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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.30 no.1 Lisboa fev. 2014

 

CARTA À DIRECTORA

Depressa e bem, há pouco quem…

Haste makes waste

Maria do Carmo Gonçalves*

*Assistente de Medicina Geral e Familiar, USF Porto Centro

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

No editorial¹ do número de Setembro/Outubro de 2013 da Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (RPMGF), Raquel Braga, numa reflexão sobre os indicadores de saúde e a contratualização, expõe, de forma clara e sem falsos pudores, a ferida aberta na prestação de cuidados de saúde primários: possibilitar, do ponto de vista clinico, tempo na consulta que permita dirigir a atenção ao fundamental: ouvir a pessoa que está diante de nós.

No mesmo texto, uns parágrafos mais adiante, e a propósito de actividades, entre as quais a consulta de hipocoagulação oral, que têm vindo, e cito, a ser, empurradas, para o âmbito da consulta de Medicina Geral e Familiar sob o pretexto de minorar custos”, afirma, com convicção, que não se trata de um problema de competências ou de falta delas e não se trata de um problema de falta de vontade; trata-se apenas de não sobrar espaço nem tempo aos Médicos de Família para abarcarem mais do que o muito que já os ocupa e que mais ninguém pode ou deve fazer por eles.

Não sou génio, nem idiota. Gosto muito de trabalhar, mas não quero ser escravizada por ideias (e não ideais) avulsas e descontextualizadas das condições e solicitações da prática clínica de hoje. Ora subo, ora desço a encosta, mas estou seguramente dentro da “distribuição normal” dos médicos de Medicina Geral e Familiar (MGF). Tenho sentido crítico e sei, como já sabe há muito tempo “o povo”, que depressa e bem, há pouco quem. Por isso não posso deixar de manifestar publicamente a minha sintonia com as reflexões da Dra. Raquel Braga.

Por coincidência cronológica, e também a propósito da intenção de transferir para a consulta de MGF, em carteira básica de serviços, a consulta de hipocoagulação, um grupo de profissionais, aos quais me associei, elaborou um documento dirigido aos seus superiores hierárquicos. Do meu conhecimento, esse documento não se encontra publicado, nem divulgado em sítio de internet. No entanto, os seus promotores concordaram em partilhar o seu conteúdo com os leitores da RPMGF. Assim, nesse documento foram colocadas 5 questões, que passo a transcrever:

1. Qual o limite presente e futuro para a transferência de responsabilidades assistenciais para os Cuidados de Saúde Primários, sobretudo a serem propostas como carteira básica de serviços?

2. Qual o impacto, em carga horária, que a transferência de cuidados de controlo de hipocoagulados com cumarínicos para o âmbito dos CSP implica?

3. Como garantir o melhor nível de cuidados ao utente hipocoagulado sem comprometer as restantes actividades assistenciais?

4. Qual a garantia de que esta transferência de responsabilidades na área urbana do Porto ofereça aos utentes o melhor nível de cuidados?

5. Qual o impacto em termos de custo-efectividade desta medida na área urbana do Porto?

Não sendo objectivo da minha carta divulgar o conteúdo integral dessa “interpelação”, não posso deixar de partilhar a argumentação para a primeira questão:

Efectivamente, na última década, promovido pelo caracter generalista e de proximidade dos CSP, muitas foram as responsabilidades assistenciais transferidas, algumas das quais outrora asseguradas por outro nível de cuidados de saúde. Por outro lado, numa perspectiva médica, os utentes/doentes em CSP evoluíram para um grau de complexidade clínica muito exigente: maior longevidade, mais co-morbilidades, maior complexidade do regime terapêutico e maior exigência na articulação de cuidados de saúde e sociais. A este contexto clínico-assistencial, têm-se sobreposto outras exigências como a velocidade como se produzem novos conhecimentos e novas evidências, desafiando a forma como os profissionais, no terreno, os gerem e incorporam na prática clínica. Também, nos últimos anos, e bem, numa perspectiva de accountability, iniciou-se a monitorização dessas dinâmicas, quer pela avaliação de indicadores de desempenho, quer pelos processos de auditorias clínicas.

Essas complexidades, associadas a promoção de taxas de utilização mais elevadas, modificaram o paradigma da prestação de cuidados de saúde primários. Este tem repercussões na relação procura-oferta de cuidados, que vem sendo assegurada, dizendo de uma forma simplificada, em fazer mais e melhor no mesmo ou em tempos de consulta mais reduzidos.

Sobre a consulta de hipocoagulação, a Associação Nacional das Unidades Saúde Familiar (USF-AN) emitiu, no final de 2013, o parecer jurídico 0099, onde conclui que: a consulta de Hipocoagulação continua a ser, indubitavelmente, carteira adicional de serviços.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Braga, R. Os indicadores de saúde e a contratualização. Rev Port Med Geral Fam. 2013; Set-Out: 278-80        [ Links ]

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

mariadocarmog00@gmail.com

 

Conflito de interesses

A autora declara não ter conflito de interesses.

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