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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.30 no.1 Lisboa fev. 2014

 

CARTA À DIRECTORA

Validade do indicador dos inibidores da dipeptidil peptidase 4: o Rei vai nu?

Validity of the dipeptidyl peptidase-4 inhibitors indicator: the Emperor has no clothes?

Ana Maria Ferrão,1 Tiago Freitas Carneiro2

1Médica de Família, USF Marginal - Coordenadora

2Médico de família, USF Marginal - Conselho Técnico

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

A Comissão de Farmácia e Terapêutica da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT), que tem na sua missão o dever de contribuir para a sustentabilidade do Serviço Nacional de Saúde, identificou, ao avaliar o perfil de prescrição na ARSLVT em 2012, uma variação do custo médio do tratamento do doente diabético de 155€  a 296€, com um valor médio de 196€, resultante do crescimento da prescrição das associações de metformina com inibidores da dipeptidil peptidase 4 (iDPP4) de 307% em 3 anos.

Identificado o problema, divulgou orientações sobre prescrição racional de antidiabéticos orais (boletim terapêutico n.o 3 de 2013),1 com base em estudos de eficácia, segurança e custo efectividade, assumindo como consensual a escolha da metformina como primeira linha na terapêutica da diabetes tipo 2.

A contratualização deve ser uma negociação e um compromisso entre a Administração e as unidades prestadoras de cuidados, em que ambos ganham, permitindo melhor gestão, mais responsabilização, transparência e melhores resultados. Para isso necessita de indicadores que ajudem a perceber, comparar e melhorar o sistema, que devem ser indicadores práticos, completos, validos e robustos.

No documento publicado pela ACSS «Bilhete de Identidade dos Indicadores de Monitorização dos Cuidados de Saúde Primários»2 existe com ID 96 e código SIARS 2013.096.01 o indicador «Rácio entre a despesa facturada com inibidores DPP-4 e a facturada com antidiabéticos orais, em doentes com diabetes mellitus tipo 2».

Concordando totalmente com a estratégia de melhoria de custo-efectividade da terapêutica da diabetes, discordámos desde o início do referido indicador, por considerarmos que não mede o que é suposto medir.

Apesar desta discordância partilhada por muitos profissionais, a sua contratualização em 2013 foi imposta nalgumas USF da ARSLVT e o indicador mantém-se para 2014.

Na avaliação intercalar do 3.o trimestre da ARSLVT verificou-se uma evolução desfavorável deste indicador em todos os ACES, o que deveria obrigar a uma reflexão, de todas as partes, sobre o indicador e o processo da sua contratualização.

O Indicador com ID 96 é́ uma razão entre os custos com IDPP4 (x) e o total de custos com antidiabéticos orais (x+y) e deve ter como resultado um valor inferior à meta contratualizada.

Para reduzir o resultado de uma fracção, podemos diminuir o valor do numerador (x) ou aumentar o valor do denominador (x+y), e neste caso o resultado pode diminuir aumentando os custos do denominador, através da prescrição de antidiabéticos orais mais caros, nomeadamente moléculas originais em vez de genéricos.

As unidades funcionais em que a prescrição de genéricos é elevada, gastam com antidiabéticos orais menos dinheiro (custo de tratamento por utente diabético é menor), mas obtêm um resultado para este indicador superior ao que teriam se optassem por medicamentos mais caros.

Vejamos no Quadro I dois cenários que documentam estes factos:

 

 

Cenário 1:

550 diabéticos, 50 com sitagliptina 50 mg, 500 com metformina 850 mg 1 x dia durante 60 dias.

Opção A - Custo total sitagliptina + metformina MG = 3.234€

Opção B - Custo total sitagliptina + Risidon = 4.474€

Obtém melhor resultado no indicador a unidade com custos mais elevados com antidiabéticos orais.

Cenário 2.

Diminui em 20% os utentes com sitagliptina e aumenta de forma correspondente os que fazem metformina.

550 diabéticos, 40 fazem sitagliptina 50 mg, 510 fazem metformina 850 mg durante 60 dias.

Opção A - Custo total sitagliptina + metformina MG = 2.763€

Opção B - Custo total sitagliptina + Risidon = 4.027€

A redução de 20% de prescrição de IDPP4 leva a uma ligeira diminuição do total de custos (447 euros) e a uma redução do resultado do indicador, mas mantém melhor resultado no indicador a unidade que tiver custos mais elevados para tratar os 550 diabéticos.

Chegou o momento, para defender a contratualização, de dizer «O Rei vai nu»!

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo. Boletim Terapêutico nº3/2013: Recomendações para a terapêutica da hiperglicémia na diabetes mellitus tipo 2. Disponível em: http://www.arslvt.min-saude.pt/ctf/Documents/Boletins%20Terap%C3%AAuticos%202013/3%20Boletim%20Terap%C3%AAutico%20N%C2%BA3_2013.pdf (acedido em 25/02/2014).         [ Links ]

2. Administração Central dos Sistemas de Saúde. Bilhete de identidade dos indicadores de monitorização dos cuidados de saúde primários. Disponível em: http://www.acss.min-saude.pt/Portals/0/R_DOC_BI_SINTETIZADO_2013_10_01.pdf (acedido em 25/02/2014).         [ Links ]

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Ana Maria Ferrão

Av. Sanfré nº 11 dto Monte Estoril

2765-441 Estoril

Anaferrao55@gmail.com

 

Conflito de interesses

Deste artigo podem resultar alterações à tabela de indicadores que terão eventual impacto na atribuição de incentivos institucionais às USF, nomeadamente aquela onde os autores trabalham.

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