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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

Print version ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.30 no.1 Lisboa Feb. 2014

 

CLUBE DE LEITURA

«Faça exercício!» - Seguirão os doentes com patologia osteoarticular esta recomendação?

Do our patients with arthritis follow our advice to exercise?

André F. Correia

Interno em formação específica de Medicina Geral e Familiar, UCSP Águeda V, ACES Baixo Vouga


 

Austin S, Qu H, Shewchuk RM. Health care providers’ recommendations for physical activity and adherence to physical activity guidelines among adults with arthritis. Prev Chronic Dis 2013 Nov 7; 10: E182. Doi: 10.5888/pcd.10.1300771

Introdução

A prática de actividade física tem demonstrado benefícios na redução da dor e na melhoria da qualidade de vida em pessoas com patologia osteoarticular. Nestas, está recomendada pelo Colégio Americano de Reumatologia (ACR) a prática de actividade física de intensidade baixa a moderada durante 30 minutos, cinco dias por semana. Contudo, nestas pessoas a inactividade física é prevalente. As recomendações dos prestadores de cuidados de saúde são importantes na promoção de alterações no estilo de vida, havendo vários estudos que o comprovam ao nível de diabetes, perda de peso, cessação tabágica, entre outros. Porém, há pouca informação disponível sobre a eficácia dessas recomendações no contexto desta patologia.

Objectivos

Estudar a associação entre as recomendações feitas pelos profissionais de saúde para a promoção da prática de actividade física e a adesão pelos doentes com artrite a essas mesmas orientações. Objectivo secundário: estudar a influência da idade nesta associação.

Métodos

Estudo retrospectivo, transversal, envolvendo uma amostra de 10 892 doentes com diagnóstico de artrite, com 45 ou mais anos de idade, não institucionalizados, contactados telefonicamente. Foram controladas as seguintes variáveis: idade, género, etnia, grau de ensino, emprego, rendimentos anuais, obesidade, limitações da actividade, número de comorbilidades, estado civil (casado ou não), cobertura de cuidados de saúde, médico pessoal, região de residência – categorizadas em variáveis dicotómicas, excepto idade e comorbilidades, definidas como variáveis contínuas.

Foi usado um modelo de regressão logística múltipla para estudar a associação entre as recomendações dos profissionais de saúde (variável dicotómica – sim/não) e a adesão à prática de actividade física segundo as recomendações do ACR (variável dicotómica – sim/não).

Resultados

Entre os indivíduos de toda a amostra, cuja média de idades era de 64,6 anos (± 10,7), 49% aderiram às guidelines de actividade física. Foi recomendada a prática de actividade física a apenas 60% da amostra.

Após controlo das covariáveis, verificou-se que os adultos com artrite a quem foi recomendada actividade física tiveram uma tendência maior em aderir a essas orientações [Odds Ratio (OR) 1,22; Intervalo de confiança (IC) 95% 1,12-1,32), comparativamente com os que não receberam essa recomendação. Desempregados tendiam a ter significativamente maior adesão, enquanto indivíduos obesos, menos saudáveis, com limitações funcionais ou com comorbilidades tendiam a aderir menos. As restantes covariáveis não se revelaram preditoras significativas desta associação.

Não se verificou a influência da idade na associação entre recomendações e adesão à actividade física (OR 1,00; IC 95% 0,99-1,00).

Conclusões

As recomendações expressas dos prestadores de cuidados de saúde relativas à realização de exercício físico estão associadas a uma melhor adesão ao mesmo, entre os adultos com artrite, pelo que esta deve ser recomendada a esses doentes.

COMENTÁRIO

Há décadas que se procura compreender melhor a relação entre o exercício físico e a patologia osteoarticular. Apesar das crenças e teorias anteriormente vigentes de que o exercício poderia ser causa ou factor agravante dessas doenças, estas foram sendo postas em causa. Inclusive, num passado mais distante, algumas publicações preteriram a imobilização e reconsideraram o exercício como uma modalidade terapêutica para pacientes com artrite.2,3

Este estudo faz questão de reforçar os benefícios do exercício físico e a existência de orientações para a sua prática nos indivíduos com patologia articular (o termo inglês «arthritis» tende a englobar não só as doenças inflamatórias como também as degenerativas, cujo termo mais correctamente usado é «osteoarthritis»). Demonstra ainda a importância dos profissionais de saúde na motivação e aconselhamento para a prática de exercício. É também a primeira publicação a estudar a associação entre o aconselhamento e a prática de exercício neste contexto patológico.

O ser humano reage perante a dor e as condicionantes das suas actividades do dia-a-dia procurando soluções, nomeadamente recorrendo aos cuidados de saúde. Quanto maior for essa interferência (como no caso das doenças articulares), maior será essa tendência, logo, maior propensão a aderir às medidas que lhe forem sugeridas. Por outro lado, barreiras intrínsecas ao doente (dispêndios de tempo e de dinheiro; estado débil de saúde; reduzida auto-confiança e receio de passar por embaraços) e/ou ao profissional de saúde (falta de formação ou qualificações nesta área; discordância das orientações sobre o exercício; falta de tempo e de recursos; menor expectativa relativamente ao prognóstico destes doentes, nomeadamente se idosos e/ou com múltiplas comorbilidades) levam a que as recomendações sobre o exercício nem sempre sejam feitas ou cumpridas por ambas as partes.4

Analisando os resultados deste estudo, verifica-se que o (des)emprego foi um factor preditivo significativo da associação entre as recomendações para o exercício e o cumprimento das mesmas. O corte nos rendimentos motiva a procura de soluções mais económicas, neste caso o exercício em casa ou ao ar livre, em detrimento da terapêutica medicamentosa ou da frequência de instalações desportivas pagas, como os ginásios.

Pouco mais de metade da amostra total do estudo (assim como do grupo não praticante de exercício físico) recebeu recomendações dos profissionais de saúde. Ao contrário do que acontece noutras condições (como os distúrbios alimentares ou o tabagismo), a nem todos os indivíduos é solicitado pelos profissionais mudar de comportamentos com vista à prática de actividade física. Um estudo demonstrou que, entre indivíduos com artrite, aqueles com 65 ou mais anos de idade tendiam a ser menos incitados à prática de exercício que aqueles entre os 45 e os 64 anos.5 As barreiras anteriormente referidas podem explicar estes resultados. Por outro lado, o estudo aqui comentado concluiu não haver influência da idade na associação entre recomendação e prática de exercício. Inclusive, a média etária dos doentes que receberam instruções para praticar exercício físico e o faziam era de 64,6 anos.1 Aparentemente estes resultados contrariam as barreiras e os conceitos predefinidos que inibem a recomendação do exercício em indivíduos de maior idade.

Os médicos de família, pelo seguimento longitudinal dos seus utentes e conhecimento do meio biopsicossocial dos mesmos, encontram-se numa posição privilegiada para tentar mudar atitudes e comportamentos. Há dados que demonstram que estes acreditam no exercício físico como determinante importante na prevenção em geral. Infelizmente, a maioria destes profissionais e as estruturas de cuidados de saúde primários não se encontram suficientemente habilitadas para prescrever, definir projectos e acompanhar programas de exercícios sistemáticos e individualizados (incluindo como itens: tipo, frequência, duração, intensidade, regularidade), ao contrário do que acontece noutros países.6 Apesar das parcerias com entidades convencionadas de fisioterapia ou da integração de fisioterapeutas em algumas unidades de saúde,7 é urgente rever o aconselhamento de exercício físico nos cuidados de saúde primários em Portugal, quer na perspectiva da população em geral, quer na perspectiva dos doentes com patologia reumatológica.

Apesar destas condicionantes, são relativamente simples as recomendações a dar aos doentes com patologia osteoarticular. Além das orientações do ACR acima citadas,8 estão recomendados nestes doentes exercícios aeróbios (para melhor condicionamento físico), de fortalecimento muscular (para melhor equilíbrio, suporte articular e absorção de impacto), de flexibilidade (para melhor comodidade de movimentos e melhor nutrição e lubrificação articular) e de resistência.9

Em conclusão, e apesar das limitações do estudo (retrospectivo; com vieses de conveniência e de memória pelo facto de serem dados reportados pelos inquiridos sem confirmação diagnóstica no respectivo processo clínico; a não inclusão de outros factores potencialmente relevantes como a motivação, a prática prévia de exercício, a disponibilidade de tempo e de espaços recreativos para a prática e a segurança), os profissionais de saúde devem estar conscientes do efeito das suas recomendações na adesão à prática de exercício físico pelos seus pacientes. A promoção de estilos de vida saudáveis, incluindo o incentivo ao exercício, é uma das armas preventivas e terapêuticas mais importantes ao alcance dos cuidados de saúde primários.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Austin S, Qu H, Shewchuk RM. Health care providers’ recommendations for physical activity and adherence to physical activity guidelines among adults with arthritis. Prev Chronic Dis 2013 Nov 7; 10: E182. Doi: 10.5888/pcd.10.130077        [ Links ]

2. Panush RS, Does exercise cause arthritis? Long-term consequences of exercise on the musculoskeletal system. Rheum Dis Clin North Am. 1990 Nov; 16 (4): 827-36.         [ Links ]

3. Corrigan B, Kannangra S. Rheumatic disease: exercise or immobilization? Aust Fam Physician 1978 Aug; 7 (8): 1007-14.         [ Links ]

4. Cabana MD, Rand CS, Powe NR, Wu AW, Wilson MH, Abboud PA, et al. Why don’t physicians follow clinical practice guidelines? A framework for improvement. JAMA 1999 Oct 20; 282 (15): 1458-65.         [ Links ]

5. Austin S, Qu H, Shewchuk RM. Age bias in physicians’ recommendations for physical activity: a behavioral model of healthcare utilization for adults with arthritis. J Phys Act Health 2013 Feb; 10(2): 222-31.         [ Links ]

6. Carneiro D. Prescrição de exercício físico: a sua inclusão na consulta. Rev Port Clin Geral 2011 Set-Out; 27 (5): 470-9.         [ Links ]

7. Centros de Saúde vão ter consultas de fisiatria e fisioterapia. Jornal de Notícias. 2012 Sep 20: Norte/Sul: 38.         [ Links ]

8. American College of Rheumatology Subcommittee on Osteoarthritis Guidelines. Recommendations for the medical management of osteoarthritis of the hip and knee. 2000 update. Arthritis Rheum 2000 Sep; 43 (9): 1905-15.         [ Links ]

9. Gecht-Silver MR, Ducombe AM. Patient information: Arthritis and exercise (Beyond the Basics). In: UptoDate; 2013. Disponível em: http://www.uptodate.com (acedido em 21/12/2013).         [ Links ]

 

Conflitos de interesse

O autor declara não ter conflito de interesses.

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