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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.30 no.1 Lisboa fev. 2014

 

CLUBE DE LEITURA

A suplementação de ferro em grávidas sem anemia tem benefícios?

Is iron supplementation helpful in pregnant women without anemia?

João Cascais Moreira

Interno de formação específica em Medicina Geral e Familiar, Unidade de Saúde Familiar Locomotiva, Entroncamento


 

Haider BA, Olofin I, Wang M, Spiegelman D, Ezzati M, Fawzi W. Anaemia, prenatal iron use and risk of adverse pregnancy outcomes: systematic review and meta-analysis. BMJ 2013 Jun 21; 346: f3443.

Objetivos

Rever a evidência disponível acerca das associações entre anemia materna e uso de ferro pré-natal e outcomes associados ao estado hematológico da mãe ou resultados adversos na gravidez; avaliar potenciais relações exposição-resposta entre a dose de ferro suplementada, duração da suplementação e a concentração de hemoglobina pré-natal com outcomes associados à gravidez.

Desenho do estudo

Revisão sistemática e meta-análise.

Fontes

Pesquisaram-se estudos nas bases de dados Pubmed e Embase publicados até maio de 2012, bem como referências de artigos de revisão.

Critérios de seleção dos estudos

Selecionaram-se ensaios aleatorizados abordando os efeitos do uso de ferro pré-natal e estudos coorte prospetivos abordando os efeitos da anemia pré-natal; estudos transversais e estudos caso-controlo foram excluídos.

Resultados

Foram incluídos 48 ensaios aleatorizados (17 793 mulheres) e 44 estudos coorte (1 851 682 mulheres). A suplementação de ferro aumentou a concentração média de hemoglobina materna em 0,456 g/dL relativamente ao grupo de controlo [Intervalo de Confiança (IC) de 95%; 0,372 a 0,546] e reduziu significativamente o risco de anemia [risco relativo (RR) de 0,5; 0,42-0,59], ferropénia (RR 0,59; 0,46-0,79), anemia ferropénica (RR 0,4; 0,26-0,6) e baixo peso à nascença (RR 0,81; 0,71-0,93). O efeito da suplementação de ferro na prevenção do parto pré-termo não atingiu significância estatística (RR 0,84; 0,68-1,03). A análise dos estudos coorte mostrou um risco significativamente superior de baixo peso à nascença [odds ratio (OR) ajustada 1,29; 1,09-1,53] e de parto pré-termo (OR 1,21; 1,13-1,3) quando existiu anemia no primeiro ou segundo trimestres de gravidez. A análise exposição-resposta revelou que para cada 10 mg de aumento na dose diária de ferro suplementada, até ao máximo de 66 mg/dia, o RR de anemia materna é de 0,88 (0,84-0,92; P para tendência linear <0,001). Cada aumento de dose levou ainda a um aumento do peso à nascença em 15,1 g (6 a 24,2 g; P para tendência linear= 0,005) e reduziu o risco de baixo peso à nascença em 3% (RR 0,97; 0,95-0,98; P para tendência linear <0,001). Não foi detetada uma associação estatística entre a duração da suplementação e os outcomes estudados, após o ajuste para a dose suplementada. Por cada aumento de 0,1 g/dL na hemoglobina média, o peso à nascença aumentou 14 g (6,8 a 21,8 g; P para tendência linear 0,002); contudo, não foi detetada uma relação entre a hemoglobina média e o risco de baixo peso à nascença ou de parto pré-termo. Não foi detetada evidência de um efeito significativo da suplementação de ferro na duração da gestação ou do parto ou no nascimento de recém-nascidos leves para a idade gestacional.

Conclusões

A suplementação diária de ferro pré-natal melhorou substancialmente o peso à nascença de uma forma linear dose-resposta, levando provavelmente a uma redução no risco de parto com recém-nascido de baixo peso. A melhoria na hemoglobina média pré-natal aumentou de forma linear o peso à nascença.

COMENTÁRIO

A anemia afeta 38% das grávidas a nível mundial e tem como principal etiologia a ferropénia.1 As necessidades de ferro aumentam progressivamente na gravidez, desde 0,8 mg/dia no primeiro trimestre até 7 mg/dia na segunda metade da gestação. Dada a baixa biodisponibilidade do ferro oral, a grávida necessitará de ingerir entre 20 a 48 mg/dia de ferro durante a gestação, o que dificilmente conseguirá apenas através da dieta.2

Os autores salientam que a associação entre anemia materna e risco de parto pré-termo já havia sido demonstrada,3 mas que os dados referentes a associações com outros outcomes da gravidez são inconsistentes. A associação entre suplementação de ferro e melhoria dos parâmetros hematológicos maternos também já havia sido estabelecida.4

A suplementação universal de ferro na grávida tem sido um tema controverso. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda-a, com 30 a 60 mg de ferro elementar associados a 400 µg de ácido fólico diários.5 Pelo contrário, o National Institute for Health and Clinical Excellence (NICE) não a recomenda, referindo falta de evidência associada a outcomes clinicamente relevantes e risco de efeitos secundários.6 Alguns autores sugerem ainda que, para valores de hemoglobina na grávida superiores a 13 g/dL, existe igualmente um risco aumentado de parto pré-termo, bem como de recém-nascido com baixo peso à nascença.7 Uma revisão da Cochrane estima que o risco de hemoconcentração triplique com o uso de ferro por rotina.4

Em países em vias de desenvolvimento, onde a prevalência de anemia é mais elevada8 e o acesso a cuidados de saúde materna é tardio, a suplementação universal parece reunir maior consenso.

Esta meta-análise não só reforça a evidência disponível a favor da suplementação de ferro, demonstrando a melhoria dos parâmetros hematológicos da mãe e do peso do recém-nascido, como estabelece uma relação dose-resposta para estes outcomes, para doses de ferro suplementado até 66 mg/dia. Talvez no futuro estes dados estimulem a criação de recomendações ajustadas de acordo com dados epidemiológicos de cada país.

As principais limitações deste trabalho foram a falta de estudos que permitam avaliar outros outcomes clínicos, bem como a escassez de dados relativa à fortificação de alimentos e a heterogeneidade de alguns dos resultados, obrigando a cuidado na sua interpretação. Para a realização da análise exposição-resposta foram admitidas estimativas para valores médios de hemoglobina quando estes se encontravam em falta nos respetivos estudos, o que pode ter levado a perda de significância estatística para algumas das associações testadas.

Parece necessário que se desenvolvam estudos avaliando outros outcomes clínicos como morbilidade materna e mortalidade perinatal e neonatal, que possam vir a originar recomendações com níveis de evidência robustos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Haider BA, Olofin I, Wang M, Spiegelman D, Ezzati M, Fawzi W. Anaemia, prenatal iron use and risk of adverse pregnancy outcomes: systematic review and meta-analysis. BMJ 2013 Jun 21; 346: f3443.         [ Links ]

2. Gautam CS, Saha L, Sekhri K, Saha Pk. Iron deficiency in pregnancy and the rationality of iron supplements prescribed during pregnancy. Medscape J Med 2008; 10 (12): 283.         [ Links ]

3. Xiong X, Buekens P, Alexander S, Demianczuk N, Wollast E. Anemia during pregnancy and birth outcome: a meta-analysis. Am J Perinatol 2000; 17 (3): 137-46.         [ Links ]

4. Peña-Rosas JP, De-Regil LM, Dowswell T, Viteri FE. Daily oral iron supplementation during pregnancy. Cochrane Database Syst Rev 2012 Dec 12; 12: CD004736. Disponível em: http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/14651858.CD004736.pub4/otherversions (acedido a 03/10/2013).         [ Links ]

5. World Health Organization. Guideline: Daily iron and folic acid supplementation in pregnant women. Geneva: World Health Organization; 2012.         [ Links ]

6. National Institute for Health and Clinical Excellence. National Collaborating Centre for Women’s and Children’s Health. Antenatal care: routine care for the healthy pregnant woman. London: Royal College of Obstetricians and Gynaecologists; 2008.         [ Links ]

7. Steer PJ. Maternal hemoglobin concentration and birth weight. Am J Clin Nutr 2000 May; 71 (5 Suppl): 1285S-7S.         [ Links ]

8. De Benoist B, McLean E, Egli I, Cogswell M, eds. Worldwide Prevalence of Anaemia 1993-2005. Geneva: World Health Organization; 2008.         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

O autor declara não ter conflito de interesses.

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