SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.30 número3A avaliação do paciente idoso em Medicina Geral e Familiar: desafios e oportunidadesAspirina: prevenção primária de doenças cardiovasculares e do cancro? índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar

versão impressa ISSN 2182-5173

Rev Port Med Geral Fam vol.30 no.3 Lisboa maio 2014

 

CARTA À DIRECTORA

A propósito do artigo «Suplementação de iodo na pré-concepção, gravidez e amamentação: a recomendação e a medicina baseada na inferência»

Iodine supplementation before conception and during pregnancy and lactation: recommendations and inference-based medicine

Edward Limbert* e Grupo de Estudos da Tiróide da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo

*Chefe de Serviço de Endocrinologia, Ex-professor convidado da Faculdade de Ciências Médicas da UNL

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

A propósito do artigo de revisão «Suplementação de iodo na pré-concepção, gravidez e amamentação: a recomendação e a medicina baseada na inferência», recentemente publicado na Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (2013;29:403-8), comentamos:

O facto de Colegas da Medicina Geral e Familiar elaborarem um artigo crítico a uma Orientação Técnica (OT), da Direção-Geral da Saúde (DGS), sobre um tema que obviamente os envolve como atores da administração da suplementação iodada é meritório e demonstra estudo e empenhamento.

A OT da DGS sobre a suplementação iodada na grávida parte de estudos efetuados em Portugal consideravelmente robustos, dado o elevado número e distribuição geográfica das grávidas estudadas. Estudos levados a cabo por colegas da Universidade do Minho confirmam para aquela região os resultados obtidos nos estudos da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM). A OT tem também em conta as recomendações de organizações internacionais de reconhecida credibilidade, nomeadamente da Organização Mundial de Saúde (OMS), do International Council for Control of Iodine Insufficiency  Disorders (ICCIDD) e da United Nations Children’ Fund (UNICEF).

Contestam os autores que os dados que levam a DGS a recomendar a suplementação iodada nas grávidas são estudos observacionais. Faltam estudos robustos randomizados. Tais estudos seriam extraordinariamente dispendiosos, poriam problemas éticos complicados e, embora fossem obviamente importantes, nunca foram a nosso conhecimento realizados, nem é previsível se alguma vez serão concretizados. Muitos desses estudos «ideais» dizem respeito a drogas destinadas a tratamentos de doenças muito frequentes, como a diabetes e a hipertensão, que garantem um grande mercado de consumo, daí que surjam os meios para os realizar.

A recomendação da DGS tem em conta vários estudos que evidenciam as consequências que podem advir para a mãe e para o filho face a carências moderadas/ligeiras no aporte do iodo na gravidez.1 Referimos nomeadamente o aparecimento de bócio na mãe pela estimulação intensa a que a sua tiróide é sujeita quando o aporte iodado não é suficiente e a potenciais alterações cognitivas no filho. Embora a generalidade destes estudos seja concordante, há um pequeno número que não encontra diferenças no comportamento cognitivo das crianças conforme o aporte iodado materno.1 Esta é outra razão de desconfiança na OT referida pelos autores.

• As conclusões dissonantes podem ser explicadas sem dificuldade: diferente metodologia seguida na avaliação das crianças, diferenças no grupo etário em que é feita a avaliação e também pelo número de casos avaliados que pode não ter permitido alcançar significado estatístico.

Estes estudos integram uma recente exaustiva meta-análise na qual os autores lamentam a inexistência de estudos randomizados. Referem, no entanto: «estudos recentes2-3 vieram mostrar que a carência iodada na gravidez aumentava os Odds de crianças com QI baixos. Consequentemente concordamos que enquanto aguardamos os resultados dos estudos em curso sobre a suplementação iodada na gravidez, as mulheres grávidas e a amamentar devem receber suplementos de iodo.

Um estudo do Reino Unido, apontado pelos autores,2 engloba 1040 mulheres grávidas e faz a avaliação psicológica nos seus filhos; conclui que um défice ligeiro/moderado de iodo no 1.o trimestre da gravidez é prejudicial para a «performance cognitiva» das crianças aos 8 anos de idade. Trata-se inegavelmente dum estudo robusto, se bem que observacional. Acresce que tem em conta 21 fatores potencialmente confundidores, facto que inegavelmente o valoriza. Relativamente a este estudo é comentado no trabalho que possivelmente outros fatores confundidores importantes não foram tidos em conta. Consideramos claramente esta afirmação um excesso de zelo crítico tendencioso.

É também referido no trabalho que se comenta que nem todas as organizações internacionais fazem a recomendação da suplementação iodada na gravidez, o que é verdade. É de esclarecer, no entanto, que praticamente todos os estudos no presente âmbito foram realizados por tiroidologistas e que a American Thyroid Association, a European Thyroid Association e a Endocrine Society,1 sociedades que refletem a opinião dos profissionais que vivem estes problemas, consideram necessária a suplementação. Também a OMS, o ICCIDD e a UNICEF1 aconselham a suplementação quando os níveis de aporte de iodo na grávida são, como os nossos, moderadamente deficitários.

Os autores do trabalho que comentamos dizem que a OT da DGS é «Medicina baseada na inferência». O nome é interessante, não fora o seu caráter depreciativo. Esta inferência, como lhe chamam, é, no entanto, um raciocínio dedutivo legítimo baseado nos conhecimentos da fisiologia e fisiopatologia aplicado em numerosíssimas situações médicas, muitas delas posteriormente confirmadas em estudos robustos randomizados.

Outro aspeto da OT focado pelos autores consiste no possível efeito tóxico do iodo administrado na suplementação quer para a mãe, quer para o feto. É o ponto mais fraco das suas argumentações. O iodo (sob a forma de iodeto de potássio, forma mais comum da sua utilização) pode levar a disfunções tiroideias. No entanto, tal só sucede quando as doses ingeridas são muito superiores às indicadas na OT (150-200µg/dia), superiores a 800µg/dia. Acresce que nenhum dos estudos de suplementação na grávida registou efeitos indesejáveis.1 Repõe-se um oligoelemento em défice nos valores adequados.

• O facto das colheitas de urinas não terem sido feitas nos centros de saúde no primeiro trimestre da gravidez é outro ponto fraco apontado. Teria sido melhor. No entanto, o pequeno número de grávidas seguidas em cada Centro obrigaria a pesadas infraestruturas. E como obter uma amostragem das grávidas em vigilância privada? Foi assim necessário recorrer às maternidades. Acresce que o estudo estatístico das iodurias, por trimestre de gravidez, não apresentou diferenças significativas.

• Julgamos ter comentado os aspetos mais relevantes  que levaram os autores a pôr em causa a bondade da OT. Congratulamo-nos por terem levantado criticamente problemas que levaram à sua discussão. Esperamos ter contribuído o para seu esclarecimento.

• A suplementação iodada na gravidez, conforme aconselha a DGS, é, segundo o estado atual do conhecimento médico, uma medida inócua e benéfica para as grávidas e respetivos filhos. Os nossos colegas de Medicina Geral e Familiar são dos principais autores na sua concretização. A sua intervenção para que o sal iodado seja cada vez mais usado por toda a população é também fundamental.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Taylor PN, Okosieme OE, Dayan CM, Lazarus JH. Therapy of endocrine disease: impact of iodine supplementation in mild to moderate iodine deficiency: systematic review and meta-analysis. Eur J Endocrinol. 2013;170(1):R1-R15.         [ Links ]

2. Bath SC, Steer CD, Golding J, Emmett P, Rayman MP. Effect of inadequate iodine status in UK pregnant women on cognitive outcomes of their children: results from the Avon Longitudinal Study of Parents and Children (ALSPC). Lancet. 2013;382(9889):331-7.         [ Links ]

3. Hynes KL, Otahal P, Hay I, Burgess JR. Mild iodine deficiency during pregnancy is associated with reduced educational outcomes: 9-year follow-up of the gestational iodine cohort. J Clin Endocrinol Metab. 2013;98(5):1954-62.         [ Links ]

 

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

E-mail: elimbert@ipolisboa.min-saude.pt

 

Conflito de interesses

O autor foi co-autor da Orientação Técnica n.º 011/2013 e declara não ter conflito de interesses.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons