15 marcos da Medicina desde 1840.3

Acompanhando esta evolução, a revisão baseada na evidência (RBE) constitui uma das possíveis tipologias de artigos publicados na Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar4 e de trabalhos a serem apresentados sob a forma de comunicação oral ou poster nos vários congressos científicos organizados pela Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar.

Como editoras, revisoras de trabalhos escritos ou congressistas (participantes e/ou júri de avaliação de trabalhos) temos vindo a deparar-nos com erros metodológicos graves que questionam os princípios da RBE, como a definição de objetivos orientados para o doente, a reprodutibilidade e a correcta e adequada valorização da evidência existente.

De uma forma geral, verifica-se que são colocadas perguntas pertinentes e relevantes para a prática clínica, mas que posteriormente são formuladas e definidas nos objectivos de forma imprecisa, dispersa e não privilegiando outcomes orientados para o doente.

No que se refere às palavras-chave utilizadas na pesquisa, estas deverão ser conhecidas e ter um significado comum em toda a literatura médica. Recomenda-se o uso de Medical Subject Headings (MeSH), um conjunto de termos definidos pela National Library of Medicine e usados na indexação de artigos.5-6 Um erro frequente é o uso, pelos autores da RBE, de palavras-chave que não são termos MeSH ou que não se relacionam de forma adequada com o objectivo do trabalho. Esta incorrecção colocará toda a pesquisa e as suas conclusões em causa, bem como a sua validade científica, comprometendo a possibilidade de publicação.

Apesar da metodologia5-7 da RBE estar bem definida e divulgada, continuam a ser seleccionadas, aquando da pesquisa bibliográfica, tipologias de artigos que não respeitam a essência da RBE, como opiniões de peritos/consensos ou revisões narrativas. As fontes de informação preferenciais deverão ser meta-análises, revisões sistemáticas, ensaios clínicos controlados e aleatorizados e normas de orientação clínica/guidelines baseadas em evidência, eliminando todas as outras, geralmente com grandes viéses e evidência pouco robusta.

Um outro aspecto a salientar relaciona-se com a análise, avaliação e valorização da qualidade dos artigos obtidos na pesquisa bibliográfica. Pretende-se que este processo seja objectivo, eliminando viéses de selecção e erros na atribuição dos níveis de evidência que determinam a qualidade do artigo. Esta tarefa poderá ser melhorada com recurso a escalas de avaliação de revisão sistemática/meta-análise (GATE CAT)8 e ensaios clínicos controlados e aleatorizados (Escala de Jadad9 ou CONSORT,10 por exemplo). Desta forma, erros na avaliação e apresentação da evidência poderão ser minorados e/ou evitados.

Pretende-se com a realização de uma RBE apresentar um corpo de evidências e formular uma recomendação final relativamente à pergunta clínica colocada. A esta recomendação é atribuída uma Força de acordo com a quantidade, qualidade, validade e consistência dos resultados. Poderão ser utilizadas vários tipos de escalas, como a Strenght of Recommendation Taxonomy (SORT) da American Family Physician,11 a desenvolvida pelo Oxford Centre for Evidence-Based Medicine12 ou a da U.S. Preventive Services Task Force.13 Observa-se que neste processo de classificação de nível de evidência e força de recomendação têm ocorrido erros que poderão advir da interpretação errada da escala adoptada e de erros prévios na classificação da evidência.

Desta forma, poderão ser divulgadas conclusões finais aparentemente bem fundamentadas e suportadas pela melhor evidência clínica mas que deverão ser interpretadas de forma muito cautelosa e mantendo sempre um atitude crítica e atenta na avaliação da informação apresentada.

A MBE, tal como descrito previamente, tem inúmeras vantagens para a prática clínica. No entanto, tem também uma metodologia própria, bem definida, muito rigorosa e precisa pelo que a realização deste tipo de revisões deve ser antecedida de uma formação específica na área, de treino na sua realização e discussão com colegas mais experientes e com aptidões de leitura crítica. Considera-se que os clínicos devem ser capacitados para a análise e avaliação crítica da informação científica, assim como para a realização deste tipo de revisões, quer ao nível da formação pré-graduada, quer pós-graduada. Deverá ser feito um investimento nesta área pelas Academias e Sociedades Científicas para que os profissionais de saúde sejam dotados das ferramentas para a adequada integração da MBE na prática clínica diária.

Numa altura em que a MBE tem sido alvo de reflexão no que se refere aos possíveis conflitos de interesses e ao seu uso de forma indevida, o nível de exigência da qualidade da RBE deverá ser cada vez mais elevado, para que sejamos norteados efectivamente pela melhor evidência clínica disponível para melhorar a saúde do doente, seguindo o imperativo ético da MBE.14

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Guyatt G. Evidence-based Medicine. ACP J Club 1991; 114 (suppl 2):A16.         [ Links ]

2. Sackett DL, Strauss SE, Richardson WS, Rosenberg W, Haynes RB. Evidence-based Medicine: How to practice and teach EBM. 2nd ed. Edinburgh; Churchill Livingstone; 2000.         [ Links ]

3. Godlee F. Milestones on the long road to knowledge. BMJ 2007 Jan 6; 334 Suppl 1: s2-3.         [ Links ]

4. Normas para apresentação de artigos à Revista Portuguesa de Clínica Geral. Rev Port Clin Geral 2010 Mai-Jun; 26 (3): 325-40.         [ Links ]

5. Grupo MBE Galicia. Como Hacer una revisión clínica con fuentes MBE? Disponível em: http://www.fisterra.com/guias-clinicas/como-hacer-revision-clinica-con-fuentes-mbe/ (acedido a 16/02/2014).         [ Links ]

6. Braga R, Melo M. Como fazer uma revisão baseada na evidência? Rev Port Clin Geral 2009 Nov-Dez; 25 (6): 660-6.         [ Links ]

7. Centre for Evidence Based Medicine. Disponível em: http://www.cebm.net/index.aspx?o=1023 (acedido a 16/02/2014).         [ Links ]

8. Evidence-Based Practice and Critical Appraisal. Disponível em: https://www.fmhs.auckland.ac.nz/soph/depts/epi/epiq/ebp.aspx (acedido a 16/02/2014).         [ Links ]

9. Jadad AR, Moore RA, Carroll D, Jenkinson C, Reynolds DJ, Gavaghan DJ, et al. Controlled Clin Trials 1996 Feb; 17 (1): 1-12.

10. Schulz KF, Altman DG, Moher D, for the CONSORT Group. CONSORT 2010 Statement: updated guidelines for reporting parallel group randomised trials. Ann Int Med 2010 Jun 1; 152 (11): 726-32.         [ Links ]

11. Ebell, MH, Siwek J, Weiss BD, Woolf SH, Susman J, Ewingman B, et al. Strength of recommendation taxonomy (SORT): a patient-centered approach to grading evidence in the medical literature. Am Fam Physician 2004 Feb 1; 69 (3): 549-56.         [ Links ]

12. OCEBM Levels of Evidence Working Group. "The Oxford 2011 Levels of Evidence". Oxford Centre for Evidence-Based Medicine. Disponível em: http://www.cebm.net/index.aspx?o=5653 (acedido a 16/02/2014).         [ Links ]

13. U.S. Preventive Services Task Force. Disponível em http://www.uspreventiveservicestaskforce.org/about.htm (acedido a 16/02/2014).         [ Links ]

14. Gupta M. Improved health or improved decision making? The ethical goals of EBM. J Eval Clin Pract. 2011 Oct; 17 (5): 957-63.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

carlalopesmota@gmail.com

 

Conflito de interesses

As autoras são editoras da RPMGF.

A autora Carla Lopes da Mota é colaboradora da Coordenação de Internato de Medicina Geral e Familiar da Zona Norte na formação em Revisão Baseada na Evidência.

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